quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Aspectos técnicos da focagem

Imagem: Wikipedia commons
O texto anterior pode ter deixado a impressão de que a focagem manual é excessivamente complicada, mas não é. Até há vinte anos atrás, a focagem manual era a única disponível, e já havia muita gente a tirar fotografias. A evolução é que nos tornou preguiçosos, e esta preguiça que a era digital nos trouxe dispensou-nos, até, de tentar compreender como funciona uma câmara, i. e. quais os processos ópticos e mecânicos que permitem a captura de imagens.
No caso concreto da focagem, tudo o que o fotógrafo casual dos nossos dias precisa de saber é que a câmara vai focar sozinha quando se pressiona o botão do disparo até meio. Alguns até não sabem deste pormenor e carregam de imediato no botão até ao fundo, sem dar tempo à câmara para encontrar um ponto de focagem. Este tipo de (des)conhecimento não me serve. Eu gosto de saber como as coisas funcionam. Nesse aspecto, a compra da minha lente medieval da era analógica fez-me compreender melhor a focagem. 
Em fotografia, a focagem é o fenómeno óptico pelo qual um objecto visto através da lente adquire nitidez. Não é necessário ser um Cornelius Drebbel para entender esta noção: nós fazêmo-lo a todo o dia e a toda a hora com os nossos olhos. A maneira como focamos os objectos que vemos, contudo, é completamente diferente da que uma câmara emprega: antes de mais, é impossível, ou excessivamente dispendioso, reproduzir numa câmara a visão binocular do ser humano. A lente é, na verdade, uma patética tentativa de reprodução da vista humana, um arremedo que nem sequer consegue chegar perto das propriedades ópticas dos nossos olhos. O olho é o instrumento óptico mais perfeito que existe, daí que a câmara - tal como o telescópio, os binóculos ou o microscópio - tenha de se contentar com o estatuto de mero complemento da visão humana. De resto, nenhuma câmara consegue o feito dos nossos olhos - a focagem instantânea. Não há lente que consiga superar o olhar neste aspecto: olhamos para algo, e depois olhamos para outro objecto: o nosso olhar foca instantaneamente. Enquadramos um objecto no visor da câmara, e depois enquadramos um outro: a câmara tem de se ajustar, automaticamente ou através do fotógrafo, às novas circunstâncias de luz, o que demora bem mais.
A focagem, entendida assim como o fenómeno óptico pelo qual um objecto visto através da lente adquire nitidez, depende de dois factores: a abertura e a profundidade de campo.
A abertura consiste, em termos simples, na quantidade de luz que penetra na lente. Esta quantidade é controlada através de um diafragma mecânico composto por um número determinado de lâminas metálicas que, abrindo ou fechando, formam um orifício pelo qual a luz vai ser encaminhada, através dos elementos ópticos da lente, para o sensor ou filme; quanto mais afastadas do centro e próximas da periferia da lente as lâminas estiverem, maior será a quantidade de luz que entra na lente; inversamente, se as lâminas estiverem mais próximas do centro, o orifício pelo qual a luz passará será menor. Pensemos nos olhos, mas desta vez os de um gato: se os observarmos com atenção, veremos que, em condições de muita luz, as suas pupilas se reduzem a uma ranhura ínfima, enquanto que, quando a luz é reduzida, as pupilas dilatam ao ponto de quase ocuparem toda a parte exposta do globo ocular. Pois bem - com o diafragma, o fenómeno é o mesmo. Quando as lâminas do diafragma da lente estão recolhidas, dizemos que estão mais abertas, ou que têm um valor de abertura maior; e, quando expandidas, esse valor diminui. É isto que se entende por abertura, que, como sabemos, se mede por números f que variam na proporção inversa da abertura: quanto menor o número f, maior a abertura.
A abertura é determinante na nitidez da imagem: grandes aberturas permitem obter imagens nítidas em condições de escassa luminosidade, e vice-versa, mas não é apenas quanto à luminosidade que a abertura afecta a focagem. Uma abertura grande apenas consegue manter a nitidez num plano próximo. Para obter uma imagem nítida num plano distante, é necessário diminuir o valor da abertura.
A esta variação da nitidez conforme a distância chama-se, em fotografia, profundidade de campo. Pela sua importância e repercussões na focagem - i. e. na nitidez -, este é um assunto que será tratado na publicação seguinte.  

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Focagem manual nas Olympus Pen

Já referi aqui que sou um fotógrafo da era da focagem automática, apesar de ter nascido e crescido na era analógica. A focagem manual ainda é muito errática, e os seus resultados frequentemente incertos, pelo que devo confessar que senti uma certa dose de frustração quando, ontem de tarde, tentei fazer fotografia de rua usando a focagem manual. Senti-me como a personagem Virgil, do filme de Woody Allen O Inimigo Público n.º 1, numa cena em que tentava tocar violoncelo numa banda durante um desfile...
Felizmente a Olympus teve a amabilidade de pensar nos maluquinhos que, como eu, insistem em usar lentes de focagem manual nesta era de sofisticação robotizada em que até as lentes são altamente computorizadas. Há uma maneira de obter uma focagem manual precisa, a que a Oly chama, prosaicamente, «MF Assist». Esta função é activada, nas lentes do sistema Micro Quatro Terços, com um simples toque no anel de focagem, mas hoje descobri, com grande entusiasmo e excitação, que pode também ser accionada com lentes não motorizadas.
Não posso dizer que a função a que me refiro é muito simples, porque na verdade não é, mas é incrivelmente útil: permite aumentar até dez vezes uma área determinada da imagem, a partir da qual se torna muito mais prático focar - até porque, como já referi, o ecrã da minha E-P1 não tem uma resolução extraordinária, o que dificulta a obtenção de uma focagem exacta. Para aceder à função, pressiona-se o botão INFO, a vermelho na imagem, por cinco vezes (penso que é possível modificar esta configuração, mas implica uma penosa consulta do manual...) até surgir um pequeno rectângulo verde. Este rectângulo, que se pode mover ao longo da imagem, define a área que vai ser ampliada. Uma vez seleccionada a área, prime-se o botão OK (assinalado a azul na imagem): a área é ampliada dez vezes, embora se possa reduzir o factor de ampliação para sete. Depois é só rodar o anel de focagem até o objecto ficar nítido. Está bom de ver que isto não serve para objectos em movimento, mas é útil e bem pensado.
Ainda bem que a Olympus teve a amabilidade de oferecer esta função. A sua inclusão reforça a minha convicção de que, apesar de todos os defeitos que lhe costumam apontar, a E-P1 - tal como a sua irmã E-P2 - é uma câmara extremamente bem concebida. O facto de se terem lembrado dos fotógrafos que possuem lentes antigas só abona a favor do fabricante.
Já que menciono o fabricante: a fazer fé em rumores que circulam na Internet, a Olympus vai alienar o negócio das câmaras à Panasonic, famosa pelos seus aspiradores e pilhas. Espero que o boato não se confirme. Seria muito triste que um fabricante com quase cem anos vendesse a sua história de produtos extraordinários a uma marca tão foleira. Era como se a Hyundai comprasse a Alfa Romeo... 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Analógico vs. digital

