quinta-feira, 30 de junho de 2011

As minhas referências, parte 5

Garry Winogrand
Devo dizer que tive dúvidas em colocar Garry Winogrand entre as minhas referências. Afinal de contas, o meu conhecimento da sua obra não é assim tão vasto, e o meu primeiro contacto com ela não foi o mais ortodoxo. Na verdade, nunca tinha ouvido falar nele até ler o capítulo acerca da intenção no livro de Michael Freeman O Olhar do Fotógrafo. E as referências deste estão longe de ser elogiosas: «evidente falta de capacidade ou de objectivo preciso». Claro que, com base neste dogma, poderia dizer, numa conversa sobre fotografia, que Garry Winogrand era um mau fotógrafo - mesmo sem ter visto nenhuma das suas fotografias -, porque já estaria suficientemente documentado com o argumento da autoridade de Michael Freeman. O comentário de Freeman teve o efeito oposto, levando-me a procurar conhecer a obra de Winogrand para compreender a razão daquelas palavras tão depreciativas, e acabei por descobrir algumas das fotografias mais interessantes que se fizeram no século passado!
 Concedo que, ao contrário de HCB, que procurou dar conteúdo artístico aos instantâneos da vida organizando-os e ordenando-os no rectângulo do visor da sua Leica, Garry Winogrand (que também usava Leicas...) parece não ter outro propósito que não seja o de fotografar. Mas será isso tão mau? Não me acontece a mim, usando a expressão de Garry W., fotografar só para ver como é que aquilo que se me depara fica quando fotografado?
E, mesmo admitindo que esta é uma obra sem intencionalidade (não é), será que é menos válida por isso? Merecerá Winogrand que se fale de «falta de capacidade» a propósito das suas fotografias?
Em meu entender, nenhuma das respostas a estas perguntas é positiva. Algumas das fotografias de Garry Winogrand denotam mestria técnica (lembrem-se de que me estou a referir a um fotógrafo que usava câmaras analógicas e de manuseamento manual) e excelente noção de composição: é o caso da fotografia no topo deste artigo, e da que se segue:
Concedo que muitas das fotografias de Winogrand quebram regras elementares do design: não se deve cortar os pés das pessoas fotografadas, deve obedecer-se à regra dos terços, etc. Mas o facto de muitas das fotos de GW terem estes problemas será incapacidade, ou será transgressão? Não traduzirão estas falhas a sede de fotografar motivos que pareciam merecedores de ser retidos no rolo?
É precisamente pela sua avidez de fotografar, e por fazê-lo sem preocupações técnicas excessivas, que Garry Winogrand é uma das minhas referências. Esta ausência de preocupações técnicas (que na verdade é apenas aparente) tem outro significado: a prevalência do conteúdo sobre a forma. Não, Michael Freeman: a obra fotográfica de Garry Winogrand não está viciada por falta de objectivo preciso. O seu objectivo era fotografar. Pode parecer pouco, mas é muito. Muito.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

As minhas referências, parte 4

Ansel Adams
Que dizer do homem que fez a fotografia perfeita (acima)? Que dizer do fotógrafo que criou as regras da fotografia paisagística, estabelecendo padrões que ainda hoje são seguidos (v. g. a divisão simétrica pela linha do horizonte quando há reflexos)? Ansel Adams foi tão importante para a fotografia paisagística como Henri Cartier-Bresson para a de rua. Ambos foram pioneiros, visionários que revolucionaram a fotografia. Há uma fotografia antes e depois de HCB, mas há também uma fotografia paisagística antes e depois de Adams. A diferença é que este último, por ter dedicado o essencial da sua obra à fotografia paisagística, tem um âmbito menos extenso que HCB (que, aliás, o precede cronologicamente, embora apenas por alguns anos).
Reparem no enquadramento desta fotografia: há aqui um enquadramento dentro do enquadramento. Eu gosto de tirar fotografias com enquadramentos dentro de enquadramentos sempre que me surge algum motivo interessante. E Ansel Adams foi um pioneiro na sua utilização. Mas, no caso particular desta foto, há ainda a sobreposição de um motivo ao outro, criando um efeito semelhante a uma sombra. Nada menos que genial. Ninguém fazia fotografia assim antes de Ansel Adams!
Hoje em dia, qualquer fotografia bem tirada de uma paisagem se rege pelos princípios que Adams estabeleceu nos anos 40 do Século XX. O que diz tudo sobre a sua importância. A fotografia de paisagem não tem o mesmo conteúdo da fotografia de rua; não há nela uma mensagem, nada que transcenda a pura fruição estética; em regra, não há caras, gestos ou expressões de pessoas (e nós já vimos que as pessoas gostam de ver pessoas nas fotografias). Mas terá ela menos valor e importância? Em meu entender, não. A fotografia de paisagem tem um grau de rigor e exigência técnica que a separa da fotografia de rua, a qual privilegia a espontaneidade. A diferença entre ambos os estilos é a mesma que separa a perspicácia da contemplação. E ambas são necessárias.

