quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Quem precisa do Photoshop?

O The Online Photographer, a que já me referi aqui, despertou-me de novo a atenção com um texto sobre uma capa da revista Intelligent Life, pertencente ao mesmo grupo editorial do The Economist. A fotografia dessa capa é de Cate Blanchett, uma atriz que fez algum furor nos finais dos anos 90 e início deste século e que agora é empresária teatral. Cate Blanchett tem agora 41 anos, o que não significa que não seja uma mulher belíssima. O que levou o The Online Photographer e o ISO 100 (este último um blogue português quase confidencial) a interessar-se pela capa não é tanto a carreira de Cate Blanchett, mas o facto de a fotografia ter sido feita sem pós-produção, i. e. sem recurso ao Photoshop.
A fotografia é, evidentemente, de enorme qualidade, feita com uma teleobjetiva que estreita a profundidade de campo, mas não é isto que importa. O interessante é que a imagem de Cate Blanchett é de um realismo extremo. Não foi feito qualquer esforço para retirar rugas, alterar a aparência da pele ou do cabelo ou por qualquer forma «melhorar» a aparência de Cate Blanchett. Antes de mais, tal seria um exercício fútil, já que ela é uma mulher extremamente bonita. Depois, porque manipular a imagem seria roubar realidade à fotografia; seria adulterar a verdade e iria colidir com o objetivo do artigo publicado, que não é sobre Cate Blanchett enquanto atriz, mas na sua qualidade de empresária teatral. Por outras palavras, era a mulher, e não a atriz, que constituía o tema da reportagem. E uma fotografia inteiramente realista serviria muito melhor esse propósito, que pode ser resumido com a palavra naturalidade, do que uma outra trabalhada com o Photoshop.
Há muito que decidi não usar o Photoshop. A despeito de, ultimamente, ter vindo a usar técnicas como o arrastamento, que alteram o aspeto do objeto fotografado - não há mares leitosos nem carrosséis supersónicos -, o trabalho que faço quando me dedico a estas fotografias é anterior ao disparo do obturador, e não posterior. É, deste modo, parte integrante da fotografia. Implica o controlo da exposição e um conhecimento, ainda que imperfeito, da técnica fotográfica. O Photoshop, esse, já não tem que ver com este iter fotográfico: é posterior, integrando o conceito de tratamento (ou edição) da imagem. No meu ver, já não tem que ver com a fotografia, mas com artes gráficas. O seu uso é legítimo - não o nego -, mas já não faz parte da fotografia porque, como já disse, é posterior à recolha da imagem.
O Photoshop traz consigo um vício, que é o de levar a pensar que a técnica fotográfica não é importante porque a fotografia pode ser tratada num momento posterior; uma fotografia má ou sofrível seria irrelevante, uma vez que pode ser convertida numa grande fotografia na pós-produção. Este conceito é errado, e leva a que o fotógrafo prescinda do domínio da técnica, o que nega a própria necessidade de câmaras que permitam controlar a exposição e também a de conhecer as funções da câmara. Bastaria fotografar com qualquer coisa (por exemplo um telemóvel), e qualquer problema da imagem recolhida seria melhorado posteriormente.
É por estes motivos que rejeito o Photoshop, apesar de já ter recebido ofertas para o instalar gratuitamente no meu computador. Não é o preço (ou a gratuitidade) que me faz recusá-lo: é o facto de não o considerar parte da fotografia. O que eu quero é dominar a técnica fotográfica para fazer boas fotografias, e não transformar fotografias sofríveis em grandes fotografias através da edição. Sei muito bem que isto pode parecer quixotesco, e que qualquer fotógrafo profissional usa o Photoshop, mas enquanto não dominar a técnica fotográfica não quero pós-produzir as minhas fotografias. É certo que as retoco com software próprio (Olympus Viewer, v. 1.3), uma vez que todas as imagens, tal como são descarregadas da câmara, têm deficiências de brilho e contraste, mas nunca as transformo, seja por adição ou por subtração, em algo que não estava lá quando fiz a fotografia. E tenho conseguido bons resultados, a despeito de por vezes me apetecer retirar elementos de poluição visual (um dia hei-de escrever sobre isto, que inclui cabos elétricos, ramos, automóveis, etc.) processando a imagem, mas eu gosto de fotografar o que vejo - mesmo que de uma maneira que nem sempre é aquela que se oferece à perceção imediata. Se um elemento poluidor é impeditivo da qualidade da imagem, prefiro não fotografar.
E, por vezes, sinto que atinjo resultados que dispensam qualquer pós-produção - como a fotografia acima, que apenas recebeu alguma acentuação do contraste e uma ligeira diminuição do brilho. Não vou dizer que nunca usarei o Photoshop: apenas digo que, nesta minha fase de aprendizagem, o seu uso seria um elemento perturbador. De resto, a minha profissão implica passar as horas de trabalho defronte a um computador; a fotografia permite-me escapar à tirania do monitor e do teclado, o Photoshop implicaria ainda mais tempo à frente do computador. 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Telefones vs. câmaras

O lançamento do Nokia 808 aproximou um pouco mais a comunidade fotográfica da loucura e voragem consumistas. Este telemóvel, ou smart phone, tem uma resolução (anunciada) de 41 megapixéis num sensor quase do tamanho das Nikon J1 e V1, mas, sendo o que é, tem apenas uma lente de distância focal fixa de 24mm/f2.4, fabricada pela venerável Carl Zeiss. Como esta lente é, por opção da Nokia (que demorou cinco anos a descobrir que não se pode montar um zoom num telefone sem comprometer a qualidade da imagem), de distância focal fixa, o zoom é digital: o software do telemóvel faz o chamado cropping digital para ampliar a imagem. A resolução, conforme alega a Nokia, permite recortar porções da imagem à escolha do proprietário, e o elevado número de pixéis encarregar-se-á de garantir a máxima resolução possível para estes croppings. Ao que parece, o grande problema é o sistema operativo Symbian Belle, que parece não ser muito eficaz. 
Estou certo que, com um sensor deste tamanho, o telefone pode ter uma qualidade superior à da concorrência. E as imagens são até bastante razoáveis, desde que não se abuse da ampliação. Até aqui tudo bem. Se as pessoas se contentam com um telemóvel para fotografar, este é para elas. Já disse aqui que não tenho objeções a que as pessoas fotografem com compactas ou telemóveis. O disparate começa com os clamores de «qualidade profissional» com que o marketing quer impor este produto. A qualidade da imagem, embora interessante para um telefone móvel, não é nada daquilo que anunciam. Descobri até uma imagem - um cropping - na qual os defeitos de fotografar com um telefone ficam bem patentes:
Como vêem, o nível de ruído é considerável, mas pior ainda é o facto de a imagem estar desfocada, com uma nitidez bastante pobre. Se isto é qualidade profissional, ou nunca viram uma fotografia de um profissional a sério ou são simplesmente mentirosos.
Contudo, a avaliar pelo furor causado em websites de fotografia, o marketing da Nokia atingiu em cheio os corações dos que entendem que o tamanho do sensor e o número de megapixéis definem a qualidade de uma câmara. Já se falava na morte das câmaras compactas às mãos dos telefones móveis, mas agora encomendaram-lhes o funeral.
Entendamo-nos. As imagens apresentadas pela Nokia são boas - para um telemóvel, e se forem vistas no Facebook (já o Flickr, como vimos, expõe as insuficiências das imagens). Daí a clamar que este é o futuro da fotografia vai a distância que separa a sensatez do disparate total. O telemóvel pode ser bom a fotografar, e não me custa nada aceitar que venha dar cabo do negócio das câmaras compactas, mas nunca substituirá uma boa câmara. Tal como nas compactas, está limitado ao uso de uma só lente que, por melhor que seja, não assegura a versatilidade de uma DSLR ou de uma mirrorless. Mesmo quando recorre ao zoom digital, como este Nokia 808, a qualidade da imagem será sempre inferior à de uma câmara decente. Há limitações que não podem ser superadas, e a dimensão física - que, no caso dos telefones, tem de albergar o hardware de imagem (foto e vídeo) e de comunicação, para além da bateria - é uma delas. Acresce que um telefone não dá uma profundidade de campo baixa, porque esta não é apenas função do sensor - ao contrário do que muitos entendem -, mas também da distância focal da lente. Por outro lado (e este é talvez o aspeto mais importante), o telefone não dá qualquer possibilidade de controlo da exposição ao utilizador: não há controlo da abertura ou do tempo de exposição. Nem um modo P sequer. O que significa que não se pode fazer arrastamentos, nem desfocar com sucesso o plano de fundo ou usar a focagem seletiva. Também não se pode controlar o modo de medição, nem o ISO ou o equilíbrio dos brancos, funções que mesmo algumas das compactas mais modestas já oferecem. (A minha Canon A3150 tinha modo P, compensação de exposição, medição matricial, ponderada e pontual, controlo do ISO e equilíbrio dos brancos.) Mais importante ainda é o facto de, por mais tecnologia que se embuta num telefone, este não atinge a mesma nitidez, contraste e riqueza cromática de uma câmara decente.
Se uma pessoa se satisfaz com fazer fotografias descontraidamente, sem preocupações técnicas, muito bem: trazer este telefone no bolso até pode dispensar a compacta, desde que esta não seja uma Canon Power Shot S100 ou uma Olympus XZ-1. O que não se pode é dizer que o Nokia 808 garante imagens de qualidade profissional, porque essa pretensão é risível. Estamos numa época em que muitos consumidores não se limitam a ser enganados: eles agora gostam que os enganem, e vão a correr comprar o que o marketing anuncia - completamente alheios ao facto de irem comprar um produto caríssimo (cerca de €450,00 - mais do que dei pela minha E-P1) que na melhor das hipóteses lhes vai durar dois anos (se entretanto não o substituírem por um telefone ainda mais XPTO, com mais megapixéis ou um sensor APS-C nas entranhas...)
Eu entendo que quem quiser fazer fotografias com qualidade e criatividade deve comprar uma câmara decente. Podem vir com todos os megapixéis e sensores que conseguirem enfiar num telefone móvel, mas nada substitui uma câmara e boas lentes quando se quer fotografar com criatividade. Telefones como este (ou o iPhone) não são capazes de despertar a criatividade fotográfica do utilizador. Pelo contrário, ao convencê-lo que faz boas fotografias por causa do tamanho do sensor e dos megapixéis estão a contribuir para a instalação definitiva da mediocridade. Este é mais um pequeno triunfo do consumismo desenfreado.
Ah, é verdade: embora a publicidade não o mencione, parece que este Nokia 808 também dá para fazer chamadas...