Se, depois de lerem os três textos anteriores acerca da lente G.Zuiko 28mm/f3.5, ficaram com a ideia de que sou um nostálgico da fotografia analógica, deixem-me rectificar essa impressão. Não sou. A fotografia analógica não é melhor que a digital. Não é apenas uma questão de comodidade - que também conta -, mas é, sobretudo, uma questão de ter recursos quase ilimitados com a fotografia digital. Com uma câmara digital posso tirar dezenas de fotografias ao mesmo objecto e seleccionar a que mais me satisfaz; com uma analógica tenho vinte e quatro fotogramas, o que, se significa que tenho de ser bom e treinar arduamente para obter a melhor imagem possível com duas ou três fotografias do mesmo objecto, significa também que essas fotografias podem não corresponder ao que esperava depois de reveladas. Ou posso queimar o rolo se não tiver cuidado ao retirá-lo, inutilizando todas as fotografias tiradas. Estes riscos são demasiado elevados e dispendiosos.
Eu não sou um fanático do digital nem do analógico só porque um é contemporâneo e outro pertence ao passado, ou porque um banalizou a fotografia e o outro implicava o domínio da técnica. No meu entender qualquer destas proposições é verdadeira. Também não sou um saudosista, nem pretendo aparentar estar sempre na crista da onda e adoptar todos os avanços tecnológicos que surgem. O que me interessa é o máximo de qualidade dentro dos meus recursos. Em 1998 comprei um leitor de CD, que no ano seguinte substituí por outro muito melhor. Apesar da melhoria na qualidade sonora, senti sempre que faltava qualquer coisa, por comparação ao som analógico que ouvia na minha juventude. Em 2000 decidi comprar um gira-discos. Fiquei satisfeitíssimo. Ainda hoje prefiro o som do vinil ao de qualquer outro formato - mas, notem bem, o que está em questão é apenas a qualidade sonora, o prazer da audição. Não foi por saudosismo, nem por querer navegar a vaga retro da década passada, que comprei o meu Rega Planar 3: foi porque o som do vinil é melhor que o digital. Claro que esta qualidade só é perceptível com um gira-discos decente, e o mais decente que pude comprar era o Rega, que ainda tenho e conto manter por muitos anos.
O mesmo quanto à aquisição da 28mm. Comprei-a por causa da sua qualidade, não por ser vintage. Não tenho gosto por velharias. Se me tivesse convencido que a lente não servia os meus propósitos, tê-la-ia trocado ou devolvido. A focagem manual não me assusta, tal como não me deixei intimidar pelo facto de o gira-discos não poder ser accionado por controlo remoto. O facto de ser uma lente da era analógica não faz de mim um saudosista, nem implica que vá a correr comprar uma câmara analógica e rolos.
Não tenho tempo, paciência nem dinheiro para a fotografia analógica, nem qualquer nostalgia por ela que me faça obedecer a algum imperativo de voltar aonde nunca estive (porque o retro é isto mesmo: voltar a sítios onde nunca se esteve). É aqui que termina a analogia com a alta fidelidade: se o som do vinil é melhor que o digital, o mesmo não é verdade quando aplicado à fotografia. A fotografia digital é pelo menos tão boa quanto a analógica, e só não me atrevo a dizer que é melhor porque a minha experiência com a fotografia analógica é extremamente limitada. Não sou alguém que entenda que o progresso é nocivo ou indesejável - afinal de contas estou a escrever num blogue e partilho fotografias no Facebook! -, pelo que as vantagens da fotografia digital levam-me a preferi-la. Podemos criticar a satisfação instantânea que a fotografia digital nos traz, com a desnecessidade de bons conhecimentos técnicos para obter resultados satisfatórios, mas a possibilidade de vermos de imediato o resultado da fotografia tirada e de a rectificarmos sem ter de pensar em quantos fotogramas ainda nos restam no rolo é uma vantagem incomensurável. Tal como a edição, que permite melhorar a imagem depois de tirada, e a visualização no computador. Duvido que pudesse dedicar-me à fotografia se não tivesse estas facilidades.
E há também o factor económico. Um rolo de fotografias custa cerca de quatro euros e dá para vinte e quatro fotografias. Cada fotografia custa dezassete cêntimos, sem contar com o preço da revelação e impressão. Um bom cartão de memória de 8 GB custa trinta e quatro euros e armazena um número infinito de fotografias. As contas são fáceis de fazer...
O argumento, amiúde invocado, da desnecessidade de conhecimentos técnicos quando se tem uma câmara digital é falso: estes conhecimentos continuam a ser necessários quando se tem um interesse sério em fotografia. A fotografia digital requer os mesmos conhecimentos que a analógica, mas acrescenta mais alguns: o equilíbrio dos brancos ou a compensação da exposição, por exemplo, são inovações da fotografia digital que exigem um determinado grau de domínio da técnica fotográfica para serem bem aproveitados.
Aqui está: sou incapaz de um manifesto anti-digital, mas não consigo dizer que tudo o que era analógico está morto e enterrado. Sou incapaz de um manifesto anti-analógico, mas também não consigo dizer que o digital é só para turistas patetas. Tenho uma câmara digital e uma lente da era analógica porque esta é a melhor combinação câmara-lente em função das minhas necessidades e das minhas posses. Ambas as concepções são válidas e vantajosas. Melhor ainda: são compatíveis. Já carregar e mudar rolos, mandar revelá-los e imprimi-los e ficar limitado a um determinado número de imagens numa sessão fotográfica é incompatível com o pouco tempo livre de que disponho. Ter uma câmara analógica poderia ser interessante - até por, no geral, as câmaras analógicas serem mais bonitas -, mas as digitais têm muito mais vantagens. São estas vantagens que me impedem de sentir nostalgia quando vejo uma câmara de rolo à venda num antiquário.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Retro, parte 3

Apenas tenho a G.Zuiko 28 há três dias, e só num deles a experimentei em condições que podem ser consideradas normais. Ainda é, talvez, demasiado cedo para avaliar esta lente, mas já é possível, olhando para as fotografias que tirei com ela, extrair algumas conclusões.
A primeira é a da dificuldade em obter boas fotografias com ela. É evidente que esta é uma conclusão subjectiva, vinda de alguém que, a despeito da insaciável vontade de abarcar tudo quanto respeita à fotografia, tem apenas um ano de experiência, e somente quatro meses com uma câmara de lentes intermutáveis. Sou do tempo da focagem manual, mas só agora estou a aprender a lidar com a abertura, a profundidade de campo e a própria focagem. Toda a minha experiência se baseou na focagem automática e, embora tenha feito algumas experiências satisfatórias de focagem manual com a 40-150 antes de obter a 28mm, a minha aprendizagem fundou-se na comodidade de ter uma câmara e uma lente a fazer o trabalho por mim. Vejo, agora, que foi uma aprendizagem incompleta por me faltarem noções rudimentares de fotografia; daí a minha certeza de que a 28mm vai ensinar-me muito do que ainda não sei sobre fotografia.
No que respeita ao manuseamento - abstraindo da regulação da abertura e da focagem manual -, surpreendeu-me verificar que esta lente se comporta mais como a 40-150 que como a Pancake. Tal como a teleobjectiva, a 28mm requer mãos muito firmes para que as fotografias sejam nítidas. Acontece-me frequentemente tirar fotos mal focadas com a 40-150: demorei algum tempo a compreender que não era um problema de focagem - a 40-150 é, evidentemente, uma lente de focagem automática -, mas de falta de firmeza no manuseamento do conjunto corpo-lente. Por vezes lamento que a minha câmara não tenha uma pega com as dimensões das de uma DSLR e um visor que me permitisse segurar a câmara de um modo mais estável. A 28mm é pequena, mas o uso do adaptador deixa-a mais ou menos com o mesmo comprimento que a teleobjectiva, e o conjunto fica ainda mais pesado do que esta última lente.  O que não seria um problema muito sério, se não tivesse de compor a imagem através do ecrã...
De resto - e de novo à semelhança da 40-150 -, a 28mm precisa de muita luz. Neste aspecto a humilde Pancake trucida a G.Zuiko. Quando se tiram fotografias em condições de luz deficientes, torna-se necessário baixar consideravelmente a velocidade do disparador - o que agrava o problema da perda de nitidez. Esta é uma lente para fotografia diurna.
Que céu glorioso!
Contudo, em condições de luz ideais, a 28mm é uma lente capaz de verdadeira grandeza. O que mais impressiona, nesta lente, é a qualidade da cor. As cores das fotografias capturadas com a 28mm são absolutamente maravilhosas! São extremamente vivas e saturadas - muito mais que as cores captadas com as lentes «digitais» -, sem contudo serem berrantes. Só estas cores chegam para que me torne num entusiasta desta lente, mas as suas virtudes não se confinam à beleza cromática: com efeito, esta de nada serviria se as imagens fossem pouco nítidas, mas a 28mm não me dá razões para me preocupar. A nitidez dos contrastes é excepcional - de novo superior à das outras lentes -, mas não excessivamente pronunciada. As imagens são extremamente agradáveis de ver, sem a agressividade dos contrastes de algumas fotografias digitais. Está muito longe da ideia pré-concebida que alguns têm sobre a fotografia da era analógica, com cores mortiças e pouca definição. Esta é, em matéria de qualidade de imagem, uma lente moderna. 
Não me restam dúvidas, ao avaliar algumas das fotografias que já tirei com a G.Zuiko, que esta é uma lente de qualidade acima da média. Pode ter alguns problemas, mas as suas características de cor e contraste compensam largamente as faltas. É uma lente que me causa a sensação de estar a contemplar fotografias, e não a analisar ficheiros de imagem. Se isto é ser retro ou antiquado, pois que seja!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Retro, parte 2

Esta lente veio ter comigo directamente da Idade das Trevas da fotografia, quando a fotografia digital ainda não passava da fase experimental, a focagem automática não existia e o comando da abertura era feito na própria lente. Um mundo velho que é inteiramente novo e inexplorado para mim. Como seriam os resultados? Que poderia esperar da G.Zuiko 28mm?
Depois de algumas experiências inconclusivas em casa, pude finalmente experimentá-la num ambiente mais adequado. A primeira conclusão a que cheguei foi a de que preciso de dominar a técnica da focagem manual. A ratio de fotografias mal focadas diminuiu muito do primeiro para o segundo dia, mas ainda é demasiado elevada. O ecrã da E-P1 também não ajuda: tem pouca resolução, o que por vezes torna o resultado da focagem aleatório, e não dá o mesmo retorno que um visor. Contudo, as fotografias em que acertei com a focagem demonstraram bem as capacidades desta lente.
A G.Zuiko 28mm é uma lente capaz de produzir imagens de enorme beleza. A sua resolução é também excelente, com níveis de pormenor que levam a pôr em questão se os progressos efectuados com a fotografia digital foram realmente necessários, ou apenas uma estratégia de marketing para vender mais câmaras e lentes. Não há nada de antiquado nas imagens captadas pela 28mm: os níveis de definição são excelentes, pelo menos tão bons como os das suas irmãs concebidas para o domínio da fotografia digital. Não é a lente mais luminosa que existe, nem a mais rápida, mas noto que a forma como apreende a luz torna as cores mais naturais, embora diferentes do que vemos hoje com a fotografia digital. (Reparem que escrevi «diferentes», e não «piores» ou «melhores».) Esta não é, contudo, a lente que escolheria para fotografar de noite sem flash: dei por mim a diminuir a velocidade de disparo em dois stops para compensar a perda de luminosidade em motivos mais escuros. E, nas ampliações de fotografias mais expostas, notam-se algumas aberrações cromáticas, mas são mais benignas que as que se produzem nas fotografias tiradas com a Pancake.
Uma área em que a 28mm sobressai é no bokeh - nas imagens em que o plano de fundo surge desfocado para fazer sobressair o objecto da imagem. É desconcertantemente fácil produzir este efeito, e o anel de regulação da abertura torna tudo ainda mais simples e intuitivo.
Apesar de a Pen E-P1 não ser a câmara mais indicada para obter este efeito, é possível obter um bom bokeh com esta lente. Não, nunca será aquele fundo totalmente diluído que se obtém com as boas DSLRs, mas o resultado é imensamente satisfatório, deixando a sensação de que a câmara é o limite à obtenção de fotografias ainda melhores.
A sua performance em contra-luz também me pareceu muito interessante, não se verificando alguns dos fenómenos de manchas na imagem que são evidentes com a Pancake. Isto significa, salvo opinião mais avisada, que o vidro empregue no fabrico desta lente é de qualidade superior. Tenho agora uma lente que, apesar da idade e do preço, pertence a um escalão claramente superior ao da minha 17mm. Houve tempos em que a menção made in Japan era sinónimo de pechisbeque, mas isto não se aplica às lentes da Olympus. Hoje essa conotação inferior pertence ao made in China, e o made in Japan é um garante de qualidade. Afinal de contas, a Olympus vai fazer cem anos (em 2015) de experiência em óptica. E isso nota-se bem na 28mm! 
Quanto a defeitos, para além das aberrações cromáticas a que já me referi, parece haver também alguma «vinhetagem» - uma perda de luminosidade à medida que o olhar se desloca do centro para os cantos da imagem. Na fotografia da igreja de S. Martinho de Lordelo do Ouro pode ver-se que o céu, nos cantos superiores, é ligeiramente mais escuro que no centro da imagem. Esta é, ao que parece, uma característica das lentes grande-angulares, pelo que hesito em qualificá-lo como um problema sério.
Aparentemente, acertei em cheio na minha escolha. Tenho uma lente prime de alta qualidade por um preço ridiculamente baixo. A 28mm encaixa perfeitamente entre as lentes que já tenho, e não é só no domínio dos números: a dimensão da imagem é exactamente aquela de que necessitava para preencher o hiato. O único obstáculo que me separa da felicidade absoluta é ainda não dominar a técnica da focagem manual, mas estou certo de que vou fazê-lo. A 28mm é uma lente que me vai ensinar a fotografar; com ela vou aprender tudo o que não sei acerca da focagem, da abertura e da profundidade de campo. E vou também divertir-me mais quando fotografo: dá muito mais gozo procurar obter boas fotografias com esta lente. O desafio é muito maior.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Retro, parte 1

