domingo, 29 de abril de 2012

A fotografia é uma arte? (2)

Sabem aqueles grupos de adolescentes que vemos sentados nas praças das nossas cidades, de lápis de carvão na mão, alternando o olhar entre uma estátua e o caderno de papel Cavalinho? Todos os que se cruzam com eles os admiram. E eu também. Estão a fazer arte, ou a aprender a fazê-la. O mesmo com aqueles jovens que andam pelas ruas com estojos cilíndricos negros a tiracolo e rectângulos de esferovite e K-Line debaixo do braço: são alunos ou estagiários de arquitectura - e a arquitectura, enquanto expressão de uma estética e de um estilo, não pode deixar de ser considerada arte. E todos os transeuntes os olham com respeito, talvez até com orgulho. E eu também. Um dia poderemos, talvez, se a sorte e o talento estiverem do lado deles, ver um edifício maravilhoso concebido por estes jovens de ar sofisticado e rebelde. E o indivíduo sentado num banco de jardim, escrevendo notas num caderno ou num bloco, rodeado de pastas anarquicamente desorganizadas e com uma pilha de livros a seu lado? É um escritor - quem sabe um poeta. É um artista; todos lhe devem respeito e consideração. Eu também. E que dizer dos músicos de rua? Um dia passei pela Rua de Santa Catarina e uma rapariga, uma estrangeira, tocava no seu violino as Suites para violoncelo de J. S. Bach - uma das mais fabulosas criações do génio humano. Parei junto dela, escutando a música que a rapariga de olhos belíssimos executava enquanto os peões lhe atiravam moedas para dentro de uma boina pousada no chão aos seus pés. É muito raro ver pintores na rua, mas, quando estes aparecem, forma-se uma pequena multidão à sua volta, admirando a obra em germinação. É arte em criação, e a arte respeita-se e aplaude-se.
Agora reparem num fotógrafo. Não tem o respeito nem a admiração que o estudante de belas artes ou arquitectura merecem. Ninguém vai querer parar junto dele observando-o, nem muito menos oferecer-lhe dinheiro. Os únicos grupos que se poderão formar à sua volta são os de pessoas ultrajadas por ter ousado fotografar no momento em que estas iam a caminhar na rua, ameaçando-o com a intervenção da autoridade policial. A menos que seja um turista ou estiver a fotografar monumentos que já toda a gente viu em fotografias, o fotógrafo é olhado como um intruso, um canalha que está ali para devassar a privacidade das pessoas. Ou então um mercenário a soldo de uma qualquer revista sensacionalista, ou uma espécie de espião; ou talvez ou um pervertido cujos intuitos são suspeitos e que deve, na dúvida, ser impedido de fotografar. É até, prima facie, merecedor de bastonada quando ousa fazer aquilo que o jornal lhe paga para fazer. De pouco importa qual o propósito com que esse fotógrafo está a usar a câmara: o medo e a psicose em que as pessoas vivem nos dias que correm leva-as a suspeitar dos propósitos do fotógrafo.
Além do episódio que narrei no texto mais lido de sempre deste blogue, que aconteceu na estação do metro da Trindade, já passei por outra circunstância profundamente desagradável: por altura do Carnaval montei o tripé junto a um carrossel, de maneira a fotografá-lo com um efeito de arrastamento, criando a ilusão de uma velocidade vertiginosa. Quando estava a regular a exposição, um sujeito - aparentemente o dono do carrossel, ou empregado deste - proferiu qualquer coisa como olhe que ainda estraga a máquina. Não me deixei intimidar e respondi com toda a raiva que a ameaça (mal) velada me causou: «Não estrago, não!». Se me tivesse deixado acobardar e fosse embora, a rudeza da criatura teria vencido; se eu tivesse permanecido indiferente - o que qualquer pessoa educada tenderia a fazer -, o homenzinho iria tentar provocar um desacato. Depois de ter percebido que eu não tinha medo dele, deixou-me em paz. Ainda bem, porque as fotografias ficaram bastante satisfatórias - salvo aquelas em que o sujeito aparece no enquadramento, olhando-me com ar desafiador. Também já tive de acalmar uma discussão entre um amigo, que me acompanhava numa sessão fotográfica na baixa do Porto, e uma criatura que se achou ofendida por ter sido apanhada no enquadramento da Canon 1000D do meu amigo.
Esta é a realidade, e o confronto desta realidade com a dos artistas a que aludi no primeiro parágrafo tem que ver com o facto de a fotografia ser vista, pela generalidade do público, como tudo o que for concebível, mas nunca como uma arte. É um facto: para a esmagadora maioria das pessoas, a fotografia não é arte. É ilustração. Não merece respeito nem consideração: o fotógrafo é um potencial intruso disposto a roubar a imagem dos pobres transeuntes (como aqueles indígenas que entendiam que a fotografia lhes roubava a alma...) Quem devemos culpar por isto - as pessoas que reagem mal à fotografia? Não. Estas pessoas têm direitos e, felizmente, são cada vez mais conscientes - embora nem sempre bem informadas. A culpa desta desqualificação da fotografia, que a remeteu para a categoria da simples ilustração, tem que ver com o excesso de fotografias. Hoje qualquer pessoa fotografa, e muitos são os fotógrafos que vão longe demais. O exemplo mais evidente é o dos paparazzi - é um lugar-comum -, mas estes não são os únicos culpados. Aliás, mais culpados que os paparazzi são aqueles que lhes pagam. Há muitos outros fotógrafos que abusam e não conhecem os limites - ou, se os conhecem, transpõem-nos sem qualquer hesitação. A generalidade das pessoas tem, por tudo isto, o direito de se sentir saturada de fotografias e de fotógrafos. Reparem que não considero esta atitude meramente compreensível ou desculpável: considero-a legítima. Há verdadeiros tarados a fazer fotografia - ou, mais correctamente, a tirar fotografias - de pessoas (e em particular de crianças) com propósitos dúbios; e estas pessoas não têm qualquer possibilidade de distinguir o verdadeiro fotógrafo de rua, ou aquele que fotografa com fins artísticos, destes indivíduos. Não há nada que os distinga.
E como pode algo que toda a gente faz ser considerado arte? Como pode uma forma de criação que nos surge em painéis publicitários, nas páginas dos jornais e revistas, nos websites e nos blogues - numa palavra, que nos invade incessantemente -, ser considerada arte? A fotografia está de tal maneira banalizada que qualquer pretensão artística se torna risível. 
E, contudo, não deixa de ser uma forma de expressão artística - pelo menos quando é essa a intenção do fotógrafo, e quando este tem a sensibilidade e o domínio técnico necessários. Simplesmente, a fotografia artística é um reduto marginal dentro dessa enorme categoria que é a fotografia. Um Ansel Adams é comparável, do ponto de vista da criação, a um John Constable, Cartier-Bresson é tão grande na sua arte como Monet na pintura. E há contemporâneos que seria injusto excluir da classificação de artistas apenas porque a fotografia está tão vulgarizada. O nosso João Silva, por exemplo. Ou Steve McCurry. Ou tantos outros. Aliás, se a fotografia devesse deixar de ser considerada uma arte por haver tantas fotografias e fotógrafos, porque não fazer o mesmo com a música? Deverá Mozart deixar de ser considerado um artista por causa dos Maroon 5? E, já agora, com a literatura: deve Eça de Queiroz ser removido do Panteão Nacional por causa da Margarida Rebelo Pinto? O mesmo pode ser dito em relação a qualquer outra arte: Tchékov não deixa de ser um dramaturgo por causa do Filipe La Féria, Sean Penn não se confunde com Chuck Norris. Estou convicto que as fotografias feitas hoje com propósitos artísticos sobreviverão à massificação; um dia olharemos para elas como hoje olhamos a obra de Robert Doisneau. Por vezes a proximidade temporal impede-nos de apreciar a verdadeira dimensão de uma fotografia, mas o tempo far-lhe-á justiça. Mesmo que apareça no Facebook, ou a ilustrar textos de blogues. Porque a arte - a verdadeira arte, não os pastiches que nos tentam impingir como sendo-o - tende para a eternidade e sobrevive às modas.       

sábado, 28 de abril de 2012

O Photoshop e eu (2)

