quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Descontinuado

Este blog atingiu o limite de carregamento de imagens, tornando impossível a sua continuidade. Os textos escritos a partir de 12 de Agosto, bem como os deste blogue, podem ser lidos no novo blog que criei nessa data, denominado Número f.
Obrigado pela compreensão. Espero que não deixem de visitar o novo blog - que é, para todos os efeitos, a continuação deste -, e que os textos até agora publicados no ISO 100 continuem a merecer o interesse dos muitos leitores que o visitaram.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Alerta de publicação

Enquanto o ISO 100 vai definhando, à míngua de imagens e textos, o Número f vai porfiando, já com números de visitantes bastante simpáticos. Os meus dois últimos textos são sobre um tema que bem gostaria de ter abordado aqui, mas a minha insistência em ilustrar os textos com imagens leva a que tenha de os escrever no WordPress. Os textos abordam as vantagens e desvantagens da fotografia analógica em relação à digital e podem ser lidos seguindo estas hiperligações:


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O ISO 100 não acabou

Tal como informei, o ISO 100 vai continuar. Simplesmente, paralelamente a ele vou manter um outro blog, o Número f, porque atingi o limite de publicação de imagens aqui no Blogger. Tentei criar um blog novo aqui neste espaço, mas o limite vale para o Blogger, e não apenas para um blog, pelo que resolvi transferir-me para o Wordpress. Ainda não aprendi todas as funcionalidades deste último, e o interface parece-me bem mais antipático e complicado, mas não quis deixar de escrever sobre fotografia de um ponto de vista estritamente amador, com o espírito humilde de partilha dos conhecimentos que vou adquirindo - e não o de escrever do alto de uma cátedra, o que de resto não me seria legítimo. Blogs e sites doutrinais já há muitos, mas acredito - sei - que estou a preencher um espaço ainda muito pouco explorado, e que recebi alguma simpatia pelo que vou escrevendo.
Por tudo isto - e aproveitando para agradecer de novo a todos os leitores que me têm seguido -, espero que o Número f seja visitado e lido como o foi o ISO 100 até agora. Não queria ficar com a sensação de que estou a começar tudo de novo, pelo que me parece importante manter o ISO 100 activo, sendo o Número f a continuação do primeiro. Não deixem de visitar o blog novo, pois ainda há muitas temáticas importantes a abordar neste hobby fantástico que é a fotografia.

domingo, 12 de agosto de 2012

Número f

O ISO 100 esgotou o limite de publicação de imagens. Não sabia, mas tinha uma quota de 1 GB de imagens a publicar, que chegou hoje ao fim. Substituir as imagens de maior resolução por outras era um trabalho para o qual não teria tempo, pelo que decidi criar um blog novo para que seja a continuação do ISO 100. Porque respeito os leitores e seguidores do ISO 100 (que atingiu esta semana 300 mensagens e 20 000 visualizações), e para não privar ninguém de ler os artigos que escrevi aqui - e eu posso dizer, sem falsa modéstia, que muitas pessoas consideram os meus textos úteis e interessantes -, vou manter o ISO 100 no ciberespaço. O Número f será a continuação do ISO 100, e é assim que quero que os leitores e seguidores o vejam. Tenho pena de não ser possível continuar o ISO 100 na forma actual, mas seria impensável escrever textos sobre fotografia sem que fossem acompanhados por ilustrações e, como referi, é praticamente impossível substituir as centenas de imagens que publiquei por outras de baixa resolução (o que seria um mero paliativo que apenas adiaria esta minha decisão por algum tempo).
O ISO 100 vai passar a ter textos estranhos: ligações para o que publicar no Número f. Espero não perder os meus leitores e seguidores, os quais convido a transferirem-se para o novo blog. E espero, evidentemente, que os leitores continuem comigo e sigam o Número f com o mesmo interesse com que seguiram o ISO 100. O Número f será em tudo igual ao ISO 100 - um blogue de um principiante da fotografia para outros principiantes. Não haverá alterações nas suas temáticas, sobretudo por respeito a quem acompanhou este blog. Também não é, como já disse, o adeus ao ISO 100: é uma sucessão, ou uma transição, que espero seja o mais suave possível.
Até já. Vemo-nos no Número f.