terça-feira, 28 de junho de 2011

As minhas referências, parte 3

Henri Cartier-Bresson

Só por motivos cronológicos ou de proximidade é que Henri Cartier-Bresson não surge à cabeça das minhas referências. Como referi, Josef Koudelka foi o fotógrafo que me fez perceber a fotografia como forma de arte, e Fernando Aroso foi quem me impeliu a fotografar; mas HCB é, muito justamente, o maior fotógrafo de todos os tempos.
 Para se entender o que quero dizer com uma afirmação tão rotunda, deixem-me exemplificar: há alguns meses, publiquei a fotografia acima, conhecida por Derrière la Gare de St. Lazare, na minha página do Facebook. Numa conversa com um dos meus sobrinhos, este referiu-me que não compreendia por que eu a considerava uma das melhores fotografias de sempre. Arguiu que não via nada de especial na fotografia e, depois de uma mais ou menos longa troca de argumentos, disse-lhe: «Já reparaste há quanto tempo estamos a discuti-la»? Ele olhou-me, mas não respondeu: compreendeu de imediato a importância da Gare de St. Lazare.
Com efeito, as fotografias de HCB não são daquelas coisas sublimes, carregadas de manipulação no Photoshop, que atraem imediatamente pela sua espectacularidade, mas que são, em última análise, frívolas e desinteressantes, perdendo o interesse após cinco segundos de contemplação: é antes um tipo de fotografia que convida a pensar. Não a meditar, na acepção esotérico-parola com que agora se usa a expressão, mas a raciocinar e filosofar. Não pelo seu conteúdo intrínseco ou pela mensagem, como as de Koudelka ou Sebastião Salgado, mas por serem instantâneos da vida - pela perspicácia do fotógrafo e, sobretudo, pela sua capacidade de ordenar, dentro do limite do rectângulo que é o espaço da fotografia, o que à primeira vista pareceria caótico. Com HCB, a fotografia tornou-se no acto de trazer ordem ao caos. Foi com ele que nasceram as noções de composição e enquadramento que ainda hoje são usadas na fotografia. Nenhum fotógrafo que tenha um pouco de respeito por si mesmo pode negar a influência de HCB na sua obra.
A actividade de HCB não se limitou à fotografia de rua: ele foi o motor da Magnum, pela qual passaram todos os grandes fotógrafos das gerações que se sucederam à de HCB. Só este facto teria enchido a sua vida de significado, mas para além da Magnum, há uma obra de tal maneira importante que continuará a afectar e a influenciar o mundo da fotografia durante décadas. Daí que não seja exagero nenhum afirmar que Henri Cartier-Bresson foi o maior fotógrafo de sempre.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

As minhas referências, parte 2


Josef Koudelka
Os que me conhecem sabem que gosto de fotografia de rua e de preto-e-branco. Poderiam, a partir destas premissas, concluir que a minha grande referência (excluindo Fernando Aroso, pelas razões que expliquei ontem) seria HCB, mas na verdade o fotógrafo que mais contribuiu para me despertar o interesse pela fotografia foi Josef Koudelka. Há quase duas décadas atrás, um amigo ofereceu-me uma antologia deste fotógrafo checo, mas na altura a ideia que se formava na minha mente, ao contemplar uma boa fotografia, era - não vale a pena sequer tentar, porque nunca serei capaz. (Hoje continuo a pensar que nunca serei um grande fotógrafo, mas pelo menos vou tentando tirar as melhores fotografias que posso e sei.)
O que me fascinou em Josef K. não foi a perfeição formal - que existe -, nem o mostrar das formas e texturas que o preto e branco permite: foi o facto de ele fotografar a vida de gente real e convertê-la em fotos - ou, se preferirem, em arte. Tinha descoberto, embora sem me aperceber, a essência da fotografia de rua. Mais tarde vim a saber da sua actividade política, da sua faceta de homem livre que documentou a repressão da Primavera de Praga com algumas das fotografias mais expressivas - e, simultaneamente, perfeitas de um ponto de vista técnico - que já tinha visto. Koudelka é o mestre absoluto da composição e do enquadramento; outros parecerão mais cuidadosos nestes aspectos da fotografia, mas na fotografia de rua não há muito tempo para pensar: não se pode montar um tripé e regular o disparador automático num estilo de fotografia que se pretende espontâneo e natural. Conseguir compor e enquadrar nessas condições é algo que só os melhores entre os melhores conseguem.
 Não é meu propósito fazer aqui uma biografia de Koudelka: outros fizeram-no bem melhor do que eu poderia fazer. O que quero, com este texto, é exprimir a sorte que tenho em ser alguém com capacidade de apreciar a fotografia de um homem que soube sempre encher as suas imagens de conteúdo, de um fotógrafo capaz de transmitir a sua mensagem através da forma de arte que escolheu.

domingo, 26 de junho de 2011

As minhas referências, parte 1

Fernando Aroso

Já citei neste blogue os maiores fotógrafos do mundo, pessoas como Michael Freeman, Yann Arthus-Bertrand ou Ansel Adams. Pode parecer estranho que cite alguém que quase ninguém conhece como a minha principal referência na fotografia, mas se seguirem este texto compreenderão porquê.
Eu sou uma espécie de factotum da Federação das Colectividades do Distrito do Porto. Em 2010, esta organização de que sou vice-presidente da direcção organizou o seu 2.º Fórum Distrital do Teatro Amador, e fiquei incumbido de vários aspectos organizatórios, o que incluiu fazer o cartaz do evento. Como o fórum se fez no ano do centenário do nascimento de António Pedro e com a colaboração do Teatro Experimental do Porto, elaborei um cartaz com uma fotografia de António Pedro e enviei-o, para apreciação, aos meus colegas da direcção e a Júlio Gago, então presidente da direcção do CCT-TEP. Este respondeu-me que a fotografia que incluíra no cartaz havia sido feita por Fernando Aroso e que não poderia usá-la sem o consentimento do autor.
Como queria mesmo que o cartaz incluísse uma boa fotografia de António Pedro, telefonei a Fernando Aroso, que se prontificou a receber-me no dia seguinte, em sua casa, na Rua de Entreparedes, bem perto da Praça da Batalha. Vim a descobrir aquele que é o fotógrafo com a obra mais espantosa que conheço entre os portugueses, com a possível excepção de Gérard Castello Lopes. No preto-e-branco, está num patamar muito próximo de artistas como Koudelka ou Cartier-Bresson; na cor, é o igual de um Yann Arthus-Bertrand. Mas o que mais me impressionou foi a sua enorme simpatia e amabilidade, satisfazendo a minha curiosidade de diletante com um orgulho comovente numa obra cujo valor sabe reconhecer - sem arrogâncias, sem falsas modéstias e sem aquele acanhamento que destrói o talento de tantos. Durante aquele tempo, propôs, como contrapartida do uso da fotografia de António Pedro, ajudar-me a compor o cartaz, cujo resultado final foi o que se pode ver na imagem que encima este texto. Quase seria escusado dizer que foi o melhor de todos os cartazes que fiz para a Federação das Colectividades do Distrito do Porto.
Espantosamente, Fernando Aroso é um homem que, aos 89 anos, domina o Adobe Photoshop e usa o computador com uma familiaridade que envergonharia muitos jovens. Para ele, a fotografia digital não é uma bête noire - é um auxiliar utilíssimo da sua arte. Tinha todo o direito de ser um fotógrafo conservador que não acreditasse nos instrumentos da fotografia moderna, mas é um fotógrafo que ainda hoje utiliza a sua Nikon D60 e retoca as fotografias no Photoshop. É, aliás, um fotógrafo atento ao pormenor e rigoroso na composição: só me deixou usar a fotografia no cartaz mediante o compromisso de que apagaria umas sombras indesejadas e a soleira de uma porta cuja extremidade aparecia sobre o lado direito da fotografia!
Foi uma experiência inesquecível: saí de sua casa ao fim de três horas (quando apenas tinha lá ido para saber se ele consentia em que usasse uma fotografia de sua autoria num cartaz...) com a plena consciência de que acabara de conhecer um dos grandes cidadãos do Porto e um dos maiores fotógrafos portugueses. Foi ele quem despertou em mim a vontade de fotografar; se hoje nutro interesse pela fotografia, devo-o a ele. Se não fosse Fernando Aroso, não me teria tornado fotógrafo amador (se me é permitida a pretensão de me qualificar assim). Daí que figure em primeiro lugar entre as minhas referências.
Como referi, Fernando Aroso é um homem extremamente cioso da sua obra, sendo raro autorizar o uso das suas fotografias por terceiros. O que tenho de respeitar, pelo que não incluo aqui nenhuma das suas fotografias. Fernando Aroso foi, durante muitos anos, uma espécie de fotógrafo oficial do TEP: podem encontrar algumas das suas fotografias no website do TEP, dentre as quais destaco, pela composição, pelo enquadramento e pela tensão dramática que soube captar, a que fez da peça Antígona. (Que pode ser vista nesta hiperligação.) A sua obra, porém, é extremamente extensa, não se circunscrevendo à actividade desenvolvida com o TEP: a sua colecção de fotos do Douro vinhateiro, por exemplo, contém algumas das melhores fotografias que vi na minha vida.
Fernando Aroso não pode permanecer anónimo: é urgente que se faça justiça à sua obra.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Fotografia de rua: algumas questões