As opiniões que exprimi neste blogue acerca daquilo a que, de uma maneira geral, se denomina por «Photoshop», podem ter levado muitos leitores a pensar que eu sou preconceituoso, teimoso, ou que, de alguma maneira, me recuso a encarar a realidade dos nossos dias. Deixem-me, pois, explicar-me um pouco melhor - mesmo se já o fiz num texto anterior.
Antes do mais, devo reconhecer que fui vítima de alguma confusão, a qual transmiti aos leitores deste blogue. Confesso-o com a naturalidade de quem está apenas no começo de uma aprendizagem. Sempre que mencionei o Photoshop nos textos mais antigos, aquilo a que me queria realmente referir era o Adobe Photoshop Creative Suite, ou «Cs». Este é um programa de que um fotógrafo não tem verdadeira necessidade - mas, se sente a compulsão de o usar, tudo bem, desde que não torne a fotografia inverosímil. Há intenção artística na criação de uma imagem abstracta, e o Cs pode originar imagens extremamente válidas - como esta, do fotógrafo australiano (e meu amigo no flickr) Eric Imbs. (Eric usa uma Olympus E-P2 e lentes antigas de focagem manual, como algumas Leitz-Wetzlar e Pentax/Takumar.)
Os meus problemas com o Cs começam apenas quando se tenta disfarçar a falta de expressão artística e (ou) de domínio da técnica fotográfica através da manipulação que este programa permite. O caminho fotográfico é algo que cada qual encontra por si (e dificilmente haverá duas opiniões idênticas nesta matéria), mas começa no olhar - na maneira de vermos as coisas -, prossegue com a captura da imagem e termina com a edição. Esta é a ordem que me parece lógica, mas muitos utilizadores do Cs invertem-na, tomando a fotografia por um mero objecto de um trabalho de manipulação. Há fotografias (e eu já dei dois exemplos num texto anterior) que são completamente inverosímeis, chegando a transpor o limite do absurdo: uma coisa é uma imagem abstracta, em que a criatividade é o único limite; outra coisa é uma fotografia de algo real que contém incongruências ou inverosimilhanças. Se queremos fotografias de objectos reais, devemos procurar boas perspectivas, boas exposições, bons enquadramentos; adicionar camadas, como muitos fazem, é algo que falseia a realidade; é também algo que está para lá da fotografia, pertencendo ao domínio das artes gráficas. Uma fotografia mal feita ou banal é sempre uma fotografia mal feita ou banal, de nada adiantando colocar camadas de nuvens carregadas ou de estrelas. Não se pode polir uma bosta! 
Não tenho qualquer dúvida, porém sobre a utilidade do Cs para trabalhos gráficos. Digo-o com a autoridade de quem tem uma desktop publisher na família, que o usa como ferramenta de trabalho. Não há nenhuma fotografia publicitária de automóveis que não seja feita sobrepondo a camada com a imagem do carro sobre um fundo, mas mesmo na fotografia publicitária já há uma corrente que começa a questionar o recurso ao Photoshop - ou melhor: ao Cs. Este movimento nasce, sem dúvida, da consciência de que se caiu no excesso e no abuso em detrimento da fotografia - i. e. daquilo que acontece antes da edição de imagem.
Sempre houve manipulação da imagem. Seria absurdo pretender manter uma pureza de princípios num campo onde estes nunca existiram. Mesmo no tempo da fotografia analógica havia técnicas e instrumentos para estourar altas luzes e manter ou criar sombras na fotografia durante a revelação. A manipulação não é, em si, um pecado cardeal: o que é vicioso é pensar-se que se consegue ser um grande fotógrafo sem ter uma ideia fotográfica ou sem saber exprimi-la pela técnica, e imaginar que o Cs vai compensar estas falhas. 
Permito-me, por tudo isto, questionar a utilidade do Cs para quem faz fotografia, mas o Lr é diferente. Nunca ninguém leu aqui que as minhas fotografias são tal qual como saíram da câmara para o computador - embora deva dizer que algumas, poucas, até o são, o que abona muito em favor da E-P1 -, porque, se o fizesse, teria mentido. Eu retoco as imagens, e por vezes muito intensamente. Já o fazia quando tinha a compacta - embora o software de edição fosse tremendamente rudimentar -, fi-lo com o Olympus Master 2 e com o muito mais sofisticado Viewer 2. São raríssimas as fotografias que me agradam tal como estão, quando as abro no computador (embora sejam as de que mais me orgulho), pelo que há sempre algo a melhorar: o contraste, a nitidez, a saturação, etc. E, com o uso de ficheiros raw, é impossível converter uma fotografia em JPEG sem um mínimo de retoque. O que o Lr - que é um membro da família Photoshop, como o Cs e o Elements - me dá é muito maior versatilidade que o Olympus Viewer 2. Esta versatilidade permite-me algo que o Viewer não era capaz: tornar a imagem naquilo que havia imaginado quando vi o objecto fotografado e idealizei a composição e o enquadramento fotográficos. Não é manipulação, não está para lá da fotografia: pelo contrário, é um retorno ao conceito original, à ideia que esteve na origem da fotografia. É, como referi antes, um instrumento que estende o controlo do iter fotográfico ao processamento da imagem, e este controlo é o que me ajuda a fazer da fotografia exactamente aquilo que tinha na minha mente quando vi o objecto antes de o fotografar. Auxilia, deste modo, a conferir expressão à fotografia e a devolvê-la à intenção original - e fá-lo de uma maneira que o Viewer 2, por muito mérito que tenha enquanto software de distribuição gratuita, não é capaz. Com o Lr4 tenho o controlo absoluto sobre a qualidade da imagem, e uso-o para melhorar as minhas fotografias (e não para as transformar).
Dixit. 

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Aniversário

Já narrei aqui, por várias vezes, os motivos que me levaram a adquirir a minha câmara actual. Andava profundamente descontente por ter uma compacta, mas não queria dar o salto para uma reflex. Não queria porque as DSLR a) são caras, b) são feias, c) são mastodônticas e d) precisava de gastar fortunas em lentes. Nos meses que precederam a compra da E-P1 informei-me exaustivamente acerca de câmaras; as DSLR eram apelativas, e tive algumas na minha lista de possíveis aquisições: a Pentax K-x, que me foi desaconselhada, não pela falta de qualidade, mas pela incerteza acerca do futuro da marca (que pertencia ainda à Hoya), a Nikon D3000, porque o meu mentor Fernando Aroso me aconselhou a comprar uma Nikon, e a Canon EOS 1000D, ainda que nunca tivesse encarado seriamente a sua compra porque a minha compacta era... uma Canon. O que eu queria era uma câmara pequena que me desse mais controlo e, sobretudo, desse para mudar lentes; imaginava que apenas se podia optar entre compactas e DSLRs, mas descobri que havia outra opção - as hoje universalmente denominadas mirrorless.
Horas infindas de pesquisas na Internet levaram-me a descobrir a E-P1. A beleza desta câmara cativou-me imediatamente - a E-P1 é um daqueles objectos que apetece ter mesmo que não se precise dele -, mas uma câmara precisa de ser mais que bonita: tem de ter uma boa qualidade de imagem. Havia, nos websites de equipamento fotográfico, unanimidade de opiniões quanto à E-P1: grande qualidade da imagem, controlo da exposição equiparável a uma DSLR e qualidade de construção impecável, do lado das vantagens; os defeitos eram o nível de ruído (em comparação com DSLRs com sensor APS-C), a lentidão da focagem automática e a falta de visor e de flash incorporados. Contudo, nunca li nenhuma crítica que sobrepusesse os defeitos às qualidades: pelo contrário, era uma câmara universalmente aplaudida pela sua qualidade. Decidi que passava bem sem o flash e o visor; o ruído e a lentidão, esses, não podiam ser piores do que o de uma compacta. A E-P2 também era interessante, mas era também mais cara, e ao seu custo acrescia a compra de um visor electrónico (único factor que tornaria a sua compra vantajosa em relação à E-P1; não fazia sentido ter uma E-P2 sem o VF-2).
Estive para comprar a E-P1 em Novembro de 2010, na versão kit com lente 14-42mm/f3.5-5.6, mas um cliente deu-me o calote, o que me obrigou a esperar. Quase a desesperar: já não conseguia suportar a compacta: sentia-me ridículo a fotografar com ela, os níveis de distorção da imagem eram escandalosos, o ruído assustador e a resolução (ou a sua falta) confrangedora. Tinha cores bonitas, nada mais. Ou melhor - para ser justo, devo dizer que tinha algo que me facilitou a transição: um modo P, que dava acesso ao ISO, à compensação da exposição, ao controlo da medição e ao equilíbrio dos brancos.
Há males que vêm por bem: graças ao calote, e ao tempo de espera que implicou, surgiu entretanto a oportunidade de comprar uma E-P1 por um preço irrisório, com a 17mm/f2.8 e o visor óptico VF-1. O que me poupou o embaraço de ter a lente 14-42, que mais tarde experimentei: usei-a um dia e devolvi-a no seguinte. Lembro-me bem do dia 27 de Abril de 2011: saí mais cedo do trabalho para ir levantar a E-P1 à Pixmania; depois voltei ao escritório, onde trabalhava uma rapariga que é fotógrafa de casamentos e baptizados nas horas livres e usa uma Canon 5D. A L. percebeu de imediato que estava a ver uma câmara a sério quando descobriu o célebre controlo secundário, aquele cilindro no lado superior direito do painel traseiro que hoje uso para controlar a abertura (ou a compensação de exposição quando uso os modos A e S.) Regressei a casa eufórico: tinha esperado tanto tempo por aquele momento!
A E-P1 ensinou-me a fotografar; mostrou-me a diferença entre apontar e disparar e fotografar com domínio da técnica fotográfica, e como este, não sendo tudo, é importante para exprimir a intenção fotográfica. Porque não basta ter boas noções de composição e enquadramento, nem ter critérios estéticos desenvolvidos, para fazer boas fotografias. A compacta era uma limitação que me exasperava; a E-P1 deitou esses limites por terra e trouxe-me mais próximo dos meus ideais fotográficos. Sei que tenho ainda um longo caminho a percorrer, mas hoje estou mais perto do que estava no dia 26 de Abril de 2011.
Eu sei que a E-P1 é criticada (quando não é ridicularizada) por muitos, incluindo gente que sabe infinitamente mais de fotografia do que eu. E são várias, de facto, as limitações da E-P1: o ruído, as altas luzes com tendência a estourar, a focagem automática errática (a despeito da evolução substancial que o firmware 1.4 trouxe) e a falta de um visor que mostre o que a lente vê. Em contrapartida, tem um fotómetro preciso que me faz esquecer a existência da medição pontual, um equilíbrio automático dos brancos que dispensa os outros modos e, sobretudo, uma qualidade de imagem digna de uma boa DSLR - que é confirmada nas impressões - e a maneira como trabalha com lentes antigas, como as minhas OM. O uso do Lr4 fez-me perceber que o ruído é um problema mais grave do que eu pensava, e este pode vir a determinar a aquisição de outra câmara - mas não vai ser tão cedo. Afeiçoei-me à E-P1. Os franceses diziam, a propósito dos Citroën DS, que on n'achète pas une Citroën, on l'épouse; o mesmo comigo e a E-P1.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Falar claramente

1. Hoje ouvi uma reportagem na rádio acerca das medidas restritivas em vigor no Parque Nacional da Peneda-Gerês. O tema já foi abordado na FotoDigital, pelo que remeto para o respectivo artigo, subscrevendo tudo quanto aí é referido; o que me levou a abordar este assunto foi o facto de a referida reportagem, além de denunciar os preços exigidos para passeios de grupo, referir ainda uma pretensa proibição de fotografar, que seria punida com coima de €250,00.
Esta parte da notícia é uma extrapolação falsa. O que é proibido é usar ou fazer fotografias com fins comerciais ou publicitários que contenham referências a produtos ou serviços credenciados pelo Instituto para a Conservação da Natureza e Biodiversidade, I. P. (ICNB). É o que resulta do regulamento em vigor no Parque Nacional (artigos 7.º e 8.º), que pode ser consultado aqui. Toda e qualquer proibição de fotografar que exceda os limites impostos é ilícita. Qualquer pessoa pode fotografar, desde que não o faça para fins comerciais e usando os produtos e serviços do INCB (e também desde que pague, claro, a taxa escandalosa exigida por este Instituto...) Eu compreendo as necessidades de preservação do parque, que resultam da deterioração causada por muitos anos de caçadas, montarias, acampamentos, piqueniques, excursões em automóveis, queimadas, depósitos de lixo e entulho, entre outros abusos; o que não compreendo é o critério monetarista que determinou as restrições. Quanto à questão da fotografia no parque da Peneda-Gerês, esta é livre; se alguém foi proibido de fazer fotografia criativa ou recreacional, deve reclamar, pois a proibição não encontra fundamento no regulamento, sendo ilegítima e arbitrária.