Completamente fora do tópico

Anton Bruckner
Como Jorge Sampaio poderia ter dito, há vida para além da fotografia. Claro que este é um blogue sobre fotografia, mas tal não me impede de escrever sobre assuntos fora deste tópico, porque tenho vários outros interesses na minha vida.
Um deles é a música. Ainda na Sexta-feira publiquei aqui um texto acerca de um vídeo musical - que, apesar de tudo, tem uma conexão estreita com a fotografia -, mas os meus interesses musicais transcendem as fronteiras da música popular (à falta de um adjectivo mais específico), seja ela pós-rock, pop, electrónica ou alternativa. Há o Jazz, também - sou um consumidor ávido de Thelonious Monk, John Coltrane, Sonny Rollins, Miles Davis, Wynton Kelly e outros gigantes do bebop -, mas a forma musical suprema é a clássica. «Clássica» é um adjectivo impróprio, porque é usado para definir uma época específica da música em que pontificaram compositores como Haydn e Mozart, mas é de longe preferível a «música erudita», que lhe confere um carácter exclusivista e, digamos, um pouco pedante. Dentro da música clássica há um compositor que venero acima de todos: o austríaco Josef Anton Bruckner Jr., ou, singelamente, Anton Bruckner. Ao escrever isto, sei que os idólatras de Beethoven se vão sentir escandalizados, mas este é o meu gosto. Beethoven é, evidentemente, o compositor mais importante de sempre, e o mais prolífico: apenas deixou por compor um concerto para violoncelo; mas a música de Beethoven é fortemente limitada pelo facto de não ter dominado a técnica da fuga, pelo que muitas das suas composições são variações sobre uma ou duas frases musicais, parecendo nunca abrir completamente as asas e voar rumo ao infinito, pairando permanentemente em círculos (embora, evidentemente, a uma altitude que muito poucos atingiram). Se acham que estou a ser ultrajante, ignorante ou desrespeitoso, ouçam o primeiro andamento da 2.ª Sonata para violoncelo - recomendo, em particular, a execução de Sviatoslav Richter e Mstislav Rostropovitch - e verão que isto é verdade. De resto, a 7.ª de Beethoven - em especial o Allegretto - é das minhas composições favoritas desde há muito tempo.
Em contrapartida, Anton Bruckner distinguiu-se como organista; a sua reputação era de tal ordem que, quando ele e César Franck se encontraram em Paris, este insistiu em beijar as mãos daquele que reputava ser um organista divino. As peças para órgão baseiam-se largamente na técnica da fuga, e Bruckner inspirou-se nas composições para este instrumento para escrever as suas sinfonias. E é também, como recentemente me confirmou o Sr. Carlos, baixo no Coro da Sé, o mestre da polifonia. A questão que Bruckner levanta, e o impede de ser considerado tão influente como um Beethoven, é a de ter escrito relativamente poucas composições: além das nove sinfonias - não por acaso tantas como as de Beethoven, que de resto Bruckner venerava -, escreveu o Te Deum, missas, motetes e um quarteto e um quinteto para cordas. E pouco mais, pelo menos do que está documentado.
Para a relativa impopularidade de Bruckner contribuíram também vários outros factores. Antes de mais, a sua personalidade. Bruckner era aquilo a que poderíamos chamar, sem insulto, um labrego - embora um labrego cheio de génio -, o que não o ajudou a conquistar fama numa Viena elegante, sofisticada e cosmopolita. (Bruckner nasceu em Ansfelden, no norte da Áustria, em 4 de Setembro de 1824, mas viveu em Viena durante a sua fase mais prolífica e até ao fim da sua vida.) E era um católico devoto e um celibatário, um homem de gostos simples e vida espartana - a sua forma de vestir despertava o sarcasmo dos vienenses -, o que o tornava deveras impopular. Sofreu, ao longo da maior parte da sua carreira, os escárnios de uma comunidade musical conservadora e refractária à evolução, que idolatrava Brahms e tinha como maior influência o crítico Eduard Hanslick. E a música de Bruckner, que na sua fase mais tardia e mais prolífica, em que avultam as nove sinfonias, recebeu a influência da obra de Richard Wagner, era demasiado incompreensível para a comunidade musical vienense. Bruckner podia ser um rústico, mas a sua música, salvo alguns apontamentos nos scherzi das suas sinfonias, era tudo menos rústica. 
É preciso ter em mente que, nessa segunda metade do Século XIX, havia uma divisão profunda entre os amantes da tradição romântico-clássica, nascida com Beethoven e personificada por Johannes Brahms, e os seguidores da inovação do romântico tardio iniciada por Richard Wagner. Esta rivalidade, e o domínio destes dois compositores - que reduziam todos os outros a irrelevâncias -, levou a uma divisão profunda. Optar pelo lado de Wagner, como o fez Anton Bruckner, era anátema nessa sociedade conservadora e de mentes estreitas que era a de Viena, cidade onde estava o coração das artes no Século XIX.
Eugen Jochum
De toda a obra sinfónica de Anton Bruckner, há sinfonias que ganham mais relevo que as outras. Eu tenho, para além de uma gravação da 9.ª Sinfonia por Harnoncourt com a Filarmónica de Viena (v. adiante), uma caixa de CDs com a integral das sinfonias de Bruckner, incluindo a Sinfonia «Zero» (Nullte), que Bruckner compôs mas rejeitou por a entender de qualidade insuficiente. À excepção da Nullte, as nove sinfonias dessa caixa de CDs são interpretadas pela Staatskapelle Dresden sob a direcção do magnífico Eugen Jochum.  Não houve nenhum andamento das nove sinfonias que eu não tivesse escutado com atenção - mas não atribuo o mesmo valor a todas. A 2.ª, 3.ª, 5.ª, 7.ª, 8.ª e 9.ª são, de longe, as mais relevantes e importantes, e é nas três últimas que o génio de Anton Bruckner atinge toda a sua majestade. A 7.ª começa com uma das melodias mais belas que alguma vez foi composta, com o tema musical mais longo que Bruckner escreveu seguido de uma longa fuga (os andamentos das suas sinfonias duram entre quinze e vinte e oito minutos, conforme o maestro e a sua interpretação), fuga que culmina num tema inspirado na música sacra que é um dos momentos mais sublimes da música bruckneriana. O Adagio da 7.ª é um dos andamentos mais majestosos jamais compostos, e a interpretação de Eugen Jochum é, possivelmente, das melhores que foram gravadas, juntamente com a de Wilhelm Furtwängler. A 8.ª sinfonia é ainda melhor - o Scherzo e o Finale da 7.ª desequilibram um pouco a grandeza obtida com o Allegro Moderato e o Adagio -,  sendo o Finale uma das composições mais poderosas e telúricas existentes - em particular o Gran Finale, em Dó Maior, que é de uma grandeza e poder incomparáveis.
Depois há a 9.ª, a sinfonia incompleta que Anton Bruckner não teve tempo de acabar - em parte pela sua preocupação obsessiva em rever as sinfonias anteriores. O primeiro andamento é uma peça que imagino ter sido um choque para a Viena brahmsiana e para Eduard Hanslick: prefigura as composições de Gustav Mahler e Richard Strauss. O Scherzo é também estranho, algo nunca ouvido até então, uma composição de uma energia e força sem quaisquer pontos de comparação. À medida que Bruckner ia avançando na idade, as suas composições tornavam-se mais fortes e telúricas, ancoradas à terra por percussões e contrabaixos enérgicos e com uma abundância de metais que lhes conferiam uma força enorme - e, em simultâneo, uma grandeza e elevação que são o produto de uma mente devota, impregnada de elevação divina e de temor a Deus. Mesmo um agnóstico como eu se vê compelido a reconhecer, nas sinfonias de Bruckner - mas também no Te Deum e nas missas, obviamente -, esta inspiração, este desejo incansável de glorificar Deus.
Esta última característica da produção sinfónica de Anton Bruckner é especialmente audível no Adagio da 9.ª Sinfonia. A Nona foi por Bruckner dedicada a Deus Todo-Poderoso, e o último andamento é a expressão dos sentimentos de Anton Bruckner diante da morte e da eternidade. Não tenho dúvidas - a despeito de não ser um religioso - em considerar que o Adagio da 9.ª Sinfonia de Bruckner é o momento maior da música sinfónica. O clímax deste andamento (aos 22m40s deste vídeo), que é antecedido por uma progressão ascendente que evoca a ascensão ao Paraíso, é um dos pontos mais altos, não da música clássica, mas de toda a cultura europeia, considerada no seu conjunto e em toda a sua história. É difícil descrever o que nos percorre quando se escuta todo aquele poder, aquela força tremenda, aquela beleza que nos deixa esmagados e comovidos. Nada, na música dita clássica, se compara a este clímax; diante dele, o Finale da 9.ª de Beethoven assume um carácter ligeiro, fácil e inexpressivo. Não me interpretem mal: a 9.ª de Beethoven deve orgulhar qualquer um por poder dizer que pertence à mesma espécie (a humana) que Ludwig van Beethoven - mas é aquela peça que estamos fartos de ouvir, interpretada por criancinhas com os seus pífaros desafinados e assassinada por qualquer agrupamento musical com pretensões eruditas. E é o hino da União Europeia, essa instituição cada vez mais odiosa. Uma verdadeira overdose que impede a minha apreciação plena. O Adagio da 9.ª de Bruckner, em contrapartida, é a obra-prima não reconhecida, condenada a ser conhecida e apreciada apenas por um núcleo mais ou menos restrito de pessoas com conhecimentos que vão para além das produções discográficas mais extensamente divulgadas.
As interpretações da 9.ª Sinfonia tendem a ser muito distintas em carácter; sendo uma sinfonia inacabada, foi editada por vários discípulos e estudiosos, existindo as edições de Ferdinand Löwe, Orel, Nowak e Benjamin Cohrs. E cada maestro parece ter os seus pontos de vista quanto ao ritmo - ou, se quisermos, a velocidade das interpretações. Hans Knappertsbusch segue a edição Löwe, considerada demasiado literal e pouco fiel às intenções de Bruckner; Eugen Jochum, brilhante em tudo o mais, tem interpretações algo inexpressivas do Scherzo e do Adagio da 9.ª Recomendo-o, contudo, para todas as outras sinfonias, em especial a 7.ª e a 8.ª Quanto à 9.ª, as melhores interpretações que conheço - e não conheço todas - são as de Günter Wand, Georg Tintner (um dia o mundo há-de prestar a devida homenagem a este grande maestro que, sendo judeu, foi um dos que melhor soube transmitir a religiosidade das sinfonias de Bruckner) e, sobretudo, Nikolaus Harnoncourt. Esta (editada pela RCA em CD e SACD e tocada pela Filarmónica de Viena) é uma interpretação moderna e poderosa que recomendo vivamente.
Por fim, não deixem de ler a biografia que Werner Wolff escreveu em 1942, com o título Anton Bruckner, Rustic Genius (que pode ser descarregada aqui). É um texto muito interessante que ajuda a compreender a obra de Bruckner enquanto emanação da pessoa de nome Josef Anton Bruckner Jr.      

sábado, 11 de agosto de 2012

Mortos, quentes e encravados

Mais um título enigmático. O que quero referir hoje é o facto de, por vezes, poderem surgir pontos luminosos na imagem - pontos brancos ou coloridos, que são vermelhos, azuis ou verdes neste último caso (os vermelhos são os mais conspícuos). Já certamente aconteceu a muitos fotógrafos, especialmente em fotografias com exposições longas - em particular de cenas nocturnas -, abrir a imagem no programa de edição e reparar que aquela está completamente coberta por pequenos pontos brancos ou coloridos.
Estes pontos são pixéis que não fizeram aquilo que lhes era pedido - captar a luz correctamente -, e devem-se exclusivamente a problemas do sensor. O fotógrafo escusa de mandar limpá-lo, porque não são grãos de poeira; tão-pouco é pó acumulado sobre o vidro da lente, e certamente não são partículas suspensas na atmosfera (como estupidamente cheguei a especular). Também não se deve culpar o programa de edição de imagem, porque este não é o responsável pelo problema. O que acontece é que o sensor é constituído por vários milhões de células electrónicas de tamanho microscópico que, por meio de descargas eléctricas, se tornam sensíveis à luz e a captam. Algumas destas células deixam, por qualquer motivo, de funcionar, ou pelo menos de o fazer correctamente. Como as células estão dispostas num arranjo dito filtro Bayer, captando as cores primárias verde, vermelho e azul (RGB) (*), alguns pixéis surgem na imagem com a cor primária que lhes cabia captar, em lugar da cor real do objecto. São os pixéis encravados, ou fixos, conforme queiramos traduzir o adjectivo stuck.
Os pixéis mortos são provocados por fotossensores que deixaram de funcionar e manifestam-se como pontos negros na imagem. Isto é algo que acontece naturalmente com o desgaste do material, mas também é certo que muitos dos fotossensores deixam de funcionar logo após o fabrico do sensor, sendo montados no corpo da câmara assim mesmo. Muitos escapam ao controlo de qualidade, já que a sua dimensão microscópica faz com que passem despercebidos.
Clique para ampliar
Depois há aqueles que, numa má tradução literal de hot, denominei pixéis «quentes». Estes são o resultado do aquecimento do sensor durante exposições longas - daí o nome - e manifestam-se como pontos brancos que invadem a imagem e são particularmente visíveis nas áreas de sombras (v. a imagem imediatamente acima, que é um crop da fotografia do topo).
Sejam quais forem os pixéis defeituosos, estes arruínam por completo o prazer de ter feito as fotografias por eles afectadas. As manchas geradas podem ser removidas na pós-produção, mas o seu número elevado leva a que esta seja uma tarefa fastidiosa. A solução para evitar o aparecimento de pontos brilhantes e de pixéis mortos é o mapeamento de pixéis. Esta tarefa implica a entrega da câmara a um técnico, o que pode significar ficar sem fotografar durante algum tempo, mas algumas marcas permitem que o mapeamento seja feito pelo utilizador através de uma função incorporada nos menus. Alguns modelos fazem este mapeamento automaticamente. No meu caso particular, o mapeamento deve ser feito uma vez por ano. Quando se mapeia o sensor, o problema dos pixéis mortos e fixos é resolvido através de algoritmos pelos quais os pixéis que circundam os defeituosos interpolam o espaço ocupado pelos pixéis defeituosos.
O problema dos pixéis quentes resolve-se accionando a redução do ruído da câmara. Apesar de esta ser uma prática que os fabricantes de software de processamento da imagem desaconselham, a sua acção pode ser a única forma de contrariar os efeitos destes pixéis que se manifestam em exposições longas. A redução do ruído produz uma imagem dupla que é sobreposta à imagem colhida pelo sensor - o que efectivamente dobra o tempo de exposição - e mascara, quer o ruído propriamente dito, quer os pixéis defeituosos. A redução do ruído na câmara interfere negativamente com a do programa de edição, uma vez que contribui para o esbatimento dos pormenores afectados pelo ruído, mas penso que esta questão pode ser contornada através de um uso judicioso da redução do ruído na pós-produção. É que esta última pode ser ineficaz no tratamento dos pixéis defeituosos, já que este problema não é, tecnicamente, similar ao ruído, pelo que o software pode não o corrigir.
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(*) Nem todos os sensores usam o filtro Bayer. Os sensores Foveon usam uma disposição diferente, com três filtros de cor sobrepostos (correspondendo a cada uma das cores primárias), em lugar de combinar os captores das cores primárias num único filtro. Contudo, a esmagadora maioria dos sensores usa o sistema Bayer - que, é importante referir, nada tem que ver com a Aspirina.  