Entre os anos 30 e 80 do ano passado, os grandes fotógrafos dedicaram-se àquilo a que se chamou «fotografia de rua». Fotógrafos como Robert Doisneau, Garry Winogrand, Josef Koudelka, o nosso Gérard Castello Lopes e o maior entre todos, Henri Cartier-Bresson, iam para a rua capturar instantâneos da vida das grandes metrópoles, episódios da vida dos transeuntes que se tornaram imortais através das lentes de 35mm das suas Leica e criaram fotografias históricas (geralmente a preto-e-branco) que ainda hoje são veneradas por amadores e profissionais.
O que é hoje a fotografia de rua? Há, decerto, as mesmas oportunidades de captar momentos significativos de pequenas histórias que, embora despercebidas, estão carregadas de significado, mas só são visíveis a um olhar atento - a alguém que, para além do domínio técnico da câmara, saiba ver com olhos de ver. Há milhares de episódios da vida quotidiana à espera de ser fixados pelo disparo do obturador. Simplesmente, hoje não é tão fácil fazer fotografia de rua como na época de ouro da fotografia.
Há vários motivos para que isto aconteça. Quando Robert Doisneau fotografou o célebre beijo junto do Hotel de Ville, a fotografia era ainda uma raridade; as pessoas deixavam-se fotografar com mais facilidade, talvez porque intuíssem que iam ficar imortalizadas num pequeno rectângulo composto no visor das câmaras dos pouquíssimos fotógrafos que andavam pela rua.
O que nos leva a outro motivo pelo qual já não é tão fácil tirar fotografias de pessoas. Estas tornaram-se mais conscientes dos seus direitos - legítimos, como é evidente - à imagem e à privacidade. Como comentou o meu mentor Fernando Aroso, ao ver uma foto minha em que duas senhoras de certa idade conversavam sentadas nas suas cadeirinhas no Jardim do Passeio Alegre: «as pessoas hoje não andam a dormir». Já me aconteceu presenciar momentos de oposição à tirada de fotografias que só não se transformaram em discussões azedas - ou pior - pela intervenção de terceiros. A publicação de fotografias de pessoas depende do seu consentimento, salvo se essas pessoas forem de grande notoriedade ou se as fotografias forem de lugares públicos ou de interesse artístico; porém, o visado pode sempre opor-se à publicação das suas fotografias (artigo 79.º do Código Civil). Há, naturalmente, quem goste de aparecer nas fotografias e se deixe posar voluntariamente, mas isto traz um problema ao fotógrafo de rua amador ou consagrado: a fotografia perde toda a espontaneidade. E esta é a característica mais atraente da fotografia de rua.
Acresce a tudo isto algo que já referi antes, mas vale a pena analisar nas suas implicações. Na era que se estendeu de Cartier-Bresson a Garry Winogrand, a fotografia era analógica e, enquanto meio de expressão artística, apenas estava ao alcance do profissional e do amador verdadeiramente dedicado. A tarefa de ajustar as definições da câmara e a focagem manual não eram para qualquer um. A fotografia digital veio democratizar a fotografia, de tal maneira que qualquer um pode fotografar - nem que seja com o seu telemóvel. Este enxamear de fotografia trouxe benefícios, mas teve o efeito de se tornar um incómodo para as pessoas que, como disse antes, estão cada vez mais conscientes dos seus direitos de personalidade e ciosas da sua intimidade.
Diria, por tudo isto, que a fotografia de rua correspondeu a um movimento artístico que teve a sua época, mas que hoje é quase inviável. Não podemos fotografar como há cinquenta anos atrás, do mesmo modo que ninguém pinta, esculpe ou escreve como no passado. A arte evolui; a fotografia de rua é hoje praticamente impossível - pelas razões citadas -, e quem se dedica a ela corre o risco de parecer um pateta pretensioso com aspirações a ser o novo Cartier-Bresson (como se os pobres coitados que vendem os seus quadros na Rua de Santa Catarina pudessem ser comparados a Matisse ou a Rembrandt...) Ou corre o risco de ser tomado por um imbecil e ficar sujeito à fúria do fotografado.
Curiosamente, há estudos que demonstram que as fotos de paisagens ou arquitectura tendem a ser esquecidas, e que as fotografias que interessam a quem vê são as de... pessoas. Há aqui um paradoxo evidente: as pessoas gostam de se ver em fotografias, mas não se deixam fotografar facilmente. Não sei como se resolve esta contradição. O retrato pode ser interessante, e é-o quando é feito por grandes fotógrafos que sabem captar as emoções que os rostos mostram. Os retratos de António Pedro que Fernando Aroso executou permitem a quem os vê aperceber-se do estado de espírito desse nome maior do teatro português. As fotografias de Sebastião Salgado são outro exemplo, embora noutro contexto. Os rostos têm uma carga emocional de tal ordem que são capazes de criar uma sensação duradoura a quem os contempla.
Resumindo - se a fotografia de rua teve a sua época, nem por isso tirar fotos de pessoas deixou de ser interessante. A questão é fazê-lo no respeito da privacidade e do direito à imagem de cada um. O que, convenhamos, não é fácil.
(Publicado originalmente no Queremos Mentiras Novas a 11 de Junho de 2011)