2. Mudando de assunto: um tema que me anda a causar irritação é o da usurpação de imagens. Que este tema afecta quem faz da fotografia a sua profissão, já o sabia: o preço e a qualidade das câmaras actuais leva a que exista uma proliferação de imagens na Internet que facilita a sua usurpação. Para quê pagar a um fotógrafo quando se pode obter a fotografia gratuitamente - mesmo cometendo o crime de usurpação? É assim que pensam muitos editores, graças à sua absoluta falta de formação cívica e de escrúpulos. O que seria porventura menos plausível era que fotógrafos amadores fossem também eles vítimas de usurpação, mas isto também acontece. Acredito que muitos dos esbulhados nem se apercebam que o são e, em lugar de se sentirem ultrajados, fiquem orgulhosos por as suas fotografias aparecerem em publicações impressas ou online, o que é revelador de falta de consciência cívica e informação jurídica. Publicar fotografias na Internet não é, de forma nenhuma, uma renúncia aos direitos de autor, nem determina a queda daquelas no domínio público. Até eu já fui espoliado de fotografias: o Statcounter, ferramenta que uso para ter uma noção da actividade neste blogue, informa sobre os descarregamentos feitos a partir do blogue; verifiquei, com surpresa, que muitas das minhas fotografias, que eu imaginava não terem grande valor estético por ser ainda demasiado verde na fotografia, estavam a ser surripiadas com uma frequência que me impressionou. Curiosamente, quase todos os descarregamentos foram feitos a partir de IP brasileiros. Há dias, em conversa com um amigo que é também poeta e divulga os seus poemas na Internet, este queixou-se do mesmo fenómeno: são sobretudo brasileiros os que usam despudoradamente os poemas deste meu amigo nos seus sites, sem precedência de autorização e sem identificação do autor. Isto não é xenofobia - é a realidade. Foi por esta razão que optei por incluir as fotografias que ilustram o ISO 100 com textos inseridos e em baixa qualidade; a partir do momento em que o comecei a fazer, o fenómeno estancou.  Nunca vi nenhuma das fotografias descarregadas a partir deste blogue noutro site, ou em qualquer outro tipo de publicação, e espero não as ver.

3. Quem descarrega obras de outras pessoas está, não apenas a cometer uma infracção, mas - e sobretudo - a prejudicar alguém. Escrever um poema ou fazer uma fotografia de qualidade requer conhecimentos que levam anos a adquirir, e implica um trabalho intelectual ao qual se impõe atribuir o devido valor. Que alguém se aproprie desse trabalho, que é valorável e quantificável como qualquer outro, é a mesma coisa, no plano ético, que cometer um furto. Por vezes pode parecer que algo, por não ter dimensão física, não tem valor e é de livre fruição, mas não é essa a realidade. Os casos de usurpação de obras de autores, sejam elas poemas ou fotografias, são tão graves como o furto de uma carteira ou de um automóvel. Tenho pena que haja quem não tem consciência disto e se permita apropriar-se do trabalho dos outros sem qualquer escrúpulo ou remorso, apenas porque está acessível. A acessibilidade não significa uma autorização de apropriação; se alguém sair do seu carro deixando o motor ligado e as portas destrancadas, isto não significa que esteja a conceder permissão para que alguém o leve; por que não há-de ser igual com as fotografias (e os poemas) publicados na Internet?

4. Infelizmente, os fotógrafos, ao contrário do que acontece com outros criadores, não têm estruturas que os apoiem. Nos downloads de música, a espoliação dos direitos de autor é punida porque os direitos de propriedade sobre os temas musicais são adquiridos pelas editoras, e estas, além de serem influentes e poderosas, estão organizadas em associações como a RIAA; no caso de descarregamento de uma fotografia, este apoio não existe. Alguns, os fotojornalistas, têm sindicatos que os defendem; os demais - os profissionais que não têm carteira de jornalista e os amadores - não têm nenhuma organização que os proteja. Estão particularmente vulneráveis. Não há ninguém que assuma a defesa dos seus direitos e interesses, sendo obrigados a agir individualmente, lutando, não apenas contra o usurpador - que pode ser uma empresa de grande porte -, mas contra um sistema judicial que tolhe o acesso ao direito e aos tribunais. Muitas vezes o caminho seguido é a renúncia e a resignação. Devia haver uma organização que representasse estes interesses; os mais fracos, que deviam ser os primeiros a unir-se em torno de interesses comuns, são, paradoxalmente, os mais isolados. Até quando?

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Mais cedo do que o previsto

Pensava deixar passar algum tempo e fazer muitas revelações digitais antes de escrever de novo sobre o Lightroom 4, mas penso que, apesar de o ter instalado há apenas três dias (ainda não completos à hora a que estou a escrever), já posso formular alguns juízos mais ou menos definitivos sobre ele.
Antes de mais, o Lr4 oferece-me algo que é o mesmo que procuro quando uso a câmara: controlo. Tal como quero ter controlo total sobre a exposição no momento em que fotografo, definindo manualmente o modo de exposição, a abertura e a velocidade, o ISO, o equilíbrio dos brancos e a medição, também no retoque da imagem é de exigir uma ferramenta que me dê o máximo de controlo sobre o resultado final. E o Lr4 dá-me esse controlo, e de uma forma que vai muito mais além do que o humilde Olympus Viewer 2 é capaz. Desde logo, posso controlar as sombras e as altas luzes separadamente, e com ferramentas que são bem mais úteis do que me pareceram nas primeiras impressões. E posso fazê-lo apenas numa zona da imagem, se o quiser, ou em toda a imagem. Num programa básico apenas posso clarear ou escurecer a imagem por todo, o que leva frequentemente a resultados indesejáveis.
A outra característica atraente do Lr4 é o facto de ser intuitivo de usar. Como o Viewer se baseia nos comandos do Lr, foi fácil aceder aos parâmetros que mais frequentemente utilizo. É um programa complexo, e decerto vou demorar muito tempo a explorá-lo, mas o essencial da edição de imagem é de fácil acesso e não provoca dores de cabeça. O uso das curvas de tons, por exemplo, é muito mais simples e eficaz do que colocar o cursor sobre a curva e alterar a sua posição manualmente, que é o único procedimento permitido pelo Viewer 2 (eu sei, eu sei: estou a comparar alhos com bugalhos, mas o Viewer é a única referência que tenho em software de edição de imagem).
Acima de tudo, o Lr4 permite-me configurar a fotografia de maneira a torná-la exactamente na que imaginei antes de carregar no botão do obturador. As suas ferramentas oferecem uma possibilidade de ajuste de tal ordem que posso obter, no final da edição, a imagem tal como a quis, i. e. em completa correspondência com a intenção que tive quando a fiz. E isto é absolutamente precioso: com o Lr4 obtenho as fotografias que quis, e não as que o fotómetro e um programa de edição limitado me impuseram. É a isto que chamo controlo, mesmo correndo o risco de parecer um control freak ao escrever desta maneira. Neste aspecto, o Lr4 é o elemento que me faltava para obter fotografias inteiramente satisfatórias.
O Lr4 oferece tantas possibilidades que é fácil cair no exagero e obter fotografias inverosímeis, e este foi o facto que me suscitou tantas reservas quanto ao Photoshop. José Antunes alertou-me há dias para um facto curioso: muitos fotojornalistas que concorreram ao prémio Estação Imagem/Mora foram desclassificados por excesso de Photoshop. Foi este tipo de exagero que me manteve afastado do Photoshop, mas devia ter tido em conta que, quando se fala de «Photoshop», está-se realmente a falar de várias coisas: o CS, o Elements e o Lightroom (além de plug-ins como o Blur Gallery), que podem ser usados separadamente ou em conjunto. Não se deve meter tudo na mesma gaveta. Há quem use o CS com efeitos que se tornam ridículos: uma vez vi, na página da Olympus America do facebook, uma fotografia de uma mulher num pontão, com uma praia por fundo, que foi obtida sobrepondo duas camadas: a da mulher, a cores, e a do pontão, a preto-e-branco. O resultado foi que a mulher ficou enorme, em completa desproporção com o pontão (ou então foi o pontão que ficou minúsculo...). Uma composição hilariante! Outro caso foi o de uma fotografia impossível da Ribeira do Porto, que combinava uma zona de casario iluminada com luz típica do meio da tarde com reflexos no rio que só são visíveis ao fim da tarde - tudo isto cumulado com uma camada de nuvens carregadas que impediriam que a luz incidisse sobre o casario e tornariam impossíveis os reflexos que surgiam na imagem. (Para além da incongruência de surgirem reflexos de luz artificial na água quando a iluminação pública estava desligada!)
São estes exageros e este nível de manipulação que me levantam objecções ao uso daquilo que, em termos genéricos, se designa «Photoshop». Mas isto refere-se essencialmente ao CS, e não ao Lightroom. O CS, do meu ponto de vista, tem o seu domínio de eleição nos trabalhos gráficos - é um instrumento imprescindível para um gráfico -, e não no retoque (ou, preferivelmente, revelação digital) de fotografia; o Lr4 é um programa de edição de imagem que, se for usado ajuizadamente, tem a virtude de fazer, como disse acima, com que a fotografia corresponda exactamente à intenção do fotógrafo. Já a sobreposição de camadas e outras manipulações da imagem me parecem estar fora do domínio da fotografia - embora a tenha por objecto - caindo no domínio das artes gráficas.
A acrescentar a estas objecções há ainda o facto de muitos usarem o Photoshop para tentar melhorar imagens medíocres. E eu nunca alinharei neste jogo. Antes da edição de imagem há que dominar a técnica fotográfica, e antes desta há que puxar pela imaginação e pela criatividade; uma má fotografia será sempre uma má fotografia, por muitas camadas e filtros que se apliquem com o CS6. Os britânicos mais subtis dizem: you can't make a silk purse of a sow's ear; os mais desbocados preferem o equivalente, igualmente certeiro, you can't polish a turd.
Hoje publiquei no meu flickr as primeiras imagens editadas com a demo do Lr4 que estou a usar (v. aqui e aqui). Não vou discutir se são boas ou más do ponto de vista do conteúdo - embora possa dizer que a do pequeno guarda-redes me deixou satisfeito -, porque essa apreciação deve ser feita por quem vê, mas uma coisa é certa: desenvolvi os ficheiros raw de maneira a obter a imagem que correspondia aos meus critérios estéticos e àquilo que queria quando colhi as imagens. As imagens a preto-e-branco da minha câmara tendem a carregar as sombras e exagerar as altas luzes, especialmente quando fotografo no modo A, para além de darem uma tonalidade acastanhada às imagens, características que nunca consegui corrigir satisfatoriamente no Viewer 2; o Lr4 permitiu-me deixá-las tal como as quis. Não sei que mais posso exigir de um programa de edição de imagem. Neste momento, sinto-me tentado a comprá-lo imediatamente - mas quero experimentar mais. Ainda não trabalhei nenhum ficheiro JPEG, e falta-me dominar a redução do ruído de maneira a evitar o surgimento de aberrações como as que relatei no texto anterior. Também não aprendi ainda a exportá-las com a máxima resolução: uma imagem convertida a partir de raw no Viewer 2 fica com cerca de 4 MB; a mesma imagem, depois de desenvolvida no Lr4, fica com pouco mais de 1 MB. Com um pouco de sorte aprenderei a contornar isto. Afinal de contas, ainda estou a descobrir o programa.  