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Pergunta do mês

Há algumas semanas um leitor deste blogue, no seu comentário a um texto, formulou a seguinte questão: «em relação à qualidade de imagem, uma mirrorless com sensor APS-C não seria equivalente a uma DSLR com sensor APS-C?» Embora este blogue não seja um consultório para fotógrafos amadores, não teria sido educado se o tivesse deixado sem resposta; respondi-lhe, na altura, que teoricamente não havia qualquer motivo para que a qualidade da imagem fosse inferior, mas esta é uma questão que me parece merecer mais algum desenvolvimento.
Os amantes da tecnologia, entendendo-se como tal aqueles que compram uma câmara por ter um sensor enorme, pelo valor máximo do ISO ou pelo número de megapixéis, não encontrarão qualquer diferença entre uma imagem produzida por uma reflex e por uma mirrorless com um sensor de dimensão e resolução equivalente. Ambas terão, sob o ponto de vista técnico, a mesma resolução, a mesma gama dinâmica, o mesmo ruído (ou ausência dele), etc. Simplesmente, fazer a questão da qualidade de imagem depender apenas do sensor é tão disparatado como pretender que a qualidade de uma fotografia feita com uma câmara analógica depende da qualidade do filme utilizado. É uma parte da questão, mas não responde a tudo. Sobretudo não responde à questão de existirem câmaras com sensores idênticos que produzem imagens subjetivamente diferentes.
Antes do mais, há que considerar a contribuição das ópticas para a qualidade da imagem. Seja qual for o tipo de câmara em análise, a qualidade da imagem depende, e muito, das lentes que se empreguem. As mirrorless com sensor APS-C atualmente comercializadas - as Samsung NX e as Sony NEX - têm aqui um sério limite, porquanto as poucas lentes existentes para as suas baionetas são de qualidade, digamos, melhorável. Já a Pentax K-01 tem uma vantagem prática neste capítulo, uma vez que a sua baioneta do sistema K permite montar todas as lentes desenvolvidas para este sistema. E diz quem sabe que algumas destas lentes são de altíssima qualidade. A Fujifilm X-Pro 1 - que também tem um sensor APS-C, tal como a Sony e a Samsung - tem uma baioneta de conceção original, pelo que apenas podem ser montadas as lentes especialmente desenvolvidas para esta câmara. Há, neste particular, uma desvantagem substancial das mirrorless com sensores APS-C em relação às reflex equivalentes. O que, no caso da Pentax, leva a questionar por que alguém há-de escolher aquela câmara em detrimento de uma reflex com um visor óptico e sistema de focagem automática por deteção de fase. E com a vantagem adicional de esta última ser menos ridícula, desde que o adquirente opte por uma cor sóbria.
Nos casos da Sony e da Samsung, há outra questão que, não estando diretamente relacionada com a qualidade objetiva (i. e. mensurável) da imagem, tem também importância. As lentes para estas câmaras são do tamanho das concebidas para as reflex, pelo que, resumindo tudo em termos simples, se está a montar uma lente grande num corpo pequeno. O que coloca alguns problemas que se repercutem, de uma maneira ou de outra, na qualidade da imagem. Uma câmara destas é difícil de manusear, e o uso de lentes grandes pode provocar distorção da imagem por arrastamento, por força da ergonomia deficiente do conjunto. Mesmo com um tripé, este pode ser um problema de difícil solução, uma vez que um corpo pequeno não é capaz de assegurar, quando fixado num tripé, a estabilidade da lente. O centro de gravidade do conjunto está demasiado longe do ponto de fixação da câmara ao tripé, pelo que é inevitável a existência de desequilíbrios e vibrações que podem afetar a qualidade da imagem. Ainda que este problema não se verifique, sempre restará o paradoxo de ter uma câmara pequena que se torna grande por causa das lentes que monta. A Sony e a Samsung não perceberam a ideia que norteou o Micro 4/3 - a construção de câmaras e lentes pequenas, mas com elevada qualidade de imagem - e tentaram tirar partido da resolução superior (pelo menos do ponto de vista teórico) do sensor APS-C. Resultado: a lente standard 18-55 da Sony é do mesmo comprimento que a teleobjetiva 40-150 da Olympus - e mais larga, por força de uma baioneta de diâmetro consideravelmente maior.
Os outros problemas são a focagem automática e o tipo de visor. As mirrorless recorrem à deteção de contraste para focar automaticamente, que é mais precisa que a deteção de fase mas menos eficaz em condições de baixa luminosidade. O que significa uma focagem mais lenta e a necessidade frequente de focar manualmente em condições de pouca luz. Além do mais, as mirrorless, por serem isso mesmo - câmaras sem espelho -, não podem ser equipadas com um visor óptico que mostre o mesmo que a lente «vê». Têm de recorrer a visores eletrónicos, que são inferiores (de acordo com os puristas das DSLR) aos visores ópticos.
Por tudo isto, não tenho muitas dúvidas em dizer que, quando o potencial adquirente de uma câmara hesitar entre uma câmara mirrorless e uma reflex equivalente, tendo ambas sensores APS-C, deve optar pela reflex. É maior, mais feia e potencialmente mais cara - mas tem muitas vantagens em relação a câmaras que não são mais que compactas nas quais foi embutido um sensor sobredimensionado e soldada uma baioneta desproporcionada, concebidas à pressa para tentar explorar aquilo que os consumidores desinformados viram como o calcanhar de Aquiles do sistema Micro 4/3 - a dimensão do sensor. 

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Manifesto Anti-FNAC

Ontem comprei o último acessório que me faltava - um cabo disparador. Com ele não preciso de tocar na câmara, nem de usar o temporizador, quando faço longas exposições usando o tripé. Experimentei-o hoje mesmo, e posso concluir que dá jeito. Muito jeito. E tem uma função interessante, que é a de se poder bloquear o botão, que fica premido até meio, assim mantendo permanentemente a focagem automática. É útil nas longas exposições e quando se usa a focagem automática contínua. Além do  mais, o cabo permite-me manter alguma distância entre mim e a câmara, no caso de usar o tripé muito perto ou mesmo dentro de água. (Hoje o tripé levou o primeiro banho de mar quando fiz esta foto:)
Podia dizer que estou contente com a aquisição, mas não consigo. Comprei o cabo disparador na FNAC da Rua de Santa Catarina. Foi a segunda vez que o tentei comprar: da primeira, como esperei dez minutos sem que nenhum empregado me atendesse, desisti. O cabo estava exposto na vitrina dos artigos usados, e o preço era €10,00. Barato - poderia alguém pensar. A verdade, porém, é que este produto está à venda na Internet por preços entre os €6 e os €8. Novo, note-se bem. E eu comprei-o usado. Senti-me roubado e ludibriado quando descobri os preços pedidos por este produto na net.
Eu não sou um imbecil que apenas se preocupa com o seu hobby; sou um cidadão consciente e sensível às questões dos direitos do consumidor. A FNAC vai longe demais nos preços que cobra em certos produtos. O flash Olympus FL-14, que me custou €177 na Colorfoto do Porto, custa €229 na FNAC; o meu saco Lowepro Nova 140 AW custa €49,99 na FNAC, e eu comprei o mesmo modelo por €38 na AFF; e o saco Slingshot 102 AW custa €80 na Colorfoto e €99,90 na FNAC. Estes são apenas exemplos que conheço; decerto haverá outros. Por exemplo na secção de informática, onde todos os preços são mais altos do que noutras lojas.
Eu sei que há muita gente que tem a ilusão de que os preços são mais baixos nas ditas «grandes superfícies», mas no caso da FNAC esta é uma ilusão mentirosa. Não comprem na FNAC. Não se deixem enganar.   