Como fotografar em M na Olympus Pen E-P1

Os tipos que conceberam a Olympus Pen E-P1 (e a E-P2, que não é mais que uma evolução da primeira) pensaram em pormenores que, parecendo insignificantes, são contudo de uma utilidade enorme. É o caso do duplo comando que surge no painel posterior da câmara, um no canto superior direito (assinalado a vermelho), outro no lugar onde se encontra o selector de funções, em baixo, do lado direito (a azul).
Estes comandos são extremamente práticos: o comando principal (azul) é uma roda que envolve o selector em cruz. Este comando pode servir uma multiplicidade de funções, sendo configurável pelo utilizador em cada um dos modos de exposição avançados (PASM). Nos ensaios que li na Internet, quase toda a gente se queixou que era muito fácil accionar outros comandos por engano ao rodá-lo, mas eu, que até nem tenho uns dedos especialmente finos ou pequenos, nunca senti esse problema: o comando responde extremamente bem e é fácil e rápido de actuar. E, nas DSLR, é preciso subir muito na gama de preços para encontrar comandos rotativos como este...
O outro comando, o secundário (a vermelho na imagem acima), é um pequeno cilindro metálico extremamente bem pensado do ponto de vista ergonómico e que se caracteriza pelo seu accionamento preciso - embora, nos primeiros dias, se apresente um pouco perro. Normalmente - i. e. no modo P -, este comando actua sobre a compensação de exposição, embora seja possível configurá-lo para outras funções. Quando se visualizam fotografias no ecrã, o comando secundário serve para ampliar a imagem (rodando para a direita) ou para apresentar as imagens sob a forma de miniaturas.
O uso destes dois comandos torna a tomada de imagens no modo manual - que, normalmente, pode assustar o neófito - numa operação de uma simplicidade quase desconcertante: o utilizador pode configurar o selector primário e o secundário para regular a abertura e a velocidade de disparo sem ter de premir botões ou navegar por menus complicados. No meu caso, uso o selector primário para a velocidade do disparo e o secundário para regular a abertura.
É relativamente simples configurar estes comandos: basta, usando o botão direito do selector em cruz para navegar pelo menu, seguir o esquema
MENU>DEFINIÇÕES>BOTÃO/SELECTOR>FUNÇÃO SELECTOR>M>
(em que DEFINIÇÕES é o penúltimo ícone da barra vertical do lado esquerdo, representado por duas rodas dentadas).
Depois é escolher uma de duas opções: ou se põe o selector primário a regular o valor f e o secundário a velocidade do disparo, ou vice-versa.
Como vêem, nada podia ser mais simples. Eu devo dizer que, nos dias que precederam a compra da minha E-P1, receei que o seu uso fosse demasiado complicado (a Pen E-P1 é, na verdade, uma DSLR E-30 sem espelho e pentaprisma) e pudesse demorar meses a aprender a usá-la, mas os meus receios eram infundados. Quando comecei a usá-la, tudo se tornou simples logo nos primeiros dias. Usar a E-P1 é simples e intuitivo - desde que se use o chamado super painel de controlo, e não o complicadíssimo sistema de menus do live view.
Agora não têm desculpas para não fotografar no modo M...

Leituras obrigatórias

Michael Freeman é um dos maiores fotógrafos vivos. Não é apenas um fotógrafo excepcional: é também alguém que pensa a fotografia e estudou os grandes fotógrafos. O seu O Olhar do Fotógrafo é o melhor livro sobre fotografia no mercado, com a vantagem de não ser especialmente caro - apesar do papel couché e da qualidade da impressão. Neste livro, Michael Freeman não aborda questões técnicas relativas ao uso da câmara - sei que tem outros livros sobre o assunto -, mas desenvolve temas como o enquadramento, a intenção e a percepção. Tudo ilustrado com fotos absolutamente maravilhosas. Um livro soberbamente escrito por alguém que, além do domínio da técnica, valora a fotografia como arte e forma de expressão.
Foto Grafia é um livro eminentemente técnico - embora aborde outras questões de um ponto de vista muito próximo do de Freeman -, e tem a peculiaridade de ter sido escrito por um português de nome Joel Santos, um belíssimo fotógrafo que já dirigiu uma revista portuguesa de fotografia. Como referi, este livro aborda a técnica, explicando de forma clara aspectos como a luz, a cor, a exposição ou o uso de acessórios como o tripé, os filtros e o flash. Há também capítulos com ensinamentos importantes sobre os melhores momentos do dia para fotografar, que me levaram a pensar a fotografia de modo diferente, e o uso de técnicas como a profundidade de campo, o HDR e outras técnicas interessantes. Os únicos reparos são quanto ao uso descuidado da língua portuguesa - literariamente, não é bonito usar «e/ou», «onde» quando não se quer referir a um lugar, escrever «ter que» onde deveria estar «ter de», nem abusar do «então» -, e o facto de o livro fazer ostensivamente publicidade a uma marca de material fotográfico, mas nada disto obsta a que seja um livro extremamente interessante, de elevado conteúdo didáctico e acompanhado de fotos belíssimas, que só por si já justificariam a compra do livro. E é de aplaudir a coragem de escrever um livro sobre fotografia em Portugal!