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Prepara o teu caixão

Capa da edição em vinil de Beacons of Ancestorship
O título é macabro, eu sei - mas pelo menos não é ordinário nem insultuoso como os de uma certa revista de fotografia online portuguesa que eu conheço. Este título é a tradução literal do de um tema musical de uma das minhas bandas preferidas: os Tortoise.
Prepare Your Coffin é um tema absolutamente sublime. Os Tortoise, banda cujo mentor é John McEntire, dedicam-se a um tipo de música denominado pós-rock. Não gosto de rótulos, e este, em particular, parece prenunciar a morte do rock - o que ainda não aconteceu nem acontecerá tão cedo - e a sua sucessão, mas o que se entende por pós-rock é muito simples - música de carácter experimental, inserida no estilo do que faziam os Kraftwerk, mas tocada com instrumentos orgânicos - guitarras, bateria, baixo. As suas raízes estão naquilo a que chamavam o Krautrock, estilo fortemente influenciado pelos Kraftwerk e tocado por bandas como os Neu! e os Can. Os Tortoise retomaram onde estes grupos pararam, tendo-se constituído como uma banda influente e respeitada. Apesar de o último álbum, Beacons of Ancestorship (que inclui este Prepare Your Coffin) ter muito mais electrónicas que os anteriores - eu tenho, além deste, o Millions Now Living Will Never Die e o TNT -, a linguagem é totalmente coerente com o que os Tortoise sempre fizeram. Ouvir Prepare Your Coffin leva-me de imediato para os tempos dos Can e dos Neu! (o ponto de exclamação não é meu, faz parte do nome da banda).
E perguntará o leitor, apesar de já habituado a algumas incursões minhas fora do terreno da fotografia, a que propósito vem isto. Bom, antes de mais sou um melómano, como alguns já terão reparado. Mais pertinente do que esta minha melomania, porém, é o facto de querer partilhar com os leitores um vídeo que é uma das mais fantásticas homenagens de uma arte a outra: neste caso, uma homenagem da música à fotografia. O vídeo de Prepare Your Coffin é um tributo quase comovente à fotografia: um fotógrafo, equipado com o que parece ser uma câmara analógica, à procura de linhas e enquadramentos perfeitos. No vídeo surgem linhas simples, mas fortes, paisagens a preto-e-branco que encheriam de satisfação qualquer fotógrafo digno desse nome. Não vou dizer que teve influência na minha maneira de fotografar - apesar de o vídeo ser anterior à minha dedicação à fotografia -, porque não é verdade, mas toca-me num ponto sensível e une duas das minhas paixões. Claro que, quando procurei o video no YouTube, estava interessado na música, e não exactamente nas filmagens, mas foi uma surpresa muito recompensadora tê-lo descoberto. Não me passaria pela cabeça escrever um texto sobre um vídeo de música se esta última não me agradasse, mas este vídeo é particularmente bem realizado e apela ao olhar e à sensibilidade do fotógrafo, pelo que entendo ser merecedor da atenção da comunidade fotográfica.
Espero que gostem da música e do vídeo; pessoalmente, entendo que quem não gosta dos Tortoise não merece ocupar o seu lugar na espécie humana e devia ser atado a um pelourinho e o seu corpo deixado à voracidade dos abutres, mas esta coisa dos gostos musicais é algo de muito pessoal. Se não gostarem da música, ao menos deleitem-se com as imagens.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Indulgência

Está a acontecer-me algo que, muito provavelmente, é uma singularidade minha: cada vez faço menos fotografias. Mesmo que fotografe durante mais dias da semana - na semana passada fotografei na Quinta e na Sexta, no Sábado e no Domingo, quando o normal é fazê-lo apenas aos fins-de-semana -, é raro fazer mais de trinta fotografias por dia, mesmo em sessões longas. Estou cada vez mais exigente com os motivos e, se olho para uma cena qualquer que me pareça interessante, não a fotografo se não me parecer que vai dar uma boa fotografia; sei que, ao virar da esquina, me vai aparecer algo ainda melhor. E penso muito mais no enquadramento, na luz e no interesse do motivo do que fazia há apenas um ano atrás. Uso a câmara com a parcimónia que usaria se tivesse uma máquina analógica, em que o número de fotogramas é limitado. Claro que sei que esta limitação não existe, e também não é para poupar a câmara que o faço; se fizer sete mil fotografias num ano, a câmara pode durar-me mais de dez anos, pelo que não é a longevidade que me preocupa. O que me preocupa, agora, é fazer fotografias que tenham interesse, quer pelos motivos, quer pela técnica. Penso, por exemplo, se determinado motivo daria uma fotografia que pudesse mandar imprimir, porque - já o disse mais que uma vez - entendo que o destino último de uma fotografia é a impressão.
Em contrapartida, noto que edito quase todas as fotografias que faço. Quando edito uma fotografia, tal significa que ela me parece suficientemente boa. Quando não é, apago-a. Algumas, deixo-as em Raw, reservando-as para uma futura edição no caso de conseguir torná-las melhores. Isto significa que fico satisfeito com a maioria das fotografias que faço, mas esta satisfação pode ser uma ilusão. Posso, de facto, estar a ser indulgente e acreditar que já atingi um nível de qualidade que faz com que todas - ou quase - as minhas fotografias sejam boas. Este tipo de indulgência é algo em que não quero incorrer, por pressentir que pode levar à estagnação, mas é algo em que muitos bons profissionais por vezes caem.
Antes que alguém pense que me quis comparar a um profissional quando escrevi a última frase (ou mesmo que me considero superior a eles), deixem-me exprimir-me melhor. Por vezes vejo, nas redes sociais, fotografias de profissionais que não são nada conseguidas. Interpreto este facto como autocomplacência, como se os autores das fotografias pensassem que, por serem profissionais consagrados, todas as suas fotografias são excelentes. Há dias vi uma fotografia de um profissional que é patrocinado por uma determinada marca de equipamento fotográfico no Facebook, e fiquei chocado: a fotografia - uma paisagem normalíssima, com um monte e um rio ao cair da noite e um barquinho a compor o enquadramento - era péssima. O equilíbrio dos brancos estava errado, a imagem era unidimensional, o enquadramento era sofrível, a nitidez fraca e o ruído destruidor. O tipo de fotografia que eu teria feito há um ano e apagado quando a visse no computador, mas o referido profissional não teve problemas em publicá-la na Internet. Curiosamente, muita gente gostou da fotografia - apesar de, em termos puramente estéticos, não ser mais que sofrível. Que terá passado pela cabeça do profissional para publicar aquilo? Não consigo abster-me de pensar que o fotógrafo terá pensado que as pessoas iam gostar por ser uma fotografia dele, do visionário que faz críticas de fotografias publicadas pelos leitores na página da marca que o patrocina às Quartas de tarde. (Será que não havia também um pouco de graxa naqueles «gosto» todos?)
Se narrei este exemplo é porque não quero que isto aconteça comigo. Quero pensar na aprendizagem da fotografia como um processo contínuo e infindável, sem nunca me dar por satisfeito com os resultados que obtiver num dado período. No dia em que me deixar convencer que as minhas fotografias são muito boas, vou estagnar e transformar-me num produtor em série de imagens banais. E isso eu não quero, tal como não quero que as pessoas gostem das minhas fotografias por serem minhas: quero que gostem das minhas fotografias por elas terem algo a dizer. E esta é a parte mais difícil da aprendizagem: a técnica não requer tanta aprendizagem como a forma de tornar as fotografias interessantes para quem as vê, porque esta última implica pormo-nos no lugar de quem vê - o que não é tão simples como parece.
Espero, por tudo isto, não estar a cair numa indulgência enganosa. Cada vez a frase de Imogen Cunningham me faz mais sentido: «a minha melhor fotografia é a que vou fazer amanhã». E esse amanhã é sempre amanhã, por muito que pareça que finalmente chegou.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Autenticidade