Das minhas duas lentes, quase só uso a pequena Pancake de 17mm. A 40-150 passa praticamente todo o seu tempo no seu compartimento do saco, de onde só sai se a 17mm for insuficiente para aumentar um motivo distante. Não que a minha 40-150 seja má; pelo contrário, tem um nível de resolução espantoso, mas é lenta. Tem uma abertura mínima demasiado grande (f4 a 40mm e f5.6 a 150mm) e requer enorme firmeza para que as fotografias saiam bem focadas. É uma lente para tripé. A Pancake, a despeito das suas anomalias, dá muito mais prazer de usar: é rápida, foca sempre bem e a qualidade de imagem é bastante consistente. Não demorei muito a perceber algo que todos os fotógrafos experimentados sabem: as lentes de distância focal fixa são muito mais agradáveis de usar que as zoom.
Existia um hiato evidente entre as duas lentes, mais concretamente entre os 17mm da Pancake e os 40mm de distância focal mínima da teleobjectiva. As minhas opções eram limitadas: podia comprar a Pancake de 25mm que a Olympus desenvolveu para o sistema 4/3, o que obrigaria à aquisição de um adaptador que custa quase tanto como a lente; ou podia esperar, juntar muito dinheiro e comprar a lente de 25mm que resultou da cooperação entre a Leica e a Panasonic (esta última famosa pelos seus aspiradores e rádios a pilhas). Ou então comprava a lente 14-42, que é uma zoom e não é lá muito agradável de usar. Sei-o porque já a experimentei.
Preferi pensar lateralmente. A Olympus fabricou, entre os anos 70 e 80 do século passado, lentes que se tornaram lendárias pela sua qualidade. Estas lentes eram as desenvolvidas para as câmaras da série OM. Quem as conhece diz que estão entre as melhores lentes do mundo. Esta opção, a despeito de obrigar à compra de um adaptador, pareceu-me particularmente interessante. Até porque há uma loja no Porto que vende estas lentes - usadas, evidentemente - a bons preços.
Não demorei muito a tomar uma decisão. Esta era a melhor solução: uma prime de alta qualidade e a bom preço. Os únicos problemas eram a necessidade de comprar um adaptador - que, curiosamente, encontrei com enorme facilidade, o que não é habitual com o material da Olympus - e, mais importante, perder a comodidade da focagem automática.
A minha ideia inicial era comprar uma lente de 24mm, que, na E-P1, daria uma distância focal equivalente de 48mm, mas descobri que também existe uma grande-angular de 28mm, que se coloca exactamente a meio do intervalo entre as distâncias focais das outras lentes. O preço era bom, pelo que levei para casa a lente conhecida pelo nome «Olympus OM-System G.Zuiko Auto-W 1:3.5 f=28mm». Eu dispensaria o «Auto-W» para poder memorizar o nome mais facilmente...
Esta lente é uma lente prime - o que significa que tem uma distância focal fixa - de 28mm, com um ângulo de visão particularmente largo para uma lente com esta distância focal: 63º. Tanto como a Pancake. (Nas lentes o ângulo de visão é inversamente proporcional à distância focal.) A sua abertura mínima é de 3.5, pelo que é consideravelmente menos luminosa que a Pancake. Não é uma lente que possa usar em condições de pouca luz. A construção é excelente: é uma lente com uma robustez palpável, toda construída em metal - com a excepção do anel de focagem, que parece ser de borracha vulcanizada - e bastante compacta. É constituída por um anel de regulação da abertura com cinco stops - 16, 11, 8, 5.6 e 3.5 -, um anel de focagem e um outro anel em metal branco, na parte posterior, com uma régua de medição da profundidade de campo. São raras - e caras! - as lentes da era digital que têm esta regulação. É uma lente que condiz muito bem com o estilo retro da E-P1, apesar do aumento em um terço do seu volume causado pelo adaptador (que é também uma peça de metal de qualidade admirável). A lente é desacoplada com o auxílio de uma mola, que é accionada carregando numa pequena patilha rectangular na sua base. 

domingo, 21 de agosto de 2011

Edição de imagem, parte 2

O título e a ilustração do texto de ontem podem ter induzido em erro, levando o leitor a pensar que iria abordar o tema do tratamento de imagens com o Photoshop. Em lugar disso depararam com mais um manifesto anti-Photoshop.
A verdade, porém, é que não tenho nada contra o processamento de imagens. Muitas das fotografias que mostro no Flickr e no Facebook são retocadas, uma vez que são muitos os casos em que a imagem produzida pela câmara não corresponde à intenção com que a capturei. Há sempre algo a corrigir ou a melhorar, e eu faço-o sem hesitações ou reservas. O que me causa a objecção que nutro em relação ao Photoshop - e ao tratamento de imagem em geral - é a virtualidade de tornar a imagem em algo completamente diferente daquilo que vi e quis capturar quando tirei a fotografia. Infelizmente, é neste sentido que muita gente tem utilizado o pós-processamento. E aqui já estamos num domínio diverso do da fotografia.
O software fornecido com as câmaras mais evoluídas contém inúmeras soluções de retoque que permitem melhorar a fotografia sem a manipular. O Olympus Viewer 2 - que é aquele que melhor conheço - deixa-me corrigir deficiências da imagem, mas não me permite suprimir ou acrescentar objectos que não foram captados pela câmara. É tudo quanto basta para as minhas necessidades e para a minha concepção de fotografia. Com o software é possível efectuar diversas correcções, que enunciarei sem, contudo, esgotar o assunto:
Curva de cores: faz tudo o que a manipulação de canais do Adobe Photoshop faz sem que se tenha de pagar um preço que só se justifica numa abordagem profissional da fotografia. O ajuste da curva de cores é, essencialmente, subtractivo: se reduzirmos uma das cores básicas, as outras duas serão realçadas. Se diminuirmos o vermelho, o azul e o verde serão mais expostos. É uma ferramenta útil para tratamento de imagens que foram digitalizadas, nomeadamente aquelas fotografias antigas a preto-e-branco nas quais predomina um tom castanho. Aumentando a intensidade do azul e reduzindo as curvas do vermelho e do verde é possível obter uma tonalidade mais neutra.
Contraste e nitidez, ajuste de tom, saturação e luminosidade: Nem todas as fotografias saem com o grau de definição que queremos. Esta é certamente uma realidade conhecida de todos os fotógrafos. Acresce que, quando se confia no ecrã para fazer a composição, as cores mostradas neste último podem não corresponder à imagem descarregada para o computador. Estes ajustes providenciam correcções que farão a fotografia corresponder melhor à intenção do fotógrafo, restituindo equilíbrio tonal, nitidez e contraste à imagem.
Unsharp mask: não há palavras que permitam descrever a utilidade desta ferramenta. Com ela pode transformar-se uma fotografia baça numa fotografia nítida, mas há que ter duas precauções. A primeira é a de apenas usar o unsharp mask em fotografias nas quais a perda de contraste e nitidez não seja demasiado acentuada. A outra, que está relacionada com a primeira, é a de não abusar do threshold (limiar). O uso do unsharp mask em fotografias com uma evidente perda de nitidez (por ex. uma fotografia sobreexposta) pode levar a uma compensação excessiva que produzirá uma imagem com uma qualidade abaixo do aceitável, com orlas artificiais em torno dos objectos e um equilíbrio de sombras que nada tem que ver com uma imagem real. O mesmo quando se abusa do unsharp mask, em especial quando se aplica demasiado threshold: não aconselho que se ultrapasse um limiar de 20 ou 25, caso contrário teremos a sensação de existirem duas imagens sobrepostas.
Corte: o corte é, possivelmente, a forma mais simples e eficaz de retocar uma imagem. Com ele podem eliminar-se objectos indesejados, redimensionar a fotografia e reordenar a composição e enquadramento. Já me referi a esta ferramenta aqui.
Correcção da distorção: como vimos nos textos sobre lentes, as grande-angulares tendem a causar uma distorção divergente, na qual as linhas junto às margens das imagens se tornam circulares (a chamada barrel distortion), enquanto as teleobjectivas produzem a distorção inversa, pela qual as linhas convergem para o centro da imagem. O software de imagem fornecido com a câmara é tudo quanto basta para corrigir estes problemas. Curiosamente, no meu caso, nem sequer necessito desta ferramenta porque a própria câmara efectua as correcções necessárias. O Olympus Viewer 2 (e, sem dúvida, os equivalentes da Canon, Nikon, Pentax e Sony) permite também corrigir a distorção de paralelograma, proceder à correcção trapezoidal e ajustar a inclinação - o que é particularmente útil nas câmaras que não têm indicador de nível, ou quando não é possível usar este último.
Redução do ruído: útil no caso de a fotografia ter mais ruído que o esperado. O ideal é, como já disse centenas de vezes, tirar fotografias com o menor ISO possível. Nas exposições longas, deve usar-se a redução do ruído da câmara. Estas advertências são importantes porque, quando se aplica a redução do ruído na pós-produção, o resultado nem sempre é satisfatório: normalmente o ruído é atenuado à custa da perda de pormenor. Nenhum trabalho de edição pode salvar uma fotografia com demasiado ruído.
Exemplo do que o Viewer 2 pode fazer por uma fotografia
O software permite também redimensionar a imagem, corrigir olhos vermelhos - o efeito mais nocivo dos flashes que não se podem orientar - ou transformar uma fotografia a cores em preto-e-branco. Há que ter em conta que uma fotografia correctamente tirada dispensa muitos destes ajustes, pelo que eles servem, antes de mais, para suprir deficiências e opções técnicas erradas do fotógrafo. O que estas ferramentas não fazem, contudo, é tornar a fotografia - ou o seu objecto - em qualquer coisa completamente diferente do que a câmara e o fotógrafo viram e captaram. Como já referi, quando se entra neste grau de manipulação, já não estamos no domínio da fotografia, mas numa arte gráfica que tem uma fotografia por objecto. Não tenho nada contra as artes gráficas, mas a manipulação da imagem é algo que ultrapassa a fotografia. Há uma fronteira entre a correcção da imagem e a sua manipulação. O que não se deve, na minha opinião, é usar a manipulação da imagem para suprir conhecimentos deficientes das técnicas fotográficas: uma má fotografia será sempre uma má fotografia, e uma fotografia intrinsecamente desinteressante será sempre desinteressante, por mais que se manipulem as camadas ou os canais RGB. Como dizem os anglo-saxónicos, you can't polish a turd. Mais vale aprender a usar bem a câmara e encontrar motivos interessantes que perder horas sentado em frente a um computador a editar a imagem.     

