terça-feira, 31 de julho de 2012

Dois anos a fotografar

Quando acordei nesta manhã de 31 de Julho de 2012, senti-me de imediato envolto numa sensação de estranheza, desilusão e amargura: não tinha nenhuma mensagem de felicitações à minha espera; nenhuma carta, nenhum telegrama, nenhuma mensagem de correio electrónico. Nem sequer um simples SMS. Quando saí de casa, a minha desilusão cresceu e tornou-se tristeza: não havia cerimónias, fanfarras, nem confetti voando no ar ou majorettes desfilando em uniformes com mini-saia. Nada de hastear de bandeiras, discursos oficiais, medalhas ou condecorações. Nem sequer um rodapé nos jornais ou na televisão; ouvi, com ansiedade incontida, os noticiários da rádio, e nada - nem uma palavra. 
Diria, pois, que esta efeméride passou largamente despercebida do público. Talvez - especulei - o facto de ela só a mim dizer respeito, e só para mim ter algum significado, tenha contribuído para que a data de hoje fosse um dia como qualquer outro para o cidadão comum. Daqui resulta, provavelmente, o facto de não ter havido qualquer espécie de reconhecimento público ou festejo. O que é, devo dizê-lo, profundamente injusto.
Uma das fotografias do dia 31 de Julho de 2010
No caso de alguém ainda não ter percebido - e há sempre quem não consiga entender o que está a ler e leve tudo ao pé da letra, especialmente na blogosfera -, estou apenas a brincar. Estou a ver se levo a minha imaginação um bocadinho mais longe, na esperança de entreter um pouco os leitores. E a exercitar a escrita: é que gosto tanto de escrever como de fotografar. Com a diferença fundamental de a escrita não requerer equipamentos sofisticados e caros.
A verdade é que comecei a fotografar há dois anos. Foi no dia 31 de Julho de 2010, um sábado, que comprei a minha primeira câmara, a Canon PowerShot A3150is. Já escrevi o suficiente sobre as minhas efemérides fotográficas aqui e aqui, pelo que não vou maçar ninguém com descrições daquilo a que, se acaso tivesse gosto por lugares-comuns, chamaria «o meu percurso»; o que me interessa é saber o que consegui ao longo destes últimos dois anos - para além de me ter tornado num tarado da fotografia.
A minha primeira câmara
Quando olho para as minhas fotografias antigas (se é que este é o adjectivo correcto para designar fotografias com apenas dois anos), não me sinto particularmente embaraçado, mas também não me encho de orgulho; não esperava fazer fotografias espectaculares desde o primeiro dia, porque tive sempre a consciência de que a estrada da aprendizagem era longa, sinuosa e cheia de dificuldades; nem olho para as primeiras fotografias com complacência, porque nunca me abstenho de ser crítico. As minhas primeiras fotografias são muito fraquinhas em praticamente todos os aspectos, mas nalgumas delas penso que consegui exprimir algumas das ideias que me levaram a querer fotografar. E isto era o mais importante. Não comecei a fotografar por ser aliciante exibir-me na rua com equipamento fotográfico, nem para me obcecar com questões técnicas; foi para transformar em imagens o que os meus olhos viam e me parecia merecedor de ser capturado. Quando comecei tinha já algumas noções de design - conhecia algumas regras de composição, como a regra dos terços -, mas não sabia mais nada de fotografia. O que me levou a querer suprir essa lacuna do conhecimento da forma mais ampla e rápida possível, e a transmitir os conhecimentos que dei por adquiridos e consolidados - que é para isto que este blogue serve.
Também já narrei aqui as limitações da minha primeira câmara, que me levaram a adquirir o meu equipamento actual. Este último deixa-me satisfeito e, a despeito de algumas limitações, não sinto necessidade de mudar. Preciso apenas de uma ultra grande-angular, da ordem dos 12mm, para que o meu equipamento fique verdadeiramente completo, mas o que me interessa, neste momento, é fazer fotografias interessantes. Agora que o equipamento deixou de ser uma limitação, não tenho desculpas para fotografias banais ou desinteressantes. É nos conteúdos, mais do que nas técnicas, que quero evoluir.
As fotografias que faço hoje, essas, não me ficaria bem adjectivá-las; algumas satisfazem-me, outras não. Recebem muitas vezes reacções positivas, mas estas deixam-me sempre na dúvida se são sinceras ou se os juízos são proferidos por simples simpatia ou cortesia. Sinto sempre que posso fazer melhor, e vem-me com muita frequência à mente a frase de Imogen Cunningham: «a minha melhor fotografia é a que vou fazer amanhã».
As únicas coisas que sei ao certo, ao fim destes dois anos, é que me envolvi no hobby mais interessante do planeta, e que quero continuar a fotografar e a aprender. Porque a estrada a que me referi mais acima, além de ser longa, sinuosa e cheia de dificuldades, não tem fim - nem saberia bem percorrê-la se o tivesse.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Os ladrões de fotografias

Chamou-me a atenção o texto publicado hoje na FotoDigital online, do meu estimado José Antunes, após denúncia pública dessa entidade que merece o meu maior respeito, o Instituto Português de Fotografia. (Vale a pena ler o texto: se não atinou com a hiperligação à primeira, pode encontrá-lo aqui.) O IGESPAR promoveu um concurso de fotografia sob o tema do património. O regulamento do concurso estipula que os direitos de autor das fotografias submetidas a concurso revertem incondicionalmente para o IGESPAR, o que significa que o autor não poderá obter qualquer proveito futuro das fotografias submetidas a concurso. Ora, se é verdade que, de acordo com o Código dos Direitos de Autor (artigo 166.º), o fotógrafo pode alienar os seus direitos sobre a fotografia - tal faz parte do conteúdo do direito de propriedade -, a maneira como esta transmissão está prevista no regulamento do concurso levanta-me as maiores dúvidas. A legislação portuguesa sobre contratos de adesão - e não tenho dúvidas que a participação neste concurso se insere nesta categoria - é suficientemente clara quando formula a exigência de que as cláusulas contratuais gerais (aquelas unilateralmente impostas por uma das partes, como aqui sucede) sejam explícitas quanto ao seu conteúdo e sejam facilmente inteligíveis, proibindo cláusulas «...que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real» (artigo 8.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro). Como qualquer pessoa com inteligência mediana terá percebido, esta disposição legal prevê o caso clássico das cláusulas impressas em letra miudinha, que as mais das vezes são ignoradas pelos outorgantes. Os organizadores do concurso aproveitam-se da fome de sucesso e reconhecimento dos fotógrafos amadores e do desprezo da generalidade das pessoas por questões jurídicas desta natureza para impor estas condições, que são manifestamente abusivas e podem, no limite, ser consideradas usurárias, determinando a nulidade do negócio jurídico (artigo 282.º do Código Civil).
Algo vai muito mal quando o próprio Estado promove este tipo de esbulho. O problema é, porém, mais extenso do que parece, uma vez que, se o concurso em questão diz ao que vem (ainda que eventualmente em caracteres minúsculos), há muitos outros em que os promotores se apropriam ilicitamente das imagens e as usam de acordo com os seus interesses, construindo bancos de imagens usurpadas para fins comerciais de que só os promotores beneficiam - em detrimento, evidentemente, dos direitos dos autores das fotografias. Mesmo que consideremos que a inclusão das cláusulas referidas no texto de José Antunes revelam um módico de boa fé, ao prover informação ao interessado, esta impressão é errónea: o que há nestas cláusulas é um expediente dissimulado para privar o fotógrafo participante do seu direito de acção contra o promotor do concurso, sob uma aparência de legalidade que não passa de um ludíbrio. 
Quem participa em concursos desta natureza deve, pelo menos, dar-se ao trabalho de ler os «caracteres miudinhos» do regulamento - porque a única liberdade que lhe é dada é a de subscrever ou não os termos do contrato. A ânsia de reconhecimento e sucesso pode ter consequências desastrosas para o fotógrafo, como muito bem sublinha José Antunes. Os meus parabéns a ele e ao Instituto Português de Fotografia por terem tido a coragem de denunciar esta vigarice pública.

ADENDA: a newsletter do IPF em que se denuncia este abuso formula uma interpretação diferente da minha quanto às normas do Código do Direito de Autor relativas à transmissão de obras fotográficas, qualificando os direitos do fotógrafo como intransmissíveis e irrenunciáveis. Ora, se isto é verdade quanto aos direitos autorais em geral, é também certo que o caso da fotografia está previsto em disposições especiais do mesmo código; entre estas avulta o artigo 166.º do C. D. A., que prevê o caso de alienação do negativo (que deve ser interpretado extensivamente, abrangendo os ficheiros digitais de imagem). Esta disposição legal prevê que, no caso de alienação, também se transmitem os direitos de autor a favor do adquirente. Esta é mais uma razão para se ter o maior cuidado com as cláusulas dos regulamentos dos concursos. 

domingo, 29 de julho de 2012

Abstraccionismo. Porque não?