No Sábado passado, 4 de Agosto, voltei a um tipo de fotografia que é muito do meu agrado: paisagens marítimas de praias ao lusco-fusco, usando tempos de exposição longos para obter o arrastamento das águas do mar. Este é um género de fotografia que se está a tornar um pouco batido, mas há sempre maneira de obter imagens distintas e originais. Neste caso, como nunca vi nenhuma fotografia deste estilo feita junto do paredão da Praia do Molhe, aqui no Porto, penso que há alguma originalidade nas imagens que fiz - mas posso, evidentemente, estar enganado e haver milhares delas a circular na Internet.
Esta foi uma das únicas sessões fotográficas do género em que encontrei um céu interessante, com muitas nuvens e um tingimento de tons vermelhos em algumas destas. As fotografias, tal como foram tiradas, deixaram-me satisfeito, mas, enquanto as processava, perguntei-me se não podia ir um pouco mais longe e torná-las ainda mais dramáticas. No DxO Pro 7 diminui a exposição, nalguns casos em -2EV, para tornar as imagens mais nítidas e contrastadas; depois adicionei um pouco de presença, aumentei o raio às sombras em cerca de 50%, diminuí um pouco o contraste global e aumentei drasticamente o contraste local. Ainda manipulei a curva de tons, saturei os vermelhos (nalgumas imagens, como a de cima, aumentei a saturação geral), usei um pouco mais de contraste na caixa color modes, dei um pouco de unsharp mask - algumas das imagens, por terem sido feitas com aberturas muito estreitas, sofriam de difracção - e reduzi o ruído.
Os resultados foram excitantes - obtive imagens com uns céus extremamente dramáticos -, mas deixaram-me a pensar. Antes de mais, toda a gente que faz fotografias dentro deste estilo faz o mesmo trabalho de edição que eu fiz, pelo que o factor originalidade se reduz, eventualmente, à composição e ao enquadramento; mas o que me levantou mais dúvidas foi o uso de tanta edição da imagem, tendo o resultado final ficado tão diferente da fotografia inicial que dificilmente se diria que as duas foram feitas com o mesmo corpo, a mesma lente e os mesmos valores de exposição. Penso que as fotografias ficaram esteticamente conseguidas - pelo menos deixaram-se satisfeito, mas não é a mim que cabe avaliá-las -, mas não consigo deixar de pensar que ficaram inautênticas. O céu que vi não era tão contrastado, nem as nuvens tão carregadas; o paredão surge como uma silhueta, e não com a luz que o banhava nesse momento; e. evidentemente, não existem oceanos cremosos, com a textura de um iogurte líquido.
Será que isto é uma inversão total dos valores que sempre tentei preservar nas minhas fotografias?
Posso dizer que tenho a consciência tranquila no que diz respeito à ética fotográfica. O que está na fotografia é o que estava no local que fotografei. Não acrescentei nem subtraí nada. Não adicionei, retirei ou manipulei camadas, não menti quanto ao objecto da fotografia. O que está nas imagens é a mesmíssima paisagem que os meus olhos viram e que achei merecedora de ser fotografada. O que está é, digamos, realçada. (Ou retocada, se preferirmos.) O contraste local do Pro 7, equivalente digital do dodging and burning da fotografia analógica, deu intensidade aos reflexos e à textura das nuvens como se tivesse usado um filtro polarizador; a compensação da exposição e o raio das sombras contribuíram para dar mais contraste entre tons claros e escuros, e a saturação tornou mais evidente o tingimento do céu e a cor do limo que cobre as rochas do primeiro plano. Penso que tudo isto contribuiu para realçar as qualidades estéticas presentes na fotografia - mas esta é a mesma, sem tirar nem pôr, que o sensor registou. Deste modo, posso dizer que, embora um pouco inautêntica, é uma fotografia verdadeira. Autenticidade e verdade não são necessariamente sinónimos.
De resto, não vejo nenhum obstáculo de natureza ética a este género de tratamento. Se as nuvens tivessem sido adicionadas na pós-produção, poderia ter dúvidas neste aspecto, mas aquelas são as mesmas nuvens que se viam daquele lugar e àquela hora. Só a sua apresentação é diferente. E, como são extremamente raras as fotografias que resultam bem sem qualquer necessidade de edição, digamos que o pecado original - o de retocar a imagem - está cometido a partir do momento em que se aumenta o contraste, o brilho ou a nitidez, nem que seja em 1%. Por este motivo, não vejo por que não deva tirar todo o partido possível da edição para tornar a fotografia melhor. Penso que, a despeito de alguma inautenticidade, as fotografias que fiz estão ainda dentro do espírito da fotografia - a fixação de um momento único e irrepetível. Claro que o céu não estava exactamente como surge na imagem final, mas esteticamente esta última está mais agradável do que a paisagem vista a olho nu. A fotografia também é uma ilusão - o que não pode nunca é ser uma mentira. (Sim, esta frase é mais um slogan anti-Photoshop CS...)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Superstições

Os leitores mais atentos sabem que fui um audiófilo. Durante anos procurei o melhor som possível dentro do meu orçamento e em condições acústicas adversas, tendo chegado a resultados satisfatórios (mas longe de perfeitos: ainda hoje tenho uma série de aberrações sonoras que só poderia eliminar se mudasse de ambiente acústico). O meu sistema é essencialmente o mesmo há doze anos: nunca senti necessidade - nem tive posses - para o evoluir, pelo que é uma verdadeira montra de arqueologia áudio. As únicas evoluções desde 2003 foram as aquisições de uma cabeça Ortofon 2M Blue para o meu gira-discos e um rádio Tivoli Audio Model One, ambas em 2009. Segue uma lista do meu equipamento.
  • Fontes: Gira-discos Rega Planar 3 com cabeça Ortofon 2M Blue, leitor de CD Rega Planet (o original), sintonizador/rádio Tivoli Audio Model One (ligado ao amplificador integrado com um adaptador, para ouvir rádio em stereo);
  • Amplificação: amplificador integrado Primare A20 MkII, pré-amplificador phono Musical Fidelity X-LP;
  • Colunas: ProAc Tablette 50, em cima de uns suportes baratos da Standesign;
  • Cabos: Todos Kimber Kable, excepto os de alimentação.
  • Mesas: um suporte de parede para o gira-discos e um móvel para as electrónicas, feitos por mim com painéis de contraplacado feitos de encomenda no «Freitas dos Contraplacados» em Frazão, Paços de Ferreira. 
Mais tarde descobri a fotografia, e desde então o meu sistema passa a maior parte do tempo desligado. É muito mais educativo, divertido e interessante andar à caça de boas fotografias do que sentar no vértice de um triângulo equilátero formado por mim e pelas colunas a ouvir música sem a apreciar, substituindo a fruição musical por considerações obsessivas do género: «como é que hei-de eliminar a ressonância dos graves?».
Esta alusão à alta fidelidade pode parecer algo deslocada, mas se a faço é porque encontro muitos pontos em comum entre a fotografia e a alta fidelidade enquanto hobbies. E nem sempre estas analogias acontecem pelos melhores motivos.
Uma característica que muitos audiófilos e fotógrafos amadores partilham é a crença na superioridade do digital. É uma convicção errónea na maior parte dos casos, nascida de uma confusão entre qualidade e comodidade (que são conceitos diferentes). Muitos deixam-se enganar por números: os megapixéis dos fotógrafos são os bits dos audiófilos. A qualidade - sonora e de imagem - é algo que não se exprime apenas em algarismos, tendo mais que ver com a percepção subjectiva do que com gráficos. Claro que, para conceber um bom amplificador ou uma boa lente, é necessário saber muito de ciência e tecnologia - mas essa é uma tarefa que deve ser deixada aos técnicos, não aos utilizadores. Contudo, fotógrafos e audiófilos perdem horas e horas das suas vidas debatendo os ISO e os megapixéis das suas câmaras e os bits e o upsampling dos DAC actuais. (DAC = Digital to Analogue Converter) Esta sobreposição de questões técnicas à apreciação subjectiva é comungada por audiófilos e fotógrafos amadores, e em muitos casos redunda em disparates que têm mais que ver com falta de conhecimentos técnicos do que com opiniões devidamente fundadas: são convicções adquiridas em fóruns e com a leitura de artigos de gente que sabe tão pouco como eles.
Um exemplo, na audiofilia, é a bicablagem das colunas de som: a maioria dos fabricantes inclui fichas de alimentação separadas para o tweeter e o woofer. Muitos imaginam ouvir uma melhoria na qualidade sonora quando usam fios eléctricos separados para os dois altifalantes. Eu também o fiz, até descobrir que o efeito da bicablagem é nulo. Hoje uso apenas um dos terminais de cada coluna para as ligar ao amplificador. Contudo, este é um argumento de vendas que os fabricantes usam para aumentar os seus lucros, usando argumentos pseudo-científicos que, de tão néscios, são equiparáveis a superstições.
O mesmo acontece na fotografia. Muitos deixam-se convencer que uma câmara é tanto melhor quantos mais pixéis tiver, quando a gama dinâmica é muito mais importante do que a resolução expressa em números de pixéis. E a treta do ISO, essa, mais vale não me pronunciar sobre ela. (Para quê, se já o fiz tantas vezes?)
Além disto, os audiófilos e alguns fotógrafos amadores ajudam, com as suas superstições induzidas por marketing enganador, a sustentar uma corja de charlatães que vendem fio eléctrico a €1.000,00 o metro ou tripés que custam mais do que o dobro do valor que mencionei. O negócio dos acessórios esotéricos é uma vigarice em que muitos alinham alegremente, graças a uma capacidade de auto-sugestão que os leva a julgarem ver ou ouvir melhorias na qualidade da imagem ou do som onde estas não existem, procurando justificar a aquisição de coisas que não fazem sentido nenhum, mas são caríssimas.
Outra característica comum é a atracção pelo tamanho. Para audiófilos e fotógrafos amadores néscios, o argumento do tamanho é tudo. As colunas têm de ser grandes, os amplificadores têm de ser monoblocos que requerem duas pessoas para os levantarem; e as câmaras só são boas se, além de serem grandes, tiverem um sensor enorme nas suas entranhas. Uma vez disseram-me que um sujeito tinha umas Wilson Audio WATT/Puppy 7 (v. imagem do topo) num quarto de 12m2. O sujeito devia ter todo o género de problemas acústicos que a interacção entre a energia sonora e os limites físicos da sala podem causar - mas tinha umas WATT/Puppy! Tal qual os amadores que compram uma Canon 5D para fazer fotografias dentro de casa, ao gato ou a painéis de cortiça, como já vi...
Tudo isto significa que as pessoas que descrevi não são amantes das artes da música e da fotografia: são tarados da técnica. O problema é que nem sequer percebem muito da técnica. Limitam-se a balbuciar umas coisas sem nexo como o «palco sonoro» ou a «abertura equivalente», conforme os casos, sem se aperceberem que não estão a fazer sentido.
É evidente que há gente inteligente no áudio e na fotografia. Estes riem-se a bandeiras despregadas dos mitos e superstições que enevoam as mentes de alguns audiófilos e fotógrafos amadores. Se os audiófilos disserem a um técnico de som que deram €1.000,00 por fio eléctrico para ligar as colunas ao amplificador, o mais provável é que se sintam vexados pelos escárnios do técnico (que sabe infinitamente mais que eles sobre som). Do mesmo modo, quando certos fotógrafos amadores estiverem diante de um fotógrafo profissional, devem evitar qualquer alusão à «abertura equivalente»: vão envergonhar-se a si mesmos...
Ludwig Wittgenstein escreveu: «Sobre aquilo que sabemos, devemos falar abertamente; sobre o que não sabemos, devemos manter-nos calados». É uma máxima que procuro seguir, mas há muitos que não o fazem e preferem falar do que não sabem.   