sábado, 20 de agosto de 2011

Edição de imagem, parte 1

No meu escritório há uma rapariga que é fotógrafa. Não é uma estrita amadora como eu: faz fotografia a um nível profissional, particularmente de casamentos e baptizados. A L. é uma grande fotógrafa: as imagens que brotam da sua Canon 7D são perfeitas. E é uma tecnicista: trabalha sempre no modo M, domina o flash e o equilíbrio de brancos e o género de fotografia a que se dedica obriga-a a uma enorme rapidez, atenção e sentido de oportunidade. Não é surpresa nenhuma que passemos algum tempo - tanto quanto o trabalho intenso nos permite - a conversar sobre fotografia, embora as nossas abordagens sejam quase antagónicas.
Um dos nossos primeiros tópicos de conversa foi a edição de imagem. A L. usa-a com frequência, mas apenas, assevera-me ela, para retocar fotografias. Há sempre um tom de pele que sai com a tonalidade errada por causa do flash, uma erupção cutânea inapropriada, etc. Entra em cena o Photoshop. Noutra conversa, ela disse-me algo que já sabia: «Aquelas imagens muito contrastadas, muito bonitas, muito vivas, que vê na Internet...? É tudo Photoshop. Nenhuma máquina tira fotos assim!»
Na verdade não é só o Photoshop. É também a técnica HDRI (*). Hoje toda a gente exagera no processamento da imagem. De uma fotografia fazem algo mais parecido com uma pintura - mas estas pseudo-pinturas têm mais que ver com os pastiches que se vendem na Rua Sampaio Bruno que com Vermeer ou Rembrandt. Está lá tudo o que é mau gosto, desde os contrastes excessivos e as matizes exageradas até às estrelinhas com muitos raios. Claro que há quem use a pós-produção com bom gosto, mas o mais habitual é aparecerem fotografias que evocam imediatamente aquelas aguarelas fatelas que se vendem na rua. É um dos males da democratização da fotografia e dos torrents de programas na Internet...
Imagem de Pawel Kazinsky, pubicada em www.facebook.com/getolympus
Muitas destas imagens levantam as seguintes questões: estamos ainda diante de uma fotografia, ou estaremos já no domínio das artes gráficas? E qual é o objecto destas fotografias: é o motivo da imagem, ou a própria imagem? Há alguma autenticidade nestas imagens tão carregadamente processadas? É que, nas imagens a que me refiro, o objecto é absolutamente secundário, tal como o são o domínio da técnica fotográfica e a intenção artística subjacente à fotografia. A actividade criativa e o domínio da técnica só surgem na fase posterior à tomada da imagem, uma vez que, com o Photoshop, é possível tomar uma fotografia mediocríssima e torná-la naquilo que o seu autor imagina ser uma obra de arte.
Daí em que não tenha dúvidas que a edição de imagem, quando exagerada, extravasa da fotografia e entra noutra área - a das artes gráficas. Há aqui um erro fundamental que inquina qualquer esforço do editor: é que a fotografia tem de ser original e interessante no momento em que é tirada. Uma fotografia indiferente ou desinteressante será sempre uma fotografia indiferente ou desinteressante, por muito que se manipule no Photoshop e se adicionem estrelas ou camadas. O Photoshop, quando usado sem temperança, nega a própria essência da fotografia: a captura de um momento que se pretende tornar duradouro. O conteúdo é substituído pela forma e a criatividade fotográfica dá lugar a uma criatividade (quando existe) a posteriori. A fotografia, ou o acto de fotografar, assume um lugar secundário e dá lugar a uma imagem que pode ter um forte impacto inicial, mas que em última análise é algo frívolo e vazio. Por outras palavras, a fotografia torna-se relativa. Daí que considere que, em certos casos, já nem sequer se pode falar de fotografia.

(*) High Dynamic Range Image: técnica que consiste na sobreposição de três imagens - uma correctamente exposta, outra sobreexposta e uma outra subexposta, para obter um gama dinâmica mais extensa.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Dia Mundial da Fotografia

 
Hoje, 19 de Agosto, é o Dia Mundial da Fotografia. Só há muito pouco tempo - algumas semanas, não mais - descobri que existia um Dia Mundial para a arte que abracei há pouco mais de um ano. Faz sentido haver este dia? Faz. Pelo menos tanto como haver um Dia Mundial da Música, da Pintura, do Teatro ou outro Dia Mundial qualquer. Aliás, agora há dias mundiais para tudo - tantos que já ninguém repara. Por vezes acontece-me acordar a pensar que «hoje deve ser dia mundial de qualquer coisa» (não, não é verdade...), mas não atribuo nenhuma importância a estas efemérides. O meu dia mundial da fotografia não é quando alguma comissão da ONU o decide: é quando pego na minha E-P1 e tiro uma fotografia inteiramente satisfatória, ou quando descubro a obra de algum fotógrafo excepcional que desconhecia (o último foi Kevin Carter, o autor da foto acima).
Contudo, não deixei de celebrar a data: não tirando fotografias - o que seria demasiado óbvio -, mas adquirindo um livro de Michael Freeman intitulado Mastering Digital Photography. Um calhamaço de 640 páginas, em inglês, do qual espero retirar bons ensinamentos e que me faça progredir. No momento actual não tenho tempo nem dinheiro para um curso de fotografia, pelo que me vou manter como autodidacta - embora com a consciência de que o autodidactismo cria vícios que podem ser difíceis de corrigir.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Interessante

O adjectivo «interessante» é, possivelmente, aquele que mais uso neste blog quando me refiro a fotografias. Talvez não devesse; afinal de contas, este é um conceito extremamente subjectivo. O que é interessante para mim pode não o ser para outra pessoa qualquer.
Acresce que é difícil dizer, em concreto, em que consiste o interesse em fotografia. Um tema pode ser maravilhoso, e a fotografia ser profundamente desinteressante. Contudo, penso ser possível ter em mente algumas noções que podem tornar a fotografia interessante. O leitor notará que isto é completamente casuístico, não sendo possível sistematizar o que confere interesse a uma fotografia precisamente por estarmos no domínio do subjectivo. Uma fotografia cujo motivo, enquadramento, composição ou ângulo sejam originais será sempre, em princípio, interessante, mas há pormenores que ajudam a despertar o interesse de quem a vê.
De um modo geral, a presença de objectos estranhos ou curiosos no enquadramento pode conferir interesse à fotografia. É o caso da sombra na foto acima, sem a qual estaríamos na presença de uma imagem banal. A presença de pessoas, desde que bem enquadradas, também ajuda: as pessoas resultam sempre bem em fotografia e o espectador tende a valorá-las.
Nas fotografias de paisagens, monumentos ou edifícios, deve evitar-se a tentação de ser literal e de procurar que a fotografia seja um mero documento que testemunhe literalmente aquilo que os olhos vêem. Uma fotografia tirada assim pode ter valor como ilustração, mas artisticamente o seu interesse é muito reduzido. Há pormenores que ajudam a fixar o olhar do espectador: o enquadramento, desde logo. A regra dos terços pode ser um auxiliar importante, uma vez que o espectador vai procurar o que está nos pontos de intersecção das rectas. O objecto sobre o qual pretendemos que a atenção incida deve ser colocado num desses pontos - mas, como referi no texto anterior, as regras existem para ser transgredidas, pelo que não há aqui uma obrigatoriedade: o que tem de haver é a consciência dessa regra e um intuito deliberado de a infringir com um propósito artístico. Caso contrário o observador estará apenas a contemplar uma fotografia mal tirada. O céu é também fundamental para conferir interesse a este tipo de fotografia: os céus completamente limpos são de evitar, tal como os nublados em que as nuvens são homogéneas, sem qualquer textura. Devem procurar-se nuvens carregadas e com textura, de preferência se estiverem tingidas pelo vermelho característico do nascer e pôr do sol. Isto serve dois propósitos: evitar a monotonia de um céu demasiado homogéneo e preencher melhor o enquadramento. Acresce, ainda quanto às fotografias de paisagens, monumentos e edifícios, que devem ser usadas lentes grande-angulares, uma vez que ajudam a conferir profundidade às paisagens e a sua tendência para favorecer as diagonais beneficia a fotografia de monumentos e edifícios, conferindo-lhe ângulos similares aos que os olhos vêem.
Na fotografia de natureza e em retratos, deve procurar-se destacar o motivo principal. Isto é obtido mantendo o motivo em foco e desfocando o plano de fundo. Este efeito é extremamente simples de obter, embora exija uma câmara e lente de qualidade razoável: escolhe-se o modo de prioridade à abertura (A, ou Av nas Canon e Pentax), regula-se a abertura para o máximo e, a uma distância próxima do objecto, selecciona-se o ponto de focagem sobre o motivo que se quer destacar. Obtém-se, deste modo, o efeito bokeh. Note-se que, nalgumas reflex, é possível determinar a profundidade de campo, que deverá ser superficial para obter este efeito, através de um comando próprio. Também é possível obter fotografias interessantes usando o efeito inverso, ou focando um objecto a meio da imagem.
Naturalmente, o mais importante para conferir interesse a uma fotografia é o motivo. Nenhuma das sugestões que indiquei resulta se o motivo for intrinsecamente desinteressante...

sábado, 13 de agosto de 2011

A fotografia é uma arte?