terça-feira, 24 de abril de 2012

Lightroom 4: impressões iniciais

A maior das abominações fotográficas é o ruído. Não suporto ver uma fotografia com ruído, por mais subtil que este seja. No meu caso, tenho ultimamente fotografado a preto-e-branco e, mesmo com o ISO nos 100, surgem áreas verdes nas zonas de sombra. A fotografia perde de imediato a credibilidade.
O programa de processamento de imagem que uso, o Olympus Viewer 2, ajuda a reduzir o ruído, mas fá-lo à custa do esbatimento dos pormenores, matando a resolução da imagem. E nem por isso as áreas verdes desaparecem. Julgando que esta era uma limitação do programa, resolvi descarregar uma cópia de avaliação do Adobe Lightroom 4. O meu julgamento sobre a manipulação da imagem, a que muitos recorrem para suprir a sua evidente falta de capacidade técnica para usar uma câmara, não me impediu de fazer a experiência com um produto que faz parte da suite Photoshop. Não sou preconceituoso.
Mal instalei a cópia, que é válida por 30 dias, comecei de imediato a processar imagens. Em concreto duas fotografias feitas no formato raw. Embora o programa reconheça os ficheiros .orf da Olympus e a E-P1, não reconhece aquela que é a segunda lente mais usada com esta câmara - a Pancake 17mm. Logo aqui surge um óbice, uma vez que me ficou vedada uma função importante do Lr, que é a correcção da lente.
Trabalhar com o Lr é razoavelmente intuitivo, e a quantidade de ferramentas e opções de edição de imagem impressiona; mas o que me interessa, pessoalmente, é os resultados - o que um programa de edição pode fazer para melhorar a imagem. O resto é trabalhos gráficos, o que é de respeitar mas não é a área em que estou interessado. Depois de apenas duas fotografias tratadas, ainda sem tempo para estudar a fundo as possibilidades do programa, é porventura demasiado cedo para obter conclusões, mas posso dizer que os resultados me impressionaram favoravelmente. Com tantas opções, não podemos deixar de ficar maravilhados com as possibilidades que a fotografia digital oferece. Por exemplo, poder modificar a matiz e as sombras é interessante, mas, a menos que não tenha percebido nada, as alterações da imagem parecem-me demasiado subtis, apenas visíveis em tamanhos em que a pixelização da imagem começa a ser um problema. Em todo o caso, as possibilidades de edição são inimagináveis para quem até agora apenas tiver usado os programas do fabricante da câmara (como é o meu caso). As funções e ferramentas são interessantes, mas levantam uma dúvida - serão verdadeiramente úteis?
É aqui que surgem as minhas dúvidas. Os efeitos práticos de todas estas funcionalidades são, como referi, demasiado subtis, e não fazem nada que eu não consiga fazer com o Viewer 2: o que são é mais versáteis no seu uso. É necessário referir que trabalho com a última evolução deste programa, que acrescentou algumas funções, como o unsharp mask, que eram típicas do Photoshop e não existiam no básico Master 2, nem no Viewer 1, nem no programa que precedeu este último, o Studio 2. A imagem final depois de tratada com o Viewer e com o Lr apresenta algumas diferenças, sendo a primeira impressão favorável ao Lr, mas basta ampliar a imagem para se perceber que as diferenças não são aquilo que parecem. A imagem tratada com o Lr parece mais nítida, mas, quando se aumenta, notam-se alguns artefactos estranhos: quando se usam as ferramentas de aumento da nitidez, a imagem surge com alguns espectros que não são aparentes quando se usa o Viewer, lembrando o «fantasma» da televisão analógica que nos obrigava a levantar e rodar a antena. A redução do ruído produz estes artefactos, mas de forma ainda mais grave: o resultado é totalmente artificial, notando-se bem a natureza digital da imagem. O Viewer não consegue ir tão longe como o Lr na nitidez e na redução do ruído, mas este desempenho é, aparentemente, propositado, evitando as aberrações dos pixéis que surgem no Lr.
Ficheiro raw processado com Olympus Viewer 2
O mesmo ficheiro, «revelado» com o Lightroom 4
O resultado final da imagem tratada com o Lr é agradável, e em muitos aspectos superior ao que o modesto Viewer 2 obtém - mas só se não se for demasiado exigente com grandes tamanhos, caso em que estes fenómenos digitais se tornam demasiado conspícuos. Eu não mandaria imprimir as imagens que tratei com o Lr. Contudo, devo dizer que ainda não tenho experiência com o Lr - não ia decerto aprender um programa tão complexo num só dia -, e que é possível que tenha cometido alguns erros para obter os resultados a que me referi. Posso ter exagerado na redução do ruído e na acentuação da nitidez para além dos níveis que manteriam a imagem aceitável. Vou continuar a fazer experiências e a aprender a usá-lo, mas há desde já uma confirmação das minhas ideias quanto à manipulação da imagem: esta deve ajudar a tornar a imagem melhor, sendo acessória em relação à fotografia. Quando esta última é tomada por um mero objecto a submeter ao tratamento da imagem, algo está muito errado: já não estamos no domínio da fotografia. O meu prazer é obter boas imagens com a câmara, e não processar a imagem. Devo dizer, também, que o Lr me deixa um pouco enfastiado: não vejo qual é a necessidade de tantas ferramentas, a não ser que se seja um profissional. O Viewer é manifestamente mais limitado - digamos que não seria a minha primeira opção se eu tivesse uma gráfica -, mas tem uma enorme virtude: a simplicidade. Um professor que deixou uma marca profunda na minha maneira de raciocinar repetia-me: «as pessoas inteligentes são as que resolvem os problemas mais difíceis pelos processos mais simples». E o Lr é muito complicado - pelo menos para as minhas necessidades. 
Acresce que, como escrevi no início, o que eu queria era um software que me ajudasse a tornar o ruído visualmente aceitável. O Lr não passou no teste da redução do ruído: o resultado não é melhor, apenas diferente: enquanto o Viewer suaviza os contornos das zonas afectadas sem disfarçar o ruído, o Lr é demasiado agressivo e induz artefactos digitais. E a tonalidade verde não desaparece, o que significa, não que o Lr é mau (ou o Viewer 2, já agora), mas que o problema do ruído é insolúvel.
Repito que estas são apenas as impressões iniciais. A Adobe dá-me um mês para experimentar e formular as minhas conclusões. É possível que consiga superar as dificuldades com que me deparei e que o Lr seja o que muitos o dizem - uma forma de revelação digital das fotografias. Quando tiver mais experiência com o programa, voltarei a este tema.  

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Liberdade, autoridade e arbitrariedade