domingo, 5 de agosto de 2012

Eu e a Foto Digital

Durante muito tempo fui um apoiante da Foto Digital (http://fotodigital-online.com/). Era o único website português com interesse para um amador que, como eu, quer aprender tudo o que há para aprender sobre fotografia. Durante muito tempo troquei e-mails com o seu administrador, José Antunes, sempre com o cuidado de não ser maçador e de ser construtivo, e sem intenção de o aborrecer com perguntas do género «que abertura é que se usa para fotografar assim ou assado?», ou «que câmara é que me aconselha?». Nunca o fiz, mas verdade seja dita que recebi sempre conselhos úteis, tendo chegado a imaginar que, se viesse a conhecer J. A. pessoalmente, para além da sua projecção virtual na Internet, poderia tornar-me seu amigo - real, e não virtual como são, na sua maioria, os «amigos» do Facebook e dessa praga absurda que são as «redes sociais».
Contudo, notei que, desde há algum tempo, os artigos da Foto Digital se tornaram profundamente desagradáveis de ler, sempre impregnados de ataques e alusões depreciativas a quem tem gostos, preferências ou opções diferentes das do seu autor. Estes artigos demonstram um profundo desprezo, que por vezes chega à injúria, por quem não comunga das opções e não usa equipamento da mesma marca e características que o do seu autor, e o estilo tem vindo a degradar-se constantemente: cada vez mais desbragado e cheio de expressões vernaculares (ainda que disfarçadas por reticências), cada vez mais como se fossem solilóquios e as impressões causadas nos leitores de nada interessassem.
Sei que J. A. é constantemente criticado por alguns leitores. Alguns deles vieram mostrar as suas carantonhas feias aqui no ISO 100, graças a um texto intitulado Novidades da Indústria Fotográfica para o qual J. A. estabeleceu uma hiperligação na Foto Digital (nos tempos em que se dignava responder aos meus e-mails). Os comentários a este texto são esclarecedores quanto àquilo que J. A. tem de suportar por manter um site de fotografia e exprimir opiniões pessoais, mas a verdade é que o administrador da Foto Digital não devia ter enveredado por alusões e ataques constantes nas suas páginas - por mais que os detractores o mereçam. Enquanto formador, aprendi, nos cursos de aperfeiçoamento, que a melhor maneira de lidar com um formando indisciplinado é ignorá-lo ou, se o seu comportamento perturbar as sessões para além do suportável, incutir-lhe respeito pelos colegas, elucidando-o que os outros formandos querem ouvir o que o formador tem a dizer. Apesar de, por vezes, introduzir um ou outro sarcasmo nos meus textos, e de os comentários mais ferozes não deixarem de levar resposta, o que procuro fazer neste blogue é ignorar os ataques e insultos e escrever o que tenho a dizer. Por que não pode J. A. fazer o mesmo, quando é certo que tem muitos mais leitores do que eu - e, por acréscimo, mais responsabilidades?
O website da Foto Digital foi mantido, em parte, com os contributos de alguns leitores - estimo que poucos -, que, mediante a sua contribuição, recebiam o estatuto de «Amigos da FD» e tinham uma secção reservada a eles, a que acediam com um nome de utilizador e uma palavra-passe. Sem uma palavra de satisfação, sem uma explicação ou aviso de qualquer espécie, J. A. eliminou essa secção. Eu não sou mesquinho; não vou exigir que o administrador de um site mantenha a referida secção online por ter contribuído, como se fosse o utente de um serviço público que exigisse todo o género de mordomias do prestador apenas porque pagou. Nada disso: o que o encerramento dessa secção (sem uma explicação que a precedesse) demonstra é um profundo desrespeito pelos leitores. E isto é algo que não estou disposto a tolerar. Posso suportar a sobranceria de alguém que se arroga saber tudo sobre fotografia e ostensivamente humilha quem sabe menos do que ele, posso compreender a amargura de quem quer manter um site de fotografia português e recebe permanentemente críticas e insultos, posso aceitar as opiniões de alguém que entende que o equipamento fabricado pelas marcas da sua preferência é o melhor e tudo o resto é refugo e que os artigos exprimam a preferência pelas marcas que apoiam o website; o que não aceito é a falta de respeito demonstrada por este gesto. O site é do seu administrador, e este pode fazer dele o que muito bem entender; o que não pode é faltar ao respeito aos leitores que de boa fé o apoiaram. Não pode insultar quem não partilha as suas preferências, não pode usar vernáculo nem pode permitir-se a prepotência de amesquinhar e desprezar quem o apoiou. Também é certo que não pode obrigar ninguém a visitar o seu site, mas a verdade é só uma: receber dinheiro dos apoiantes e depois retirar a secção que lhes é dedicada é algo que pode ser muito mal interpretado. Lembra, no limite, aqueles peditórios falsos feitos por pessoas que fazem tudo do dinheiro recebido menos aplicá-lo para os fins anunciados. Não vou exigir o dinheiro de volta, porque não quero baixar o nível - mas sinto-me lesado e desrespeitado. E não devo ser o único.
J. A. assumiu uma atitude de indiferença perante as reacções e consequências daquilo que escreve. Trata os leitores como se todos eles fossem seus inimigos, escreve mais para ele mesmo que para os leitores e dispara em todas as direcções, sem sequer perceber que muitas vezes está a atingir quem o estima(va). Tenho pena que tenha escolhido agir deste modo, porque aprendi muito com ele e estou-lhe grato, mas a verdade é que retiro muito mais prazer de ler os artigos de Michael Johnston no The Online Photographer, ainda que sejam escritos em inglês dos Estados Unidos. Mike é um cavalheiro, uma pessoa educadíssima, de um sentido de humor subtil - embora mordaz - e de uma tolerância notável diante das opiniões alheias. E ser assim não significa que prescinda da frontalidade, que exprime sempre com elevação. Os seus textos são educativos e divertidos de ler, nunca me tendo apercebido de ataques pessoais ou de actos e expressões que demonstrassem desrespeito pelos leitores. E, como seria de esperar, sabe muito de fotografia. Acresce que não pede dinheiro aos leitores.
Que pena não haver um website assim em português de Portugal!      