A pergunta que dá título ao texto poderia ser de mera retórica: eu entendo que a fotografia é uma arte. E ficaríamos por aqui; em lugar de uma pergunta teria posto uma afirmação e não precisaria de escrever nem mais uma linha. 
A questão, contudo, não é simples. Todas as artes se democratizaram e vulgarizaram. Hoje em dia toda a gente pinta, escreve e faz música. Vivemos numa sociedade em que, nas palavras também elas tão banalizadas de Andy Warhol, toda a gente tem os seus quinze minutos de fama. Margarida Rebelo Pinto e Paulo Coelho são considerados escritores, Rebecca Black e Justin Bieber são reputados como músicos e os sujeitos que vão para a Rua de Santa Catarina vender os seus quadros patéticos são por vezes referidos como pintores.
Com a fotografia, porém, a banalização vai muito mais longe. Hoje toda a gente tira fotografias, seja com um telemóvel ou com uma Nikon D7000. A fotografia está presente em praticamente todos os aspectos que nos rodeiam, desde a publicidade até às redes sociais. Houve uma indústria poderosa que se desenvolveu em torno da fotografia e que levou a um consumismo a que já me referi aqui, com a particularidade perversa de fazer evoluir os produtos de maneira a simplificar a sua operação, garantindo ao adquirente a sensação ilusória de ser capaz de fotografias belíssimas sem qualquer esforço. Tal como qualquer novo pintor ou escritor, também o fotógrafo com pretensões artísticas tem de superar o embotamento e o cepticismo dos críticos para merecer o estatuto de artista.
Vejamos, antes de mais, o que se entende por arte. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora define-a como a «actividade de criação de coisas belas», o que é parcialmente certo (se assimilarmos arte e estética, o que é redutor), mas demasiado ambíguo e impreciso. Não basta que algo seja belo para que se possa considerar arte. Com efeito, a arte é algo mais que criar coisas belas: é também a intenção do artista, que através da sua criação procura transmitir uma mensagem, provocar emoções ou sensações ou desafiar a inteligência de quem percebe (percepciona) o objecto por ele criado. Torna-se difícil, perante estas proposições, encontrar fotógrafos e fotografias que preencham o conceito de arte. A maioria das fotografias com que nos deparamos no nosso quotidiano produz algo diferente: o impacto, uma sensação momentânea destinada a que o nosso cérebro produza determinadas associações.
Ora, para que possa ter um significado junto de quem a frui, a arte carece de produzir sensações duradouras, agindo sobre o intelecto do sujeito de uma maneira significativa; a criação carece de ter um sentido - ainda que meramente de fruição estética - para que seja artística. Penso que o último reduto, a fronteira entre arte e outras formas de comunicação, se encontra na intenção do criador e na forma como o sujeito percebe o objecto artístico. Por outras palavras, na relação trilateral que se estabelece entre sujeito, objecto e o criador deste último. Por vezes, porém, torna-se difícil estabelecer diferenças quando a arte se vulgariza e é usada com fins diversos da percepção intelectual a que aludi. A publicidade é um exemplo: o mesmo objecto pode ser percebido como uma criação artística ou como algo comezinho e meramente funcional. Uma fotografia de uma mulher semi-nua pode ser uma criação artística, se foi essa a intenção do fotógrafo e for assim que o sujeito que a observa a percebe, mas o mesmo não se poderá inferir se a mesma mulher surge num anúncio de roupa interior, porque aqui há uma funcionalidade que, se é certo que causa uma sensação junto do observador, é dirigida a um fim instrumental bem mais óbvio e de menor significado que a fruição de um objecto artístico - a criação de uma associação entre o prazer e um determinado objecto.
Por outro lado, para haver criação artística é também necessário o domínio da técnica - uma aptidão para transmitir ao sujeito o significado que o criador quis comunicar com a sua obra. A forma é importante na arte: no caso da fotografia, como em todas as outras formas de expressão artística, há quem entenda que as regras técnicas existem para ser transgredidas - mas, para que essa transgressão tenha conteúdo, é necessário que seja precedida pelo domínio das técnicas. Uma vez deram-me a ler uma brochura (hesito em chamar-lhe «livro») de uma jovem pretendente a escritora: abandonei a leitura quando me apercebi que a moçoila abusava da expressão «ter que», usando que como uma proposição. Uma pessoa que não domina a gramática não pode ser reputada como escritora. Por que não há-de o mesmo ser aplicável à fotografia? Uma fotografia em que o objecto surge no extremo da imagem só pode ser valorada enquanto criação artística se a esse enquadramento tiver presidido uma intenção. Caso contrário - e tal como acontece com a inobservância das regras gramaticais na literatura - estaremos perante uma mera exibição de ignorância de regras essenciais de composição e enquadramento. Pablo Picasso e Wassily Kandinsky transgrediram as regras da proporção e da harmonia, mas antes de o fazerem percorreram um caminho que os levou à aquisição de conhecimentos sólidos de pintura e ao domínio das suas técnicas tradicionais; só depois de adquiridos esses conhecimentos puderam ultrapassá-los e criar novas linguagens.
Temos, deste modo, que conteúdo e forma se unem e são incindíveis, enformando ambos o conceito de arte a ponto de esta não existir quando falha um daqueles. A técnica sem conteúdo é um vazio que nada significa para o sujeito; o conteúdo sem técnica indicia falta de conhecimento das regras da arte. Os fotógrafos que enunciei nos textos acerca das minhas referências caracterizam-se por serem artistas: as suas criações têm um significado intemporal e as impressões produzidas no sujeito que as observa são conduzidas ao intelecto através da técnica. Não tenho, perante tudo isto, quaisquer dúvidas em considerar que a fotografia é uma arte. A sua banalização não lhe rouba esse estatuto; pretender o contrário seria admitir que aquilo que Beethoven compôs não é arte porque existe o David Fonseca, ou que Eça de Queiroz não é um grande escritor por causa de Margarida Rebelo Pinto. As fotografias de Cartier-Bresson e Ansel Adams hão-de sobreviver àqueles patetinhas que vemos todos os dias segurando uma compacta na ponta dos dedos, com os bracinhos esticados e um sorriso lorpa na cara enquanto fotografam monumentos que já toda a gente viu.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A melhor hora para fotografar

Há algumas semanas atrás conversava com um amigo no jardim do Cálem, aqui no Porto, antes de irmos para o trabalho. Eram duas da tarde, o sol estava a pique e não havia uma nuvem no céu. «Esta é uma boa altura para fotografar...», sugeriu o R., conhecedor da minha predilecção por fotografia. Fiquei embaraçado: não queria ser demasiado abrupto na resposta. Expliquei-lhe que não era uma boa hora porque, estando o sol a pique, as sombras projectadas tornavam as fotografias desinteressantes - tal como o céu limpo, uma vez que as nuvens tornam o céu mais interessante. O que não lhe disse foi que a luz dessa hora impedia uma boa visibilidade do ecrã da minha câmara destituída de visor. (O VF-1 está arrumado numa gaveta; devo ter tirado quatro ou cinco fotografias com ele, não suporto tanta paralaxe!) Não quis que a conversa se tornasse demasiado técnica, porque ainda tenho sensibilidade suficiente para perceber quando a conversa corre o risco de se tornar maçadora. (Isto não se aplica aos meus blogues...)
O que lhe disse é verdade, mas tal não significa que, à semelhança de todas outras as regras, não comporte excepções. Pode acontecer que o objectivo seja precisamente o de fotografar céus muito azuis, como o que estava nessa tarde, mas a verdade é que há sempre um excesso de luminosidade que pode criar artefactos na imagem quando a luz incide directa ou obliquamente sobre a lente.
Outro problema do excesso de luminosidade é a dificuldade em obter uma exposição correcta. A tendência, quando se fotografa sob muita luz, é para a sobre-exposição. Os céus tendem a ficar brancos, ou podem surgir clarões brancos na imagem quando se fotografa contra o sol. A menos que se tenha um pára-sol - e eu não tenho -, é impossível evitar estes clarões (flares), que arruínam a fotografia por completo.
Vejam o que pode acontecer quando se fotografa contra a luz:
Eu devia ter vergonha de mostrar publicamente um falhanço destes, mas serve como ilustração do que pode acontecer quando se tenta fotografar com excesso de luz. Devo adicionar, em minha defesa, que tentei proteger a lente com a mão, e que o fotómetro anunciava 0.0, insinuando que era esta a exposição correcta.
Diria, deste modo, que, tal como para ir à praia, se deve evitar os horários em que o sol é mais agressivo, i. e. entre o meio-dia e as dezassete. Mas também são de evitar as horas que precedem este período e as que lhe sucedem, uma vez que o sol está oblíquo. Por duas razões: a primeira é, como referi, a dificuldade em atingir uma exposição correcta, bem como o risco implícito de surgirem aberrações luminosas como a que ilustrei. A outra é a sombra. As sombras oblíquas podem ter o seu encanto quando, por ex., se fotografa uma duna ou a própria sombra é pretendida como objecto da fotografia, mas criam zonas mistas de luz e sombra que em regra não resultam bem.
Restam-nos o amanhecer - que, para mim, é completamente impraticável: não posso levantar-me às seis da manhã por causa do trabalho - e o anoitecer. O anoitecer é, de longe, a melhor hora para fotografar. No Verão, a melhor altura é entre as 20h00 e as 21h30. É nessa altura que costumo tirar as minhas melhores fotografias: não há sombras indesejáveis, pelo que a distribuição da luz na imagem é homogénea; o sol, ao estar a pôr, dá ao céu uma cor fabulosa, e os objectos surgem com muito mais contraste, permitindo fotografar silhuetas escuras contra fundos (ainda) claros. E as cores não perdem vivacidade: pelo contrário, surgem menos duras e agressivas.
 Depois há a fotografia à noite, a qual, por já ter escrito sobre ela, me escuso a referir aqui. Se me perguntarem qual é a minha hora preferida, porém, direi, sem hesitar, que é o fim da tarde. Não é impossível fotografar a outras horas - quando faço fotografia de rua qualquer hora serve, até porque o uso do preto-e-branco resolve muitas dificuldades de exposição e elimina a necessidade de correcção das cores -, mas se há uma boa hora para fotografar, é o anoitecer.