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A idade, a E-P1 e outras considerações

Hoje fui fazer aquilo a que, pomposamente, chamo «fotografia de rua». Talvez por a vida não me estar a correr como gostaria, nenhuma das fotografias me deixou inteiramente satisfeito. Mesmo as quatro que publiquei no Flickr me parecem abaixo do que já fiz e posso voltar a fazer. Fotografei a sessão quase toda a preto e branco, imaginando-me porventura algum aprendiz de Gérard Castello-Lopes. O que fiz foi fotografias velhas. Por vezes sinto-me incapaz de fazer fotografias modernas e audazes, fotografias do presente que apontam para o futuro. Posso estar a evoluir tecnicamente, mas os meus motivos começam a tornar-se batidos.
Quando voltava para o carro, com a câmara desligada e a tampa da lente in situ, um jovem casal cruzou-se comigo. Foi naquela ruazinha entre a Praça Carlos Alberto e o Largo do Moinho de Vento cujo nome nunca me deu para guardar na memória. O rapaz, um jovem dos seus vinte e quatro ou vinte e cinco anos (ou talvez mais, agora os jovens mantêm um ar adolescente até aos trinta), dirigiu-se-me em inglês. Queria que fizesse uma fotografia dele e da namorada, uma rapariga belíssima que, como me informou o namorado, é modelo. Claro que aceitei. Só tive pena de não ter comigo a OM de 50mm, para ter menos profundidade de campo. Devo dizer que foi a primeira vez que isto me aconteceu: normalmente obtenho olhares irados quando me aproximo de alguém com a câmara nas mãos, e não interpelações simpáticas. Depois de os fotografar, perguntei-lhes como é que lhes fazia chegar as fotografias. Foi então que percebi por que não consigo fazer fotografias jovens: porque estou velho. O rapaz sugeriu-me que gravasse o seu endereço de e-mail no telemóvel - ele afinal era português, e nós ali a falar inglês! -, e eu apenas fui capaz de produzir uma demonstração patética de incapacidade de lidar com um telemóvel. Senti-me inadaptado, ultrapassado e incapaz de acompanhar os tempos atuais. Um verdadeiro fóssil.
Entretanto, a meio da sessão fotográfica passara pela loja onde comprei as minhas lentes OM. Conversei um pouco sobre fotografia, câmaras e lentes. O dono da loja, a meu pedido, deixou-me mexer um pouco numa OM-1. Meu Deus, eu quero uma daquelas câmaras! Além de ser belíssima, tem um visor óptico de uma limpidez que nunca vi numa DSLR moderna. E sentir o peso perfeitamente equilibrado e aquela sensação de qualidade nas minhas mãos... Comprar aquela câmara seria o reconhecimento da minha condição de geronte, e traria a despesa e a maçada das revelações, mas senti que aquela é que é uma câmara para um homem da minha idade. É um facto: sou um cota. Tenho de começar a pensar no centro de dia mais adequado...
Nessa loja estava um homem, daquelas pessoas que não encontram nada melhor para fazer que não seja passar os dias a conversar com o dono da sua loja favorita. Curiosamente, esse homem tem uma Olympus E-P1, o mesmo modelo da câmara que eu trazia pendurada no pescoço. A conversa incidiu sobre a primeira das Pen digitais. Aquele homem foi o primeiro proprietário de uma E-P1 que conheci em pessoa. (Há vários a visitar os mesmos websites e blogues que eu.) Foi uma conversa interessante, que reforçou ainda mais a impressão de que tenho uma excelente câmara. É uma câmara para velhotes como eu e o homem da loja: apesar de ser digital, é simpática para com os utilizadores de lentes de focagem manual. Acima de tudo, é uma câmara que, apesar de ter funções que apelam aos fotógrafos habituados às compactas (e quantos milhares de E-P1 não andarão aí nas mãos de gente que as usa sempre no modo automático e não faz ideia de que pode usar outra lente para além da que vinha na caixa?), é também uma câmara que tem um encanto especial para os fotógrafos puros e duros (galicismo estúpido!) que querem boas fotografias sem ter a maçada de as processar, saindo diretamente da câmara com um bom nível de qualidade. Claro que a E-P1, nos tempos que correm, é uma câmara do passado: já foi lançada há quase três anos, não tem visor nem flash incorporados, a resolução é só de 12,3 MP, não tem uma porta para acessórios como a E-P2, etc. E nem sequer me referi ao facto de ter um sensor que alguns acham ter a área de um grão de areia (e dos pequenos, daqueles que se metem no cabelo nas praias de areia fina quando está vento). Uma câmara velha e ultrapassada. Como eu. Talvez seja por isso que me sinto tão feliz por ter uma.
Curiosamente, ontem descobri um ensaio crítico sobre a E-P1 feito na semana passada por um tal Carl Garrard. Fazer uma recensão de uma câmara com quase três anos é ainda mais estranho do que comprar uma, mas foi interessante confrontar as minhas impressões com o que li e ver que tudo coincidia. O ensaio é extremamente elogioso, mas que significa isso? Há tanta gente a escrever disparates nos seus blogues; este homem com apelido de gira-discos do passado pode ser apenas mais um entre esta multidão - à qual eu se calhar pertenço. Há tempos li um artigo de um fotógrafo que apodava câmaras como a minha de point and shoots (as point and shoots são aquelas compactas minúsculas que os turistas pé-rapado costumam usar). Há gente tonta a ponto de escrever sobre o que não conhece, e a fazê-lo com tom doutoral. Ao menos neste aspeto a idade é-me favorável: tive mestres que me obrigavam a fundamentar as minhas afirmações, obrigação que cumpro com todo o zelo possível. Em todo o caso - e voltando à recensão de C. Garrard e ao homem na loja -, é bom ver que há gente que consegue pensar numa câmara em termos daquilo de que ela é capaz, em lugar de as avaliar pelas suas especificações técnicas. Em que ponto exato é que a fotografia deixou de ser uma arte para se tornar num hobby para tarados da tecnologia? 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Cinco mil

Obrigado a todos os leitores que ajudaram este blogue a atingir cinco mil visitas. Quando comecei este blogue, esperava ter, quando muito, cinco visitas por dia. Este número, obtido em apenas oito meses, não faz do ISO 100 um caso de popularidade na blogosfera, mas não é nada mau para um blogue português sobre fotografia escrito por um amador nas horas vagas, sem qualquer publicidade, patrocínio ou retorno económico de qualquer espécie.
Analisando as estatísticas, fico contente por ver que, descontando o texto publicitado por José Antunes sobre a Pentax KO 1 e um outro que descobri ser visitado para sacar uma imagem de uma Hasselblad que o ilustrava, o texto mais lido deste blogue foi o que escrevi sobre as técnicas de congelamento da imagem, arrastamento e panning. É recompensador - e, ao mesmo tempo, uma enorme responsabilidade - saber que há quem procure informar-se sobre técnica fotográfica através deste blogue. Espero que estes textos continuem a ser úteis aos leitores. Obrigado.

Que futuro para a Olympus? (Atualizado)

A Business Week publicou um artigo extenso sobre o escândalo Olympus e, em particular, o papel de Michael C. Woodford nos acontecimentos que podem, se tudo correr mal, levar à dissolução da Olympus Corporation. Como se pode deduzir de toda a atenção que este escândalo está a receber, os acontecimentos em torno da Olympus vão muito além do mero interesse pelas câmaras e lentes da sua divisão de imagem: este é, de acordo com alguns, o segundo maior escândalo financeiro de sempre no Japão - e o Japão não é exatamente uma economia pequena e insignificante. É também um bom exemplo da falta de ética e da corrupção nas grandes corporações.
O artigo, em sete partes, pode ser lido seguindo esta hiperligação.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Que futuro para a Olympus?

The Online Photographer é um dos blogues que visito diariamente. É mantido por um norte-americano de nome Mike Johnston, cujos interesses, para além da fotografia, passam também por automóveis e alta fidelidade. Não desdenharia uma boa conversa in persona com ele, iria decerto ser interessante. Além destes interesses comuns, Mike é uma pessoa atenta ao que se passa no mundo e com ideias lúcidas e sãs - o que, atento o nível de sarjeta para que os republicanos atiraram o debate político com o seu ódio por Barack Obama, é algo de assinalável.
Ontem Mike Johnston escreveu um texto notável - onde há até uma analogia com a situação económica da Grécia, embora sem conhecer ainda o plano de resgate aprovado na terça feira - que remete para um artigo da Reuters em que se dá conta do receio que os investidores estrangeiros têm de que os principais credores da Olympus Corporation - alguns dos maiores bancos japoneses - forcem a uma composição do futuro conselho de administração que lhes permita controlar a sociedade. Ora, isto significaria que a empresa ficaria nas mãos dos credores, o que configuraria uma verdadeira liquidação do património. Tal como Mike, não me parece que uma administração influenciada pelos credores vá zelar pelos interesses da empresa - vai, outrossim, atender aos interesses dos credores.
Compreendem agora a analogia com a Grécia? Tal como o país ao qual devemos a nossa civilização ocidental (civilização de que tanto nos orgulhamos, apesar de ter espalhado os males do mercantilismo pelo mundo inteiro) ficou definitivamente nas mãos da Troika, não sendo exagero dizer que perdeu a sua soberania, também a Olympus Corporation vai ser administrada, não pelos acionistas, mas pelos credores. E estes estão interessados no negócio dos endoscópios, cujo mercado a Olympus domina por uns astronómicos 70% do mercado. Tudo o resto, i. e. o áudio e a imagem, serão secundários. A divisão de imagem é particularmente vulnerável, já que, a despeito do sucesso da série Pen, tem acumulado prejuízos. Na verdade, a Olympus Imaging Corporation tem acumulado erros de gestão grosseiros desde os anos 90, altura em que teimosamente se recusou a aderir à focagem automática.
Curiosamente, mesmo o negócio dos endoscópios pode estar em risco. Um conselho de administração dominado pelos bancos poderia determinar a liquidação da Olympus Corporation para que os bancos vissem os seus créditos satisfeitos. Michael C. Woodford, o CEO que foi despedido por ter denunciado o escândalo Olympus, tentou contrariar esta assunção da administração pelos bancos, tendo o apoio de uma corporação denominada Southeastern e outros investidores japoneses e estrangeiros, mas teve de recuar diante da força dos credores. Agora a dissolução da Olympus pode ser irreversível. Os banqueiros estão-se borrifando no legado de Yoshihisa Maitani, nas lentes OM ou na qualidade da E-M5; mesmo que o negócio da endoscopia resista, as demais divisões são descartáveis. Seja o que for que venha a acontecer, a divisão de imagem estará em sério risco no caso de os credores tomarem conta do conselho de administração da Olympus Corporation.
Curiosamente, fala-se com cada vez maior insistência no interesse da Sony em adquirir participações na Olympus Corporation. O mínimo que posso dizer é que, depois de saber o que a Sony fez com a Minolta, estes rumores não me deixam nada tranquilo.      