Ultimamente tem-me dado para fazer algumas fotografias que não têm intenção de ilustrar coisa nenhuma; não informam sobre um objecto, não têm um conteúdo ou significado explícitos. São oferecidas à percepção de quem as vir, deixando a estes liberdade de olhar e interpretar a fotografia. São objectos puramente formais, e o único conceitualismo neles presente é o uso do preto-e-branco (nalguns casos, o chiaroscuro).
Não é obrigatório que a fotografia tenha uma significação imediata, ou que a intenção fotográfica se apresente directamente à percepção e que seja óbvia. Pelo menos desde Man Ray que a fotografia é usada, por muitos fotógrafos, como algo desligado da realidade das circunstâncias que rodeiam o objecto fotografado, e a fotografia sempre acompanhou os movimentos estéticos da pintura e de outras artes - a despeito do seu potencial para retratar a realidade tal como ela é. Não há nada de errado em tomar um elemento de um determinado objecto - por ex. a sua forma - e isolá-lo da sua realidade. A criatividade não deve ter nenhum limite, excepto este: não se deve transformar a fotografia em algo que não estava presente no local onde esta foi feita (mas mesmo nisto sou hoje bem mais tolerante do que há apenas uns meses atrás). Esta transformação é a negação da fotografia como meio de capturar uma cena ou um objecto num momento único e irrepetível: é necessário que aqueles existam defronte da lente no momento em que se enquadram e se dispara. Caso contrário estaremos no domínio, não da fotografia, mas das artes gráficas. Sobrepor um fundo com nuvens ou estrelas numa fotografia sem que aqueles elementos estivessem no lugar onde foram fotografados é uma mentira, embora seja cada vez mais usada e aceita graças à popularidade do Photoshop CS.
A abstracção não significa, necessariamente, ruptura com o real. Significa, na maior parte dos casos, uma forma particular de ver os objectos. Mesmo quando se esbate o plano de fundo, está-se a usar a abstracção, desligando o objecto daquilo que o circunda - mas o objecto está, nas circunstâncias particulares de tempo e de lugar em que foi fotografado. É no plano dos conceitos que a abstracção se encontra, não no plano ôntico. É uma maneira de interpretar a realidade, não uma construção irreal (ou uma desconstrução do real): nas minhas fotografias o objecto existe, embora apenas se considere a sua forma, separadamente de elementos como a cor ou a envolvência.
Nas fotografias com que ilustro este texto fotografei folhas boiando num lago, uma formação de microalgas no mesmo lago e a ondulação de um rio; na primeira, usei o enquadramento para abstrair dos limites da mancha de folhas caídas, de maneira a que estes não se tornassem perceptíveis (tentando assim criar uma sensação de uma quantidade e densidade muito superiores às que realmente existiam). Na outra interessaram-me as linhas que dividiam os grupos das microalgas, como que formando caminhos sinuosos, e, na última, fotografei uma pequeníssima porção do rio Douro com uma teleobjectiva. O leitor mais arguto terá reparado que são todas em preto-e-branco, e tal deve-se a ter querido desligar os objectos do elemento cor, concentrando a atenção nas formas e texturas. Devo dizer que não faço a mais pequena ideia se estas fotografias são boas ou más, se são interessantes ou desinteressantes e se quem as vê lhes atribui algum significado. Sei que estão no pólo oposto das snapshots das férias e do cão, que não são lá muito populares no Flickr e que continuo à procura de qualquer coisa que não sei bem o que é. E que nem sempre as referências à realidade têm de ser concretas e literais. Nem em fotografia.

sábado, 28 de julho de 2012

ISO, ruído, flash e tripé (uma adenda)

Só estou aqui a escrever porque a RTP decidiu que é muito mais importante transmitir um jogo de voleibol de praia feminino entre a Suíça e a Grécia do que a qualificação da ginástica artística masculina, em que participa um português, o Manuel Campos (Joca), que, por sinal, conheço desde que ele era ainda uma criança. Foi a primeira vez que um ginasta português se apurou para os jogos olímpicos, mas a RTP, aparentemente, parte do pressuposto inerme de que os portugueses gostam é de jogos com bola - mesmo que seja voleibol de praia feminino. Este é o serviço público a que temos direito.
Lamentações à parte, o que me levou a escrever hoje foi a necessidade de reforçar algo a que aludi no texto de ontem: todas as câmaras, mesmo as melhores, produzem ruído. E este manifesta-se desde muito cedo: por maior que seja o valor ISO anunciado, o ruído começa a deteriorar a qualidade da imagem, mesmo em câmaras como as Nikon D4 e D800, ou a Canon 5D Mk III, a partir de ISO 800. Em qualquer das câmaras mencionadas estão montados sensores full frame, pelo que esta não é apenas uma questão de área; aliás, as Leica M8 e M9 têm sensores full frame e o ruído que produzem é de um standard que as deixa abaixo de câmaras com sensores 4/3. Algumas câmaras disfarçam melhor este fenómeno que outras quando se fotografa em JPEG, mas em Raw, sem a intervenção do processador, a verdade é revelada sob uma luz particularmente cruel.
Não falo de cor. Quem duvidar do que digo pode confirmar aqui e entreter-se um pouco com a comparação entre as câmaras que mencionei atrás e a Pentax 645D, uma câmara médio formato. Só esta última consegue obter imagens relativamente limpas a ISO 800 - mas a sua gama de sensibilidades termina, curiosamente, nos 1600.
Aliás, este último facto levanta uma outra questão: serão sensibilidades ISO da ordem das dezenas ou centenas de milhar verdadeiramente necessárias? Se uma câmara médio formato não vai além de 1600, não é certamente porque o fabricante não sabe fazer melhor. Diria, mesmo sendo praticamente um leigo, que é uma opção deliberada para evitar a deterioração da qualidade da imagem causada pelo acréscimo de ruído que as sensibilidades elevadas necessariamente implicam. Contudo, existe a tendência de engodar o consumidor mal informado com valores ISO astronómicos (e também com muitos megapixéis), como se estes fossem absolutamente fundamentais. Não são. Quantos fotógrafos amadores precisam de velocidades de disparo muito altas em condições de fraca luminosidade? Nenhuns! Só os profissionais é que têm esta necessidade, e mesmo assim só em casos extremos. Diria que adquirir uma câmara porque esta anuncia um valor ISO da ordem dos 102400 é tão estúpido como comprar um automóvel que marca 240 km/h no velocímetro, apesar de o seu motor de 1200 cm3 produzir 75 hp. 
O meu conselho? Não se importem com os valores ISO anunciados no momento de adquirir uma câmara. Preocupem-se mais com o nível de ruído que a câmara produz a ISO 100 ou 200, porque é aqui que se vê o desempenho da câmara em termos de ruído.
Agora deixem-me ir ver como é que o Joquinha se safou...     

sexta-feira, 27 de julho de 2012

ISO, ruído, flash e tripé

Mesmo correndo o risco de ser repetitivo, porque já abordei estes assuntos, hoje parece-me importante deixar aqui algumas considerações acerca do ISO, que me parecem oportunas por causa da maneira como as pessoas o usam nestes dias.
O ISO, como sabemos, é o valor que indica a sensibilidade do sensor - ou do filme - à luz. ISO são as iniciais de International Organization for Standardization (como os anglo-saxónicos gostam de acrónimos, inverteram a ordem das duas últimas iniciais), que é a organização internacional que dimana as normas ISO, presentes em áreas tão diferentes como as dimensões dos pacotes de leite ou as normas de qualidade de produtos e serviços. (Os sistemas de qualidade das empresas, por exemplo, regem-se pelas normas da família ISO 9000.) Antes da adopção universal do standard ISO, a sensibilidade era também expressa em valores ASA (American Standards Association) ou DIN (Deutsches Institut für Normung), mas o carácter universal dos padrões ISO levou a que este prevalecesse.
O valor ISO exprime-se em passos (vulgarmente designados, na gíria fotográfica, por EV, iniciais de exposure value) que dobram o valor da sensibilidade a cada incremento. A escala de sensibilidades inicia, geralmente, em ISO 100, e ascende multiplicando o valor por dois: 100, 200, 400, 800, 1600, 3200, 6400, 12800. Algumas câmaras dividem o valor mínimo por 2, obtendo ISO 50, e outras atingem, mediante um modo especial, valores da ordem dos 102400 (e os fabricantes prometem não ficar por aqui).
Convém reter a noção de que os passos ISO são meras indicações, tendo um carácter aproximativo, de modo que um valor indicado na câmara como ISO 800 pode, dependendo do fabricante, ter variações e não corresponder ao real: pode, por ex., ser ISO 960. Alguém comparou a escala ISO de uma câmara ao velocímetro de um automóvel, e a analogia, embora um pouco grosseira, é essencialmente correcta. O facto de o velocímetro indicar um máximo de 230 Km/h não significa que o automóvel atinja realmente essa velocidade, e muito menos que deva fazê-lo!
Muitos principiantes terão pouca ou nenhuma noção do que é a sensibilidade ISO, pelo que cometem o erro de deixar que a câmara determine automaticamente qual a sensibilidade a usar em cada exposição. Isto pode ter um efeito detrimental sobre a qualidade da imagem, uma vez que o fotómetro, quando deixado ao seu livre arbítrio, irá escolher um valor ISO que será tanto mais alto quanto menos intensa for a luz. O que, como sabemos, se repercute na quantidade de ruído presente na imagem.
ISO 800, f2.8, 1/30, sem flash, redução do ruído do DxO Optics Pro 7
Para evitar o ruído, há que manter a sensibilidade ISO no valor mais baixo possível. Isto já todos sabemos, mas é importante ter esta noção em mente quando se fotografa. Se fotografarmos uma paisagem à noite, com a câmara montada num tripé, não devemos deixar o ISO no modo automático nem escolher valores demasiado elevados: nesta circunstância o ISO deve ser mantido no mínimo, optando-se por tempos de exposição longos e por uma abertura relativamente estreita. Os valores ISO muito elevados servem para fotografar em condições de escassa luminosidade, quando o uso do tripé é impossível ou não é prático (por ex. para fotografar interiores pouco iluminados) e o emprego do flash é inviável - em muitas igrejas é proibido usar flash -, mas mesmo nestes casos o valor ISO deve ser o menor possível: apenas o estritamente necessário para garantir tempos de exposição entre 1/20 e 1/60, de maneira a que não se produza arrastamento. Em regra, valores como ISO 800 poderão ser suficientes para assegurar que a fotografia não vai ter distorção por arrastamento. Outro caso em que o uso de valores ISO elevados se justifica é a fotografia de objectos em movimento em condições de escassez de luz (por ex. um evento desportivo nocturno); aqui o importante não é a qualidade da imagem em termos absolutos, mas captar o objecto usando tempos de exposição extremamente curtos, deste modo evitando o arrastamento. Em todo o caso, mesmo nestas circunstâncias a sensibilidade ISO deverá ser a menor possível - mesmo que este menor possível seja 6400 -, mas, neste caso, estamos diante de situações extremas em que o compromisso da qualidade é aceitável.
A evolução dos sensores tem vindo a permitir o uso de sensibilidades extremamente elevadas, o que muitos aproveitam para dispensar o tripé e o flash. Isto é uma asneira, porque o ruído vai necessariamente prejudicar a qualidade da imagem - mesmo que se use a melhor câmara do mundo. Muitas fotografias podem parecer isentas de ruído quando feitas com uma câmara de boa qualidade, empregando sensibilidades da ordem dos 6400 ou superiores, mas quando a imagem é ampliada o ruído torna-se evidente. A aparência da imagem pode ser aceitável quando a fotografia é visualizada em formato reduzido, mas tal só acontece porque os filtros de ruído da câmara estão activos. Ora, estes filtros não devem ser usados, porque a redução do ruído feita pelo processador da câmara é feita em detrimento da qualidade da imagem, suprimindo os pormenores subtis. A câmara deve ser usada sempre com os filtros desligados, tratando-se o ruído na edição. E mesmo o melhor programa de edição de imagem pode não ser capaz de impedir que o ruído interfira com a qualidade da fotografia: o mais habitual é que os contornos dos objectos sejam suavizados, destruindo assim a resolução que poderia ter sido obtida se o fotógrafo tivesse optado por um valor ISO baixo.
Deste modo, não há nada que substitua o tripé e o flash. Este último não serve apenas, como muitos imaginam, para fotografar à noite: serve também para eliminar as sombras, caso em que alude ao flash como «de preenchimento» (fill in). E serve, sobretudo, para evitar a distorção por arrastamento quando se fotografa em condições de luz escassa. Mas o flash tem um alcance limitado, iluminando apenas, na melhor das hipóteses, uma dezena de metros, pelo que nem sempre dispensa o tripé. Aliás, se repararem bem, mesmo os fotojornalistas presentes em jogos de futebol usam tripés - ou, pelo menos, monopés. Porque usam objectivas gigantescas, evidentemente, mas também porque sabem que a sensibilidade ISO não pode ser usada indiscriminadamente. Se os fotojornalistas usam o ISO comedidamente, por que havemos nós, os comuns mortais, de puxar o mais possível pelo ISO?