sábado, 4 de agosto de 2012

Fotografia de objectos em movimento

Modo S, f4.5, 1/1000, -1 EV
Na minha cidade - o Porto, Portugal, para quem ainda não o tenha descoberto - há uma tradição de décadas que se tornou num espectáculo extremamente procurado por turistas e residentes: no Verão, nas tardes de calor, dezenas de adolescentes e jovens da Ribeira mergulham nas águas barrentas do rio Douro, saltando a partir do tabuleiro inferior da ponte Luiz I (que o tempo e os modos rebaptizaram de «Ponte D. Luís»). O que torna estes saltos tão especiais é a elevada altura do tabuleiro inferior em relação ao rio, que, dependendo das marés, pode variar entre dez e quinze metros. Com uma altura desta magnitude, são saltos arriscados, mas é exactamente este risco que os torna tão especiais.
É preciso que diga que os rapazes e raparigas que saltam daquela altura recebem de mim o estatuto de heróis. Quando era da idade deles, tinha à minha disposição a prancha de mergulhos das piscinas do Clube Fluvial Portuense, com duas alturas diferentes: cinco e dez metros. Nunca tive coragem de saltar da plataforma superior e, das poucas vezes que saltei da prancha de cinco metros, foi sempre com os pés entrando primeiro na água, e nunca de cabeça. Pois bem: há alguns destes jovens da Ribeira (embora poucos) que mergulham com as mãos entrando na água em primeiro lugar. O que é um feito que tem muito de extraordinário.
É evidente que quem salta tem consciência do risco que corre. É notório que muitos dos que se penduram na borda da ponte hesitam durante muito tempo antes de saltar, e alguns benzem-se antes de o fazer. O que é compreensível: um salto mal executado, com o corpo tocando na água na horizontal, é como cair no chão, porque a resistência da água, nessas circunstâncias, é enorme. O corpo tem de perfurar a água, o que só pode ser feito se o corpo mergulhar perpendicularmente à linha da água. Como se o salto não fosse suficientemente arriscado, muitos dos que saltam não dominam suficientemente as técnicas de natação, e o Rio Douro é um rio de correntes fortes.
Claro que um dia eu havia de tentar fotografar estes saltos. Eu adoro fotografar a minha cidade, e aqueles mergulhos são um dos seus acontecimentos mais interessantes. Na sexta-feira, 2 de Agosto, tentei fazê-lo pela primeira vez. Usei a lente zoom 40-150/f4-5.6, que é suficiente em matéria de distância focal, e seleccionei a focagem e disparo contínuos, mas uma falência cerebral grave levou-me a fotografar no modo A, seleccionando a maior abertura possível.
Modo A, f4.5, 1/250: um desastre!
Os resultados foram pouco menos que desastrosos. Nenhum dos mergulhadores ficou nítido. Com as distâncias focais usadas, a abertura máxima era da ordem dos f4.5, o que levou o fotómetro a seleccionar tempos de exposição de 1/250, que são insuficientes para congelar o movimento. Além disto, a focagem automática é particularmente complicada com aquela lente, tornando-se muitas vezes errática: falhei muitas fotografias porque a câmara se recusou a focar. Este não é apenas um problema da lente: é também uma dificuldade do sistema de detecção de contraste.
Ainda por cima, as fotografias não isolam o objecto como eu gostaria. A profundidade de campo é sempre muito grande, o que significa que a câmara não focou os mergulhadores, mas um ponto qualquer no plano de fundo (ou, se focou os primeiros, focou também uma porção do plano de fundo). Teria precisado de usar uma lente mais rápida, com uma abertura máxima de, digamos, f2.8, e uma câmara com sistema de focagem automática por detecção de fase. Tudo materiais caríssimos cuja aquisição, atento os tipos de fotografia a que me dedico, não se justifica: a fotografia de objectos em movimento rápido deve corresponder a 1 ou 2% do que eu fotografo.
No dia seguinte, depois de verificar o fracasso das primeiras fotografias (não houve unsharp mask que lhes valesse), voltei ao mesmo lugar. Desta vez usei o modo S (prioridade ao disparo), usando velocidades bem mais elevadas que os 1/250 da véspera. Procurei manter o tempo de exposição num mínimo de 1/1000, o que ainda não era o ideal - mas era o possível, atenta a abertura máxima da lente 40-150. Para isto recorri a uma função da câmara que, por fotografar maioritariamente no modo M, raramente uso: a compensação da exposição. Nalguns casos a compensação teve de atingir -1 EV, para evitar que as altas luzes estourassem e manter a exposição correcta.
Os resultados foram consideravelmente melhores do que os da véspera, como se pode ver na imagem que encima este texto. Se esta for ampliada e olhada criticamente, veremos que a focagem ainda não é a ideal, porque subsiste alguma distorção por arrastamento, mas o que obtive é incomparavelmente superior aos resultados do dia anterior. Tirei partido da focagem contínua focando cada mergulhador enquanto este se preparava para saltar, pelo que a taxa de erros na focagem diminuiu consideravelmente. Claro que teria gostado de usar uma câmara que me desse 10 fotogramas por segundo, em lugar dos míseros 3 fps da E-P1, e também teria feito muito melhor se tivesse uma lente com uma abertura maior, o que me possibilitaria o uso de tempos de disparo mais rápidos e contribuiria para o desfoque do plano de fundo (o que teria resultado em fotografias muito mais interessantes) - mas, para obter estes resultados com a qualidade a que aspiro, teria de ter uma Nikon D800 ou uma D4, ou então as equivalentes da Canon). Como quem não tem cão caça com gato, o que fiz foi o melhor que pude e sabia com o material que tenho. Ainda tenho muito a aprender quanto ao uso de zooms e à fotografia de objectos em movimento, mas parece-me que ontem dei alguns passos firmes nessa aprendizagem - a despeito das limitações do equipamento. 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Poluição visual

Uma das piores coisas que pode acontecer quando se fotografa é a existência de objectos que interferem visualmente com a imagem. São objectos que não podem ser retirados do enquadramento e prejudicam a harmonia estética da fotografia. Todos nós já nos demos conta deles: a fotografia maravilhosa que fizemos do rio sem que reparássemos nos cabos de alta tensão que o atravessa de uma margem à outra, por exemplo. Ou o automóvel estacionado mesmo no lugar onde queríamos fazer a fotografia de um monumento importante - normalmente um Ford Fiesta cinzento metalizado, ou um Citroën Saxo azul, ou qualquer desses carrinhos que o cidadão da classe média compra e insiste em estacionar à porta do lugar onde se dirigiu.
Um crop do tal painel. Lindo, não é?
Isto vem a propósito de umas fotografias que falharam por causa de um cartaz em particular. Em Vila Nova de Gaia, na encosta acima do «Cais do Cavaco» (nem me vou dar ao trabalho de indagar o porquê deste nome...), há um painel publicitário gigantesco, iluminado por não menos que catorze holofotes. Suponho que a intenção é que a publicidade seja bem visível do lado do Porto. Esse painel anuncia, à data em que escrevo, um daqueles festivais de Verão que agora surgem como cogumelos, mas com a particularidade de já ter acontecido há quase um mês. Alguém anda a pagar para anunciar um festival que já foi, e a câmara de Gaia e a EDP permitem um desperdício verdadeiramente obsceno de energia eléctrica para publicitar um evento do passado. Quase tão mau como isto, porém, é o facto de o painel desfear uma zona que é particularmente bonita (pelo menos à noite). É impossível deixar de olhar para aquela monstruosidade. Em matéria fotográfica, temos uma mancha azul no meio das sombras e da iluminação pública amarela alaranjada. Um desastre estético que nem a correcção de manchas ou a clonagem dos programas de edição conseguem disfarçar.
Já agora, o referido festival foi patrocinado pela TMN, do grupo Portugal Telecom, a electricidade é fornecida pela EDP e as taxas pela afixação são receita do Município de Vila Nova de Gaia. É assim que é gerido o nosso dinheiro.
Há outras fontes de poluição visual para além da publicidade (e nem sempre esta é nociva para a fotografia, como o demonstram as boas fotografias nocturnas de Tóquio ou Nova Iorque). Já aludi aos automóveis e às linhas de alta tensão, e o que referi em relação a estes últimos também se aplica a cabos e linhas telefónicas. Mas há muitas mais. O caos estético que é a urbanização em Portugal é outro manancial de poluição visual. Quando tento fotografar ruas da Zona Histórica do Porto, encontro sempre coberturas de plástico sobre as janelas, marquises completamente fora do contexto, cores misturadas sem critério, caixotes do lixo a transbordar, antenas parabólicas e outros elementos poluidores que obstam à harmonia visual. Uma vez levei uma amiga estrangeira a passear pelo alto Minho; ela ficou escandalizada com as casas construídas à face da estrada e a desordem urbanística das vilas e aldeias. Os barracões e estabelecimentos junto à berma das estradas são verdadeiras aberrações, causando confusão e desconforto visual. Só Ponte de Lima escapa a esta bandalheira generalizada. Eu não gostaria de viver num país projectado por Albert Speer, mas a balbúrdia que são as nossas cidades, vilas e aldeias, além de ser esteticamente desagradável, é uma inimiga poderosa da fotografia.
Há pouco a fazer para evitar estas fontes de poluição visual (que me abstenho de enumerar exaustivamente). O melhor é tentar compor a fotografia de maneira a integrá-las harmoniosamente no enquadramento, jogando com eventuais linhas que elas formem e com os volumes. Uma boa solução pode ser fotografar a preto-e-branco, o que atenua o choque visual provocado por contrastes de cor violentos. Na impossibilidade de integrar os elementos poluidores na composição, há sempre o cropping (cortar a fotografia para excluir as fontes de poluição), mas o resultado pode não ser o melhor. O mesmo quanto às ferramentas de edição: a clonagem pode não dar o resultado esperado, sendo preferível usar a correcção de manchas; mas mesmo esta ferramenta pode estragar mais do que compõe. Por vezes o melhor é mesmo desistir de fotografar aquele lugar; afinal de contas, se está assim tão poluído, não é merecedor de ser fotografado.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Da falta que um automóvel faz