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Carnaval

 
Escrevi ontem que fotografar é divertido. E, como o Carnaval é uma época de diversão (exceto, possivelmente, para o nosso Primeiro-Ministro, cuja única diversão deve ser bajular a chanceler Angela Merkel), teria de concluir que fotografar no Carnaval é duplamente divertido. Em parte é verdade, especialmente para quem, como eu, quer por força aprender a fazer fotografia de rua. Deste modo, decidi pegar na câmara e fotografar a movimentação na Baixa do Porto. Levei a 17mm Pancake e o visor óptico, deixando em casa todas as outras lentes e as preocupações com a técnica: fotografei sempre no modo P.
Ora, o Carnaval é um maná para o fotógrafo de rua, mas não se pense que, por haver tantos mascarados, há uma enorme abundância de motivos fotográficos e as exigências de atenção e perspicácia são menores, como se fôssemos pescadores no tanque de um viveiro. Antes de mais, nem todos os costumes carnavalescos são interessantes; depois, nem todas as situações em que surpreendemos os mascarados dão boas oportunidades de fotografar. As exigências são, deste modo, exatamente as mesmas que na fotografia de rua em dias normais.
Por outro lado, andar pelo meio da multidão nem sempre é agradável. Há pessoas que não vão ao Carnaval para se divertir, mas por desfastio, por não terem mais nada de interessante que fazer. As crianças, por seu turno, não me pareceram particularmente divertidas, muitas delas parecendo estar a fazer um frete para agradar aos paizinhos orgulhosos por vestirem os seus rebentozinhos com costumes completamente batidos. As únicas pessoas que me pareciam genuinamente divertidas foram os jovens, raparigas e rapazes entre os 18 e os 24 anos. Foi, aliás, com estes que senti mais empatia ao fotografar.  
Acresce que havia um ambiente que não devia diferir muito das romarias aos centros comerciais dos fins de semana, sendo notório o aborrecimento na face de alguns transeuntes. E havia filas para tudo: para as farturas, para os carrosséis, para os gelados, para as cervejas, para as pipocas e para os balões. E não eram filas de cinco ou seis pessoas: algumas ultrapassavam a dezena de metros. Além de não haver um corso carnavalesco (como é que podia, numa cidade com um executivo camarário mais cinzento que o empedrado da Avenida dos Aliados?) que trouxesse um pouco mais de animação e interesse: era apenas um amontoado de pessoas que tentava retirar algum divertimento de uns carrosséis pindéricos, tentando esquecer as dificuldades da vida por algumas horas. Se pensarmos bem, até se torna um pouco deprimente (embora não tanto como ver o Relvas na televisão...)
Apesar de tudo, não deixou de ser divertido fotografar este Carnaval de crise. Se olharmos para as pessoas da mesma maneira que o fazemos quando nos dedicamos à fotografia de rua, os resultados podem ser muito bons. A única diferença é que, numa ocasião destas, é proibido fotografar a preto-e-branco. E não se consegue evitar algumas poses dos transeuntes, o que rouba alguma espontaneidade à fotografia (mas que, curiosamente, em algumas fotografias resultam bem).
Por vezes sucede-me chegar a casa entusiasmado por pensar que tinha feito grandes fotografias e, ao descarregá-las para o computador, ficar completamente dececionado. Felizmente neste Carnaval aconteceu-me o oposto: estava convencido que as minhas fotografias tinham ficado desinteressantes e de fraca qualidade, mas enganei-me: fiquei até muito satisfeito com uma dúzia delas - o que não foi mau, porquanto apenas tirei cerca de cinquenta. Destas, selecionei dez, que podem ser vistas (sem os textos inestéticos) na minha página do Flickr.  

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Fotografar é divertido!

Ontem de manhã rumei ao Jardim Botânico do Porto com a lente OM 50mm/f1.4 montada na minha câmara. Como ainda estamos no inverno, não fiz muitas fotografias de flores - apesar de duas delas terem saído muito satisfatórias -, mas fiz inúmeras experiências com a profundidade de campo e a focagem seletiva. A 50mm/f1.4 permite uma profundidade de campo muito reduzida - ela comporta-se como uma pequena teleobjetiva quando montada na minha câmara -, o que a torna excelente para fotografar com aqueles fundos esbatidos que todos apreciamos. Por outro lado, com uma abertura máxima de f1.4, é um prazer fotografar com ela: é rapidíssima. O mínimo que posso dizer é que foi uma sessão divertida.
Quando já se tem um pouco de conhecimento de como uma câmara funciona e algum controlo sobre o processo fotográfico, a fotografia torna-se num enorme prazer. É certo que há ocasiões em que posso voltar a casa sem fotografias decentes, o que pode causar alguma frustração, mas felizmente é muito raro isso acontecer. Compreender a câmara e dominar a técnica, embora não sejam fins em si, ajudam a fotografar melhor e abrem as portas para um mundo de experiências que podem dar enorme satisfação. É o que acontece com a focagem seletiva: escolher um objeto que fique nítido, deixando os que estão nos planos anterior e posterior desfocados, por exemplo, pode produzir resultados incríveis. Esta técnica é, evidentemente, usada quando se quer destacar um objeto em relação aos que o circundam, mas é também algo capaz de produzir resultados surpreendentes.
Exemplo de focagem seletiva
Devo dizer que, quando era um absoluto principiante, temia que o prazer de fotografar desaparecesse diante das considerações técnicas: imaginava que, diante da complexidade do funcionamento de uma câmara evoluída, a fotografia exigisse um trabalho mental de tal ordem que acabasse por perder toda a espontaneidade, substituindo o prazer pelo raciocínio. Nada disso: quanto mais nos familiarizamos com a câmara, mais partido tiramos dela e maior é a satisfação pelos resultados obtidos. De resto, tornamo-nos conscientes das possibilidades fotográficas de um equipamento decente e sentimo-nos motivados para experimentar e levar as experiências mais longe. Pelo menos eu funciono assim. Se tenho algo bom entre as mãos, sinto vontade de descobrir todo o seu potencial - embora esta exploração, neste momento, deva andar ainda pelos 50-60% daquilo que a câmara tem para dar.
Exercício de profundidade de campo
E a verdade é que estas experiências são divertidas. Os seus resultados, quando se obtêm imagens satisfatórias, podem ser extremamente interessantes e gratificantes. Claro que não é daqueles prazeres que nos fazem exultar e sentir que a vida é maravilhosa, mas é uma satisfação interior intensa que resulta de termos conseguido fazer algo de acordo com a nossa intenção e termos vencido um desafio. Acresce que estas experiências são uma forma de consolidar os conhecimentos adquiridos e de treinar para o desenvolvimento das aptidões fotográficas. A pior coisa que pode acontecer é alguém, por obter resultados satisfatórios com configurações normais, se abster de procurar levar a técnica mais longe. Ou, o que ainda é pior, pensar que o importante é fazer fotografias bonitas e desprezar sobranceiramente os aspetos técnicos. É que o domínio da técnica permite fotografias ainda melhores e mais bonitas. Experimentar pode ser imensamente recompensador - pelo menos quando as coisas correm bem... 

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O futuro é mirrorless?