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Unsharp mask

Depois de tanta ingressão por equipamento e novidades da indústria fotográfica, é altura de abordar uma questão verdadeiramente importante e com repercussões directas na qualidade da imagem. Vamos, concretamente, conhecer uma ferramenta de edição de imagem que tem o poder de transformar uma imagem baça numa fotografia nítida. Hoje em dia não há software de edição de imagem digno desse nome que não tenha esta ferramenta, que é denominada unsharp mask.
E pergunta o leitor, com enorme sagacidade: - querido, bondoso e velho mestre: o que é o unsharp mask?
Na sua génese histórica, o USM (chamemos-lhe assim, por questões de brevidade) era uma máscara que era aplicada aos fotogramas, durante o processo de revelação, para tornar a imagem mais nítida. O método de usar o USM pode ser consultado aqui, mas o que nos interessa é a sua aplicação prática.
O USM serve para tornar a imagem mais nítida, o que faz dando maior acutância aos contornos dos objectos. Porque é nas transições - i. e. nos contornos - que a nitidez se ganha ou se perde. Não apenas nos contornos exteriores dos objectos, note-se bem, mas em todas as transições entre zonas de alta e baixa densidade da imagem. Ou seja (isto começa a ficar confuso...), a nitidez, ou falta dela, tanto pode ser encontrada na silhueta de uma pessoa como no tecido da camisola que veste, ou ainda na textura de um pavimento ou de uma parede.
Deve notar-se que o USM é eficiente em fotografias com pouca nitidez, mas esta característica não se confunde com os erros de focagem, nem com o bokeh. O USM não pode fazer nada por uma fotografia desfocada, nem vai tornar nítido o desfoque produzido pelo uso de uma profundidade de campo estreita. Do mesmo modo, o USM não corrige distorções por arrastamento, como aquelas que se encontram em fotografias obtidas com tempos de exposição longos sem recurso a um tripé. O que o USM faz é corrigir a falta de nitidez causada pela deficiente acutância da objectiva, e esta ferramenta pode ser dispensada se se usar aquele programa de edição de imagem francês a que me refiro amiúde neste blogue (as voltas que tenho de dar para não me acusarem de fazer publicidade!), desde que esse software reconheça a lente e a câmara usados.
O USM compreende três comandos: a intensidade, o raio e o limiar. Mais importante do que descrever os conceitos subjacentes a estes comandos é saber para que eles servem, pelo que a abordagem será exclusivamente prática.
A intensidade faz variar a nitidez geral da imagem. É possível puxar pela nitidez quase indiscriminadamente sem prejuízo da qualidade da imagem. A intensidade torna a fotografia mais nítida, mas não afecta as bordas dos objectos; para isto, o comando a usar é o raio.
O raio, que define a nitidez nos contornos do objecto, dando à fotografia o aspecto nítido que se procura com o USM, tem de ser usado com muito cuidado: se não for aplicado judiciosamente, podem surgir orlas em torno dos objectos, pelo que deve ser muito bem doseado e aplicado com conta, peso e medida.
Exemplo de excesso de uso do raio: reparem na orla em torno do guarda-lamas
O limiar evita que os limites dos objectos se tornem pixelizados; tem, deste modo, o efeito prático de dar à imagem uma aparência mais suave e uniforme, corrigindo os excessos que porventura resultem da aplicação do raio.
Com um pouco de sorte e paciência, obtém-se, como resultado da aplicação desta ferramenta, uma imagem mais nítida, com contornos mais definidos. Como referi, o excesso de uso é prejudicial para a qualidade da imagem ao criar orlas artificiais em torno dos objectos. Para evitar que isto aconteça, o USM deve ser aplicado com a imagem em tamanho real (1:1, ou 100%). Caso contrário os excessos podem ser imperceptíveis em imagens de tamanho reduzido - o que pode causar algumas surpresas desagradáveis, especialmente no caso de a fotografia ser impressa.
    