sábado, 6 de agosto de 2011

As mentiras do marketing

O mercado da fotografia, tal como o de qualquer outro produto, vive da criação de necessidades, de maneira a manter a indústria em funcionamento e levar o consumidor a adquirir novos produtos, ainda que não necessite verdadeiramente deles. A indústria apresenta regularmente novidades porque precisa de vender - e vender cada vez mais -, muitas vezes induzindo os compradores em erro. Não há um modelo - salvo nas câmaras de nicho - que se mantenha no mercado mais do que um ou dois anos sem alterações, por mais insignificantes que estas sejam. Uma câmara torna-se obsoleta ao fim de dois anos, porque entretanto surgiu um modelo equivalente muito mais XPTO - embora as evoluções sejam muitas vezes ilusórias. Daí que haja quem se sinta tentado - e alguns fazem-no mesmo - a substituir os corpos, sem qualquer necessidade, por outros que, sendo essencialmente os mesmos, surgem acompanhados de argumentos publicitários irresistíveis.
O mais perverso destes argumentos é o número de pixéis. Muitos adquirentes de câmaras fotográficas não sabem sequer ao certo o que isso é, mas vão atrás da publicidade das marcas que anunciam valores astronómicos de pixéis, por vezes afixando-os rotundamente no corpo em autocolantes que anunciam 18MP, e por aí adiante.
Comecemos pela guerra dos pixéis. O número de pixéis determina a resolução do sensor, mas esta é apenas uma parte da história. Um sensor APS-C, ou mesmo um 4/3, de 12 megapixéis, tem melhor qualidade que o sensor de uma compacta de 18MP. Isto acontece, não pelo tamanho em si, mas porque a área do sensor determina a relação entre sinal e ruído (signal to noise ratio), e esta relação é tanto melhor quanto maior for a área do sensor. Daqui resulta que um número muito elevado de MP pode, na verdade, levar a uma deterioração da qualidade de imagem.
Acresce que o número de pixéis só é verdadeiramente importante aquando da impressão, já que a contagem dos pixéis determina a resolução da imagem e, consequentemente, a qualidade da fotografia impressa. E, ainda aqui, há que ter em atenção que a resolução depende, também, da taxa de compressão empregue pela câmara; de nada adianta ter muitos pixéis se a câmara estiver programada para uma baixa resolução e uma taxa de compressão elevada. 
Temos, deste modo, que o argumento do número de pixéis é enganador, apenas servindo para induzir os incautos em logro, mas a lista de bullshit do marketing está longe de se esgotar nos megapixéis. Depois há o ISO. E há outros, mas estes dois são os mais maléficos, porque conseguem convencer fotógrafos amadores dispostos a pagar muito dinheiro por uma câmara fotográfica.
Analisemos o ISO. Os génios do marketing conseguem convencer alguns consumidores que uma câmara é tanto melhor quanto maior for a sensibilidade ISO de que esta é capaz. Isto não passa de uma mentira pura e simples. Basta ver que câmaras semi-profissionais, como a Canon 1D Mk IV ou a Nikon D3x, produzem níveis de ruído consideráveis a partir de ISO 800 (se não acreditam, confirmem aqui). E, contudo, existem fabricantes que anunciam valores ISO da ordem dos 12800 para câmaras que sofrem de uma acentuada degradação da qualidade de imagem a partir de ISO 400! Não sei quantas vezes já o disse aqui, mas a sensibilidade ISO é para ser usada no menor valor possível. A despeito de haver circunstâncias que exigem que sejam empregues valores elevados, há um preço a pagar na quantidade de ruído aparente na imagem. Ostentar uma sensibilidade ISO muito elevada é, deste modo, semelhante ao velocímetro que marca 200 Km/h, embora o automóvel com ele equipado não atinja mais que 160 Km/h. E todos sabemos que o limite mais elevado de velocidade praticável é 120 Km/h...
Depois há os gadgets. Os ecrãs rotativos, por exemplo. Até há três ou quatro anos, só as camcorders os tinham; agora nenhuma câmara que se preze dispensa um ecrã articulado. Mesmo as DSLR, nas quais uma das principais virtudes é o visor óptico - que torna o ecrã praticamente inútil! E que dizer do vídeo? Também conseguiram convencer os compradores que as suas câmaras podem funcionar como câmaras de vídeo, daí que também apareçam autocolantes anunciando HDMI, 1080p, etc. no corpo de algumas câmaras, em especial das compactas. A minha experiência de audiófilo aconselhou-me a fugir de aparelhos multifuncionais, e esta é uma atitude sensata: há, aqui como na fotografia, algo a que poderia chamar princípio da especialização: mais vale um aparelho que cumpra bem apenas uma função do que outro que desempenhe várias tarefas, porque algumas destas são sempre sacrificadas. A qualidade do vídeo das câmaras fotográficas será sempre, por condicionalismos físicos e técnicos, inferior à de uma câmara de filmar. E os clips de vídeo filmados por uma câmara fotográfica são limitados na sua duração (da ordem dos sete minutos, após os quais a bateria esgota a sua capacidade). 
Aqui está mais um exemplo de publicidade enganosa, mas há mais: por exemplo, aqueles modos ditos «criativos» (fotografia nocturna, retrato, paisagem, macro, desportos, etc.) que aparecem nos selectores de modo de todas as câmaras. Aquilo não serve para nada. Quando tinha a compacta, nunca consegui tirar uma fotografia decente à noite usando o modo «fotografia nocturna», e nunca consegui um efeito de plano de fundo desfocado usando o modo «macro». O que estes modos fazem é instruir o fotómetro para usar valores de exposição pré-estabelecidos, que raramente ou nunca produzem bons resultados porque nunca há duas condições de luz idênticas. E, contudo, há gente para quem esses gadgets têm uma importância desmesurada, e os fabricantes incluem-nos, com o maior desplante, mesmo em câmaras sofisticadas.
A aquisição de uma câmara exige muita ponderação - especialmente nos dias que correm, quando o dinheiro é cada vez mais escasso e requer cada vez mais esforço para ser ganho. Uma boa máquina fotográfica é um produto caro demais para que o consumidor despenda dinheiro estupidamente, apenas porque o marketing o convenceu de que certas funções são imprescindíveis. O que importa, numa câmara, é a sua qualidade de imagem. É certo que factores como o ISO ou a resolução determinam essa qualidade, mas apenas de uma maneira relativa. Há muitos outros factores em consideração, e o fotógrafo, enquanto consumidor, não pode deixar de tomar decisões informadas quando escolhe o seu equipamento. Hoje em dia há sites que publicam testes comparativos com base em parâmetros essenciais à aferição da qualidade da imagem, como, entre outros, o dpreview. A aquisição de material de fotografia deve ser precedida por uma análise cuidada desses testes, de modo a avaliar a qualidade efectiva das imagens que esse material produz. Não há justificação para que se adquira uma câmara apenas porque tem não-sei-quantos milhões de pixéis, ou porque tem um ecrã articulado!