Uma tarde em Serralves

Ontem não me apetecia fazer nada: os três dias de trabalho da semana foram poucos, mas extenuantes. Nada pior do que ter prazos urgentes para cumprir...
Contudo, a vontade de fotografar prevaleceu - talvez por causa da descoberta das potencialidades do modo manual, que torna o acto de fotografar muito mais interessante e divertido. Resolvi ir ao Museu de Arte Contemporânea, ou Museu de Serralves. Os jogos de luz e sombra de Siza Vieira sempre me fascinaram, tal como a forma como ele consegue integrar a sua arquitectura austera e escorreita no meio ambiente. Posso dizer que não dei o meu tempo por perdido.
E, já agora, posso acrescentar que não há nada como ter o domínio da câmara - em vez de ser ela a dominar o modo como fotografo! Fazer o que quero, ter o controlo total: a vitória do homem sobre a máquina! Nunca mais vou fotografar noutro modo.
O álbum que criei no Facebook, com uma selecção das cento e trinta e três fotografias que tirei (!), pode ser visto aqui.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Que futuro para a fotografia?

Uma empresa americana denominada Lytro promete uma câmara de tecnologia revolucionária: primeiro tira-se a fotografia, depois escolhe-se a focagem. Isto é mesmo coisa de quem não tem mais nada para inventar, e é também um sinal destes tempos em que se procura a satisfação instantânea e sem esforço. Não é preciso ser um Yann Arthus-Bertrand para seleccionar o objecto que se quer fazer sobressair antes do disparo: basta escolher o ponto de focagem, regular a abertura do diafragma para o máximo e disparar. Mais simples que isto não há. Pode fazer-se com qualquer câmara e lente, mas não com as câmaras compactas mais comuns, cuja profundidade de campo é demasiado longa. Ora vejam:
Museu de Arte Sacra, Igreja de S. Lourenço, Porto
Tirei esta foto apenas três semanas depois de ter comprado a E-P1. Foi simples descobrir como isto se faz - até para mim, um completo principiante. Mas o que interessa à generalidade das pessoas é ter resultados sem dar demasiado trabalho aos neurónios. É para essas pessoas que a Lytro vai fazer câmaras. O bokeh ao alcance de qualquer um. Não quero parecer pretensioso, nem comportar-me como se pertencesse a uma sociedade secreta, mas não estaremos a abastardar a fotografia e a retirar-lhe o conteúdo artístico, tal como aconteceu com a música e a literatura à custa da massificação?
Entretanto, descobri que a Pentax - uma marca com que simpatizo, quanto mais não seja por ser daquelas que prosseguem o seu próprio caminho - acabou de lançar uma câmara compacta com lentes amovíveis. É a câmara mais pequena do género. Tenho sérias dúvidas que um sensor tão pequeno consiga produzir imagens de alta qualidade, especialmente quando se puxar pelo ISO, mas é mais um concorrente num segmento que tem vindo a crescer. Esta câmara é exactamente o inverso daquilo que muitos esperam das câmaras compactas de lentes intermutáveis: o que queremos é imagens de muito alta qualidade com câmaras pequenas e manobráveis sem ter de pagar o preço das Leicas. Poder trocar as lentes não tem valor intrínseco nenhum se só servir para tirar fotos de fraca qualidade. No caso desta Pentax Q, é apenas um argumento publicitário. Porque sei, à partida, sem necessidade de a experimentar, que é impossível que um sensor tão pequeno tenha um desempenho próximo do padrão das DSLR. Mais um exercício fútil de uma marca que não compreende as necessidades dos seus clientes.
A parvoíce tomou conta da indústria fotográfica, cujos tycoons devem imaginar que todos os consumidores são idiotas. Será que pessoas como eu, amadores que querem tirar fotos de qualidade, estão condenadas a ter de escolher entre a) produtos medíocres que vendem bem por causa do marketing feito à sua volta ou b) câmaras de grande qualidade, mas a preços proibitivos?

terça-feira, 21 de junho de 2011

PASM, parte 4

4. Modo M (Manual)

No modo M o fotógrafo tem o controlo total sobre a câmara e o processo fotográfico, apenas não podendo usar a compensação de exposição. É o fotógrafo, e não a máquina, quem decide qual a luminosidade da imagem e a velocidade do disparo. As fotografias tiradas no modo manual são pura e simplesmente melhores: eu sou daqueles que entendem que a fotografia tem de reproduzir o que o olhar vê, sem manipulações no Photoshop e sem a ditadura do fotómetro a dizer-me como a fotografia deve ser tirada; não tenho qualquer interesse em adicionar algo que não estava no enquadramento, nem em fazer fotografias que resultam em qualquer coisa completamente diferente daquilo que quis captar. No modo manual, acabaram as fotografias tiradas à noite com uma luz semelhante à do dia: um céu claro é um céu claro e um céu escuro é um céu escuro.
Posso narrar, a este propósito, um pequeno episódio: há exactamente uma semana, cerca das 21h30, saí para tirar umas fotografias. Estava lua cheia, uma lua lindíssima; como tenho uma lente 40-150 (equivalente a 80-300 no padrão 35mm), consigo captar objectos longínquos com um nível aceitável de pormenor e resolvi fotografar a lua. Tentei primeiro no modo P: o céu ficou azul como se fosse dia, e a lua uma mancha branca arredondada. Resolvi experimentar o modo A, mas nunca consegui que o céu perdesse aquele azul de meio da tarde; o modo S também não me ajudou, porque escolhia sempre uma abertura pela qual captava o máximo de luz. Quando mudei para o modo M, fiquei exultante: o céu era exactamente da cor que o via, e a lua aparecia com todo o pormenor, sem halos indesejáveis nem excesso de exposição.
Se acham que estou a exagerar, comparem estas fotos:


Esta foi a foto tirada no modo P; nos modos A e S (seleccionei 1/125 neste último), não notei grandes diferenças no visor, pelo que nem sequer me dei ao trabalho de disparar. Como vêem, se dissesse que esta é uma fotografia do sol, muitos poderiam acreditar.
Agora vejam o que aconteceu quando mudei para o modo M:


É um exemplo eloquente, não é? E ainda podia ter ficado melhor se dominasse a técnica fotográfica! (A propósito, a abertura é f 5.6 - o mínimo naquela distância focal de 150mm - e a velocidade 1/100.) Não ficou perfeita - mas indicou-me o caminho a seguir.
Referi, no início, que a única função que não se pode usar neste modo é a compensação de exposição. E está bom de ver porquê: se regularmos a abertura e a velocidade do disparo correctamente, a fotografia fica bem exposta, não necessitando de compensação.
Em poucas palavras: se querem imagens de qualidade e fiéis ao olhar do fotógrafo, fotografem no modo manual. Pode implicar muitas horas de treino, mas vale a pena. Se não estão convencidos, vejam estas fotos - tiradas sem grandes preocupações de qualidade de imagem - e comparem os resultados:
Modo P, f 2.8, 1/13s
Esta fotografia foi tirada às 21h37. Mesmo sendo esta a noite mais longa do ano, não estamos exactamente na Lapónia para ter tanta luz a esta hora!
Agora vejam um foto tirada um minuto mais tarde em modo M (e com a presença indesejada de uns patetas no enquadramento):

Modo M, f 3.5, 1/30s
Que mais é preciso dizer? M é a inicial de melhor!

PASM, parte 3

Eis o que acontece com velocidades de disparo lentas
 3. Modo S (Shutter): Prioridade ao disparo

Através deste comando, que nas Canon e Pentax se chama Tv (Time value), o fotógrafo controla a velocidade do disparo e o fotómetro escolhe a abertura apropriada. A velocidade do disparo é controlada pelo obturador, que determina a quantidade de luz que o sensor vai registar na imagem. É, deste modo, o tempo durante o qual o diafragma vai ficar aberto para deixar entrar a luz que comporá a imagem.
É natural, dada esta explicação, que exista uma relação entre a abertura e a velocidade do disparo. Em regra, quanto maior for a abertura, menor será a velocidade do obturador. Quando se fotografa à noite, a abertura deve ser grande (número f reduzido) e a velocidade do disparo lenta; inversamente, para congelar instantâneos com rapidez, opta-se por uma abertura pequena e uma velocidade de disparo elevada.
A velocidade do disparo pode ir desde tempos quase instantâneos (algumas câmaras vão até 1/4000, embora o máximo, em câmaras normais, seja de 1/250) até velocidades da ordem dos vários segundos. Existe até um modo Bulb, pelo qual o diafragma se mantém aberto indefinidamente.
A dificuldade do neófito estará em seleccionar a velocidade mais adequada para cada exposição. A regra elementar é a de escolher uma velocidade elevada para movimentos rápidos e lenta para condições de pouca luminosidade, mas pelo meio há um sem-número de circunstâncias que podem baralhar este raciocínio. É o que acontece quando se quer fotografar motivos rápidos em condições de escassa luminosidade. Determinar a velocidade correcta no modo S não é simples e requer bons conhecimentos das técnicas de fotografia.
Contudo, seleccionar a velocidade pode ser divertido: é o que acontece quando se quer obter efeitos de arrastamento de luz, como o que surge na imagem acima, ou imagens de pessoas ou objectos desfocados, criando uma sensação de movimento rápido por contraste com o fundo, que permanece focado.
Quando se usam velocidades lentas há que ter em conta que, devido ao elevado tempo em que o diafragma permanece aberto, todo e qualquer movimento da câmara será registado como uma distorção. É essencial, para que a imagem não saia tremida ou desfocada, usar um tripé, mas não basta: é ainda necessário usar um disparador remoto ou o temporizador da câmara. É muito simples: selecciona-se o tempo do disparo (no caso da Olympus E-P1 pode ser de 2 ou 12 segundos), carrega-se no botão do disparo e espera-se que a máquina dispare sozinha. Tocar na máquina durante este tempo, ou enquanto o diafragma está aberto, é estritamente proibido!