terça-feira, 24 de julho de 2012

Do fanatismo

O lançamento da Canon EOS M foi acompanhado por muitos milhares de pessoas - como seria de esperar de uma câmara que é a primeira do seu género de uma marca tão importante como é a Canon. As reacções que suscitou, que podem ser lidas na Internet, têm a particularidade de trazer a público um dos piores defeitos da espécie humana - o fanatismo.
Eu dou-me muito mal com fanatismos. Discussões entre portistas e benfiquistas fazem-me fugir, tal como os argumentos trocados entre fanáticos de Fernando Alonso e de Lewis Hamilton. Levando isto para uma escala planetária, sinto vergonha de ver os argumentos que liberais e conservadores esgrimem a propósito das eleições presidenciais americanas, e ver o fanatismo religioso, esse atavismo da Idade Média, florescer no Século XXI, é algo que a minha compreensão não consegue abranger.
Do mesmo modo, não concebo nem sinto qualquer simpatia por fanatismos em torno de marcas de equipamento fotográfico. É ridículo, e de uma futilidade inconcebível, que se sinta um fervor apaixonado pela Canon, Nikon, Olympus, Pentax ou Panasonic. Contudo, e a despeito de podermos estar a incensar accionistas e CEOs corruptos, gananciosos e desprezíveis quando idolatramos uma marca de equipamento fotográfico, este existe; milhares de fanáticos insultam-se e rebaixam-se diariamente na Internet, trocando argumentos irracionais e infantis para justificar a pretensa superioridade da sua marca de eleição sobre todas as outras. Os canonistas vociferam contra a Nikon, os Nikonianos lançam pedras (verbais) aos canonistas, os olympianos e pentaxistas desdenham aquilo a que chamam «Canikon» e recebem em troca outras verberações.
A irracionalidade atinge dimensões tais que aquilo que há três anos eram defeitos redibitórios são hoje virtudes justificadas por argumentos falaciosos. Quando a Olympus E-P1 foi lançada, em Junho de 2009, foi ridicularizada pelos fanáticos de outras marcas - incluindo, obviamente, os canonistas - por não ter flash nem visor incorporados; agora que a Canon lançou uma câmara mirrorless sem visor nem flash, esta ausência é considerada uma opção «inteligente»! Repito: isto é ridículo. O fanatismo rebaixa os fanáticos a um estatuto primitivo, fá-los fazer figura de parvos em público e priva-os de qualquer respeito ou simpatia que os outros pudessem nutrir por eles. Ontem senti-me desgostoso por ver gente que sempre admirei e respeitei comportar-se pior do que o pior dos fanáticos para tentar justificar uma câmara indefensável como a Canon EOS M, e isto criou em mim uma consciência aguda e crítica dos perigos do fanatismo.
Uma câmara é apenas uma câmara. É o veículo, o instrumento que nos permite exprimir a criatividade fotográfica. Compreendo que se seja um apaixonado da fotografia e se procure mergulhar durante horas na Internet em busca de informação sobre Ansel Adams, Steve McCurry, Helmut Newton ou Annie Leibovitz, que se adquiram livros sobre fotografia e que, de um modo geral, se viva imerso na fotografia; compreendo, também, que se queira explorar até ao limite as capacidades do equipamento, e hoje sou muito mais aberto à edição de imagem do que há um ano; compreendo, deste modo, que se despendam horas sem fim modificando curvas de tons, adicionando contraste local ou alterando os valores das altas luzes e das sombras para tornar as fotografias melhores. O que não posso, de modo algum, compreender é que se usem argumentos infantis para justificar as opções de um fabricante de equipamento, ou para afirmar a pretensa superioridade de uma dada câmara sobre as suas rivais.
Não sou fanático. Adquiri a minha câmara por gostar das suas linhas, e não por ser uma Olympus. Comprei-a depois de me assegurar que a sua qualidade de imagem era elevada, e estava perfeitamente consciente dos seus defeitos e limitações. Estes não me pareceram obstáculos ao uso que iria fazer dela, pelo que não impediram a minha aquisição. Sei que a minha câmara tem defeitos: a falta de um visor, ou de um dispositivo para montar um visor electrónico, é um deles; pior ainda, porém, são o ruído e a tendência para estourar as altas luzes. Contudo, prefiro extrair a melhor qualidade possível da minha E-P1 a obcecar-me com a compra de uma câmara nova que não apresente estes problemas. Se não fosse o facto de ter cinco lentes para o formato micro 4/3, olharia para outras marcas no momento de comprar uma câmara nova (momento que espero estar ainda bem longe). O que é verdadeiramente importante é que o meu equipamento me sirva para fazer as fotografias que quero, mesmo que tenha de contornar os problemas da câmara com recurso a meios exteriores à própria câmara - o que faço com o uso do melhor e mais sofisticado software de edição de imagem que conheço. Nunca me atreveria a insultar os que têm câmaras de outras marcas, como muitos fazem, a despeito de ser muitas vezes atingido pela sobranceria dos fanáticos com os seus comentários ignorantes sobre a inferioridade teórica de um sensor pequeno. (As discussões sobre tamanhos de sensores são tão disparatadas como as comparações que os rapazes púberes fazem da sua genitália; nisto, como na fotografia, o que importa é o que se faz com o material que Deus - ou a Pixmania... - nos deu.)
Por vezes, quando fotografo, sou confrontado com os olhares desdenhosos de gente que traz ao pescoço DSLRs topo-de-gama (ou nem isso...) da Canon e Nikon. Não me afecta. É até possível que essas pessoas sejam fotógrafos perfeitamente medíocres, sem um conteúdo que se aproveite nas suas fotografias e sem perseguirem uma ideia ou um conceito pessoal de fotografia; estarão, porventura, mais preocupados em fotografar com valores ISO astronómicos ou em fazer múltiplas fotografias de um objecto desinteressante usando várias opções técnicas. É com eles. Por mim, prefiro fazer fotografias, e não testar o equipamento. (O que noto, por seu turno, é que os bons fotógrafos que conheço não têm nenhum gosto particular em ostentar o seu equipamento: apenas usam o melhor material que podem comprar, porque só esse corresponde aos seus critérios de qualidade.)
Este texto foi escrito enquanto ouvia música tranquilizadora (o maravilhoso álbum Twist Again, dos americanos Bodies of Water, que eu não sou adepto de música new age nem de Kenny G...), para tentar evitar que as minhas considerações sobre os fanatismos se tornassem demasiado amargas ou exaltadas e atingir alguém em particular com as minhas palavras. Porque o fanatismo dos fanboys, a sobranceria dos possuidores de DSLRs em relação a quem tem equipamento que consideram inferior, e a infantilidade e frivolidade dos amantes da tecnologia fotográfica produzem-me, por vezes, reacções viscerais. E eu não quero ser igual a essa gente. O que eu quero é fotografar; quero exprimir em imagens a maneira como vejo as coisas, os meus ideais estéticos e os meus conceitos de fotografia. O resto é acessório. O equipamento é necessário, mas é apenas um conjunto de elementos mecânicos, electrónicos e ópticos; não é nada que mereça que nos rebaixemos e nos comportemos como criaturas tolas, intolerantes, sobranceiras e irracionais.      

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Novidades da indústria fotográfica: uma point and shoot com lentes amovíveis

Mal consigo exprimir a minha desilusão com a Canon EOS M, a mirrorless da Canon apresentada hoje. Depois de tanta expectativa, imaginei que tinha surgido a câmara que iria dizer a última palavra sobre como deve ser uma mirrorless. Enganei-me. Não se pode dizer que a montanha pariu um rato: é mais o planeta pariu uma formiga. (Ou a galáxia pariu uma pulga.)
Há pouco mais de três anos, os fanboys da Canon entretinham-se a ridicularizar a Olympus E-P1 por não ter visor nem flash integrados. Agora a Canon lança uma câmara que não só não tem aqueles componentes como nem sequer se dá ao respeito de oferecer um comando de modos de exposição. E a Canon EOS M custa mais do que custava a E-P1 quando esta última foi lançada. Do ponto de vista estético, pôr as duas câmaras lado a lado é como pôr um Mercedes SLK ao lado de um Fiat Punto: a Canon tem a estética das compactas PowerShot.
Então esta câmara, cuja única novidade significativa são os pontos de fixação da alça, serve para quê e para quem? Em termos de controlos exteriores, ela é tão despojada como a Olympus E-PM1 e a Panasonic GF5, mas as suas baterias estão assestadas à Nikon J1, contra a qual a Canon opõe um sensor de área decente (APS-C). Contudo, fá-lo a um preço que está muito para além das Micro 4/3 equivalentes e se aproxima de outras mirrorless com sensores da mesma área, como as Sony NEX. A minha previsão é que esta câmara vai vender como pãezinhos quentes por ser uma Canon. A fidelidade canina dos canónicos vai levá-los a correr até à loja mais próxima para encomendar um exemplar, e aposto que a Amazon está entupida com reservas neste preciso momento. Só por ser uma Canon - tal como as Nikon 1 vendem bem por serem Nikons.
E que vão os compradores encontrar quando a caixa lhes chegar às mãos e a abrirem? Uma câmara com um sensor grande, mas com a oferta de apenas duas lentes específicas para o novo formato. Como a distância entre a parte posterior da lente e o sensor é mais pequena que nas reflex, sendo a baioneta menor em diâmetro, as lentes concebidas para as DSLR não podem ser montadas directamente, mas apenas por via de um adaptador que pode ser adquirido em conjunto com a câmara. A Canon comete, deste modo, o mesmo erro que a Sony, que fica a perder em comparação com a Panasonic e a Olympus por causa da escassez e da falta de qualidade das lentes. E vão encontrar uma câmara que se manuseia como uma point and shoot, com o acesso às funções a ser feito quase exclusivamente através do ecrã táctil (algo que só apela aos inermes).
Isto significa que esta é uma câmara para pessoas desiludidas com a fraca qualidade de imagem das compactas que querem evoluir para algo melhor, mas se sentem intimidadas perante aquilo que imaginam ser a complexidade e dificuldade de manusear uma DSLR. É possível que a Canon venha mais tarde a apresentar uma mirrorless decente, mas para já a EOS M é uma enorme frustração. É uma câmara que terá, no mínimo, a qualidade de imagem da 650D, com a qual partilha o sensor e o processador, mas o mais provável é que venha a ser adquirida com a lente 18-55, por pessoas que nunca usarão qualquer outra lente com esta câmara e nem sequer sabem que se pode montar outras lentes - e que só usarão a câmara no modo AUTO. Tal como acontece com as Sony NEX 3 e 5 (a NEX 7 pertence a outro campeonato). 
Esta câmara é demasiado cara para aquilo que oferece. Os seus potenciais adquirentes fariam melhor em procurar compreender como se usa uma câmara e adquirir uma 1100D ou uma 650D, que lhes ficará mais barata e lhes dará muito mais controlo e versatilidade. Parece-me fácil concluir que a Canon lançou esta câmara com o único propósito de combater as mirrorless da Nikon, usando o argumento do tamanho do sensor para incrementar as vendas. É a guerra Canon-Nikon levada para o campo de batalha das mirrorless...    

sábado, 21 de julho de 2012

Tratamento do ruído no DxO Optics Pro 7.5

Alguns poderão, malevolamente, pensar que, por aludir tantas vezes ao DxO Optics Pro 7, lhe faço publicidade. Honi soit qui mal y pense. Se escrevo tanto sobre este programa de edição de imagem, tal deve-se aos seguintes factores: a) é o programa que uso, e que escolhi depois de testes intensivos; b) é o melhor programa de edição de imagem que conheço; c) entendo que é injusto que um programa com esta qualidade seja quase inteiramente desconhecido em Portugal, país onde existe um verdadeiro monopólio do Adobe Lightroom (ou do Photoshop, em termos mais genéricos). Não tenho qualquer ligação aos laboratórios DxO nem nenhum interesse comercial nos seus produtos, nem estou aqui para alimentar uma guerra de programas de edição de imagem. Sei que os fanáticos da Canon têm uma embirração com os laboratórios DxO porque os sensores da Canon são avaliados com classificações inferiores aos da Nikon, mas esta é uma guerra estúpida na qual sou neutral. O que me interessa é os resultados do uso deste software, e reputo-os de excelentes. Não vou dizer que o DxO Pro 7 é melhor que o Lightroom; tudo o que posso dizer é que se ajusta melhor às minhas escolhas estéticas, à minha maneira de fotografar e ao equipamento que uso. Outros poderão ter uma opinião diversa, e ainda bem que assim é. Cada um deve poder escolher o software que melhor se adapte às suas necessidades.
O que me levou a escrever este texto não foi justificar a minha escolha nem elogiar o DxO Optics Pro 7. Faço-o porque, nos textos em que avaliei o programa (v. aqui, aqui, aqui e aqui), não resulta claro o seu desempenho na redução do ruído. A razão é simples - fotografo quase sempre com ISO 100, pelo que o ruído é tão escasso que mal se notam os efeitos da correcção. Contudo, é com valores de ISO altos que o Pro 7 mostra o que pode fazer na redução do ruído. Posso dizer que, de uma relativa indiferença pelos resultados obtidos, passei para uma aprovação sem reservas quanto ao desempenho do software neste aspecto fundamental da edição da imagem.
As imagens que se seguem são crops da fotografia do topo, feita no interior da Igreja Paroquial de S. Nicolau, onde tive de elevar a sensibilidade ISO para 800 de maneira a obter tempos de exposição que possibilitassem fazer fotografias nítidas sem usar tripé. O primeiro crop não tem qualquer tratamento, tendo sido convertido directamente de Raw para JPEG sem qualquer retoque; o outro foi extraído da imagem processada com o DxO Pro 7.
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Mesmo descontando a diferença de luminosidade das imagens, resultante da aplicação (automática) da predefinição do Pro 7, as diferenças são eloquentes. Para obter este resultado, mantive o filtro de ruído desligado e desactivei a função de redução do ruído na câmara. Na edição, apliquei um pouco de unsharp mask - já referi que esta função, no DxO, é a menos agressiva e mais eficaz que conheço: posso puxar pela intensidade quanto quiser sem detrimento da qualidade da imagem -, para dar um pouco mais de nitidez aos objectos. Não há aqui as manchas verdes, nem a pixelização excessiva do Lightroom; há uma suavização nítida dos contornos, tal como no Lightroom, que é o resultado da perda de definição causada pelo ruído de luminância, mas o pormenor é excepcionalmente bem preservado e sem aberrações resultantes da aplicação da redução do ruído.
O problema do ruído é um dos que me causa maiores preocupações. A Olympus E-P1 não tem um sensor capaz de lidar com o ruído de forma satisfatória quando se usam valores de sensibilidade ISO elevados, pelo que é crucial ter um bom programa de edição de imagem, que produza resultados satisfatórios neste particular. Penso que o exemplo que fica expresso com estas imagens fala por si. Se estivesse interessado, poderia imprimir esta fotografia (a original, e não o crop que apresento) depois de processada com o Pro 7. E este é um benefício evidente para alguém que entende que o destino último de uma fotografia é a impressão.    