Um artigo publicado na quarta feira no Digital Photography Review informa que as vendas dos sistemas mirrorless têm vindo a crescer, em detrimento das DSLR. Aparentemente não sou nenhum visionário, nem estou sozinho na escolha de um sistema: as vendas das mirrorless traduzem uma adesão crescente a este tipo de câmaras e lentes. E este crescimento de vendas é consistente. Claro que este artigo recebeu inúmeros comentários depreciativos, vindos sobretudo de proprietários de DSLRs, mas estes não são suficientes para alterar a realidade de que estes novos sistemas estão a afetar as vendas das reflex.
Teoricamente, as câmaras que mais deveriam sofrer com o crescimento do segmento das mirrorless seriam as bridge, em relação às quais as mirrorless têm a vantagem de um sensor de dimensões decentes, mas aquelas câmaras são, sobretudo, compradas por pessoas que querem uma lente que faça de grande-angular e supertelefoto sem a maçada de mudar de lentes. As compactas propriamente ditas, i. e. as point and shoot, já estão a ser ignoradas pelos consumidores em favor dos iPhones e outros telemóveis, pelo que não é aqui que as mirrorless vão buscar a sua fatia de mercado: as reflex é que têm vindo a perder compradores.
Temos como adquirido que as mirrorless estão a substituir as reflex, e o mais provável é que seja o segmento de entrada destas últimas - nomeadamente a Nikon D3100 e a Canon 1100D - que mais tem perdido, porque é com este que as mirrorless concorrem diretamente; questão diferente, porém, é saber se este volume crescente de vendas significa que as mirrorless são o futuro da fotografia. Em meu ver, não. Ainda não. Para que isso acontecesse seria necessário, a meu ver, que se verificassem três condições.
A primeira seria que a qualidade de imagem destes sistemas se tornasse superior à das correntes DSLR. O que não é impossível, atento o facto de este novo sistema ter mais margem de progressão que as DSLR, mas pode demorar e encontrará inúmeras resistências. As tecnologias empregues nas mirrorless são ainda recentes, e as que não são recentes são inovações que se mantiveram estacionárias por pertencerem ao segmento das compactas (e. g. a focagem por deteção de contraste). Para que as mirrorless compitam com as DSLR em condições de igualdade, têm de haver desenvolvimentos substanciais em três áreas: a qualidade dos sensores, a resolução e rapidez dos visores eletrónicos e o aperfeiçoamento dos sistemas de focagem.
A segunda condição, que depende da primeira, é que os profissionais que hoje usam DSLRs full frame adiram às câmaras destes novo sistema (o que também pode levar algum tempo). Os progressos atuais das mirrorless ainda não asseguram a qualidade e a rapidez de que os profissionais necessitam. Por muito boas que sejam câmaras como a Fujifilm X-Pro1 ou a Sony NEX-7, não me parece plausível que um fotojornalista resolva trocar a sua Nikon D4 por uma destas câmaras. Antes de mais, porque as mirrorless não podem, pela sua própria natureza, ser equipadas com visores ópticos TTL, algo que os profissionais não dispensam; depois, porque um profissional necessita de corpos ergonómicos e funcionais, e a maior parte das mirrorless corresponde mais ao conceito de frivolidade que ao de funcionalidade; e, finalmente, porque os sistemas de focagem automática implementados nas mirrorless ainda não estão no mesmo nível de desempenho que os das melhores DSLR. A Olympus já por duas vezes se gabou de ter o sistema de focagem automática mais rápido do mundo, mas omitiu o facto de este só ser eficaz com objetos estáticos e boas condições de luminosidade.
A terceira condição é que um dos presentes formatos (seja ele o 4/3 ou o APS-C) se torne universal, à semelhança do 35mm da era analógica.Presentemente há quatro tamanhos de sensor a ser usados nas câmaras mirrorless: o da Pentax Q, que é um sensor típico de compacta, o Nikon CX, os 4/3 e os APS-C. Embora os dois primeiros sejam atípicos, a verdade é que esta diversidade tem obstado a que os fabricantes assentem os desenvolvimentos num padrão único, o que dificulta ainda mais a progressão das tecnologias e confunde os consumidores. O estabelecimento de um padrão único, que faria a tecnologia desenvolver de um modo verdadeiramente ameaçador para o segmento profissional, é dificultado pelas especificidades dos principais formatos: o micro 4/3, que foi o pioneiro nos sistemas mirrorless, tem uma vantagem substancial sobre o APS-C: a possibilidade de fabricar lentes pequenas e compactas, mas de grande qualidade. Um dos problemas da Sony é o seu sistema NEX exigir lentes tão grandes como as das DSLR, o que dilui as vantagens de poder fabricar corpos pequenos. Um corpo pequeno com uma lente grande é tudo menos prático e funcional. Os sensores APS-C têm, porém, a vantagem de uma qualidade de imagem ligeiramente superior, mas esta tende a atenuar com os progressos que se têm conseguido em sensores pequenos: o sensor Nikon CX, apesar de ter metade da área do 4/3, consegue desempenhos muito interessantes com sensibilidades ISO elevadas, e há indicações de que os sensores 4/3 têm feito progressos em resolução. Enquanto um destes formatos - 4/3 ou APS-C - não prevalecer, o duopólio Canon - Nikon vai manter-se.
As mirrorless podem ser o futuro - e eu acredito que tem condições para tanto -, mas o futuro não é já para o ano que vem. Nem para o próximo. O mais provável é que estas câmaras se tornem numa alternativa às DSLR, tal como as câmaras de telémetro o eram em relação às SLR nos dias da fotografia analógica. Contudo, não me surpreenderia, nem me chocaria, se um dia as mirrorless substituíssem as DSLR. Tal como a fotografia evoluiu do grande formato para o 35mm, e deste para o digital, a tendência tem sido para a adoção de formatos cada vez mais pequenos. Claro que haverá sempre quem tente contrariar esta evolução, e eu imagino que o Dr. Oskar Barnack tenha recebido, quando inventou o 35mm, o mesmo tipo de sarcasmos que agora recebem os fabricantes que escolheram o micro 4/3. Os argumentos não deviam ser, na substância, muito diferentes. Mas, como referi, aquela substituição - se vier a ter lugar - não é para tão cedo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O escândalo Olympus ainda não acabou

Ontem soube-se que Tsuyoshi Kikukawa, anterior presidente da Olympus Corporation, Hisashi Mori, membro do conselho de administração, e mais cinco pessoas, entre elas dois banqueiros, foram detidas (ou presas, o que é diferente) com base numa queixa deduzida pela própria Olympus Corp. Não sei quando foi a queixa deduzida, mas foi tudo bastante rápido: o escândalo foi descoberto há quatro meses. As notícias não são claras, não se sabendo se foram detidos para ser ouvidos por um juiz, ou se foram presos preventivamente, mas a ação das autoridades japonesas não deixa de ser notável.
Recordemos o que esteve na origem deste escândalo: em Outubro de 2011, Michael C. Woodford fora nomeado presidente executivo da Olympus Corporation. No dia 14 desse mês, confrontou o conselho de administração, presidido por T. Kikukawa, com alguns negócios estranhos e potencialmente ruinosos: a Olympus, que é, antes de mais, um fabricante de material de diagnóstico médico - é a maior fabricante mundial de aparelhos de endoscopia, com cerca de 70% do mercado -, havia adquirido uma empresa de cremes faciais, outra de lacticínios e uma outra de recipientes plásticos, cuja produção nada tem que ver com a atividade industrial da Olympus. O conselho de administração despediu imediatamente Michael C. Woodford, que posteriormente fez várias denúncias às autoridades japonesas, ao FBI e ao Serious Fraud Office britânico. Uma auditoria descobriu que aquelas compras serviram para, através da manipulação dos valores reais de aquisição, ocultar contabilisticamente perdas que remontavam à década de 90. Em consequência deste escândalo, as ações da Olympus perderam 80% do seu valor e a companhia arriscou-se a ser excluída do Nikkei, não podendo transacionar ações em bolsa se tal se verificasse. Posteriormente, a Olympus Corporation foi condenada no pagamento de uma multa simbólica - não chegou a um milhão de euros - pela bolsa de Tóquio; muitos pensaram que tudo teria terminado aqui - até porque a companhia recuperou algum do valor que perdera - mas estas prisões podem significar um regresso ao estado inicial.
Na verdade, embora não se tivesse provado que houve responsabilidade da empresa pela fraude, a Bolsa de Tóquio manteve a Olympus Corporation sob observação. Estas prisões podem fazer com que a sociedade seja agora excluída do Nikkei, o que seria uma má notícia. É que, se o negócio da endoscopia tem alguma solidez, já as outras divisões - entre elas a de imagem - apresentam perdas substanciais, pelo que já circulam rumores sobre a aquisição da Olympus Imaging Corporation por outra companhia ou a sua possível extinção.
Não seria nenhuma surpresa se isto acontecesse. Com efeito, o negócio das câmaras e lentes apenas representa 15,5% do volume de negócios da Olympus Corporation, sendo deste modo marginal. Em termos contabilísticos, seria um alívio para a companhia desfazer-se de uma divisão que se tem limitado a acumular prejuízos. Os receios de extinção do negócio da fotografia voltaram, e são agora ainda mais reais. Contudo, a única coisa que se pode fazer, neste momento, é especular. Teremos de esperar para ver o que acontece. Eu, que, como ficaram a saber depois da denúncia pública de um comentador ocasional deste blogue, sou pago para fazer publicidade à Olympus neste espaço virtual, estou extremamente preocupado com a perda desta fonte de rendimento - mesmo que a companhia ainda não me tenha pago um cêntimo. Se a Olympus falir, como é que reclamo o meu crédito?
Fora de brincadeiras, seria uma pena se a Olympus estivesse destinada a um fim tão indigno. Seria a perda de uma marca que foi pioneira em muitos aspetos. O mundo da fotografia sobreviveria sem a Olympus (e eu também, embora um pouco mais pobre...), mas perder-se-ia uma das poucas marcas de material fotográfico com alguma individualidade e sentido de inovação.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Size matters

Sabem o que mais se discute nos fóruns e websites de fotografia? O tamanho dos sensores. Milhões de pessoas completamente mal informadas deixaram-se convencer de que tudo quanto é necessário para que uma câmara seja boa é que tenha um sensor enorme nas suas entranhas. É como se fosse uma hierarquia, ou uma cadeia alimentar, na base da qual estão as compactas e, no topo, as médio formato - embora os possuidores de câmaras com sensores APS-C tenham a ilusão de que estão no degrau mais alto. (É assim na fotografia como na vida: os pequenos acabam sempre por encontrar outros ainda mais pequenos para retribuir neles as humilhações que os grandes lhes infligem.) Os proprietários de Hasselblads, Pentax 645 e Leicas S2 não precisam de ir à Internet fazer de trolls porque não têm de superar complexos de inferioridade, e os que têm câmaras full frame são, em regra, profissionais que não têm tempo a perder com discussões pueris, mas os que têm câmaras com sensores APS-C entendem que qualquer sensor que seja mais pequeno, ainda que por um punhado de milímetros quadrados, é inferior; alguns chegam ao ponto de pensar - e, o que é pior, exprimem-no por escrito - que qualquer sensor mais pequeno pertence à categoria das digicams, as compactas de bolso a que os de língua inglesa chamam point and shoot. Devemos, deste modo, concluir que os fotógrafos - ou pseudofotógrafos - mais presunçosos estão entre os proprietários de câmaras equipadas com sensores APS-C, o que é injusto para muitos que eu conheço e nada têm de pretensiosos.
Vamos ao que interessa: o tamanho do sensor é importante? É. Sem dúvida. Um sensor grande permite acomodar fotodíodos maiores, incrementando a resolução e diminuindo o ruído quando se usam sensibilidades elevadas; tem também uma profundidade de campo menor, uma gama dinâmica mais extensa e é menos sujeito ao fenómeno da difração - mas será que os sensores mais pequenos são assim tão desvantajosos? Os sensores que estão mais sujeitos às atoardas ignorantes dos foristas e comentaristas são, indubitavelmente, os 4/3 que a Olympus e a Panasonic usam. Abstraindo do facto de esses fãs do APS-C poderem, a qualquer altura, ser ridicularizados por quem usa câmaras com sensores full frame e de médio formato, vamos ver se têm razão no que invocam.
Antes de mais, a questão do tamanho: o sensor APS-C da Canon é maior que o 4/3 por 4,9mm em largura e 1,8mm em altura, ao que correspondem áreas de, respetivamente, 329mm2 e 225mm2. O que, convenhamos, não é como comparar um elefante com uma formiga. Acrescentemos a isto que todos os sensores têm uma shading area (área de sombra), que resulta do facto de a lente ser redonda, produzindo um cone de luz que vai atingir o sensor, que é rectangular; pelo que o sensor pode não receber a mesma quantidade de luz nos cantos que aquela que recebe no centro. Como parece mais ou menos fácil de intuir, quanto mais retangular for o sensor, maior será a área de sombra. O 4/3, sendo quase quadrado (17,3mm x 13mm), sofre menos com este problema.
Em matéria de qualidade de imagem, a desvantagem de tamanho de um 4/3 para um APS-C existe, mas será que é tão dramática como alguns dizem? Não sei. Para aferir isto com precisão, seria necessário algo impossível: duas câmaras exatamente iguais com sensores diferentes, uma com o 4/3 e outra com o APS-C. Contudo, analisando testes comparativos, é notório que, a partir de certas sensibilidades ISO, o 4/3 sofre de mais ruído e perda de resolução - mas isto, note-se bem, acontece apenas em sensibilidades que não são utilizadas na maioria das condições, pelo que é um argumento que, embora possa ser válido em circunstâncias limitadas, apenas é esgrimido por quem cinge a questão da qualidade de imagem a critérios estatísticos.
Quanto a vantagens dos sensores mais pequenos, estas podem resumir-se a duas, mas estas são importantes: permitem fabricar câmaras mais pequenas - embora a Olympus E-5 não constitua o melhor argumento em defesa desta teoria -, mas mais relevante, porém, é o facto de os sistemas baseados em sensores mais pequenos poderem receber lentes também elas mais pequenas, embora com um desempenho óptico semelhante ao de lentes maiores. Estas vantagens são de suficiente monta para permitir a consolidação de um sistema que tem vindo a ganhar cada vez mais aceitação, sendo também, entre os sistemas mirrorless, aquele que tem melhores lentes: o micro quatro terços. Não afirmo isto por ter uma destas câmaras: tenho uma destas câmaras porque adivinhei o futuro deste sistema mal me informei sobre ele.
E, se me vierem com comentários acerca da inferioridade da minha câmara por causa do tamanho do sensor 4/3, eu respondo assim:

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O meu equipamento (atualizado)

O segundo texto deste blogue foi sobre o meu equipamento. Para quem clama que o equipamento é secundário, esta é uma verdadeira manifestação de coerência... na verdade, aprendi que o equipamento não é o mais importante durante a minha aprendizagem (que ainda não acabou), e naquela altura estava entusiasmado com a recente mudança para uma câmara decente, entusiasmo que quis partilhar no ciberespaço.
Seja como for, hoje tenho mais equipamento que nessa altura e, de resto, ninguém leu aqui que o equipamento não é importante. É-o, mas sob condição de não deixar que se torne numa obsessão e de se ter em mente que o mais importante, em fotografia, é fazer fotografias. Desde o texto anterior, datado de junho do ano passado, o meu equipamento cresceu em quantidade e qualidade, pelo que, mesmo se é certo que escrevi sobre tudo o que adquiri em textos anteriores, fica aqui uma lista atualizada e respetivos comentários:

A câmara

Continua a ser a Olympus E-P1. Quero manter esta câmara enquanto ela durar. Tem caraterísticas fantásticas: as imagens saídas da câmara - i. e. não editadas - são excelentes, sendo mínimo o trabalho de edição que requerem. Por vezes pouco mais faço que aumentar um pouco o contraste, e há mesmo fotografias que vão para o Flickr tal e qual como foram descarregadas da câmara. As cores são excelentes: sendo saturadas, são precisas e naturais. A resolução é boa - se não mesmo muito boa -, mas noto que fica algo atrás das melhores DSLR. Os controlos são interessantes - a E-P1 controla-se como uma DSLR -, embora alguns comandos devessem ser mais acessíveis. Não gosto de ter de carregar cinco vezes num botão para obter a ampliação da imagem quando foco manualmente, nem de ter apenas um botão configurável. É uma câmara bonita (já houve gente que me veio perguntar se era uma Leica!) cujos únicos defeitos são uma certa tendência para aquecer em sessões fotográficas longas, o nível de ruído da imagem mesmo com sensibilidades ISO relativamente baixas (que pode ser controlado usando exposições corretas) e a ausência de um visor. Não sei se é uma sensação subjetiva causada por alguns artigos que leio na Internet, mas começo a sentir a necessidade de um visor - daí que, nos dois últimos fins de semana, tenha usado o VF-1 em conjunto com a lente de 17mm para que está calibrado. Quanto à beleza, uma vez comentei que era a câmara mais bonita do mercado, apenas superada pela Fuji X100 e pelas Leicas M8/9. Alguém de cujo bom gosto não duvido disse-me que a E-P1 era mais bonita que estas últimas. A E-P1 ficou em primeiro...

As lentes

Tenho nem mais nem menos que cinco lentes - e utilizo-as todas! A primeira, a que vinha na caixa com a câmara, é a 17mm/f2.8 Pancake. É uma lente barata, mas muito melhor do que se pode esperar de uma lente que vem com a câmara. É, possivelmente, a lente que mais utilizo, e é insubstituível para fotografia de rua. A segunda é a teleobjetiva zoom 40-150, que foi a mais cara de todas as que comprei. Requereu algum tempo de aprendizagem, e só aprendi a lidar com ela depois de ter o zoom 75-300 (ver adiante); agora que a compreendo melhor, tenho-a utilizado com muito mais frequência. Como todas as teleobjetivas, tem uma profundidade de campo reduzida e o seu desempenho óptico é afetado quando há neblinas na paisagem que se quer fotografar, tendendo para imagens pouco definidas e contrastadas. Dentro da sua utilização normal, porém, é uma lente de enorme qualidade de imagem por um preço muito interessante.
Depois há as lentes de focagem manual. A primeira foi a OM 28mm/f3.5, que me ensinou o que são a profundidade de campo e a focagem manual; depois veio a OM 50mm/f1.4, uma lente prodigiosa que considero ser a melhor de todas as que tenho, sejam automáticas ou manuais. E, já no início deste ano, comprei a mastodôntica Vivitar 75-300/f4.5-5.6, a única lente não-Olympus. Ainda não tiro partido dela como gostaria: preciso de um acessório que permita montá-la diretamente no tripé, porque o seu peso faz o painel dianteiro da câmara ceder, o que dificulta a focagem. Contudo, o alcance desta lente e a sua qualidade de imagem são verdadeiramente prodigiosos. Um autêntico telescópio.
Claro que, para montar estas três últimas lentes na câmara, preciso de um adaptador. As lentes do sistema OM não podem ser montadas diretamente na câmara por serem mais largas que a baioneta do sistema Micro 4/3; daí que tenha comprado o MF-2 da Olympus. Podia ter comprado mais barato, porque há inúmeros sucedâneos, mas este dá-me maiores garantias e é uma belíssima peça de engenharia de precisão.
A única lente que me falta é uma grande-angular na ordem dos 9-12mm. Uma fish-eye também seria interessante, embora o seu uso seja necessariamente limitado. Contudo, as lentes que tenho neste momento satisfazem praticamente todas as minhas necessidades, e todas são excelentes.

Os acessórios

Questão prévia: será que o tripé é um acessório? «Acessório» é o antónimo de «essencial», e a verdade é que é impossível fazer fotografias decentes à noite sem tripé. Aliás, até durante o dia pode ser útil. O meu tripé é um Triopo de fibra de carbono com cabeça separada. Foi, possivelmente, o melhor negócio que fiz depois da aquisição da câmara. A cabeça é outra obra prima de engenharia; a despeito de ser uma imitação de um modelo da Arca-Swiss, também é verdade que custa dez vezes menos que esta última. É incrivelmente versátil e precisa. Estou maravilhado com aquilo que este tripé leve, robusto e estável consegue fazer.
O acessório com que estou mais descontente é o flash, o Olympus FL-14. É bonito, e fica a matar montado na E-P1, mas é fraquinho (o GN 14 significa que não ilumina corretamente mais que uma trintena de centímetros a 100 ISO) e pouco útil para os géneros de fotografia a que me dedico. A Olympus tem agora um flash mais poderoso e mais barato, o FL-300R, mas quando precisei de comprar um flash este não estava disponível. A distribuição da Olympus em Portugal é execrável.
Tenho dois sacos (ou melhor: um saco e uma mochila) da Lowepro. Ambos são excelentes; a mochila permite-me acomodar todo o equipamento sem ter de o amontoar, o outro uso-o sempre que não necessito do tripé. São sacos versáteis, que podem ser configurados de inúmeras maneiras, com um acolchoamento que garante que o equipamento não será danificado em caso de embate. A mochila tem a vantagem suplementar de ser incrivelmente anatómica, permitindo fazer longas caminhadas sem dar pelo peso (5 quilos!) que carrego. Claro que ter uma mochila é a confissão de uma pequena derrota, porque contradiz os argumentos do peso e do volume que são enunciados quando se compara o sistema micro 4/3 com os DSLR - mas, se tivesse uma DSLR e cinco lentes com as caraterísticas das minhas, teria de deixar material em casa quando fosse fotografar.
Tenho também dois filtros polarizadores, um Hama de 37mm e um Hoya de 58mm, sendo que este último sofreu um pequeno acidente que o deixou riscado durante uma sessão fotográfica na Serra da Freita. Apeteceu-me espancar-me a mim mesmo! Tenho também um filtro UV de 49mm para as prime de 28 e 50mm, mas nunca me lembro de o usar. Sem esquecer o visor óptico VF-1, a que já me referi e que vou passar a usar sempre nas minhas sessões de fotografia de rua, a despeito dos erros de paralaxe. O cartão de memória é um Sandisk de 8 GB, e tenho ainda dois párassóis para as OM. Os restantes acessórios são um soprador Hama, uma escova para as lentes, um pano de limpeza de óculos (para o caso de alguma lente ficar seriamente manchada) e um cartão branco para calibrar o equilíbrio dos brancos nas poucas ocasiões em que o modo automático e as configurações da câmara produzem resultados insatisfatórios. Com todo este material, não tenho desculpas para tirar más fotografias - desde que a inspiração esteja presente, claro.