domingo, 19 de junho de 2011

PASM, parte 2

Foto tirada no modo A, com abertura f 5,6
 
2. Modo A (Aperture): Prioridade à abertura

Por este comando, que nas Canon e Pentax é designado «Av» (Aperture value), o fotógrafo controla a abertura do diafragma e o fotómetro selecciona a velocidade de disparo mais adequada. A abertura é, grosso modo, o modo de fazer variar a quantidade de luz que a lente deixa entrar no sensor. As lentes (ou objectivas: num texto posterior explicarei porque não uso esta última designação) têm um diafragma circular, constituído por diversas lâminas, que controla a quantidade de luz captada abrindo ou fechando as lâminas. A cada posição do diafragma corresponde um número designado por «número f». Quanto mais alto for este número, menor a abertura (*).
Como devem imaginar, uma vez que a fotografia é a captação de luz, a abertura é fundamental para obter boas fotografias. É pelo controlo da abertura que se determina a quantidade de luz que chegará ao sensor, o que tem implicações na focagem e na profundidade de campo. Este modo é um dos mais divertidos de usar, uma vez que permite um efeito extremamente interessante: o bokeh, que consiste em fazer sobressair um motivo do plano de fundo concentrando o foco no primeiro, de modo a que o fundo surja esbatido. (Ver imagem acima). Para obter este efeito, selecciona-se a maior abertura possível, a que corresponde o número f mais baixo (*), e foca-se a câmara no motivo que se pretende destacar. Ao seleccionar a abertura deste modo, estamos a tornar a profundidade de campo mais superficial; ao invés, se queremos manter uma focagem precisa de todos os motivos que compõem o enquadramento, escolhemos uma abertura menor (a que corresponde um número f mais alto (*)), deste modo aumentando a profundidade de campo.
Se isto parece complicado, é porque realmente o é. Teoricamente é simples: se queremos manter tudo em foco, usamos uma abertura pequena e, se queremos destacar o primeiro plano, escolhemos uma abertura maior. Contudo, há aqui variáveis que importa considerar. Antes de mais, quanto menor a abertura, menor é a quantidade de luz, o que pode originar fotografias tremidas porque o fotómetro, para compensar a menor quantidade de luz captada, vai seleccionar uma velocidade de disparo reduzida. Aberturas estreitas tornam obrigatório o uso de um tripé. Outro problema é o de manter a focagem uniforme quando se usam distâncias focais longas, porque as aberturas grandes (valores f diminutos) tendem a manter em foco apenas o ponto que a focagem automática selecciona e a desfocar tudo o resto - o que pode ser interessante se for essa a intenção do fotógrafo, mas é uma desilusão se o pretendido era ter uma imagem bem definida em toda a fotografia. Por outro lado, a abertura, nas lentes com zoom (distância focal variável), depende da distância focal; quanto maior for esta distância, maior é a abertura mínima. Exemplificando, na minha 40-150 o número f é de 4.0 na distância focal mínima (40mm) e 5.6 na máxima (150mm).(**) O que, não sendo excessivamente complexo, é sempre mais uma variável a levar em conta.
Daqui resulta que o modo A seja sobretudo usado quando se quer obter o efeito bokeh.
Curiosamente, a solução mais simples para evitar estes problemas é fotografar no modo mais difícil para os principiantes: o modo M (de Manual). Este modo permite ao fotógrafo controlar a abertura e a velocidade de disparo, a despeito de a informação da velocidade de disparo que surge afixada no ecrã começar a piscar freneticamente quando se selecciona uma abertura estreita e uma velocidade de disparo elevada. Mas o modo M fica, por motivos sistemáticos, para mais tarde. Antes disso ainda vamos ver o que acontece quando se selecciona o modo S.

(*) Embora esta relação pareça paradoxal, ela explica-se pelo facto de o número f ser, na verdade, uma fracção: quando nos referimos a um valor f=5.6, estamos a ser incorrectos, uma vez que deveríamos representar este valor como f=1/5.6. Assim já faz mais sentido...
(**) Nas câmaras do sistema Quatro Terços e Micro Quatro Terços, a dimensão do sensor multiplica por dois a distância focal em relação aos padrões comuns, aferidos pelo standard das câmaras de 35mm. Uma lente de 25mm montada numa câmara do sistema Micro Quatro Terços tem uma distância focal efectiva de 50mm - com a vantagem de ser consideravelmente mais pequena.

PASM, parte 1

Ponte D. Luiz II, Porto. Tirada na posição P
Uma das grandes vantagens dos sistemas fotográficos com objectivas intermutáveis sobre as compactas (*) é a possibilidade de usar modos de exposição avançados. A exposição consiste, em termos muito simples, na quantidade de luz que entra no sensor através da lente. Esta quantidade é controlada, no essencial, por dois meios: a abertura e a velocidade do disparo. Não vou entrar aqui em explicações exaustivas, porque não é esse o objectivo deste blogue; o que interessa aqui é saber que o fotógrafo (ou aspirante a fotógrafo) pode controlar estes valores através dos chamados modos avançados.
O leitor não iniciado fará o favor de observar o topo de uma câmara reflex ou Micro Quatro Terços (*) e verificará que, em todas elas, existe um comando rotativo de onde constam as posições P, A, S e M. Na linguagem da Canon e da Pentax, isto equivale a P, Av, Tv e M. Também existe um modo inteiramente automático, normalmente chamado AUTO, mas este é para patetas. Com efeito, não imagino ninguém que gaste mais de €500 numa câmara para fotografar sempre em modo automático. Quem o fizer estará a aproveitar 5% das potencialidades da câmara. 
Vamos ver, sumariamente, em que consistem estes modos avançados. Notem que eu descobri tudo isto à minha própria custa, pelo que pode faltar o desenvolvimento sistemático dos assuntos que só o conhecimento teórico confere de modo adequado. A leitura deste blogue não dispensa a consulta de obras avançadas ou, preferencialmente, a frequência de um curso de fotografia.

1. Modo P (Program, Programmed Auto Exposure)

O mais elementar dos quatro modos de controlo da exposição é o que corresponde à posição P. Em P, o fotómetro (o dispositivo que «lê» a luz que entra pela lente) regula automaticamente os valores da abertura e velocidade do disparo. Este é o mais simples dos modos avançados. Quase basta ligar a câmara, apontar e disparar.
O leitor mais astuto estará, neste momento, a interrogar-se qual a diferença deste modo em relação ao automático. Bom, esta é uma pergunta pertinente. A diferença é que, em P, estão ao alcance do utilizador regulações que o modo automático não permite. Em P pode escolher-se o equilíbrio dos brancos, a sensibilidade ISO, o modo de disparo e actuar a compensação de exposição. Algumas marcas oferecem opções suplementares para este modo: a Olympus Pen tem um modo intermédio (Ps, ou «Program shift») que permite aceder a funções dos modos mais avançados, designadamente a velocidade do disparo, mas esta função é supérflua porque é preferível seleccionar o modo S.
O que importa reter é que, embora o modo P seja o mais simples, ele permite o controlo das funções da câmara e, em consequência, uma maior liberdade criativa em comparação com o modo AUTO. É o modo indicado para quem começa a explorar as potencialidades de uma boa câmara digital, mas é apenas o primeiro degrau do acesso à enorme criatividade permitida pelas reflex e pelas câmaras Micro Quatro Terços (**).

(*) Algumas compactas avançadas, bem como as câmaras bridge, dispõem de comandos semelhantes: é o caso da Canon G12 e da Olympus XZ-1, entre outras.
(**) O desenvolvimento do sistema Micro Quatro Terços levou algumas marcas a apresentar alternativas. A Samsung e a Sony têm câmaras compactas com lentes intermutáveis, mas os seus produtos são sucedâneos patéticos das Olympus e Panasonic.