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Novidades da indústria fotográfica: uma câmara para idiotas e a mirrorless da Canon

Os programadores das câmaras e os técnicos de marketing dos fabricantes continuam a sua cruzada para transformar os consumidores em idiotas completos. Não sei que ideia fazem eles de quem compra uma câmara, mas seja qual for, está errada. Os fotógrafos casuais querem fotografias que reproduzam momentos significativos das suas vidas, de pouco se interessando em ornamentar as fotografias com efeitos que nada têm de naturais, e os amadores com ambições querem ter o controlo completo do processo fotográfico, da programação da exposição até ao processamento. Contudo, alguns fabricantes insistem em atulhar os processadores das câmaras com «filtros» e efeitos ditos criativos.
Alguns destes «filtros» chegam a ser ridículos, e levantam a questão de saber se quem os concebeu imagina que os potenciais compradores da câmara são todos gente com um QI de dois algarismos. É o caso da novíssima Panasonic G5, uma câmara de formato micro 4/3 apresentada na quarta-feira: esta câmara inclui modos como «Clear Portrait», «Relaxing Tone», «Sweet Child's Face», «Romantic Sunset Glow». «Warm Glowing Nightscape», «Soft Image of a Flower», «Appetizing Food» e «Cute Dessert»! Os meus parabéns à Panasonic por tomar os consumidores por imbecis.

Entretanto...

Ao que parece, na segunda-feira, 23 de Julho, vai ser apresentada - ta-taaaa! - a mirrorless da Canon. Se a fotografia junta não for uma montagem e o factor estético for determinante na aquisição destas câmaras, a Olympus e a Fujifilm não vão ter muito a temer: o seu design lembra as compactas das gamas PowerShot e IXUS, e a super-compacta G1 X tem um ar mais sério do que esta câmara. Os CEOs da Nikon e da Pentax, esses, já devem estar a pensar nas asneiras que fizeram com os lançamentos das suas câmaras «sem espelho». A Canon quis, aparentemente, filiar a nova câmara no sistema EOS - o mesmo das DSLR - e, embora ainda subsistam algumas dúvidas, por força do recente lançamento da G1 X, com um sensor aproximadamente da área dos micro 4/3, parece certo que a mirrorless da Canon terá um sensor APS-C (só assim faria sentido o lançamento recente da lente Pancake 40mm/f2.8, que é compatível com os sensores APS-C e full frame). Esta câmara, que ao que se diz se vai chamar «EOS-M», não parece ter qualquer entrada para montar um visor electrónico, o que pode ser uma desvantagem. Vamos esperar impacientemente até segunda-feira para ver o que vai acontecer.
 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Monitores

Quem faz fotografia digital deve ter o maior cuidado na escolha do monitor. Não pela qualidade em si, ou por tornar mais agradável a visualização - embora este seja um factor a tomar em consideração -, mas sobretudo para evitar erros de apreciação das fotografias, em especial durante a edição.
Um mau monitor pode induzir em erro de mais que uma maneira. Se a sua resolução for insuficiente, podemos ser tentados a interpretar a má qualidade da imagem como serrilhado (moiré) e estragar a fotografia, por excesso de edição, à custa deste erro de apreciação. Isto é particularmente notório quando se usam programas de edição de imagem avançados e o monitor tem um número reduzido de dpi (dots per inch, ou pontos por polegada). Neste caso o serrilhado vai tornar-se notório, mas tal não significa, necessariamente, que seja uma deficiência da imagem: é o efeito da escassa contagem dos pontos e do seu tamanho relativamente ao ecrã.
O outro erro de percepção refere-se às cores. Os monitores necessitam de calibração da cor, uma vez que nem todos são capazes de uma qualidade da imagem que apresente as cores tal como elas devem ser. Esta não é uma questão de gosto pessoal, mas de precisão na apresentação das cores. Cada cor é constituída por cores primárias (amarelo, ciano e magenta ou vermelho, verde e azul), e o excesso de uma destas afecta decisivamente a tonalidade.
Para dizer as coisas sem papas na língua, devo referir que a motivação para escrever este artigo veio da fraquíssima qualidade dos monitores HP a que tenho acesso. Mesmo sendo verdade que são muito básicos, estes monitores têm deficiências que arruínam por completo a experiência de ver fotografias. Na sua calibração normal, os azuis sofrem de uma tonalidade arroxeada, os vermelhos são deslavados e a imagem é, em geral, demasiado contrastada. E a regulação das definições do ecrã, acessíveis através dos menus do próprio monitor, não ajudam em nada. Quanto ao serrilhado, este é visível mesmo nos caracteres dos programas de texto: as letras são fragmentárias e tendem a ser apresentadas com formas mais quadradas do que deveriam. Curiosamente, os monitores pequenos, como os dos computadores portáteis, são geralmente isentos destes defeitos. Ao contrário do que acontece nos sensores das câmaras, a concentração maior de pixéis é benéfica, porque suaviza os contornos, mas tal não significa que estejamos a ver a verdadeira resolução da imagem. Uma fotografia que nos parece ideal num computador portátil pode apresentar defeitos quando vista num monitor de alta resolução.
A boa notícia é que o monitor pode ser calibrado. Há um aparelho, o Spyder (2 ou 3), que analisa a imagem e a corrige. A má notícia é que este aparelho, que provavelmente será usado uma vez por ano, é muito caro. Nunca experimentei este calibrador, mas diz quem sabe que os resultados são muito bons. Quanto às minúcias da calibração, remeto para este artigo do imaging resource, que já me fez ver que o monitor do meu Asus não está, afinal, tão bem calibrado como pensava... Em todo o caso, e na falta de um aparelho como o Spyder, não há como escolher a resolução máxima possível, quer no aspecto do ecrã, quer na cor.
Já escrevi, por diversas vezes, que as fotografias são para ser vistas por outras pessoas. E nós podemos estar convencidos que as nossas fotografias estão com uma qualidade decente, por ser assim que as vemos nos nossos monitores, e terem deficiências gritantes quando vistas noutros monitores. Ou podemos estar a cometer erros com a edição da imagem por julgarmos que a imagem do monitor é a ideal.
Seja como for, evitem os monitores HP.  