Os factos que narrei no texto de ontem  deste blogue deixaram-me pensativo e revoltado. Deixaram-me, sobretudo, a questionar se realmente vivemos em liberdade. O fotografar, ou não, é o menos - pelo menos para mim, que não sou alguém que faz da fotografia a sua vida; os profissionais sentirão estas proibições cravadas bem fundo na sua carne, mas eu (sobre)viveria sem fotografar. O que não significa que me sinta conformado, ou que deva calar a revolta perante o que aconteceu.
Na verdade, a proibição que relatei ontem é um simples sintoma de um mal geral da sociedade ocidental - o medo. Pelo menos desde 11 de Setembro de 2001 que o Ocidente vive sob o medo, com os cérebros formatados por uma propaganda odiosa que contribui para nos transformar numa massa inerte e acéfala. O que aconteceu nesse dia foi trágico, e espero, para bem de toda a humanidade, que nunca se repita uma chacina destas proporções, mas o 11 de Setembro veio servir de pretexto para, a coberto do reforço da segurança, se limitarem indevidamente as liberdades individuais. À custa dos atentados, criou-se um ambiente geral de medo - espero que ainda haja quem se lembre dos falsos ataques com Anthrax, com que procuraram lançar o pânico nas semanas que se sucederam ao 11 de Setembro - que serviu na perfeição os interesses dos poderes que, cada vez mais, parecem empenhados em reduzir cada ser humano à condição de mão-de-obra passiva, obediente, inexigente, barata e conformada. Limitam-nos as liberdades, e nós aceitamos porque a justificação nos parece razoável - mas até que ponto o é? Outros medos, para além do terrorismo, são regularmente agitados para servir de pretexto a mais restrições dos nossos direitos: há a insegurança - que é agravada pelas políticas de quem nos domina pelo medo -, que nos leva, não apenas a aceitar, mas a querer que sejamos vigiados a cada momento nas ruas das nossas cidades pelos circuitos CCTV; há a pedofilia, que nos faz desconfiar de quem sequer sorria para os nossos filhos e a chamar a polícia se alguém quiser fazer uma fotografia dessas crianças; e há outros factores que nos levam ao ódio pelo nosso semelhante, como quando incriminamos minorias étnicas e estrangeiros pelos crimes que aqui são cometidos e pelo desemprego, pela pobreza e pela insuficiência das prestações do Estado. Está instalada na Europa e nos Estados Unidos, a título definitivo, a paranóia. A comunicação social é o maior dos cúmplices pela propagação destes medos e desta irracionalidade que, diga-se por ser verdade, é sempre atiçada quando os conservadores tomam o poder. E esta paranóia leva a que aceitemos de bom grado a aplicação de medidas restritivas e arbitrárias
Sinto-me sempre satisfeito quando ouço alguém levantar a voz contra esta vida absurda que levamos aqui no Ocidente. Há quem não se conforme em viver como um carneiro e se revolte contra este medo que subrepticiamente somos levados a aceitar e denuncie os abusos e os excessos de quem nos quer tirar o último reduto da nossa personalidade - a liberdade. Hoje tive inúmeras mensagens de pessoas que exprimiram o seu desagrado pelo que nos está a acontecer nesta nossa sociedade vigiada, restritiva e opressora. O que se passou comigo no Sábado, na estação da Trindade do Metro do Porto, foi apenas um pequeno exemplo da odiosa repressão que consentimos com o nosso medo e irracionalidade; foi uma trivialidade, quando comparada com as restrições dos fotógrafos profissionais - em particular dos fotojornalistas. Chegámos ao extremo de haver agressões a fotojornalistas em Portugal: foi no dia 22 de Março de 2012, em Lisboa, dia de greve geral. E já temos os apparatchiks do governo a emitir soundbites para os órgãos de polícia e para a comunicação social, fazendo-nos saber que haverá «tolerância zero» para as concentrações e manifestações não autorizadas na próxima quarta-feira, 25 de Abril. Eis como celebramos a liberdade hoje em dia, depois da chegada de Passos Coelho e do Relvas ao poder!
A liberdade não é um ideal romântico-revolucionário de idealistas tontos: a liberdade é um direito que temos! É algo que nos distingue das outras espécies, que contribui para a formação de seres humanos melhores, mais inteligentes, evoluídos, dignos e esclarecidos (eis o porquê de alguns odiarem a nossa liberdade). Devemos lutar por ela a cada dia que passa, em lugar de deixarmos que nos sufoquem com a desinformação, o alarmismo, o boato e todos esses expedientes com que tentam dominar-nos pelo medo e roubar-nos o mais precioso dos nossos bens. É tempo de deixarmos de ser cobardes e de recusar este resvalamento para a mais estúpida das ditaduras - a ditadura dos mercados. Ao consentir que nos restrinjam a liberdade, estamos a renunciar à nossa condição de pessoas.
Por mim, tudo farei para impedir arbitrariedades como a que narrei no texto de ontem. Hoje mesmo fiz fotografias numa estação do Metro do Porto, neste caso a do Bolhão. Fi-lo depois de consultar exaustivamente toda a legislação e regulamentos aplicáveis e, antes de entrar na estação, verifiquei que não existe qualquer dístico relativo à proibição de fotografar: concluí que a proibição é completamente arbitrária. Ia determinado a reagir se me tentassem impedir de fotografar: se me tivessem apreendido a câmara ou o cartão de memória, teria imediatamente denunciado essa pessoa por roubo. Felizmente, nada aconteceu - excepto algumas fotografias que posso exibir, com algum orgulho, no meu Flickr. Se algo tivesse acontecido, teria reagido por todos os meios lícitos de defesa dos meus direitos, mas nada sucedeu. Ainda bem. Senti que, afinal de contas, ainda vai havendo alguma liberdade nesta cidade claustrofóbica que, no dia 25 de Abril, vai homenagear um dos grandes corruptores do nosso país e se deixa devassar pela vigilância das câmaras CCTV na Ribeira.
Como seria se todos, e cada um de nós, tivessem consciência dos seus direitos e agissem em conformidade? Este país seria um lugar extraordinário para se viver se nós, o colectivo a que chamamos povo, agíssemos como um colectivo consciente e informado, em lugar de permitirmos a arbitrariedade, a prepotência, a repressão sem lei e esta constante subtracção dos nossos direitos.  Que exemplo daríamos ao mundo! Em lugar disso, permitimo-nos ser governados por gente que serve aqueles que querem esbulhar-nos dos nossos direitos, gente que se comporta como mordomos desses ditadores sem rosto que nos tentam dominar, que são os que controlam essa entidade amorfa, acéfala mas poderosa a que chamam os mercados. A propósito da agressão aos fotojornalistas que referi acima, Bruno Nogueira disse há algumas semanas, no seu espaço da TSF, que os polícias são como os cães: se os donos são mansos, eles também o são; se os donos são agressivos, eles mordem e tornam-se ferozes. Estava, com o seu humor (ainda que este seja por vezes falível), a denunciar uma verdade que entra pelos olhos dentro de quem pensa um pouco. E a alegoria é extensível aos seguranças privados, como os que vigiam as estações do metro do Porto.
Desculpem este desabafo, que possivelmente faria mais sentido num blogue político que num de fotografia, mas há coisas que são bem mais importantes que a focagem automática e o equilíbrio dos brancos. Ninguém que tenha um pouco de raciocínio se pode demitir de lutar por uma vida e um país livres. Nem mesmo os fotógrafos amadores, ou os pretendentes a esse estatuto.

domingo, 22 de abril de 2012

10 000

Se as estatísticas do Blogger são de confiar, esta tarde o ISO 100 atingiu dez mil visitas. O meu obrigado a todos e a cada um dos visitantes e leitores. Por mim, vou continuar a fazer tudo o que puder para manter este blogue útil e interessante, mas sempre despretensioso e honesto.

O escriba ao vosso dispor,
M. V. M.

«O senhor não pode fotografar»

Agora sei como se sentem os fotógrafos britânicos, vítimas da paranóia securitária que afecta o 51.º Estado dos U. S. A. Ontem fui fotografar as estações do Metro do Porto de S. Bento e da Trindade, depois de, na sexta-feira, ter feito algumas fotografias razoavelmente interessantes na estação da Avenida dos Aliados. Confesso-o com a maior humildade possível: foi o meu amor pela fotografia de Rui Palha que me impeliu a ir fotografar estações do Metro do Porto; não para imitá-la, mas por ter sido um mundo de possibilidades fotográficas que se abriu diante dos meus olhos ao ver as fotografias que Palha fez em locais semelhantes. A ideia não é imitá-lo, mas inspirar-me: tal como Rui Palha - não pensem, nem por um segundo, que me estou a tentar comparar a ele, eu ainda vou mantendo o sentido do ridículo -, gosto de linhas condutoras fortes e contrastes vivos nas minhas fotografias a preto-e-branco, e as estações do Metro, com as suas escadas rolantes e corrimões reluzentes, são locais perfeitos para os obter.
Na sexta-feira tudo correu bem. Fiz as fotografias que quis e as que não quis, i. e. as que depois apaguei por não me terem deixado satisfeito (em algumas o ruído de crominância dava um tom verde às sombras, mesmo com o ISO regulado em 200). E ontem, na estação de S. Bento, também não tive problemas - a não ser a falta de inspiração resultante de um estado de espírito vagamente sombrio que me tem assolado. Consegui, apesar de tudo, fazer um panning que saiu interessante, com o movimento das carruagens arrastado mas as pessoas no interior surgindo razoavelmente nítidas - mas apenas essa e uma outra fotografia sobreviveram às minhas exigências de qualidade.
Depois de uma incursão pela AFF (isto não é publicidade, é reconhecimento a quem o merece), onde adquiri um cartão de memória de 16GB para acomodar os raws sem o pânico de ficar sem espaço para mais fotos a meio de uma sessão, fui até à estação da Trindade. Devo dizer que não consegui nenhuma imagem que me deixasse verdadeiramente satisfeito, e para o fim já estava a fazer experiências parvas, como fotografar os sinais luminosos.
Ora, foi exactamente neste momento que fui abordado por um agente de segurança, devidamente fardado, que se me dirigiu a mim com autoridade, mas sem rispidez: «o senhor não pode fotografar». Obedeci-lhe prontamente. Por cobardia? Talvez, quem sabe. Por medo que a minha única câmara fosse apreendida indevidamente? É o mais certo. Coloquei a tampa na lente (ou objectiva, como José Antunes prefere que lhe chame), ensaquei a câmara e afastei-me.
Não devia. Aquele indivíduo, apesar de ter sido correctíssimo na maneira como me abordou, não tinha qualquer direito de me proibir de fotografar. O meu direito de fotografar ali está assegurado, não apenas na lei ordinária, mas na Constituição da República Portuguesa. O artigo 79.º, n.º 2, do Código Civil, permite-me fotografar pessoas em lugares públicos (classificação à qual uma estação do metro não está certamente subtraída), tal como me garante a liberdade de fotografar nos mesmos locais para fins culturais. E a Constituição da República Portuguesa consagra a liberdade de criação artística no seu artigo 42.º, que é directamente aplicável e vincula entidades públicas e privadas (artigo 18.º, n.º 1, da CRP). Há, na lei, uma hierarquia: um regulamento, como aquele em que o agente de segurança certamente se fundou, não pode limitar um direito, liberdade ou garantia inscrito na Constituição, nem pode derrogar uma lei. Só as leis da Assembleia da República - ou os decretos-leis precedidos de autorização legislativa - podem restringir os direitos, liberdades e garantias constitucionais (art. 18.º, n.º 2). Acresce que não existem motivos justificados para essa limitação: tenho a consciência de que estava a exercer um direito quando fotografei. Nem estou a ver qual o imperativo capaz de fundamentar a proibição. Já fotografei em várias estações de caminhos de ferro, e apenas num estudo de campo na estação de S. Bento, durante o workshop do Instituto Português de Fotografia que frequentei, nos aconselharam a não usar tripés, para não perturbar o movimento dos passageiros. E eu não usei o tripé na estação do metro da Trindade.
Escusei-me a enveredar numa discussão jurídica com o agente de segurança, por saber que seria inútil e poderia ter consequências que escapassem ao meu controlo. A minha E-P1 vai celebrar o seu 1.º aniversário na sexta-feira, 27 de Abril, e quero tê-la comigo nesse dia. De preferência, intacta. Poderia, decerto, ter retorquido algo como «o senhor não me pode proibir de fotografar», mas abstive-me. O agente não tinha qualquer possibilidade de saber que eu estava a fazer fotografia criativa; eu bem podia ser um paparazzo, ou estar a fotografar de maneira ilícita - ele não tinha como saber qual era a minha intenção ao fotografar ali. Ou, quem sabe, talvez tivesse pensado que eu era um jornalista a investigar o rombo de 680 milhões de euros das contas da sociedade do Metro do Porto. Também podia tê-lo informado que estava a usar uma grande-angular, com a qual as pessoas apareciam minúsculas e inidentificáveis na imagem, mas não intuí que ele estivesse particularmente receptivo a argumentos técnicos.
Nos últimos tempos os fotógrafos parecem ser uma espécie de párias. Já levam bastonadas nas manifestações, tal como nos países que nos habituámos a considerar civilizados, e são impedidos de fotografar em lugares públicos. Numa altura em que faltam apenas três dias para comemorarmos o 25 de Abril, dia da Liberdade, estes assuntos não deixam de me preocupar.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Um artigo que vale a pena ler