A democratização da fotografia (4)

No topo da cadeia alimentar da fotografia estão os profissionais, com os amadores dedicados no degrau imediatamente inferior. A democratização da fotografia não tem repercussões negativas sobre o seu trabalho - pelo contrário, é um auxiliar inestimável -, e estes fotógrafos seriam tão bons a trabalhar com uma câmara digital como o seriam com uma analógica.
Não há nada que se compare às fotografias de um profissional. Há nelas um equilíbrio entre forma e conteúdo a que apenas os melhores amadores podem aceder. Estas pessoas fazem fotografia para viver; são pagos para fotografar. Contudo, se lhes perguntarem se esta circunstância diminui o seu prazer de fotografar, a resposta é, com toda a probabilidade, um não rotundo, porque o bom profissional quer sempre ir mais longe.
O que surpreende, no discurso do profissional - eu já tive o prazer de privar com alguns -, é a diferença na abordagem de temas como a técnica e o equipamento em relação aos amadores. Para os profissionais, a técnica é algo que dominam de uma forma que nos parece intuitiva (embora na verdade não o seja), e o equipamento não é um motivo de orgulho ou ostentação, mas uma necessidade. Não há nada mais incrível que ver um fotojornalista em ação: é admirável a maneira como se move, como manipula os comandos da câmara sem tirar o olho do visor e, acima de tudo a completa ausência de qualquer pretensiosismo ou ostentação. Por vezes acontece-me cruzar-me com fotógrafos que têm a mania que são muito bons por terem bom equipamento, e a diferença de atitude entre ambos é abissal: estes últimos gostam de ostentar (e eu sou capaz de jurar que muitos me olham com desdém quando trago comigo a E-P1), os primeiros usam câmaras profissionais porque só estas lhes permitem obter o maior desempenho. É a sua ferramenta.
Os problemas que se levantam, em relação aos profissionais, são, antes de mais, o facto de a fotografia digital ter permitido a muitos amadores fazer fotos de enorme qualidade. O adquirente das fotografias poderá sentir-se tentado a comprar fotos de um bom amador (ou mesmo a roubá-las da Internet), em lugar de pagar a um profissional. Quem quiser estabelecer-se na fotografia terá uma feroz concorrência e muitos anos de luta até obter algum sucesso.
O outro problema é o preço do equipamento. As lentes profissionais podem atingir preços da ordem dos €6.000,00. As lentes que os fotorepórteres usam são, em regra, zooms que não cobrem grandes amplitudes em termos de distância focal, mas têm abertura constante, i. e. a mesma abertura máxima em todas as distâncias focais cobertas. Fabricar lentes destas é extremamente caro, e estas teleobjetivas são incrivelmente volumosas e pesadas. Não há outra maneira de as fabricar. É mais ou menos implícito que as suas câmaras são full frame ou médio formato - sendo que, no caso deste último, os preços são multiplicados por dois ou três em relação ao material das DSLR.
Como referi, estas são questões secundárias para o profissional. O que importa é que o equipamento lhes permita efetuar o trabalho com a maior qualidade possível. O importante, para os profissionais, é o conteúdo da imagem, a sua qualidade intrínseca. No caso dos fotojornalistas, até é possível que as suas imagens não resistam ao mais crítico dos olhares no que respeita a certos aspetos técnicos, mas isso é irrelevante: há casos em que não há tempo para fazer melhor. Não é uma questão de limitação dos conhecimentos ou do equipamento. Há fotografias memoráveis tiradas em condições de luz e exposição longe das ideais, mas o importante foi capturar esse momento.
O amador - i. e. o bom amador - pode estar muito próximo do profissional, mas nunca é verdadeiramente posto à prova. Não tem a pressão dos prazos, nem a urgência de captar as melhores imagens no lapso de tempo mais curto possível. Muitos destes amadores, porém, tornar-se-iam profissionais se lhes fosse dada essa oportunidade.
E eu, onde me situo? Francamente não sei. Profissional não sou com certeza - embora, ao que parece, a Olympus me pague para dizer mal das Pentax, como sugeriu um comentarista num texto anterior. Também não sou um dos que acham que podem tirar fotografias melhores que um profissional com material inferior, porque quem diz isso não sabe do que está a falar, e a mim não me podem acusar de falar sem saber de quê. Não sou alguém que pense que um grande equipamento faz um grande fotógrafo, porque já vi fotografias de pessoas dessas e acho que consigo fazer bastante melhor. Estou, penso eu, num limbo, numa categoria na qual só eu caibo: o aspirante a bom amador. Vou-me esforçando, mas sei que dificilmente chegarei ao topo. Faltam-me o tempo, o dinheiro e o talento para tanto. Já fico contente quando alguém marca uma das fotografias que publico no meu Flickr como favorita...     

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Sou português!

Para que fique bem claro de uma vez por todas: apesar de objetor de consciência quanto ao acordo ortográfico, tenho-o usado pela razão de este ser obrigatório desde 1 de janeiro. E eu respeito a lei, o que não significa que a ache justa. Tenho notado que, por usar palavras cuja ortografia as torna estranhas, alguns pensam que sou brasileiro: recebi até uma mensagem de um pobre diabo xenófobo que houve por bem dizer que eu não me exprimia em português e que «Aqui em Portugal, quando queremos ser respeitados, respeitamos» - implicando que eu não sou português, que ele é moralmente superior por o ser e que os brasileiros são, digamos, desrespeitosos...
Sou português. Com orgulho. Se fosse brasileiro, sê-lo-ia com o mesmo orgulho, mas sou português nado e criado na cidade do Porto. O que não me orgulho é do acordo ortográfico...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

World Press Photo

Esta é a fotografia vencedora do prémio da World Press Photo. Do fotógrafo espanhol Samuel Aranda. Nem sei que dizer. É maravilhosa. Evoca a Pietà de Michelangelo Buonarroti, mas é, em simultâneo, uma poderosa demonstração do que é o fotojornalismo. Feita no Iémen, numa mesquita convertida em hospital. Tem tudo para se tornar numa das fotografias mais importantes de sempre.

A democratização da fotografia (3)

Foto encontrada em The Online Photographer. Sorry, Mike...
Até agora referi-me aos malefícios da democratização da fotografia, mencionando apenas os aspetos negativos: a deformação das mentes que leva alguns a pensar que são grandes fotógrafos apenas porque se deixam iludir pelo que as câmaras fazem por eles. O advento da fotografia digital trouxe também benefícios, tornando a fotografia acessível a pessoas que, intimidadas pela dificuldade em controlar uma câmara analógica, se abstinham de fotografar momentos importantes das suas vidas. A estes designo por fotógrafos casuais. Têm a particularidade de ser os menos atingidos por neuroses e stress relacionados com equipamentos, técnicas e conteúdos. São, por outras palavras, os mais felizes dos fotógrafos. São também o grupo mais amplo: vemo-los todos os dias, de compacta ou bridge na mão, apenas gozando o prazer de capturar um momento, uma paisagem ou alguém que tem um significado especial; vemo-los nas zonas históricas das nossas cidades e nos jardins públicos, sorrindo felizes e despreocupados, sem que por uma única vez sejam perpassados por preocupações sobre a compensação da exposição, o equilíbrio dos brancos, a medição pontual, a abertura ou a velocidade do disparo.
A verdade deve ser dita: todas as câmaras, com exceção das de nicho como as Leica (as autênticas, não as Panasonic rebatizadas), as médio formato ou as Fujifilm da série X, estão programadas para exposições automáticas que, embora não atinjam os resultados obtidos com o controlo manual, são contudo aceitáveis. Apesar de nunca ter experimentado o modo iAuto da minha E-P1, usei frequentemente o modo P, e os resultados são corretos, embora nem sempre ideais.
Não há nada de mal em tirar fotografias despreocupadamente e em reunir a família e os amigos para partilhar as fotografias de umas férias, de uma festa ou do nascimento de um filho. Pelo contrário, este é até um dos benefícios mais importantes da fotografia. Há qualquer coisa de mágico na maneira como uma imagem pode trazer recordações de momentos do passado, e as pessoas tendem a fotografar aqueles em que se sentem felizes por algo de bom que lhes aconteceu: umas férias, uma viagem, um acontecimento pessoal importante. Claro que, se olharmos criticamente para estas fotografias, vamos encontrar defeitos, quer quanto à técnica, quer quanto à composição e enquadramento - mas isso que importa? Essas questões tornam-se absolutamente secundárias quando confrontadas com o sorriso, ou mesmo o riso e a comoção, que iluminam o rosto destas pessoas ao olhar as fotografias que tiraram. E, com a fotografia digital, podem tirar milhares de fotografias, sendo a única preocupação técnica a de verificar o espaço disponível no cartão de memória e o nível de carga da bateria. Isto é mau? Claro que não! É verdade que muitas dessas fotografias podem falhar - mas isto não acontece até com os profissionais, que fazem dezenas de imagens até atingir aquela que tencionaram?
O que é saudável, nestas pessoas, é que não têm qualquer tipo de pretensão. Fotografar é, para elas, muito mais divertido que para os elementos de qualquer dos outros grupos: é sobretudo mais espontâneo e natural. Os fotógrafos casuais não se sentem compelidos a tirar grandes fotografias, embora estas possam acontecer; podem nunca vir a sentir a satisfação interior extrema de fazer uma fotografia conseguida do ponto de vista estético e técnico, mas a verdade é que não sentem essa necessidade. Por vezes invejo-os.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

A democratização da fotografia (2)