terça-feira, 17 de julho de 2012

A verdade sobre as compactas

Por vezes entretenho-me a ver as primeiras fotografias que fiz, ainda com a compacta que dava pelo nome (completo) de Canon PowerShot A3150is. Em relação a algumas delas, não sinto vontade de as apagar - o que é, pelos critérios macedónios, um sinal de aprovação.
Esta manhã fui mais longe e resolvi fazer algo que nunca fizera antes: analisar algumas dessas fotografias em tamanho real (1:1) e processá-las com o DxO Pro 7. O resultado? Chega a ser embaraçoso admitir que tive aquela câmara, e ainda mais pensar que publiquei aquelas fotografias na Internet. Sabem aquelas pessoas que dizem que uma compacta é tudo quanto basta para se tirarem grandes fotografias? Quando estiverem com uma delas, telefonem discretamente para o 112 e dêem indicações para que seja trazido um colete de forças. As compactas são uma bosta!
«Ah, mas ele exagera» - pensarão alguns, confortados com a ideia que uma imagem digital é uma quantidade de bits e pixéis, pelo que não há diferenças relacionadas com a câmara e as lentes. Falso. À fraca resolução de um sensor com os pixéis amontoados num espaço minúsculo, acrescem as deficiências de ópticas que, querendo fazer tudo, fazem quase tudo mal. Até agora tenho-me limitado a advertir contra o uso destas câmaras; hoje proponho-me ilustrar as suas deficiências.
A imagem acima foi uma que nunca rejeitei. Pelo contrário: depois de passada para preto-e-branco, e se abstrairmos do careca no canto inferior direito, há nela um ambiente muito Aniki-Bóbó (foi tirada na Ribeira, a verdadeira, a da margem norte do Rio Douro), e gostei de ter conseguido fotografar o momento em que o miúdo que mergulha toca com a ponta dos dedos na água. Mas, vista de perto, esta fotografia é horrível: os pormenores estão completamente esbatidos, demonstrando uma falta de resolução que parece ser tanto mais grave quanto maior é a distância focal usada. Mesmo depois de a tratar com o unsharp mask (que, no DxO Pro 7, é o menos agressivo e mais eficaz que já experimentei), existe uma enorme falta de definição, como se fossem duas fotografias idênticas sobrepostas com uma diferença de alguns milímetros.
No caso da imagem da gaivota pousada sobre a chaminé, com a clarabóia a equilibrar a imagem, o problema é o mesmo: uma falta de resolução inaceitável que, de novo, parece agravada pelo emprego do zoom - mesmo que este seja óptico, e não digital. O Pro 7 fez um excelente trabalho ao equilibrar as altas luzes e as sombras, mas esta fotografia não tem uma qualidade aceitável. Digamos que nunca a mandaria imprimir. A imagem que vêem foi também tratada com o unsharp mask, mas esta função, neste caso, limita-se a dar nitidez a pixéis fragmentários. Num tamanho pequeno mal se nota, mas vejam o que acontece com um crop (que nem sequer é de 100%) da imagem:
Esclarecedor, não é? Notem que esta é uma imagem já processada com recurso ao unsharp mask; não me peçam para descrever como estava antes do tratamento!
Depois há a questão do ruído. Interiorizei, desde muito cedo, a ideia que não devia dar rédea solta à câmara, para que esta não escolhesse automaticamente o valor ISO, e que este devia ser mantido no mínimo. Mesmo com o valor ISO no mínimo, o ruído manifesta-se com enorme agressividade mesmo em imagens feitas à luz do dia e com abundância de sol. Infelizmente, a redução do ruído nada pode fazer para melhorar estas imagens, porque o ruído destruiu a informação necessária à recuperação da nitidez e do contraste. A redução do ruído limitou-se a dar um aspecto ainda mais artificial à imagem, como se pode ver na fotografia seguinte:
Todas estas fotografias foram feitas com distâncias focais razoavelmente elevadas. As imagens com distância de grande-angular têm outro tipo de aberrações, como uma distorção geométrica fortíssima que curva as linhas direitas de uma forma grotesca.
Comprar uma compacta é uma perda de tempo e de dinheiro. No meu caso, comprei a Canon 3150 porque não sabia nada de técnica fotográfica: apenas sabia que sentia uma necessidade urgente de fotografar. Se soubesse o que sei hoje, teria amealhado mais dinheiro e esperado até ter o suficiente para comprar uma câmara decente.
Resta dizer que a Canon 3150, entretanto «descontinuada», estava longe de ser uma das piores compactas; tinha, até, algumas qualidades: cores agradáveis, um sistema de estabilização da imagem bastante eficaz e algumas possibilidades de controlo pelo fotógrafo, sendo possível evitar os modos automáticos e usá-la em modo P, tendo deste modo acesso ao controlo da medição, do ISO e do equilíbrio dos brancos. E tinha compensação de exposição,o que era utilíssimo. Há compactas muito, muito piores. Quanto a estas, mais vale fazer fotografias com um iPhone - ou, melhor ainda, com um Nokia 808. Ao menos só têm de transportar um aparelho electrónico. (Mas o ideal é mesmo comprar uma reflex ou uma boa mirrorless.)
Esta falta de qualidade das compactas é de tal maneira notória que os fabricantes estão a lançar compactas com sensores muito maiores que o habitual - mas mesmo assim fica por resolver a questão da qualidade das ópticas. Claro que esta tendência não é só motivada pela qualidade de imagem em si, mas também pela concorrência dos telemóveis. Esta nova geração de compactas não faz mais do que adiar o declínio das compactas perante os telemóveis (ou smartphones, que é como os génios do marketing chamam a estes telefones, provavelmente para os distinguir dos stupidphones). Mas esta é outra ilusão: um smartphone pode fotografar melhor que muitas compactas, mas nunca fará o mesmo que uma câmara de qualidade decente.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Fora do tema: o Relvas

Em tempos tive um blogue de política. Aliás, tive dois, embora o primeiro fosse anónimo, não sei bem porquê. Este ano decidi que queria blogar para me divertir e escrever sobre assuntos que me apaixonam, pelo que acabei com o meu outro blogue, o Queremos Mentiras Novas. A fotografia apaixona-me, a política não - embora me considere um cidadão razoavelmente atento e consciente. O facto de dedicar o meu tempo na blogosfera à fotografia não significa que me tenha exonerado da realidade que me circunda, e por vezes surgem temas que me obrigam a pronunciar-me sobre eles.
A licenciatura do Relvas é um destes temas. Devo dizer que não me sinto agastado por o Relvas não ser licenciado: há gente de enorme valor que nunca se licenciou. O Relvas, porém, não só não tem valor como mentiu e obteve a sua falsa licenciatura através de cunhas e, presumivelmente, trocas de favores.
E por que me revolto eu com esta história indecorosa? Porque eu sou licenciado, mas um licenciado a sério. Foi com muito sacrifício que me licenciei por aquela que é uma das faculdades mais difíceis e exigentes do país - a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Quando me refiro ao sacrifício, tal não significa que me tenha sido particularmente difícil fazer o curso: concluí-o com média de 13 - o que, não sendo brilhante, já é muito bom, de acordo com os elevados critérios coimbrões - e em cinco anos, que era o tempo estritamente necessário. (Eu sou um «pré-Bolonha».) Os sacrifícios a que me refiro foram as muitas horas de estudo, a ausência de casa e a renúncia a muitas horas que podiam ter sido vividas de uma maneira bem mais descontraída e que despendi mergulhado em sebentas, manuais e apontamentos. Ainda maior, porém, foi o enorme sacrifício económico que os meus pais fizeram para que eu me licenciasse, sacrifício que tem a minha eterna gratidão e nunca serei capaz de recompensar.
O facto de o Relvas se apresentar como licenciado é um insulto a todos os que, como eu, trabalharam arduamente para se licenciar - em particular num momento em que uma licenciatura é um meio particularmente eficaz de aceder à condição de desempregado. Seja como for, não é fácil, para alguém com um mínimo de decência, ver que despendeu horas e horas de estudo e de sacrifícios para se licenciar, e vir alguém como o Relvas arrogar-se a condição falsa de «Dr.» Não pela pseudo-licenciatura em si, repito, mas pela fraude e pela mentira. É como se víssemos que os nossos esforços foram em vão e que mais valia não termos estudado e termos, em lugar de ingressar na faculdade, investido numa carreira política e subido através da intriga, da cunha, dos favores e dos laços com uma sociedade secreta da treta. É o triunfo do oportunismo sobre o mérito.
Por estas razões, ver alguém como o Relvas apresentar-se como licenciado quando apenas concluiu uma cadeira - e mesmo isto é duvidoso - de um curso de faz-de-conta da extinta Universidade Livre (que era uma espelunca onde qualquer um se licenciava, desde que pagasse as propinas), é algo que me revolta profundamente. Se o Relvas fosse um cidadão como outro qualquer, era capaz de perdoar a sua tola pretensão de ter um canudo quando nada fez para o merecer e arrogar-se um título académico que não tem, mas o Relvas é o Relvas, nem mais nem menos que a criatura mais odiosa da política portuguesa. Sobre ele escrevi isto no meu primeiro blogue, em 2005:
«Há, no PSD, uma estrela em ascensão: o secretário geral, um tal Relvas. A criatura consegue a proeza de deixar adivinhar o que vai dizer antes de abrir a boca, porque o arzinho presunçoso e enfatuado que ostenta é o sinal de que vai sair qualquer coisa de provocatório e odioso. E, quando o Relvas abre a boca, é só para confirmar o que se suspeitava – ele não é dos que deixam entrar a mosca!
«O Relvas é mais um exemplo da mediocridade confrangedora que tomou conta daquele partido. A sua retórica é uma nulidade do ponto de vista político e, intelectualmente, chega a ser néscia. O que lhe falta em inteligência é compensado com perfídia: tem sempre a provocação gratuita, o insulto sibilino e a atoarda intriguista na ponta da língua, e nem sequer se dá ao trabalho de medir as distâncias quando insulta os adversários. A arrogância de criaturas como o Relvas é insuportável - especialmente agora, que sente que o seu tempo de ribalta está a terminar.»
Isto foi escrito muito antes de saber da fraude que lhe permitiu apresentar-se como «Dr.», do caso das secretas e da chantagem sobre a jornalista do Público, mas convenhamos que não perdeu actualidade. A criatura é de tal maneira ridícula que até o Dr. Alberto João Jardim se ri dele, como quando elaborou sarcasmos sobre a falsa licenciatura do Relvas em frente das câmaras das televisões. Aliás, mesmo dentro do PSD há muitos que se sentem profundamente embaraçados com a presença do Relvas e estão mortinhos por vê-lo pelas costas - o que é natural, porque o PSD não se resume a gente sem qualidades -, mas o Relvas não lhes vai fazer esse favor: vai manter-se no poleiro até que o Dr. Passos Coelho o ponha onde ele merece estar - no olho da rua. Porque é um ser inteiramente desprovido de decência e de ética.
Um dos meus sobrinhos sintetizou toda a consideração que o Relvas merece do povo português: «Nós nem sequer devíamos ter conhecimento da existência desta criatura» - pretendendo, com esta frase, exprimir a sua perplexidade por alguém como o Relvas se ter tornado numa figura pública. No dia em que muitos portugueses se manifestam para exigir a demissão do Relvas, eu quero dizer que estou com eles.

sábado, 14 de julho de 2012

Mais um conselho

Interrompo o silêncio letárgico para dar um conselho que me parece útil: quando fotografamos Raw e usamos programas de edição como o Lightroom ou o DxO Optics Pro (embora eu deva ser o único habitante dos países lusófonos que usa este último...), devemos desligar todas as configurações de imagem da câmara: coisas como a nitidez, contraste, saturação e gradação devem ser desligadas ou mantidas no zero. Se a câmara tiver configurações para ajustar as sombras ou as altas luzes, estas também devem ser neutralizadas, bem como o equilíbrio dos brancos, que deve ser configurado para o modo automático. Tudo o que for processamento da imagem pela câmara deve ser desligado ou mantido numa configuração neutra.
E isto é especialmente verdadeiro para as configurações de ruído. O filtro de ruído e a redução do ruído devem ser desligados. As correcções da câmara interferem (por assim dizer) com a correcção do ruído dos programas de edição, dando lugar a uma sobreposição que resulta em detrimento da qualidade da imagem. Devemos ter em mente que, embora certas afinações da imagem não tenham lugar quando se fotografa Raw, algumas outras - como desde logo a redução do ruído - continuam a funcionar e podem interferir com os parâmetros dos programas de edição da imagem, levando a duplas correcções que, em lugar de melhorar a imagem, a pioram.
Aqui está: fotógrafo prevenido vale por dois...