Encontrei este artigo na Internet. Já me tinha referido aqui aos DxO Labs, a propósito do desempenho do sensor da minha câmara quando medido lado-a-lado com as suas sucessoras, a E-P2 e a E-P3, pelo que estes laboratórios já não me eram estranhos, mas fiquei impressionado com o rigor e a exigência dos testes da DxO Mark. O texto é extenso, mas vale a pena ler. Ainda por cima, espicaçou-me a curiosidade quanto ao programa de edição de imagem dos DxO Labs, o DxO Optics Pro 7, um programa que, apesar de apenas processar imagens raw, reconhece automaticamente a câmara, encontra os seus defeitos e corrige-os sem intervenção do utilizador (que pode, contudo, corrigir manualmente a imagem). Uma alternativa ao básico Olympus Viewer - ou mesmo ao Adobe Lightroom? Não quero manipular a imagem, tornando-a irreal - mas, se puder melhorar as minhas fotografias muito para além do que um programa básico permite, porque não mudar?

Como escolher lentes (2)

Vimos, no texto anterior, que a escolha das lentes requer muita ponderação. Comprar lentes com base em critérios como o baixo preço, ou a existência de um intervalo grande entre distâncias focais, são erros primários que podem sair caros ou redundar na posse de uma lente que não serve para nada.
Há duas formas de não errar na compra de lentes. Uma é a aquisição de zooms de grande qualidade, como vimos no texto anterior. Sai caro - mas uma lente, ao contrário do corpo, é para a vida, e não para deitar fora quando chegar aos cem mil ou cento e quarenta mil disparos. Vale a pena partir o porquinho-mealheiro, como dizem os britânicos. Desde, claro está, que saibamos quais as distâncias focais de que realmente necessitamos.
A outra maneira de não cometer erros é apostar em boas lentes de distância focal fixa - as chamadas primes. Se eu soubesse o que sei hoje, só teria primes. Com elas, fotografar é, não apenas mais fácil (a focagem é muito menos problemática que com zooms), mas sobretudo mais divertido. Têm apenas a desvantagem de ser menos versáteis: com uma prime, a maneira de ampliar ou reduzir o tamanho de um objecto no enquadramento é aproximar-me ou afastar-me dele, o que é menos prático do que rodar um anel na lente - mas vale a pena. As primes não têm mecanismos complicados para além dos de focagem, e podem ser facilmente optimizadas para correcção das aberrações ópticas e, sobretudo, para grandes aberturas. Não conheço nenhum zoom capaz de f1.4; em contrapartida, há primes que chegam a f0.8!
Nunca é demais realçar a importância de uma boa abertura. Ela permite fotografar em condições de luz menos-que-óptimas sem flash e sem puxar pelo ISO, mas sobretudo ajuda a diminuir a profundidade de campo, característica essencial quando queremos obter aqueles planos de fundo diluídos que alguns fotógrafos perseguem como se fosse o Santo Graal (e eu sou um deles...) As boas primes podem ser muito caras, mas há diversas excepções a esta regra.
Uma delas é a existência de lentes de distância focal fixa baratas, mas capazes de imagens de altíssima qualidade. A Canon faz uma (a que já me referi por diversas vezes) que, exteriormente, é uma porcaria feita de plástico barato - mas diz quem sabe que, no que verdadeiramente conta - a qualidade da imagem - é uma pérola genuína: a EF 50/f1.8 II. E a Nikon tem uma equivalente - pobre Nikon, para sempre condenada a correr atrás da Canon... -, existindo ainda outras lentes das mesmas famílias noutras distâncias focais. E há outras primes baratas de qualidade mais que satisfatória: até a minha Pancake 17mm/f2.8 é uma lente respeitável. A sua qualidade suscitou-me sempre algumas dúvidas, mas estas desapareceram quando vi as impressões de fotografias feitas com ela. E, ao que parece, as Sigma de 19 e 30mm lançadas recentemente para câmaras mirrorless são muito interessantes - e custam cerca de €200.
Outra excepção é a existência de milhares de primes de altíssima qualidade no mercado das lentes usadas. Os que não se importam de focar à mão não devem hesitar: ainda há pouco referi que as lentes são bens duradouros, ao contrário dos corpos. Desde que não tenham riscos, poeiras no interior ou fungos, as lentes em segunda mão são uma aquisição segura. E barata: comprei a minha lente preferida, a Olympus OM 50mm/f1.4, por cem euros. E poderia ter pago ainda menos se a tivesse comprado no eBay, mas não quis correr riscos. Claro que, a menos que se tenha uma câmara com a mesma baioneta, a aquisição de uma lente em segunda mão implica a compra de um adaptador, mas marcas como a Photodiox fazem adaptadores baratos e de qualidade suficiente.
Mesmo que as lentes em segunda mão não sejam assim tão baratas, pode valer a pena comprá-las. Há lentes que são verdadeiramente imperecíveis: Leicas (ou Leitz/Wetzlar), Carl Zeiss, várias Olympus OM, algumas Pentax/Takumar... imaginem uma lente Leica Summilux prateada numa E-P1: transformaria esta câmara humilde numa pequena maravilha, estética e opticamente! (É melhor ficar por aqui com os sonhos, antes que caiam fios de baba sobre o teclado...)
Já com os zooms em segunda mão é necessário muito mais cuidado: os zooms antigos são push and pull, e não de rosca (o anel desliza ao longo da lente para aumentar ou diminuir a distância focal), e os mecanismos tendem a enfraquecer, fazendo com que a lente encolha sozinha quando é pousada na vertical. Além disso, usam só um anel para o zoom e para a focagem, o que torna a focagem mais difícil do que devia ser quando se fotografa com a câmara nas mãos (e não num tripé).
Termino repetindo que o mais importante é o novato conhecer as suas necessidades e determinar quais as distâncias focais que lhe permitem fotografar segundo a sua intenção antes de comprar. Os leitores de espírito mais agudo terão reparado que não estou a escrever para milionários que não sabem o que fazer ao dinheiro, mas para aspirantes a fotógrafos que querem comprar o melhor material possível sem terem de fazer uma segunda hipoteca sobre a casa - e, de preferência, sem cometer erros caros. Se quero fazer fotografia de rua, uso distâncias focais na ordem dos 35mm; se quero fazer paisagens, usarei distâncias entre os 17 e os 28mm (a partir daqui o ângulo de visão torna-se demasiado estreito). Se tenho interesse em retratos e flores, procurarei lentes de 50 a 100mm - ou superior. Já se quiser tornar-me num ornitólogo, nada com menos de 600mm me satisfará. E, evidentemente, se quero uma distância focal cujas dimensões sejam semelhantes ao modo como como as percebo a olho nu, essa distância é 45mm. Lembrem-se, contudo, da regra da equivalência: as distâncias focais a que me tenho vindo a referir são calculadas com base no filme de 35mm e apenas são exactas nestas câmaras e nas de sensor full frame. Numa Nikon com sensor APS-C, as distâncias focais inscritas na lente são multiplicadas por 1,5, pelo que a tal lente de 50mm é, na verdade, uma de 75mm. Nas câmaras com sensor 4/3 (Olympus e Panasonic), o factor de multiplicação é de 2, pelo que a Pancake de 17mm se comporta, na minha câmara, como uma lente de 34mm montada numa câmara com sensor full frame se comportaria (clique aqui para mais informação).
E, claro, nunca se esqueçam de procurar adquirir lentes com a maior abertura possível. Torçam o nariz a toda e qualquer lente com aberturas máximas inferiores a f3.5.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Como escolher lentes (1)