Ontem teria gostado de fazer uma enorme sessão fotográfica, mas não pude. Estou sem automóvel há mais de uma semana. Está para reparar porque, no dia 28 de Junho, um indivíduo completamente embriagado decidiu atravessar a rua à minha frente, imprevistamente e sem sequer olhar. Tudo o que pude fazer foi desviar-me com uma guinada brusca, mas isto teve apenas como consequência não ter atingido o homem em cheio, antes tocando-lhe de raspão com o lado direito do carro. A despeito de o sinistrado ser minúsculo - media cerca de 1,60m, não mais -, a devastação causada no carro foi considerável: o retrovisor direito foi pulverizado, amassou-me o guarda-lamas do mesmo lado e ainda conseguiu as proezas de meter um farol de nevoeiro para dentro da carroçaria, perfurando com isto o reservatório do líquido de limpeza do pára-brisas, e fazer uma mossa no pilar A (aquele entre o pára-brisas e a janela do passageiro). E eu nem sequer ia a grande velocidade!
Se vos parece que estou a ser completamente insensível quanto ao estado em que o atropelado ficou, desenganem-se: parei imediatamente o automóvel e saí para me inteirar do seu estado. Encontrei-o deitado de bruços no asfalto, com uma mistura de sangue e saliva saindo-lhe da boca. Cheguei a pensar que tinha morrido, o que me deixou num estado para cuja descrição não existem adjectivos na língua portuguesa, mas dez minutos após o atropelamento a vítima levantou-se sem ajuda. E, quando na manhã seguinte fui ao hospital para saber do seu estado de saúde, descobri que já tinha recebido alta! Ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo... 
Resultado: a despeito de não ter tido qualquer culpa, vou ter de suportar a despesa com a reparação do carro (o meu seguro é contra terceiros), porque o Fundo de Garantia Automóvel não funciona em casos de atropelamento. A minha seguradora vai provavelmente pagar as despesas hospitalares do borracho e, em consequência, agravar-me o prémio. Mover uma acção contra o responsável pelo acidente? Fora de questão. É, provavelmente, um daqueles madraços que dão má reputação ao Rendimento Social de Inserção. E não estaria a salvo de encontrar um juiz idiota - também os há... - que julgaria em favor do pobrezinho do peão, tão vulnerável e indefeso, e contra o malvado do automobilista (mesmo que o primeiro estivesse completamente bêbado, tivesse atravessado a faixa de rodagem sem tomar precauções e a despeito do facto de existir uma passadeira a menos de 50 metros do local). E já nem falo na taxa de justiça e custas judiciais, que provavelmente teria de suportar na íntegra.
O automóvel - e não o tripé, como alguém erroneamente afirmou - é que é o melhor amigo do fotógrafo. Sem ele, as minhas fotografias seriam circunscritas aos limites da minha freguesia de Lordelo do Ouro, Porto; apesar de ser uma freguesia particularmente fotogénica, fotografar sempre as mesmas coisas causa tédio. O fotógrafo precisa de viajar, mesmo que as viagens sejam curtas. Apesar de haver muitos fotógrafos - nomeadamente os de rua - que encontram sempre motivos interessantes em espaços confinados, outros, como eu, gostam de variar e de encontrar lugares diferentes. Gosto, por exemplo, de encontrar praias que sejam ideais para fazer aquelas fotografias com arrastamento das ondas do mar, praias essas que, além de darem belíssimas fotografias, me providenciam momentos únicos de paz e relaxamento. No ano passado, no dia em que decorreu um ano sobre o meu tirocínio fotográfico, fui a Amarante, onde fiz fotografias nocturnas da ponte e da igreja de S. Gonçalo que me deixaram incrivelmente satisfeito; este ano não fiz uma única fotografia no dia que marcou o meu segundo ano como amador da fotografia. Foi apenas uma efeméride, eu sei, mas mesmo assim foi triste e frustrante.
Quanto ao peão, o leitor decerto me desculpará por não conseguir exprimir qualquer simpatia por ele. Uma testemunha do acidente afirmou-me, na semana passada, que aquele continua a apanhar bebedeiras diariamente, o que significa que não aprendeu nada. E é natural que continue a desafiar os condutores atravessando-se à frente destes, como fez comigo. E que dirija alguns impropérios contra mim junto dos seus companheiros de carraspanas...

terça-feira, 31 de julho de 2012

Dois anos a fotografar

Quando acordei nesta manhã de 31 de Julho de 2012, senti-me de imediato envolto numa sensação de estranheza, desilusão e amargura: não tinha nenhuma mensagem de felicitações à minha espera; nenhuma carta, nenhum telegrama, nenhuma mensagem de correio electrónico. Nem sequer um simples SMS. Quando saí de casa, a minha desilusão cresceu e tornou-se tristeza: não havia cerimónias, fanfarras, nem confetti voando no ar ou majorettes desfilando em uniformes com mini-saia. Nada de hastear de bandeiras, discursos oficiais, medalhas ou condecorações. Nem sequer um rodapé nos jornais ou na televisão; ouvi, com ansiedade incontida, os noticiários da rádio, e nada - nem uma palavra. 
Diria, pois, que esta efeméride passou largamente despercebida do público. Talvez - especulei - o facto de ela só a mim dizer respeito, e só para mim ter algum significado, tenha contribuído para que a data de hoje fosse um dia como qualquer outro para o cidadão comum. Daqui resulta, provavelmente, o facto de não ter havido qualquer espécie de reconhecimento público ou festejo. O que é, devo dizê-lo, profundamente injusto.
Uma das fotografias do dia 31 de Julho de 2010
No caso de alguém ainda não ter percebido - e há sempre quem não consiga entender o que está a ler e leve tudo ao pé da letra, especialmente na blogosfera -, estou apenas a brincar. Estou a ver se levo a minha imaginação um bocadinho mais longe, na esperança de entreter um pouco os leitores. E a exercitar a escrita: é que gosto tanto de escrever como de fotografar. Com a diferença fundamental de a escrita não requerer equipamentos sofisticados e caros.
A verdade é que comecei a fotografar há dois anos. Foi no dia 31 de Julho de 2010, um sábado, que comprei a minha primeira câmara, a Canon PowerShot A3150is. Já escrevi o suficiente sobre as minhas efemérides fotográficas aqui e aqui, pelo que não vou maçar ninguém com descrições daquilo a que, se acaso tivesse gosto por lugares-comuns, chamaria «o meu percurso»; o que me interessa é saber o que consegui ao longo destes últimos dois anos - para além de me ter tornado num tarado da fotografia.
A minha primeira câmara
Quando olho para as minhas fotografias antigas (se é que este é o adjectivo correcto para designar fotografias com apenas dois anos), não me sinto particularmente embaraçado, mas também não me encho de orgulho; não esperava fazer fotografias espectaculares desde o primeiro dia, porque tive sempre a consciência de que a estrada da aprendizagem era longa, sinuosa e cheia de dificuldades; nem olho para as primeiras fotografias com complacência, porque nunca me abstenho de ser crítico. As minhas primeiras fotografias são muito fraquinhas em praticamente todos os aspectos, mas nalgumas delas penso que consegui exprimir algumas das ideias que me levaram a querer fotografar. E isto era o mais importante. Não comecei a fotografar por ser aliciante exibir-me na rua com equipamento fotográfico, nem para me obcecar com questões técnicas; foi para transformar em imagens o que os meus olhos viam e me parecia merecedor de ser capturado. Quando comecei tinha já algumas noções de design - conhecia algumas regras de composição, como a regra dos terços -, mas não sabia mais nada de fotografia. O que me levou a querer suprir essa lacuna do conhecimento da forma mais ampla e rápida possível, e a transmitir os conhecimentos que dei por adquiridos e consolidados - que é para isto que este blogue serve.
Também já narrei aqui as limitações da minha primeira câmara, que me levaram a adquirir o meu equipamento actual. Este último deixa-me satisfeito e, a despeito de algumas limitações, não sinto necessidade de mudar. Preciso apenas de uma ultra grande-angular, da ordem dos 12mm, para que o meu equipamento fique verdadeiramente completo, mas o que me interessa, neste momento, é fazer fotografias interessantes. Agora que o equipamento deixou de ser uma limitação, não tenho desculpas para fotografias banais ou desinteressantes. É nos conteúdos, mais do que nas técnicas, que quero evoluir.
As fotografias que faço hoje, essas, não me ficaria bem adjectivá-las; algumas satisfazem-me, outras não. Recebem muitas vezes reacções positivas, mas estas deixam-me sempre na dúvida se são sinceras ou se os juízos são proferidos por simples simpatia ou cortesia. Sinto sempre que posso fazer melhor, e vem-me com muita frequência à mente a frase de Imogen Cunningham: «a minha melhor fotografia é a que vou fazer amanhã».
As únicas coisas que sei ao certo, ao fim destes dois anos, é que me envolvi no hobby mais interessante do planeta, e que quero continuar a fotografar e a aprender. Porque a estrada a que me referi mais acima, além de ser longa, sinuosa e cheia de dificuldades, não tem fim - nem saberia bem percorrê-la se o tivesse.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Os ladrões de fotografias

Chamou-me a atenção o texto publicado hoje na FotoDigital online, do meu estimado José Antunes, após denúncia pública dessa entidade que merece o meu maior respeito, o Instituto Português de Fotografia. (Vale a pena ler o texto: se não atinou com a hiperligação à primeira, pode encontrá-lo aqui.) O IGESPAR promoveu um concurso de fotografia sob o tema do património. O regulamento do concurso estipula que os direitos de autor das fotografias submetidas a concurso revertem incondicionalmente para o IGESPAR, o que significa que o autor não poderá obter qualquer proveito futuro das fotografias submetidas a concurso. Ora, se é verdade que, de acordo com o Código dos Direitos de Autor (artigo 166.º), o fotógrafo pode alienar os seus direitos sobre a fotografia - tal faz parte do conteúdo do direito de propriedade -, a maneira como esta transmissão está prevista no regulamento do concurso levanta-me as maiores dúvidas. A legislação portuguesa sobre contratos de adesão - e não tenho dúvidas que a participação neste concurso se insere nesta categoria - é suficientemente clara quando formula a exigência de que as cláusulas contratuais gerais (aquelas unilateralmente impostas por uma das partes, como aqui sucede) sejam explícitas quanto ao seu conteúdo e sejam facilmente inteligíveis, proibindo cláusulas «...que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real» (artigo 8.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro). Como qualquer pessoa com inteligência mediana terá percebido, esta disposição legal prevê o caso clássico das cláusulas impressas em letra miudinha, que as mais das vezes são ignoradas pelos outorgantes. Os organizadores do concurso aproveitam-se da fome de sucesso e reconhecimento dos fotógrafos amadores e do desprezo da generalidade das pessoas por questões jurídicas desta natureza para impor estas condições, que são manifestamente abusivas e podem, no limite, ser consideradas usurárias, determinando a nulidade do negócio jurídico (artigo 282.º do Código Civil).
Algo vai muito mal quando o próprio Estado promove este tipo de esbulho. O problema é, porém, mais extenso do que parece, uma vez que, se o concurso em questão diz ao que vem (ainda que eventualmente em caracteres minúsculos), há muitos outros em que os promotores se apropriam ilicitamente das imagens e as usam de acordo com os seus interesses, construindo bancos de imagens usurpadas para fins comerciais de que só os promotores beneficiam - em detrimento, evidentemente, dos direitos dos autores das fotografias. Mesmo que consideremos que a inclusão das cláusulas referidas no texto de José Antunes revelam um módico de boa fé, ao prover informação ao interessado, esta impressão é errónea: o que há nestas cláusulas é um expediente dissimulado para privar o fotógrafo participante do seu direito de acção contra o promotor do concurso, sob uma aparência de legalidade que não passa de um ludíbrio. 
Quem participa em concursos desta natureza deve, pelo menos, dar-se ao trabalho de ler os «caracteres miudinhos» do regulamento - porque a única liberdade que lhe é dada é a de subscrever ou não os termos do contrato. A ânsia de reconhecimento e sucesso pode ter consequências desastrosas para o fotógrafo, como muito bem sublinha José Antunes. Os meus parabéns a ele e ao Instituto Português de Fotografia por terem tido a coragem de denunciar esta vigarice pública.