Corpos

Só agora, muito depois de ter escrito textos sobre lentes, senti o impulso de escrever sobre as máquinas fotográficas propriamente ditas, normalmente denominadas «corpos». (Uma câmara é o conjunto corpo-lente, quer ambos sejam independentes ou incorporados.) E só agora o faço porque, para o fotógrafo experiente, os corpos são a parte menos importante do conjunto que é a câmara. Com efeito - e admito que esta informação pode parecer estranha a muitos não-iniciados -, as lentes são mais duradouras e o fotógrafo tende a adquirir o seu material (corpos incluídos) em torno do conjunto de lentes que possui. Enquanto hoje em dia uma lente dos anos 70 ou 80 pode estar perfeitamente operacional, os corpos estão mais sujeitos ao desgaste e expostos a avarias - o que é ainda mais acentuado com as câmaras digitais.
As câmaras podem ser divididas em três grandes grupos: as compactas, as reflex ou DSLR e as compactas de lentes amovíveis. Fora desta divisão ficam as câmaras rangefinder, como as Leica da venerável série M, que se caracterizam por incorporar um visor óptico lateral: são demasiado grandes para poderem ser consideradas compactas e faltam-lhes as características ópticas e mecânicas das DSLR. Também extravasam destas categorias as câmaras de formato médio (Mamiya, Leaf, Hasselblad e a Pentax 645, por exemplo), uma vez que, embora funcionem segundo o mesmo sistema das DSLR, são câmaras destinadas a um uso estritamente profissional e não são transportáveis, atentas as suas dimensões verdadeiramente mastodônticas.
Canon Ixus, um clássico entre as compactas
As câmaras compactas são estranhas ao conceito de corpo, uma vez que este e a lente formam um conjunto inalterável. Logo aqui começam as suas limitações, uma vez que não há maneira de superar as deficiências de uma lente que, propondo-se fazer tudo, faz quase tudo mal. De resto, não tenho paciência para um tipo de câmara que pouco ou nada serve a criatividade do fotógrafo. Quando muito, dá jeito para andar no bolso, mas bem cedo este benefício se torna secundário perante a falta evidente de qualidade da imagem.
Exemplo de uma DSLR contemporânea. O rectângulo branco
no interior é o espelho, atrás do qual se encontra o sensor
As reflex, ou DSLR (Digital Single Lens Reflex), denominam-se assim por a luz que entra pela lente ser desviada, no corpo, por um espelho, que a orienta para um pentaprisma e daí para o visor óptico (ver esquema aqui). A captação da luz pelo sensor dá-se quando o espelho é levantado e o obturador aberto. Note-se que esta tecnologia não surgiu com a fotografia digital: ela foi criada em plena era analógica, sendo nessa época as câmaras construídas com esta tecnologia denominadas SLR (Single Lens Reflex). Um bom exemplo de uma câmara analógica reflex é a Olympus OM-1, cujas dimensões reduzidas constituíram uma autêntica revolução naqueles dias, influenciando decisivamente o design dos corpos.
Linda, não é?
As reflex são um excelente compromisso entre qualidade de imagem e transportabilidade. Os seus sensores permitem um bom desempenho em virtualmente todas as condições de luminosidade e são suficientemente sólidas para ser usadas em condições difíceis, como desportos ou aventura. De resto, a sua aceitação pública teve por consequência o fabrico e comercialização de um número quase infinito de lentes, pelo que é sempre possível encontrar no mercado a lente mais adequada para uma necessidade específica do fotógrafo. A despeito das suas inegáveis vantagens - a que acresce uma focagem bem mais rápida e precisa que a das câmaras compactas -, os modelos mais sofisticados são demasiado grandes e pesados para poderem ser considerados verdadeiramente práticos. Muitos fotógrafos sentiram necessidade de equipamentos mais compactos, embora com uma qualidade de imagem equivalente, e o Século XXI trouxe algumas evoluções importantes nesse sentido.
Em 2002, a Olympus e a Panasonic tentaram desenvolver uma tecnologia que permitisse o fabrico de lentes e câmaras de dimensões mais reduzidas que o padrão comum das DSLR; através de um sensor de dimensões ligeiramente menores que os APS-C e APS-H empregues pela Canon e Nikon, conseguiram conceber baionetas de menor diâmetro e, consequentemente, lentes mais pequenas. Este padrão, concebido como uma plataforma aberta (i. e. não patenteado) é o sistema Quatro Terços (por referência às dimensões do sensor). Ainda permanecia, porém, um obstáculo físico à concepção de câmaras e lentes verdadeiramente diminutas - o espelho e o pentaprisma. Com efeito, as câmaras do sistema 4/3 são verdadeiras DSLRs, que utilizam espelho, pentaprisma e focagem automática por detecção de fase. Esta dificuldade física foi removida empregando tecnologias de captação de luz e de focagem automática típicas das câmaras compactas em corpos que permitiam a montagem de lentes adquiridas em separado, com a vantagem de, dada a diminuição do diâmetro da baioneta, as lentes serem ainda mais compactas (embora o sensor seja das mesmas dimensões que os 4/3). Estava criado o sistema Micro Quatro Terços.
Olympus E-P1, a primeira câmara Micro 4/3 da Olympus
Em 2008, foi lançada a Panasonic GH1, a primeira câmara do sistema Micro 4/3; o corpo, porém, pouco diferia do de uma DSLR, pelo que as vantagens do novo sistema, que elimina o espelho e o pentaprisma captando a luz numa forma de exposição contínua (à semelhança das compactas), eram pouco evidentes. Os benefícios pretendidos com o Micro 4/3 - grande qualidade de imagem com um corpo e lentes de dimensões reduzidas - só foram plenamente alcançados depois do lançamento da Olympus Pen E-P1. As câmaras Micro 4/3, porém, possuem diversas desvantagens em relação às DSLR: o uso de sensores mais pequenos implica uma redução do desempenho em condições de pouca luminosidade e em fotografia nocturna, a oferta de lentes é ainda escassa, as câmaras não podem ser equipadas com visores ópticos de funcionamento semelhante aos das DSLR, pressupondo um modo de visualização permanente que obriga ao uso do ecrã para compor a imagem (ou, em alternativa, de um visor electrónico), a opção por corpos cada vez mais pequenos implica que tenham de ser adquiridos visores e flashes externos e, por fim, não existe um padrão universal, ou pelo menos dominante, que oriente a concepção e o desenvolvimento destas tecnologias, seguindo cada marca um caminho diferente. (A outra grande desvantagem - a lentidão da focagem automática, resultado do emprego da detecção de contraste em lugar da detecção de fase das DSLR - parece ter sido superada com o lançamento das câmaras Micro Quatro Terços mais recentes.)
Sony Alpha NEX-5, com sensor APS-C e dimensões grotescas
Para além do sistema Micro Quatro Terços, outras marcas lançaram corpos compactos com possibilidade de montagem de lentes adquiridas em separado: a Sony respondeu com as NEX, a Samsung com as NX e, mais recentemente, a Pentax lançou a Q. A diversidade de opções - que vão desde a montagem de um sensor APS-C nas Sony até ao sensor de câmara compacta da Pentax - tem obstado ao estabelecimento de uma tecnologia verdadeiramente universal, pelo que, ao tempo em que escrevo, se torna difícil prever se algum destes conceitos poderá singrar. Com efeito, cada marca parece seguir um caminho diferente das outras, pelo que só muito dificilmente surgirá daqui uma tecnologia capaz de superar a aceitação pública do reflex
O que parece certo é que nenhuma destas câmaras de objectivas amovíveis parece em condições de rivalizar com as reflex no que concerne à qualidade de imagem e versatilidade, e estas vão continuar a dominar o mercado enquanto não houver parâmetros tecnológicos adoptados universalmente, como os que permitiram o desenvolvimento da tecnologia reflex há mais de quarenta anos. Os CEO da Canon e da Nikon podem dormir descansados...

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Cropping

O cropping, ou recorte, é uma das ferramentas mais importantes da fotografia digital. Usa-se para recortar uma porção da imagem, criando uma nova fotografia a partir da original. São infinitas as possibilidades desta ferramenta: com ela consegue-se eliminar objectos indesejados que aparecem na fotografia, obter proporções ou relações de aspecto diferentes da fotografia que serviu de matriz, ampliar um pormenor desta última ou, simplesmente, modificar o enquadramento de modo a que os objectos surjam posicionados de uma maneira diferente (remeto, aqui, para o texto acerca da composição e enquadramento).
Tomemos o exemplo desta fotografia que, por não ser satisfatória, perdeu todo o meu interesse: apesar da sua singeleza, da ausência de aspectos interessantes e da falta de contraste da imagem (algo que pode ser melhorado na pós-produção), não deixa de ser possível realizar imagens interessantes a partir dela. Pode, desde logo, usar-se o recorte para remover o cabo eléctrico que, por ser paralelo à margem vertical esquerda, me passou despercebido quando recolhi a imagem:
A mera eliminação do cabo já torna a fotografia um pouco melhor, mas subsistem alguns problemas: a composição não é muito conseguida, uma vez que a imagem mais proeminente - a casa à esquerda com a sua clarabóia -, além de não ser interessante, desvia o olhar de onde ele deveria concentrar-se: a Sé Catedral. Por outro lado, o céu ocupa demasiado espaço sem que seja particularmente interessante. Pode usar-se o recorte para que o interesse da imagem seja concentrado no objecto que se quis pôr em evidência:
O recorte permite também modificar a relação de aspecto. Esta relação consiste na proporção da imagem: apesar de geralmente a fotografia ser apresentada sob a forma de um rectângulo horizontal, este rectângulo pode ser seleccionado, na própria câmara, para diferentes relações. Estas podem ser de 3:2 - que é a usada por defeito nas câmaras DSLR ou reflex -, 4:3 (utilizado por defeito nas compactas, com ou sem lentes amovíveis), 16:9 - formato panorâmico - ou 6:6, caso em que já não estaremos diante de um rectângulo, mas de um quadrado. Este último é o formato empregue por algumas das melhores e mais caras câmaras  do mundo - as câmaras ditas de formato médio, como as Hasselblad ou as Mamyia. Simplesmente, nada obriga a usar qualquer dos formatos descritos: o cropping permite usar formatos diversos e originais, subtraindo áreas distractivas ou de reduzido interesse da imagem, como nos exemplos que se seguem:
Por fim, a fotografia pode não ser horizontal; é possível usar planos verticais. Embora estes surjam, por regra, apenas em retratos, nada impede que sejam utilizados noutros estilos de fotografia com bons resultados:
Como se vê, o cropping oferece inúmeras possibilidades. As imagens acima são apenas alguns exemplos. Há, contudo, que tomar uma precaução: como a área da fotografia que serviu de matriz tem determinadas características em termos de resolução, as imagens obtidas a partir dela vão manter a mesma contagem de pixéis, mas ampliados. O que pode levar à pixelização da imagem, com o surgimento de um efeito serrilhado que é esteticamente desagradável e destrói a qualidade da fotografia. Devem usar-se, como matriz, imagens com a mais alta resolução possível para que este efeito não seja notório, sobretudo em ampliações.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Intenção