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O domínio da técnica

Por vezes penso que a fotografia se está a tornar uma obsessão: dou por mim a pensar nela a toda a hora. Claro que há obsessões piores: se fosse um americano conservador, viveria perseguido pela possibilidade de Barack Obama ser reeleito, e se fosse um fanático do futebol seria assombrado pelos insucessos da minha equipa (ou pelos sucessos das rivais). A cada um as suas obsessões. Ou podia estar constantemente a pensar em dinheiro, como os nossos governantes - o que seria muito mais estúpido do que pensar em coisas agradáveis que nos apaixonam. A verdade é que esta manhã ocorreu-me um pensamento que se demonstrou uma verdadeira revelação, capaz de transformar a conversão de S. Paulo na estrada para Damasco numa insignificância.
O pensamento que me ocorreu foi o seguinte: o domínio da técnica - entendendo-se como tal o controlo da câmara - é o mínimo exigível a um fotógrafo. A um fotógrafo exige-se que exprima ideias e conteúdos de uma forma que seja significante, quer por demonstrar uma visão pessoal de uma cena, quer por ilustrar, de modo inteligível para a percepção, um determinado facto ou acontecimento. Ou ainda por ser a fixação duradoura de um momento único e irrepetível. A técnica é apenas o meio que permite que essa visão do fotógrafo seja capturada nas melhores condições possíveis - sendo que, por «melhores condições possíveis», deve entender-se não apenas a qualidade da imagem, mas especialmente os meios técnicos que ajudam a conferir expressão à fotografia.
Nos extremos desta ideia há duas concepções erradas: a primeira é a de que a técnica é desnecessária, porque o que verdadeiramente conta é o momento emocional da fotografia e este pode ser capturado por qualquer meio. A outra é a do predomínio absoluto da técnica. Como as minhas ideias sobre a matéria são já conhecidas de quem lê este blogue, abstenho-me de as desenvolver, mas não deixo de dizer que cada uma delas, tomada isoladamente, é como um corpo sem alma (ou uma alma sem corpo), embora a primeira esteja mais próxima da verdade do que a segunda. A técnica é um auxiliar fundamental da expressão, mas, quando empregue por si só, redunda em fotografias sem significado.
Devo dizer que esta ideia me ocorreu depois de ver que, nos sites de fotografia, existe uma preocupação de tal ordem com a técnica que há quem se arrogue a qualidade de fotógrafo só porque entende dominar a técnica fotográfica. Já me aconteceu ver uma «galeria» de fotos de um leitor do DPReview em que o tema dominante era... um painel de cortiça!, presumivelmente fotografado com diferentes aberturas e tempos de exposição, ou com diversos valores de sensibilidade ISO. Isto está muito bem para um workshop de técnica fotográfica (eu, quando fiz um exercício de profundidade de campo num workshop, optei por fotografar duas moçoilas na Estação de S. Bento, mas gostos são gostos e os painéis de cortiça de uns são as moçoilas de outros), mas apresentar-se em público com fotografias de painéis de cortiça é, no mínimo, risível. Devo acrescentar, porém, que a pessoa em questão era extremamente opinativa e parecia saber tudo o que há para saber sobre a profundidade de campo - embora fosse daquelas que acham que existe uma «abertura equivalente»...
O que se espera de um fotógrafo é que saiba exprimir a sua intenção e as suas ideias fotográficas; para tanto, dominar a técnica é um requisito essencial, mas não é o mais importante nem prevalece sobre outras considerações. De um pintor espera-se que saiba manejar um pincel e misturar correctamente as cores primárias, mas o que dele verdadeiramente se exige é que saiba apresentar uma mensagem - uma ideia - através da pintura. O pressuposto do domínio da técnica é apenas o requisito básico. Mesmo os pintores que revolucionaram a sua arte pela introdução de novas técnicas, como Seurat, Picasso ou Jackson Pollock, valem pelo significado das suas obras, e não pela técnica considerada isoladamente. Não vejo por que há-de ser a fotografia diferente. Uma fotografia tecnicamente perfeita pode não ter qualquer significado se não tiver um conteúdo - pelo menos uma qualidade estética que a torne apreciada.
O fotógrafo tem de partir do pressuposto de que as suas fotografias são vistas por outras pessoas, e que nem toda a gente procura interpretar as opções técnicas que o fotógrafo incorporou na imagem. Quando vejo uma fotografia, o que procuro nela é a impressão que me causa e interpretar a ideia que o autor quis com ela transmitir. Só depois é que vêm considerações como a distância focal que terá sido empregue, ou se é uma imagem HDR, etc. - mas eu sou um iniciado: os leigos não querem saber da técnica para nada. E é assim mesmo que deve ser, porque uma fotografia é para ser vista, e não analisada. Que um fotógrafo domine a técnica é algo que, de tão primário, não chega sequer a ser objecto de apreciação (excepto, claro, por outros fotógrafos ou por entendidos): é como querer saber se o Sebastian Vettel sabe distinguir o pedal do travão do acelerador. O que importa, na fotografia, é o seu conteúdo. A forma - i. e. a técnica - só é importante enquanto meio de conferir expressão à imagem, e não mais. Pensar o contrário é inverter a ordem natural das coisas.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Um formato universal?

Por vezes surgem, no meio fotográfico, lamentos por não haver um formato de sensor predominante, como havia (e há, porque a Nikon ainda faz duas câmaras analógicas reflex) o formato 35 mm na fotografia analógica. Hoje, para além dos sensores das compactas - que são uma irrelevância em matéria de qualidade da imagem - e do médio formato, o panorama é o seguinte: a Canon faz câmaras com sensores APS-C, que são ligeiramente menores que os da concorrência, APS-H - um formato específico, entre o APS-C e o full frame - e full frame; a Nikon tem o sensor CX da série 1, o APS-C fabricado pela Sony (DX) e o full frame FX; a Sony faz sensores APS-C para as suas câmaras, e ainda para a Nikon e Pentax, e a Olympus e a Panasonic insistem nos sensores 4/3 (sendo o sensor da Olympus OM-D E-M5 fabricado pela Sony); a Fujifilm e a Sigma alinham pelo APS-C, com a mesma área que os Sony, mas a última tem também o sensor Foveon, cuja área está entre o 4/3 e o APS-C. Com esta variedade, e sem que existam sinais sensíveis de uniformização, parece seguro dizer-se que o formato «universal» não vai acontecer.
Seria porventura bom que um dos formatos prevalecesse; tal permitiria que a indústria fotográfica avançasse numa só direcção, o que levaria a um desenvolvimento semelhante àquele que as câmaras de 35 mm tinham nos anos 70 e início dos 80. As especificidades técnicas de cada formato seriam eliminadas, o que levaria a uma evolução substancial e a um cenário de concorrência perfeita que não deixaria de ser benéfico para todos os fabricantes - e, sobretudo, para os consumidores.
Contudo, a verdade é que mesmo no tempo da fotografia analógica existia o 135, o 110 e outros formatos mais ou menos atípicos, como o half-frame das Olympus Pen. E, mesmo que um formato de sensor prevalecesse - e o que me parece mais plausível de o fazer seria o APS-C da Sony -, os fabricantes continuariam, como sempre o fizeram, a ter os seus próprios sistemas de montagem das lentes, continuando a oferecer lentes que não podem ser montadas em câmaras de outros fabricantes.
No momento actual, o formato mais abundante é o APS-C; A Nikon, Sony, Pentax, Fujifilm e a Sigma usam todas sensores com a mesma área. Contudo, daqui não se pode inferir que se está a caminho da «universalização» (em sentido impróprio) que existia com o filme de 35 mm, já que cada fabricante aplica as suas próprias tecnologias, e a concorrência da Canon e do 4/3 não dá sinais de se aproximar e de querer o estabelecimento de um padrão. Tudo isto se torna ainda mais complicado com o advento das mirrorless, que, pelas suas dimensões, beneficiam de sensores pequenos.
Se há um sensor que merece tornar-se prevalente, é o full frame. A Leica já provou que não é impossível fabricar câmaras de tamanho conveniente com sensores full frame, embora as objectivas para este formato tenham o inconveniente de ser muito volumosas, tornando-se mais confortável usá-las em câmaras com a ergonomia das actuais DSLR - o que preclude a sua aplicação em corpos compactos como os das mirrorless. E isto obsta à sua universalização, porque os fabricantes vão apostar cada vez mais nestas câmaras. O que é pena, porque hoje há um sensor full frame capaz de uma resolução equiparável ao médio formato - o sensor das Nikon D800 e D800E. O ideal seria uma câmara pequena com este sensor, mas sem os preços das Leica. Será que isto alguma vez vai acontecer?
Por outro lado, é verdade que as grandes evoluções na fotografia aconteceram quando se reduziu o formato - dos médio e grande formato para o 35 mm, e deste para o APS-C. Mesmo sendo certo que essas evoluções foram acompanhadas por uma redução na resolução, o certo é que os progressos que se verificaram aproximaram os formatos recentes dos padrões de qualidade de imagem dos precedentes. Não quero apostar, porque já me enganei a fazer previsões, mas talvez o futuro esteja no formato APS-C, com resoluções na ordem das três dezenas de megapixéis. Vamos ver...