O título deste texto devia levar um ponto de interrogação. Na verdade, já cometi erros de palmatória na escolha de lentes, pelo que talvez não seja a pessoa mais indicada para dar conselhos nesta matéria. Os meus erros nasceram, acima de tudo, da ignorância de um principiante que bem teria agradecido palavras de aconselhamento, mas se esqueceu de as procurar. Felizmente os erros não saíram particularmente caros, nem são irremediáveis - mas redundam na posse de lentes de uso bem mais limitado do que imaginara quando as comprei.
A primeira coisa que devemos fazer, antes de comprar lentes, é saber ao certo para que as queremos. Por vezes fala-se em «lentes para paisagens» ou «lentes para retratos» e, embora à primeira vista estas classificações pareçam reducionistas e disparatadas, não o são: elas fornecem uma ideia quanto aos planos focais e aos ângulos de visão das lentes, o que é, desde logo, uma indicação útil desde que saibamos interpretar as nossas necessidades.
Isto significa que nós precisamos de lentes para cobrir determinadas distâncias focais e ângulos de visão diferentes (sendo que estes últimos variam na proporção inversa da distância focal). Uma lente de 28mm é boa para paisagens ou para fotografias de interiores e arquitectura, mas é péssima para retratos, flores e captação de objectos longínquos, que surgirão demasiado pequenos no enquadramento. E uma lente de 150mm é excelente para retratos e flores, mas não adianta de nada se quisermos fotografar paisagens com um grande ângulo de visão. Por outro lado, se queremos fotografar objectos correspondentes à dimensão que o nosso olhar transmite, não devemos usar nem uma nem outra das distâncias focais que exemplifiquei, mas sim as distâncias standard - entre os 45 e os 50mm. Não era por acaso que as câmaras dos anos 70 e 80 vinham equipadas com lentes - em kit ou fixas - destas distâncias focais: a Minolta 7S do meu pai tem uma lente de 45mm, e as Olympus OM podiam ser compradas com a lente 50mm. (Em ambos os casos, eram lentes com aberturas f1.8, o que mostra que o apetite por lentes rápidas não é recente.)
Note-se que se pode comprar lentes de distância focal fixa - as chamadas prime - ou zooms, e estas dão-nos, numa só lente - o que pode, à primeira vista, parecer vantajoso, mas nem sempre o é - uma gama de distâncias focais que pode ir de grande-angular a super teleobjectiva, como algumas 18-200 que pululam no mercado. Os zooms, contudo, levantam muitos problemas que levam alguns fotógrafos a virar-lhes as costas. 
Antes de mais, um zoom barato é, em regra, lento: a abertura destas lentes é geralmente estreita, e tanto mais quanto maior for o zoom que se faz. Uma lente destas pode ter uma abertura de f3,5 ou f4 na distância focal mínima e chegar a valores como f6,3 na máxima. Se a primeira não é particularmente problemática - f3,5, ou mesmo f4, não coloca grandes problemas -, já a abertura nas distâncias focais longas pode, se as condições de luz forem menos que ideais, tornar impossível fotografar segurando a câmara com a mão, uma vez que a velocidade do obturador tem de ser bastante reduzida para manter uma exposição correcta.
Outro problema dos zooms generalistas é o de apresentarem problemas de focagem. Hoje aconteceu-me isto: como tive uma redução considerável no meu volume de trabalho por ter perdido um part-time que mantinha, agora faço vida de reformado (mas sem receber reforma) e aproveito para fotografar mais. Fui até ao Jardim Botânico e, em vez de levar a lente de distância focal fixa que geralmente uso - a prime Olympus OM 50mm/f1.4 -, levei a 40-150mm/f4-5.6, uma lente zoom moderna de focagem automática. Quando a usei para fotografar flores, pretendendo manter a flor isolada com o desfoque do plano de fundo, a focagem automática falhava; apesar de seleccionar o ponto de focagem sobre o objecto que queria manter em foco, a lente fazia exactamente o contrário do que eu queria: desfocava a flor e mantinha o plano de fundo bem focado. Não adiantava aproximar-me ou afastar-me, nem fazer mais ou menos zoom: a certa altura desisti e optei pela focagem manual. Só então obtive os resultados que queria. Uma lente estúpida!
Se quisermos comprar um bom zoom, devemos estar preparados para gastar muito dinheiro. E este não cresce nas árvores (ou, quando cresce, as árvores estão sempre num pomar que não é o nosso). O que caracteriza um bom zoom é, antes do mais, o facto de manter uma abertura constante ao longo de toda a gama de distâncias focais: f2.8 é f2.8, quer se fotografe a 17mm ou a 50mm. Porque são estes zooms tão caros? Antes de mais, por imperativos de construção: manter uma abertura constante implica abdicar de compromissos usados para manter os preços baixos, pelo que os grupos ópticos e a estrutura do zoom são de muito maior qualidade, o que se repercute no preço e no volume - especialmente no diâmetro e peso - destas lentes. As lentes - todas elas - são um compromisso: não há lentes perfeitas. 
Acresce que os zooms generalistas, que abrangem distâncias focais que vão da grande-angular até à teleobjectiva, partilham dos defeitos comuns a ambas estas categorias: a distorção de barril e as aberrações cromáticas das grandes-angulares e a distorção convergente (pincushion) nas teleobjectivas. Uma das razões por que os zooms especializados são tão caros e volumosos é a necessidade de utilização de grupos ópticos cuja concepção permita corrigir ou minimizar estas aberrações. Além de que, por existirem mais partes móveis, as zoom são mais permeáveis a avarias e problemas de funcionamento que as lentes de distância focal fixa. 
Muitos poderão sentir-se entusiasmados com artigos e ensaios de lentes feitos pelas revistas e websites de fotografia. Embora alguns deles sejam fiáveis, há que ter muito cuidado com a interpretação das conclusões desses ensaios: Um zoom barato, digamos um Olympus 40-150 f4/5.6, pode receber a mesma nota técnica que uma Leica Vario-Elmarit, mas tal não significa que se equivalham em qualidade: a Olympus pode ser «altamente recomendada», mas é-o quando em confronto com lentes do mesmo preço e com características semelhantes. Se o teste fosse feito com uso de critérios absolutos, a Leica trucidaria a Olympus por completo. É muito difícil escolher uma boa lente, e a pior coisa que se pode fazer é avaliá-la pela publicidade ou pelos ensaios. Vale mais aconselharem-se numa loja especializada de confiança, como (aqui no Porto) a AFF e a Colorfoto. Evitem comprar online, a menos que tenham a certeza absoluta do que estão a fazer. E, sobretudo, não usem este texto como guia de compras, mas antes como um conjunto de sugestões ou referências, porque, apesar de ter por princípio escrever sempre com fundamento, sei pouco mais do que vocês... (continua)      

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Fotografar flores

Antes de mais, um esclarecimento: este texto destina-se, apenas, a fornecer algumas indicações práticas aos noviços da fotografia como eu. Os fotógrafos mais experientes, que queiram dominar as técnicas a empregar neste tipo de fotografia, poderão optar pela aquisição de um e-book que recomendo: Flowers... The Way I See Them, de José Antunes.
Dito isto, a fotografia de flores pode ser feita de dois modos: close-up e macro. Uma vez que não tenho material que me permita fazer fotografias macro, que requerem lentes próprias - ou tubos de extensão para macro - e um flash anelar (além de um tripé, evidentemente, mas esse eu até tenho, e por sinal muito bom), este texto vai referir-se exclusivamente ao close-up, a que tenho dedicado uma boa parte do tempo que despendo com fotografia.

1. O equipamento

Para este tipo de fotografia é necessária uma câmara equipada com um sensor que tenha, no mínimo, a área do 4/3. Este requisito tem que ver com a profundidade de campo, que deve ser bastante reduzida para obter o efeito desejado e aumenta ou diminui na proporção inversa da área do sensor.
Quanto à lente, para obter os melhores resultados é necessária uma grande abertura, da ordem de f2.0 ou, se possível, menor. Lentes com aberturas máximas inferiores podem produzir bons efeitos, mas podem obrigar a um plano focal mais distante, o que aumenta a profundidade de campo e não garante os mesmos resultados. 
Com lentes de abertura da grandeza inicialmente indicada - fotografar flores a f1.4 é uma experiência incrível! - é possível dispensar o tripé, uma vez que as velocidades de disparo serão, em princípio, consideravelmente elevadas, congelando qualquer movimento do objecto que possa ser induzido, por ex. pelo vento. Quanto à distância focal da lente, esta deve ser da ordem dos 100mm (equivalente) ou superior, uma vez que a profundidade de campo será tanto mais reduzida quanto maior for a distância focal. A lente que mais uso para fotografar flores é uma 50mm/f1.4, que equivale a 100mm numa câmara full frame. Deve também ser usado um pára-sol, de maneira a que a luz oblíqua não provoque aberrações na imagem.
2. No terreno

Deve, antes do mais, procurar-se locais onde exista grande variedade de flores. Qualquer flor pode dar uma boa fotografia, mas importa escolher exemplares bonitos e, acima de tudo, que estejam em bom estado, sem pétalas murchas ou orlas acastanhadas. A flor a fotografar deve estar isolada das demais, caso contrário será impossível obter o efeito que se pretende. As condições ideais de luminosidade não são, ao contrário do que se poderia imaginar, céu aberto e sol intenso. Isto leva à sobre-exposição, obrigando a fechar a abertura - o que fará perder o objectivo principal destas fotografias ao aumentar a profundidade de campo - e ao surgimento de reflexos da luz na flor. As fotografias devem ser feitas à sombra ou debaixo de um céu nublado, o que, além de evitar a sobre-exposição, permite imagens mais contrastadas e cores mais saturadas - por paradoxal que isto pareça. Fotografias feitas depois de ter chovido podem resultar bem pela inclusão de gotas de água - especialmente em macro -, mas podem também redundar em imagens com um conteúdo demasiado banal.

3. A técnica

A imagem deve ser colhida a partir de uma perspectiva interessante, o que pode obrigar o fotógrafo a escolher posições que os transeuntes poderão julgar estranhas, mas vale a pena. Devem ser evitadas perspectivas do alto e planos frontais das flores, uma vez que estas perspectivas correm o risco de tornar as fotografias pouco interessantes por não terem qualquer subtileza. Deve também evitar-se que a flor preencha todo o enquadramento, sendo as melhores fotografias aquelas que mostram o plano de fundo. É importante que o caule seja incluído, pois este permite uma percepção de ligação da flor ao terreno, mesmo que este último não surja na imagem, e deve, se não se optar por formatos quadrados, observar-se a regra dos terços.
A fotografia deve ser feita a curta distância. Todas as lentes indicam qual a distância mínima a que se pode fotografar com elas, e as fotografias ideais de flores são aquelas cujo plano focal se situa mais próximo desse mínimo. Ressalvo, porém, que devem ser mantidas distâncias superiores à mínima quando se usam teleobjectivas com grandes distâncias focais; não apenas para que a flor caiba no enquadramento, mas porque, neste caso, poderá haver partes da flor que surgem desfocadas.
Quanto às configurações da câmara, estas dependem largamente do gosto e intenção do fotógrafo. Deve ser usada a medição matricial, uma vez que a pontual pode escurecer excessivamente o fundo (mas não há como experimentar, porque podem obter-se bons resultados), e o equilíbrio dos brancos pode ser o de luz solar ou de nublado: este último produzirá uma ligeira saturação das cores que pode resultar bem.
 4. Focagem

A focagem é tratada aqui, separada do capítulo da técnica, por ser absolutamente fundamental para fazer fotografias de flores. Referi que a profundidade de campo deve ser reduzida, e fi-lo com base na minha experiência. Uma boa fotografia de uma flor deve apresentar um fundo esbatido - conhecido por bokeh, que significa «desfocado» em japonês. O desfoque do plano de fundo serve uma intenção estética e artística, mas também outra mais comezinha - mas não menos importante -, que é a de isolar a flor do plano de fundo. Com efeito, se o fundo estiver em foco (o que acontecerá se for escolhida uma abertura demasiado estreita), o olhar será inevitavelmente atraído para ele, desviando a atenção da flor. Deve escolher-se criteriosamente o ponto de focagem, de maneira a que a flor surja com nitidez e o fundo desfocado; isto pode ser feito com a focagem automática, seleccionando o ponto de focagem, ou focando manualmente, o que, em muitas câmaras, tem a vantagem de permitir um ajuste fino da focagem graças à função de ampliação que é activada quando se foca manualmente.
Para obter este esbatimento do fundo, basta manter um plano focal aproximado, usar uma abertura próxima do máximo e focar a flor; não é nada de particularmente difícil, desde que se tenha o equipamento apropriado e a paciência necessária. A fotografia de flores que verso aqui é reflexiva e ponderada, e não intuitiva ou reactiva, não sendo possível obtê-la por impulso. Implica um estudo demorado para escolher a melhor perspectiva, a iluminação mais adequada e as configurações ideais da câmara.  
Quando existe luz oblíqua, é possível que surjam clarões ou halos de luz na imagem; estes halos podem ser redondos, quando se usa a abertura máxima, ou poligonais quando se usam aberturas inferiores. Os halos podem beneficiar ou arruinar a fotografia, dependendo das opções estéticas do fotógrafo.