O meu equipamento

Importa dizer que o meu interesse por fotografia começou há pouco tempo. Na verdade, comecei a fotografar há menos de um ano. Comecei com uma compacta, porque queria ter uma câmara sempre à mão, mas descobri muito cedo que estas câmaras são demasiado limitadas. Ao fim de menos de um mês já queria algo melhor, o que me deixou perante um dilema: deveria comprar uma compacta melhor, ou dar o salto para uma reflex? O que eu queria mesmo era uma Leica M9, mas como não sou um milionário, estava fora de questão comprar uma câmara que custa mais de €5.000,00 (só o corpo) e que demoraria anos a entender.
O meu interesse por fotografia, movido pela recepção favorável das fotos que ia publicando no facebook ou mostrando a amigos, levou-me a despender horas na Internet, na qual vim a descobrir que havia um meio termo entre as compactas e as reflex (cujos volume e estética não me agradam): as câmaras do formato Micro Quatro Terços. Entre elas estava uma das câmaras mais bonitas que alguma vez tinha visto: a Olympus Pen E-P1, que comprei em Abril de 2011, depois de um flirt prolongado. (Podem ler as minhas primeiras impressões sobre ela aqui, aqui, aqui e aqui.) Com ela posso ter a portabilidade de uma câmara compacta com uma qualidade de imagem equiparável à das reflex e, sobretudo, tenho a possibilidade de trocar lentes de acordo com a minha intenção. Estes últimos atributos estão fora do alcance das compactas.
As minhas lentes são a a 17mm pancake (que nome ridículo para dar a uma lente...), que vinha com a câmara, e a 40-150, ambas da Olympus. Posso dizer que, apesar dos defeitos de ambas, estou satisfeito: uma permite-me fotografar paisagens e outros objectos com uma sensação extraordinária de profundidade e um nível excelente de pormenor, a outra serve-me para ir buscar objectos distantes e para obter uma profundidade de campo reduzida, ajudando a obter um efeito bokeh para destacar um objecto em relação ao plano de fundo. Não posso (nem quero) fazer grandes apreciações sobre elas, porque não tenho pontos de comparação: não sei se as lentes de outros fabricantes são melhores ou piores. O que sei é que, em matéria de distância focal, tenho um fosso de 23mm que mais tarde ou mais cedo vou ter de preencher. Já tenho uma ou duas hipóteses em mente: ou a Olympus 14-42 - mas tem de ser a versão mais recente, porque experimentei a original e não me agradou -, ou a 25mm que a Panasonic desenvolveu em colaboração com a Leica.
Na semana passada comprei um acessório essencial (se me permitem o paradoxo): um tripé. Mais concretamente um Manfrotto MK393-H. Embora as suas pernas vibrem como as cordas de um contrabaixo quando estão totalmente estendidas, é um tripé de qualidade mais que aceitável que tem uma enorme vantagem: permite tirar fotografias na vertical. O tripé é importantíssimo quando se pretende tirar fotografias nocturnas, ou em condições de pouca luz: não há estabilizador de imagem que o substitua. Por mais firmes que sejam as nossas mãos, há sempre movimentos ligeiros que se transmitem à câmara, arruinando a fotografia com arrasto de pontos luminosos e excesso de ruído. Claro que é mais um objecto a transportar, pelo que o tripé levanta objecções a muita gente, mas sem ele é impossível tirar boas fotografias à noite.
Tenho também um saco apropriado para fotografia. Como é praticamente impossível comprar material da Olympus em Portugal, cansei-me de esperar pela encomenda de um saco feito à medida para a Olympus Pen e comprei um Lowepro. Não é tão bonito como os da Olympus, mas permite acomodar a câmara e as lentes. Um bom saco é extremamente importante: deve ser de tamanho suficiente para todo o material e deve ser construído com materiais resistentes ao choque e às condições atmosféricas. Deve ser acolchoado, para amortecer eventuais impactos, e empregar materiais impermeáveis. (Um conselho útil: usem aqueles saquinhos de gel de sílica no compartimento das lentes. Ajudam a absorver a humidade e, com isso, prolongam a vida das lentes.)
Tenho também um visor óptico, o Olympus VF-1, que fazia parte do kit da câmara, mas raramente o uso: fotografar através dele induz erros de perspectiva. É útil quando a luz é demasiado intensa e impede uma correcta visualização do ecrã, mas de pouco mais serve. Mesmo assim é de salientar a sua cristalinidade e transparência. E tenho um objecto quase insignificante, mas fundamental: uma escova para lentes. Custou-me cerca de €7, mas é, possivelmente, o mais importante dos acessórios.
Apesar de satisfeito com este equipamento, não pude deixar de me sentir um pouco ridículo quando, armado de saco e tripé para uma sessão de fotografia, ouvi um dos meus sobrinhos comparar os fotógrafos aos pescadores...

Mais um blogue de fotografia. So what?

OK, o que não falta por aí é blogues de fotógrafos e de fotografia. Estou totalmente consciente do facto. O que não sei é se existem muitos blogues que permitam a noviços na fotografia partilhar as suas impressões e o seu processo evolutivo com outros. É este o meu propósito. Tenho outro blogue, chamado Queremos Mentiras Novas, mas, francamente, estou cansado de escrever sobre política e actualidade. Não vou desactivá-lo, pelo menos para já, mas vou dedicar mais tempo a este novo blogue. Porque a fotografia é bem mais divertida do que comentar o primeiro-ministro isto ou o Presidente aquilo.
Fotografar é um prazer, não apenas quanto a olhar um objecto interessante e descobrir-lhe potencialidades fotográficas, mas também pelo domínio da técnica - um processo longo, que no meu caso funciona por tentativa e erro, mas mais simples do que se pode supor. Este último não é o mais importante, mas ajuda o fotógrafo a exprimir-se. De pouco serve ter-se um bom objecto se a fotografia sair desfocada, mal enquadrada ou incorrectamente exposta.
Espero que o blogue seja interessante para muitos leitores, a quem convido a formular comentários. Mais tarde talvez o abra à participação de outros amadores como eu. E, se acontecer um fotógrafo experiente vir parar aqui, não levarei a mal se ele corrigir algum disparate que eu aqui diga. Não sou daquelas pessoas que detestam ser corrigidas. Pelo contrário, estou aberto à aprendizagem.
Boas leituras.