domingo, 8 de julho de 2012

Fora do tema: passeando pela cidade

Talvez por ter uma natureza pessimista, o meu olhar é quase sempre atraído para o que está errado. Quando ando pela minha cidade - o Porto, para quem ainda não sabe -, especialmente pelo seu centro histórico, o que vejo é uma cidade quase abandonada: ruas sujas, conspurcadas, com casas em ruínas que ameaçam cair a todo o momento; casas sustentadas com vigas ou barrotes, casas miseráveis com toldos improvisados de plástico, marquises completamente deslocadas, pinturas aberrantes. E a sujidade, omnipresente, que se patenteia no lixo e nos excrementos que empestam o ar. E muitos, muitos tapumes e portas e janelas emparedadas, manifestações de uma deserção dos portuenses para fora da periferia da cidade. Quando andei na escola primária (era assim que então se chamava, hoje é 1.º e 2.º ciclo), aprendi que o Porto tinha trezentos mil habitantes; hoje tem cento e oitenta e cinco mil. Os 115 000 que faltam foram para Matosinhos, Senhora da Hora, Rio Tinto, Ermesinde ou S. Mamede.
Depois há as zonas mais recentes, que a construção sem qualquer planeamento tornou em lugares feios e inóspitos. Constrói-se sem qualquer consideração estética ou de harmonia, cada um construindo ou ampliando de acordo com os seus gostos e conveniências. E temos bairros sociais, verdadeiros ghettos que, em lugar de promover a miscigenação entre a população, condenam os seus habitantes a uma mentalidade mesquinha e grosseira e são um ninho de traficância e marginalidade - sempre ao som de música brasileira, porque o espírito, ali, é o da favela, e com ruas ornadas de jovens traficantes passeando ronceiramente ao volante dos seus Audis kitados com faróis à Lexus, de janelas abertas vomitando mais música brasileira. O habitat dos Léos e das Brunas, condenados a não conhecer o mundo para além dos limites do bairro de que se orgulham e onde casarão e terão os seus filhos, que ali viverão, casarão e darão netos aos Léos e às Brunas.
Este é o resultado de décadas de negligência - não apenas dos autarcas, mas dos próprios habitantes. A reabilitação urbana limita-se a ser um varrer do lixo para debaixo do tapete: pavimentam-se as ruas, reconstrói-se uma ou outra casa, mas as demais mantém-se em ruínas. Tudo é feito caso a caso, de acordo com as conveniências dos construtores e com os subornos aos funcionários das câmaras. Não há qualquer esforço de harmonização estética, deixando-se que cada um faça o que entende com as casas onde habita.
Há zonas, na minha cidade, das quais o Município simplesmente desistiu: a encosta sobranceira à Avenida Paiva Couceiro, ao fundo da Rua de S. Vítor, está transformada numa ruína, num gigantesco depósito de entulho; aliás, toda a zona entre o largo Actor Dias e a Rua do Barão de Nova Sintra está um verdadeiro nojo que deveria envergonhar qualquer pessoa que por ali passasse. E há muitas, muitas outras áreas no mesmo estado, zonas áridas, inóspitas e abandonadas. À inércia da câmara municipal junta-se a ausência completa de civismo dos locais, contribuindo para uma degradação que não sei se tem solução.
Em contrapartida, a Avenida da Boavista, no segmento entre o Castelo do Queijo e a Avenida Antunes Guimarães, está um verdadeiro primor. Porquê? Por causa do WTCC (para quem não sabe, estas são as iniciais de World Touring Car Championship). É que o presidente da câmara é um entusiasta do automobilismo. E temos uma ciclovia fantástica que quase ninguém usa porque os ciclistas preferem afugentar os peões que caminham nos passeios da Beira Rio. E o crime contra a cidade cometido por Rui Rio, Siza Vieira e Souto de Moura, que transformaram a Avenida dos Aliados num terreiro árido e feio. Obras de fachada que em nada contribuem para a qualidade de vida dos portuenses. Aliás, os únicos portuenses com qualidade de vida são os habitantes dos condomínios privados, que apenas se podem queixar do estado lamentável dos pavimentos, do estacionamento cada vez mais anárquico e da proximidade dos bairros sociais das Brunas e dos Léos.
É uma pena que o Porto esteja num destroço. Porque é uma cidade fantástica para se ver e para viver. Uma cidade que, por paradoxo, está cada vez mais cosmopolita, culta e sofisticada, onde a vida pulsa com uma intensidade crescente - mas não graças aos poderes públicos: se esta evolução existe é porque os portuenses, especialmente os jovens, se estão a libertar cada vez mais do estigma da parolice com que a capital macrocéfala nos quis, sem sucesso, rotular. Amo o Porto: amar uma cidade é aceitá-la, e não fingir que os defeitos não existem ou tentar escondê-los da vista de todos. E eu amo-a e aceito-a. E quero-lhe bem - por isso me custa tanto ver o êxodo permanente para a periferia e a degradação que devora o coração da cidade como um cancro.
Que tem isto que ver com fotografia? Nada - e tudo. O Porto é uma cidade fantástica para fotografar. Pena é que cada vez mais convide à estilização do preto-e-branco do que à crueza objectiva da cor, porque esta revela os podres da cidade com demasiado despudor.

sábado, 7 de julho de 2012

Respeitar o passado

Ontem decidi caminhar, actividade que tenho praticado esparsamente nos últimos tempos. Fui de casa até Miragaia, porque queria fazer fotografia de rua nas arcadas de Miragaia, depois subi até à Praça da República e fui à Rua de Santa Catarina, passando pela Rua dos Mártires da Liberdade. (As fotografias das arcadas não ficaram grande coisa, mas o leitor pode avaliá-las no meu Flickr.) Uma caminhada em que devo ter completado dez quilómetros.
Descobri que na Rua dos Mártires da Liberdade, por onde cortei caminho para chegar até à Praça da República (tinha de resolver um assunto profissional na Rua de Santa Catarina, no quarteirão entre as ruas Gonçalo Cristóvão e Guedes de Azevedo), há duas lojas de material fotográfico: uma, Câmaras & Companhia, comercializa material fotográfico antigo e novo; a outra, Máquinas de Outros Tempos, especializa-se, como o nome sugere, em material usado. Na primeira dessas lojas pude ver ao vivo, pela primeira vez, a famosa antecessora da minha câmara, a Olympus Pen F. Na outra andei à procura de lentes usadas, mas infelizmente não encontrei nenhuma que satisfizesse as minhas necessidades: experimentei uma Pentax fisheye, mas a distância focal equivalente, quando montada na E-P1, é de 34mm, o que impede a distorção característica das fisheye ao endireitar as linhas.
As visitas a estas lojas induziram-me mais respeito pelo passado. Embora a minha escolha seja a fotografia digital, não deixo de sentir o maior respeito por quem opta pela fotografia analógica. Não me sinto tentado a comprar uma câmara analógica - que seria sempre uma Olympus OM, pela razão simples de já ter três objectivas desse sistema - por duas razões: a primeira, de ordem bastante comezinha, é a despesa e as limitações do formato: os rolos não são tão baratos como isso, o número de fotografias que poderia fazer seria limitado (o que decerto me obrigaria a fotografar melhor) e, a estes problemas, acresceria a despesa com a revelação e a espera pelas fotografias.
De resto, demoraria certamente muito tempo a obter resultados satisfatórios. Fotografar com filme obriga a ter um conhecimento preciso da lei da reciprocidade e a saber jogar com a abertura e o tempo de exposição para obter exposições correctas - embora seja certo que as câmaras analógicas mais recentes têm um fotómetro, que indica a exposição correcta. Neste aspecto a fotografia digital é muito mais cómoda e prática: vejo os resultados imediatamente e, se quiser, posso consultar o histograma para saber se a fotografia está correctamente exposta.
Nada disto significa, como disse, que não respeite quem se dedica à fotografia analógica. O material antigo não é necessariamente sucata: as câmaras analógicas duram muito mais do que as digitais, são geralmente mais bem construídas e têm um apelo estético superior (só as Olympus Pen E-P3 e OM-D, as Leica M e as Fuji X100 e X-Pro 1 constituem, actualmente, excepções a esta regra: a E-P1 já não se fabrica há dois anos...). E uma lente antiga, quando em bom estado, pode ser usada com bons resultados cinquenta anos depois de ter sido fabricada. Aliás, as lentes usadas, salvo em alguns aspectos em que são incompatíveis com o domínio digital, são uma excelente opção para quem não pode ou não quer gastar fortunas com objectivas novas, desde que se supere o receio de focar manualmente.
O facto de estas lojas existirem levou-me a especular se não haverá um revivalismo em tudo semelhante ao que existe na indústria discográfica, com o ressurgimento do vinil. Se o houver, parece-me natural, e interpreto-o como uma reacção à ditadura digital em que vivemos, na qual o material fotográfico é cada vez mais temporário e ficou reduzido a uma condição de bens perecíveis. Muitos preferem a segurança de ter bens duradouros, que podem estimar, em lugar de bens que estão destinados a durar alguns anos. De resto, ainda não dou por adquirido que a fotografia digital seja melhor: é certamente mais prática e cómoda, mas tal não significa, necessariamente, mais qualidade. Tal como o som de um CD, por mais upsampling que seja usado, permanece abaixo do que se consegue obter com um bom vinil tocado num gira-discos decente. Há pessoas que preferem a qualidade, em lugar de se deixarem prender nas malhas do consumismo que caracteriza, cada vez mais, os tempos que vivemos. E esta atitude, porque em parte a partilho, merece-me o maior respeito.