5. Processamento

Estas fotografias devem ser feitas no formato raw. Com este, é possível tratar a imagem muito para além daquilo que os parâmetros da câmara permitem quando se fotografa em JPEG. O uso do Photoshop, neste caso particular, não me repugna: por ex., é possível, em lugar do fundo esbatido, usar um fundo branco ou negro, o que pode resultar numa imagem esplêndida - embora os fundos naturais, desde que as técnicas descritas sejam devidamente aplicadas, sejam mais realísticos. Usar ou não o Photoshop fica ao critério do fotógrafo.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Noites brancas

Um dos problemas que ser fotógrafo amador acarreta - e não é só comigo que isto se passa, porque já ouvi outra pessoa descrever os mesmos sintomas - é tendermos a olhar tudo como se o fizéssemos através de um visor. É estarmos constantemente a ver as possibilidades fotográficas de cada objecto, pessoa, edifício ou paisagem com que nos cruzamos, olhar fotografias tentando imaginar que distância focal e abertura foram utilizadas e estar permanentemente a lamentar não ter a câmara connosco.
Ver televisão não melhora este estado de coisas. No sábado à noite passou Le Notti Bianche, de Luchino Visconti, com o grande Marcello Mastroianni e banda sonora de Nino Rota, inspirado na novela Noites Brancas, de Fiódor Dostoiévski (que, por sinal, é um dos meus autores favoritos). Bom filme, mas não o consegui ver todo: estava demasiado cansado. A idade tem destas merdas... No que vi do filme, porém, deliciei-me com a imagem. A película, a preto-e-branco, é notável pelo facto de cada fotograma ter o potencial de ser uma fantástica fotografia de rua; é, de facto, como se fosse uma sucessão de fotografias de rua - e todas elas brilhantes. Ultimamente tem-me dado para reparar na maneira como os directores de fotografia usam a focagem selectiva para concentrar a acção num actor, bem como nos planos e pontos de fuga que usam para aumentar ou diminuir a sensação de profundidade, mas o que vi em Le Notti Bianche foi uma sucessão maravilhosa de fotogramas da maior qualidade artística. O director de fotografia, Giuseppe Rotunno - que também esteve por detrás da imagem de Sabrina, de Billy Wilder, ou de A Fantástica Aventura do Barão Munchausen, de Terry Gilliam, entre muitos outros - é um belíssimo profissional do cinema. Noites Brancas é, do ponto de vista plástico e estético, o melhor filme que vi até hoje: fotografia de rua adaptada ao cinema, nem mais nem menos. 

Questões legais da fotografia: o índice

Inesperadamente, os textos que publiquei no ISO 100 acerca de questões jurídicas da fotografia tiveram um sucesso assinalável. Devo dizer que, quando os escrevi, esperava que fossem úteis, mas temia que permanecessem ignorados, uma vez que o português é, no geral, refractário à informação jurídica. Ao pensar assim, subestimei os fotógrafos, que são por via de regra pessoas informadas e com níveis elevados de literacia - e que não querem pousar o pé em ramo verde quando se trata de conhecer os limites da sua arte.
Publiquei aqui dois textos sobre o conflito de direitos existente - em acto ou em potência - entre o direito de fotografar e os direitos de personalidade, e também quatro textos sobre a questão, também ela de fundamental importância em fotografia, dos direitos de autor. Foi um trabalho que cumpri com o maior rigor possível, apoiando-me no facto de ser jurista e fotógrafo e de procurar sempre a verdade, abstendo-me de proferir afirmações sem fundamento. 
Os textos publicados são interpretações da lei vigente, e o direito é, acima de tudo, uma ciência hermenêutica; há, deste modo, interpretações diferentes, não podendo de maneira nenhuma afirmar que a minha interpretação é melhor do que outra qualquer. Pretender ser objectivo é uma conduta descabida no direito, mas há aspectos que são incontrovertidos, e foi sobre estes que escrevi. Longe vão os tempos do positivismo jurídico, ilustrado pelo famoso les textes avant tout do juiz Demolombe: o direito é que tem de se adaptar à vida, e não o contrário. A interpretação dos textos legais nunca é, nunca pode ser unívoca, porque não há duas situações de facto idênticas e os valores tutelados pelo direito não são necessariamente ponderados do mesmo modo no momento da entrada em vigor da lei e no da sua aplicação a um caso concreto. Nem a lei pode ter a pretensão de ser perfeita e indiscutível, porque é feita por homens e mulheres e estes são falíveis. Em última análise, a interpretação válida da lei é a fixada em cada caso pelo julgador, mas mesmo esta pode ser controvertida: por alguma razão existem tribunais de recurso, e nem mesmo estes podem pretender fixar a interpretação definitiva da lei. Apenas a existência dos direitos sancionados na lei é segura, mas mesmo o conteúdo e os limites daqueles podem ser objecto de interpretações diferentes porque o direito não é estático, e a sua interpretação evolui em concomitância com a vida e a sociedade.
Ficam aqui, por motivos de sistematização, as hiperligações para os textos sobre aspectos jurídicos da fotografia, de maneira a que os novos leitores tenham um acesso rápido aos textos que estão dispersos pelo blogue. Resta informar que os quatro textos sobre direitos de autor devem ser lidos em sequência - do n.º 1 ao n.º 4 -, uma vez que, apesar de terem sido divididos em quatro partes por questões de facilidade e conveniência da leitura, são um texto unitário.

Fotografia e direitos de personalidade:

Direitos de autor:


domingo, 15 de abril de 2012

Os meus problemas com o raw

A resolução captada pelos ficheiros raw é impressionante
Depois do meu texto acerca do uso do raw, tenho fotografado usando este formato. Não me deixei convencer acerca da sua desnecessidade, nem sou, de resto, um dogmático. Depois de inúmeras fotografias feitas em raw, ainda não me decidi por completo, mas tenho obtido resultados muito interessantes que me levam a não rejeitar o formato, apesar das suas desvantagens quanto ao espaço ocupado pelos ficheiros e ao tempo gasto a processar as imagens. (Como nunca uso o disparo contínuo, o tempo que a câmara demora a escrever para o cartão não é um óbice.)
Devo, antes do mais, dizer que muitas das funções do processamento raw podem ser obtidas configurando a câmara: é o caso do equilíbrio dos brancos (embora a edição do ficheiro raw dê mais flexibilidade no seu uso), da nitidez, do contraste e da saturação. Contudo, se por ex. regular a câmara para me dar mais contraste, fotografar apenas em JPEG e, no final, ficar descontente com o resultado, é muito mais difícil corrigir a imagem. O JPEG é uma imagem acabada que pode ser processada - excluindo aqui a manipulação em programas de edição como o Photoshop -, enquanto o raw é uma base de trabalho que permite modificar os parâmetros da exposição de uma maneira bem menos limitada que as funções básicas de edição que estão ao meu alcance quando uso JPEGs. Em raw posso compensar a exposição, fazer ajustamentos no equilíbrio dos brancos, compensar aberrações cromáticas, modificar os parâmetros do contraste, nitidez e saturação, entre muitas outras funcionalidades. Repito que muito disto pode ser configurado na própria câmara, mas se o fizer e usar o JPEG, torna-se difícil, ou mesmo impossível, alterar os resultados das más escolhas.
Esta liberdade de edição da imagem permite-me modificar a fotografia de maneira a aproximá-la do que tinha em mente quando a fotografei e dos meus critérios estéticos. O que não me permite - nem eu quero - é fazer da fotografia algo de completamente diferente do que a câmara registou, como quando se usa o Photoshop. Está, portanto, muito mais próximo dos meus ideais fotográficos, não pervertendo a fidelidade ao olhar que quero preservar quando fotografo. Eu quero que as minhas fotografias sejam um registo do que vejo, e não obras de arte manipuladas. Não sou fotógrafo de estúdio, não me dedico à fotografia publicitária nem à ilustração, áreas em que dou de barato que o Photoshop é uma ferramenta imprescindível. O raw permite-me, deste modo, melhorar sem falsear.
O céu não é desta cor!
Há, contudo, um enorme obstáculo que me leva a questionar o uso do raw. Algo que pode parecer um mero pormenor, e que é sem dúvida um problema exclusivo da minha câmara e da marca, mas que me deixa frustrado: o azul do céu, quando registado em ficheiros raw, é simplesmente horrível. Faz pensar no sabão Sonasol, e não em paisagens etéreas. É um azul baço, esverdeado, superficial - numa só palavra, feio. Rouba naturalidade e credibilidade à fotografia. E não há manipulação de curvas de tom, ou manuseamento do equilíbrio dos brancos, que lhe valha: fica sempre mal, despido de qualquer verosimilhança com a realidade. E a manipulação das curvas de tom altera as outras cores presentes na imagem. Nestas condições é praticamente impossível que uma fotografia que revele o céu limpo resulte.
Noutras imagens, contudo, os resultados são imensamente satisfatórios. É possível obter muito boas imagens com os JPEGs, mas o raw vai buscar um extra de resolução que, embora subtil, é reconhecível. E as suas funções de edição são praticamente ilimitadas. A questão que devo colocar é: o raw ajuda-me a fazer fotografias melhores? E a resposta é positiva, ainda que por uma margem relativamente pequena. Vou, provavelmente, continuar a fotografar raw. Vai certamente obrigar-me a comprar um disco externo e um cartão de memória de 16 megas, e vai aumentar o trabalho de edição, mas penso que vale a pena - salvo, evidentemente, quando quiser evitar céus em tom de azul-sabonete, caso em que usarei o JPEG...