Tirada com uma compacta: OK, desde que não a ampliem!
Volto à classificação dos fotógrafos a que me entreguei no texto anterior. Ficou por referir o grupo daqueles que pensam que fazem grandes fotografias - capazes de competir com os profissionais, clamam alguns - com as suas câmaras compactas. Isto é, evidentemente, uma generalização, com os exageros que lhe são inerentes, mas há gente que pensa assim. Em boa verdade, prefiro uma boa fotografia tirada por uma destas pessoas a uma má fotografia tirada com uma Canon 5D por um mau fotógrafo: ao menos a primeira exprime algo. Simplesmente, as pessoas que se arrogam qualidades de fotógrafo com as suas compactas e telemóveis, por regra, não tiram boas fotografias - embora se tenham deixado convencer do contrário.
Mesmo nos casos em que o fotógrafo mal equipado é capaz de boas ideias fotográficas, é importante ter em mente que a fotografia é uma arte visual, não podendo, deste modo, ser desligada do conteúdo estético. Por melhor que seja a ideia exprimida e a intenção do fotógrafo, uma fotografia com excesso de ruído, aberrações cromáticas excessivas, distorções geométricas não propositadas ou cores inexatas e deslavadas é uma má fotografia. Voltando à analogia óbvia com a pintura, vamos imaginar que Vincent van Gogh tinha pintado o Doze Girassóis Numa Jarra com lápis de cera numa folha de cartolina. Penso - embora possa estar enganado - que o quadro não teria o mesmo valor; quando muito, seria um esquisso procurado por quem se interessasse seriamente por documentar a obra do pintor. Por que havia de ser diferente na fotografia? Alguém se convence que Josef Koudelka se teria tornado num fotógrafo de renome se tivesse usado uma daquelas Agfa de encolher, ou uma Lomo? Ou Yann Arthus-Bertrand com uma Samsung de €79,99? Impossível.
O equipamento é importante e necessário, mas apenas pode ajudar a fotografar se o seu utilizador dominar as noções de composição e enquadramento e a técnica fotográfica. Dito isto, qualquer pessoa que entenda que as suas fotografias são excelentes, tendo-as tirado com equipamento inferior, ou é presunçoso ou não sabe o que é uma boa fotografia. Acreditem que esta afirmação não tem nada de arrogante, porque é inteiramente fundada na minha própria experiência. Não tenho o menor pudor em reconhecer que tirei inúmeras imagens de má qualidade, embora na altura estivesse plenamente convencido que eram grandes fotografias. Uma câmara (e, sobretudo, uma lente) inferior é um obstáculo à expressão da ideia do fotógrafo, por melhor que esta seja. Uma câmara, para dar rédea solta às qualidades do fotógrafo, necessita de determinados requisitos técnicos: tem de permitir, antes de mais, o uso de modos de exposição automáticos ou semi-automáticos, de maneira a que o fotógrafo tenha controlo sobre o processo criativo. Caso contrário aquele não estará a fotografar, mas apenas a escolher enquadramentos e a deixar que seja o fotómetro a colher a imagem. A câmara tem também de permitir o uso de lentes adequadas a cada tipo de fotografia e à intenção do fotógrafo. Eu comecei com uma câmara compacta, pelo que tenho conhecimento do assunto que me propus tratar. A compacta impedia-me de fazer as fotografias que queria: era absolutamente inapta para fotografar à noite, e os únicos controlos que me deixava eram os da compensação da exposição, ISO e equilíbrio dos brancos. O que é, convenhamos, muito pouco. E tinha um nível pavoroso de distorção geométrica nas distâncias focais mais curtas, curvando as linhas direitas. É certo que consegui fazer algumas fotografias satisfatórias com ela, mas a qualidade destas dependia excessivamente de condições de luz ideais e do uso de distâncias focais que não produzissem distorção. Quanto aos «modos criativos» destas câmaras, o mínimo que posso afirmar é que não têm qualquer utilidade para um fotógrafo que leve o seu hobby minimamente a sério.
A ideia é a base da criação artística, mas não é tudo. Na literatura, não basta ter uma ideia interessante para um conto ou um romance e transcrevê-la para o papel: é necessário o domínio da língua - em especial da gramática -, o emprego de uma linguagem literária e o conhecimento do processo de criação literária. Tal como na fotografia é importante o domínio da técnica para exprimir uma ideia. Hoje há milhares de pessoas que imaginam que, por terem ideias e as reduzirem a escrito, se tornam escritores. Estas pessoas também incorrem nos vícios dos fotógrafos: ou são presunçosas ou nunca leram os clássicos da literatura (ou, se os leram, nada aprenderam com eles). Neste mundo que promove a mediocridade, é muito fácil alguém passar por artista (hoje em dia parece que basta ter muitos «gosto» naquilo que publicam no Facebook), mas aceder à condição de artista continua a ser a prerrogativa de muito poucos. Por isso não me venham com essa história de que se pode fazer grandes fotografias com uma compacta. Não é verdade.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A democratização da fotografia (1)

Apetece-me desenvolver um pouco a noção de banalização da fotografia trazida pelo advento do digital, assunto que abordei en passant no texto de ontem. Tenho para mim que os fotógrafos se podem dividir em três grandes grupos; por ordem descendente, temos, em primeiro lugar, os profissionais e os amadores dedicados; em segundo lugar, os fotógrafos casuais e, por último, os fotógrafos patéticos. Este último - e é com enorme hesitação que os classifico como «fotógrafos» - compreende dois tipos de pessoas que me irritam até ao tutano: as que pensam que tiram grandes fotografias com uma compacta - melhor que muitos profissionais, dizem alguns - e as que imaginam que tiram grandes fotografias porque têm material muito bom. Com o preço do equipamento a atingir valores extremamente baixos, é fácil, a qualquer pessoa, tirar fotografias. Há milhões de boas fotografias em sites e blogues da Internet, e é fácil, com câmaras que praticamente fazem todo o trabalho pelo fotógrafo, que praticamente se limita a escolher um enquadramento, criar fotografias superficialmente boas.
Permitam-me começar pelo último grupo que referi. Dos que pensam que o equipamento é suficiente para fazer um bom fotógrafo, deixem-me dizer que estão enganados. A fotografia é uma arte; começa num conceito e termina na execução. O fotógrafo deve, antes de mais, ter uma ideia, ou um conceito de fotografia. É importante que saiba o que, e como quer fotografar antes de pensar no equipamento. A ideia precede o domínio da técnica, e o fotógrafo só deve enveredar pelo caminho potencialmente ruinoso da aquisição de equipamento depois de se certificar que tem visão de fotógrafo e mente de fotógrafo. O equipamento apenas serve para dar corpo à ideia. Um bom pintor não é aquele que usa as melhores telas, os melhores pincéis e os óleos mais caros: é o que tem as melhores ideias. A técnica apenas o ajuda a exprimir-se melhor. O que fez de Willem de Kooning um grande pintor não foi o conteúdo cromático nem a abstração da forma: foi a sua intenção ao pintar - mostrar o interior, a subjetividade dos retratados através da distorção da forma externa. Como também o fez, embora de uma maneira diferente e menos apelativa do ponto de vista estético, Lucian Freud. Ou mesmo a nossa Paula Rego. Contudo, há pintores que pensam que, por usar formas distorcidas e cores vibrantes, podem ser tão bons como W. de Kooning, passando-lhes completamente ao lado o facto de a) estarem a produzir pastiches e b) as suas criações serem vazias e artisticamente inúteis. Na fotografia há um nome que se eleva sobre todos os demais: Henri Cartier-Bresson. Muitos não o sabem, mas HCB foi ainda melhor como retratista que como fotógrafo de rua. Porquê? Porque os seus retratos exibiam a mente e a individualidade do retratado. E não foi a sua Leica que as captou: foi o seu olhar e a intuição artística e intelectual, que lhe permitiu interpretar a psique do retratado e trazê-la para o exterior, tornando-a visível através da técnica fotográfica. Isto é algo que não se aprende em workshops, nem é certamente ter uma grande câmara que vai, por si só, conferir esse atributo ao fotógrafo.
Samuel Beckett por Henri Cartier-Bresson
Ainda antes do equipamento, porém, há que considerar as noções de estética e design. O fotógrafo tem de compreender a maneira como os objetos se colocam no enquadramento e como as pessoas vêem uma fotografia. A tendência natural para colocar objetos no centro da imagem e geometricamente alinhados pode corresponder a noções intuitivas, mas raramente contribui para fotografias interessantes. Uma fotografia banal é uma fotografia banal, quer seja tirada com uma Nikon D4 ou com uma Samsung comprada no Minipreço. É importante que o fotógrafo compreenda que a fotografia, como qualquer outra arte, tem de ter um conteúdo, mas tem também de obedecer a regras (embora estas, por o serem, comportem exceções). Simplesmente, as regras existem com um propósito: o de tornar a fotografia inteligível para quem a vê. Porque a fotografia, se apenas tiver o significado o seu autor pensa que ela deve ter, não passa de um exercício fútil de onanismo. A fotografia é para ser vista por terceiros, e as regras de composição e enquadramento servem para tornar a fotografia percetível aos olhos de quem a contempla. Regras como a dos terços ou o isolamento do objeto em relação ao plano de fundo não são arbitrárias: basta pensar na forma como lemos para compreender o porquê de o objeto que o fotógrafo quer destacar tender, por regra, a ser colocado no terço superior esquerdo da fotografia: é por aqui que o olhar começa a percorrer a imagem. Ou na necessidade de não existirem, no enquadramento, objetos que compitam com aquele que se pretende realçar.
Não restem dúvidas que o mais importante, em fotografia, é a expressão artística. A técnica é importante, e o equipamento também, mas ambos são meros auxiliares. Servem para ajudar o fotógrafo a exprimir-se. Não são, deste modo - ou não devem ser, objetivos a prosseguir per se. Técnica sem expressão é um vazio, equipamento sem capacidade de exprimir uma ideia e sem domínio da técnica é nada.
Este texto já vai um pouco longo, pelo que vai ter continuação, na qual que me referirei a um grupo de pessoas a que já pertenci: a das que pensam que são grandes fotógrafos independentemente do equipamento.