O zénite do tédio...!
Fotografar apenas pelo gosto de fotografar não resulta. Fotografar por desfastio torna-se fastidioso e cansativo. Hoje aconteceu-me: como tinha o dia livre (estou de férias), peguei no saco e fui fotografar. Fiz-me à estrada sem nenhum programa estabelecido, parei num local que me pareceu interessante e tirei algumas fotografias. Nenhuma me satisfez. Apenas uma ou duas saíram aceitáveis.
Aceitável, nada mais...
Em contrapartida, no Domingo fui a Amarante com um propósito bem definido: queria fotografar a ponte e o mosteiro de S. Gonçalo à noite, com a iluminação artificial e os reflexos no Tâmega. Ter visto fotografias que Joel Santos tirou do mesmo local espevitou-me a vontade de fotografar aquele lugar, que considero um dos mais interessantes do nosso país - pelo menos dos que conheço -, pelo que resolvi criar a minha própria versão fotográfica daquele local.
Os resultados foram plenamente satisfatórios. As fotografias que tirei saíram exactamente como queria. Tinha planeado a viagem antecipadamente e estava preparado para ficar em Amarante até à noite; como conheço razoavelmente bem o local, não demorei muito a encontrar o melhor lugar para montar o tripé (ou pelo menos o melhor possível, porque a distância focal equivalente de 34 mm, a mínima que posso usar, obrigou a planos mais aproximados do que aqueles que queria); fiz diversas experiências com o enquadramento e a composição antes de me decidir pelo melhor local e, quando as luzes municipais finalmente acenderam, estava pronto para fotografar. Não houve grande lugar à improvisação. Experimentei a melhor abertura, a melhor velocidade de disparo, o melhor compromisso com o ISO e o equilíbrio de brancos mais apropriado.
O resultado de um bom planeamento
Quando se quer fotografar a um determinado nível criativo, tem de haver sempre uma intenção. Fotografar ao acaso não leva a lado nenhum, a não ser à desmotivação, ao cansaço e à frustração. Mesmo no estilo mais espontâneo - a fotografia de rua -, o fotógrafo deve estar preparado: deve estar bem atento a tudo o que está a acontecer à sua volta, de maneira a tomar decisões em fracções de segundo. Aquilo que parece improvisado não o é verdadeiramente: implica um trabalho de preparação psicológica que não é despiciendo e um planeamento devidamente antecipado. Para tirar fotografia de rua escolho lugares que conheço e onde sei que há sempre muita gente e cenas interessantes à espera de ser colhidas pela minha câmara. Há, deste modo, uma preparação a anteceder cada fotografia - e em todos os estilos, não apenas nas cenas de rua. Só assim se obtêm resultados satisfatórios. É necessário, numa palavra, saber o que se vai fotografar. Onde, como (a cores? A preto-e-branco? Com que lente?) e quando (de manhã muito cedo? Ao anoitecer?). E, sobretudo, porquê. (Gosto deste tipo de fotografia? Tenho algo a dizer aos que a vão ver?) Ter temas previamente definidos simplifica o trabalho de preparação.
Para além destes, há outros aspectos a ter em conta: se o céu está nublado ou limpo, por exemplo. As câmaras digitais têm extrema dificuldade em recolher imagens de céus encobertos mas com bastante luz, sendo o resultado um céu branco, pelo que esses dias são de evitar.
Estes são os elementos fundamentais da preparação de uma sessão fotográfica. Nada disto significa, porém, que o fotógrafo se deva tornar um obcecado que só tira fotografias depois de consultar a meteorologia, que tenha assinalado no calendário os dias em que quer fotografar ou saiba a posição do sol no céu para os próximos seis meses. Demasiada preparação pode tornar-se castradora por retirar o elemento de prazer da fotografia, substituindo-o por uma rotina que mais tarde ou mais cedo se tornará estéril. (A menos, claro, que se seja um profissional!)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Um ano de fotografia

Foi há um ano que comecei a fotografar. No dia 31 de Julho de 2010 fui a uma grande superfície e comprei uma câmara compacta, a Canon Power Shot A3150is, que hoje, e desde Maio deste ano, está nas mãos do meu sobrinho-do-meio. Antes desta data, as minhas experiências fotográficas limitaram-se a umas fotografias tiradas, ainda adolescente, com aquilo que era, no entender da Agfa, uma câmara portátil - um aparelho retráctil, de plástico, que avariou ao fim de poucas semanas e me levou a acreditar que nunca poderia tornar-me num fotógrafo - e a uma série de fotografias tiradas, já em 2006, com uma Canon Ixus emprestada por uma amiga. Os elogios que recebi por estas fotografias, tiradas durante um daqueles passeios pelo Porto com o excelente Júlio Couto como cicerone, fizeram-me perceber que os meus receios de nunca vir a tirar boas fotografias eram, afinal, infundados - mas a aquisição de uma câmara teve de esperar pela melhoria da situação patrimonial, que só se verificou quatro anos mais tarde.
Entretanto conheci Fernando Aroso, como já relatei aqui. Ter conhecido este grande fotógrafo despertou-me a vontade de fotografar e tornou a aquisição de uma máquina fotográfica numa prioridade. Comprei a minha primeira câmara mais ou menos a sério dois meses mais tarde.
 Podia dizer que as minhas primeiras fotografias foram um desastre, mas não foram. Pelo contrário, descobri que, através da fotografia, podia dar rédea solta ao meu sentido estético. Embora ainda hoje não possa ser considerado muito original nos temas que escolho e nos enquadramentos que uso, não demorei muito a tirar fotografias de qualidade aceitável. Foi como se tivesse descoberto uma vocação de que não suspeitava.
 Não demorei muito, porém, a compreender que a própria câmara era uma limitação. A despeito de não ter quaisquer conhecimentos técnicos de fotografia, o produto final nem sempre era do meu agrado. Mesmo quando me sentia satisfeito com a estética, a composição e o enquadramento das fotografias que ia fazendo, havia sempre motivos de frustração que não tardei a descobrir serem atribuíveis à câmara. Antes de mais, os níveis horrendos de ruído, como pode ser verificado nesta fotografia (que já foi tratada com a redução de ruído do Olympus Viewer 2!):
O outro problema era a distorção da imagem quando usava distâncias focais curtas. Nestas distâncias, típicas das grande-angulares, as linhas verticais surgem sempre diagonalizadas, mas a Canon tornava-as curvas. Esta distorção tornou-se-me de tal maneira intolerável que senti necessidade de mudar para uma câmara melhor logo dois meses após a aquisição. Compreendam-me, pois, por alinhar entre os que entendem que o equipamento é fundamental.
Outras limitações da Canon eram a sua baixa resolução - mesmo na qualidade máxima -, um zoom muito deficiente que prejudicava a focagem nas distâncias focais mais elevadas, um nível de aberrações cromáticas que ia muito para além do tolerável e a completa impossibilidade de regular a exposição como queria. Apesar de ter uma posição P, com a qual comecei a fotografar logo no segundo dia, apenas tinha acesso à regulação da compensação da exposição, ao equilíbrio dos brancos e ao ISO (que bem podia não existir: era inútil - mesmo com o ISO mais baixo as fotos eram inconcebivelmente ruidosas).
Decidi concentrar-me em aspectos como o enquadramento, a composição e, sobretudo, o conteúdo da fotografia. Já que era impossível tirar fotografias tecnicamente boas, procurei que ao menos fossem interessantes. Não sei se consegui - mas serviu para treinar os aspectos estéticos da fotografia enquanto não conseguia adquirir uma câmara decente.
Apesar de todas as limitações, ter uma câmara, ainda que modesta, abriu-me as portas para o enorme prazer de fotografar. É um hobby, claro, e nunca será mais que isso. Não conto tornar-me num fotógrafo profissional. Mas é um hobby enriquecedor e recompensador como poucos.
Como um pescador que sonha com canas de fibra de carbono e carretos Mitchell, ou um audiófilo que aspira a ter um amplificador Conrad-Johnson, também eu despendi dias da minha vida a imaginar o que poderia fazer se tivesse uma câmara melhor. Em Setembro do ano passado dei por mim a considerar as hipóteses que tinha: deveria comprar uma reflex? Mas porquê, se aquelas câmaras são tão feias e desajeitadas? O que eu queria mesmo era uma rangefinder, como a Minolta S7 do meu pai - mas naquela altura, antes de a FujiFilm X100 aparecer, só as Leicas correspondiam ao meu arquétipo de câmara. Um arquétipo bem caro, diga-se: €5.000,00 só pelo corpo! Felizmente, havia uma câmara que me satisfazia esteticamente e tinha, ao que se dizia na Internet, uma qualidade de imagem mais que aceitável. Era a Olympus E-P1, a primeira PEN digital. Comprei-a, finalmente - quando já havia sido descontinuada - em Abril deste ano. Se a Canon me abriu as portas para o prazer da fotografia, a Olympus derrubou os limites técnicos e permitiu-me avançar como fotógrafo. Ainda não me considero um bom fotógrafo, mas tenho a certeza de que estou no bom caminho.
Amarante, 31 de Julho de 2011
Isto é o que a Olympus me permite fazer. Tirar uma boa fotografia nestas condições de luz com uma compacta é absolutamente impensável. Se analisar friamente esta fotografia da ponte e da igreja de S. Gonçalo de Amarante, porém (e eu sou o maior e mais severo crítico das minhas próprias fotografias), concluo que tem demasiado ruído e que as cores não são inteiramente convincentes. O que está aqui é o que a câmara tirou, sem qualquer tipo de manipulação. Sei que ainda tenho margem para melhorar - mas sei também que estou a seguir na direcção certa.
Não sei até onde posso levar este meu hobby. É bem possível que o trabalho se venha a sobrepor ao tempo disponível para fotografar, ou que, por qualquer motivo, perca o interesse pela fotografia. Mas, enquanto nenhum destes eventos acontece, vou-me divertindo e aprendendo. E dou uns passeios...!