ADENDA: a newsletter do IPF em que se denuncia este abuso formula uma interpretação diferente da minha quanto às normas do Código do Direito de Autor relativas à transmissão de obras fotográficas, qualificando os direitos do fotógrafo como intransmissíveis e irrenunciáveis. Ora, se isto é verdade quanto aos direitos autorais em geral, é também certo que o caso da fotografia está previsto em disposições especiais do mesmo código; entre estas avulta o artigo 166.º do C. D. A., que prevê o caso de alienação do negativo (que deve ser interpretado extensivamente, abrangendo os ficheiros digitais de imagem). Esta disposição legal prevê que, no caso de alienação, também se transmitem os direitos de autor a favor do adquirente. Esta é mais uma razão para se ter o maior cuidado com as cláusulas dos regulamentos dos concursos. 

domingo, 29 de julho de 2012

Abstraccionismo. Porque não?

Ultimamente tem-me dado para fazer algumas fotografias que não têm intenção de ilustrar coisa nenhuma; não informam sobre um objecto, não têm um conteúdo ou significado explícitos. São oferecidas à percepção de quem as vir, deixando a estes liberdade de olhar e interpretar a fotografia. São objectos puramente formais, e o único conceitualismo neles presente é o uso do preto-e-branco (nalguns casos, o chiaroscuro).
Não é obrigatório que a fotografia tenha uma significação imediata, ou que a intenção fotográfica se apresente directamente à percepção e que seja óbvia. Pelo menos desde Man Ray que a fotografia é usada, por muitos fotógrafos, como algo desligado da realidade das circunstâncias que rodeiam o objecto fotografado, e a fotografia sempre acompanhou os movimentos estéticos da pintura e de outras artes - a despeito do seu potencial para retratar a realidade tal como ela é. Não há nada de errado em tomar um elemento de um determinado objecto - por ex. a sua forma - e isolá-lo da sua realidade. A criatividade não deve ter nenhum limite, excepto este: não se deve transformar a fotografia em algo que não estava presente no local onde esta foi feita (mas mesmo nisto sou hoje bem mais tolerante do que há apenas uns meses atrás). Esta transformação é a negação da fotografia como meio de capturar uma cena ou um objecto num momento único e irrepetível: é necessário que aqueles existam defronte da lente no momento em que se enquadram e se dispara. Caso contrário estaremos no domínio, não da fotografia, mas das artes gráficas. Sobrepor um fundo com nuvens ou estrelas numa fotografia sem que aqueles elementos estivessem no lugar onde foram fotografados é uma mentira, embora seja cada vez mais usada e aceita graças à popularidade do Photoshop CS.
A abstracção não significa, necessariamente, ruptura com o real. Significa, na maior parte dos casos, uma forma particular de ver os objectos. Mesmo quando se esbate o plano de fundo, está-se a usar a abstracção, desligando o objecto daquilo que o circunda - mas o objecto está, nas circunstâncias particulares de tempo e de lugar em que foi fotografado. É no plano dos conceitos que a abstracção se encontra, não no plano ôntico. É uma maneira de interpretar a realidade, não uma construção irreal (ou uma desconstrução do real): nas minhas fotografias o objecto existe, embora apenas se considere a sua forma, separadamente de elementos como a cor ou a envolvência.
Nas fotografias com que ilustro este texto fotografei folhas boiando num lago, uma formação de microalgas no mesmo lago e a ondulação de um rio; na primeira, usei o enquadramento para abstrair dos limites da mancha de folhas caídas, de maneira a que estes não se tornassem perceptíveis (tentando assim criar uma sensação de uma quantidade e densidade muito superiores às que realmente existiam). Na outra interessaram-me as linhas que dividiam os grupos das microalgas, como que formando caminhos sinuosos, e, na última, fotografei uma pequeníssima porção do rio Douro com uma teleobjectiva. O leitor mais arguto terá reparado que são todas em preto-e-branco, e tal deve-se a ter querido desligar os objectos do elemento cor, concentrando a atenção nas formas e texturas. Devo dizer que não faço a mais pequena ideia se estas fotografias são boas ou más, se são interessantes ou desinteressantes e se quem as vê lhes atribui algum significado. Sei que estão no pólo oposto das snapshots das férias e do cão, que não são lá muito populares no Flickr e que continuo à procura de qualquer coisa que não sei bem o que é. E que nem sempre as referências à realidade têm de ser concretas e literais. Nem em fotografia.

sábado, 28 de julho de 2012

ISO, ruído, flash e tripé (uma adenda)

Só estou aqui a escrever porque a RTP decidiu que é muito mais importante transmitir um jogo de voleibol de praia feminino entre a Suíça e a Grécia do que a qualificação da ginástica artística masculina, em que participa um português, o Manuel Campos (Joca), que, por sinal, conheço desde que ele era ainda uma criança. Foi a primeira vez que um ginasta português se apurou para os jogos olímpicos, mas a RTP, aparentemente, parte do pressuposto inerme de que os portugueses gostam é de jogos com bola - mesmo que seja voleibol de praia feminino. Este é o serviço público a que temos direito.
Lamentações à parte, o que me levou a escrever hoje foi a necessidade de reforçar algo a que aludi no texto de ontem: todas as câmaras, mesmo as melhores, produzem ruído. E este manifesta-se desde muito cedo: por maior que seja o valor ISO anunciado, o ruído começa a deteriorar a qualidade da imagem, mesmo em câmaras como as Nikon D4 e D800, ou a Canon 5D Mk III, a partir de ISO 800. Em qualquer das câmaras mencionadas estão montados sensores full frame, pelo que esta não é apenas uma questão de área; aliás, as Leica M8 e M9 têm sensores full frame e o ruído que produzem é de um standard que as deixa abaixo de câmaras com sensores 4/3. Algumas câmaras disfarçam melhor este fenómeno que outras quando se fotografa em JPEG, mas em Raw, sem a intervenção do processador, a verdade é revelada sob uma luz particularmente cruel.
Não falo de cor. Quem duvidar do que digo pode confirmar aqui e entreter-se um pouco com a comparação entre as câmaras que mencionei atrás e a Pentax 645D, uma câmara médio formato. Só esta última consegue obter imagens relativamente limpas a ISO 800 - mas a sua gama de sensibilidades termina, curiosamente, nos 1600.
Aliás, este último facto levanta uma outra questão: serão sensibilidades ISO da ordem das dezenas ou centenas de milhar verdadeiramente necessárias? Se uma câmara médio formato não vai além de 1600, não é certamente porque o fabricante não sabe fazer melhor. Diria, mesmo sendo praticamente um leigo, que é uma opção deliberada para evitar a deterioração da qualidade da imagem causada pelo acréscimo de ruído que as sensibilidades elevadas necessariamente implicam. Contudo, existe a tendência de engodar o consumidor mal informado com valores ISO astronómicos (e também com muitos megapixéis), como se estes fossem absolutamente fundamentais. Não são. Quantos fotógrafos amadores precisam de velocidades de disparo muito altas em condições de fraca luminosidade? Nenhuns! Só os profissionais é que têm esta necessidade, e mesmo assim só em casos extremos. Diria que adquirir uma câmara porque esta anuncia um valor ISO da ordem dos 102400 é tão estúpido como comprar um automóvel que marca 240 km/h no velocímetro, apesar de o seu motor de 1200 cm3 produzir 75 hp. 
O meu conselho? Não se importem com os valores ISO anunciados no momento de adquirir uma câmara. Preocupem-se mais com o nível de ruído que a câmara produz a ISO 100 ou 200, porque é aqui que se vê o desempenho da câmara em termos de ruído.
Agora deixem-me ir ver como é que o Joquinha se safou...     

sexta-feira, 27 de julho de 2012

ISO, ruído, flash e tripé

Mesmo correndo o risco de ser repetitivo, porque já abordei estes assuntos, hoje parece-me importante deixar aqui algumas considerações acerca do ISO, que me parecem oportunas por causa da maneira como as pessoas o usam nestes dias.
O ISO, como sabemos, é o valor que indica a sensibilidade do sensor - ou do filme - à luz. ISO são as iniciais de International Organization for Standardization (como os anglo-saxónicos gostam de acrónimos, inverteram a ordem das duas últimas iniciais), que é a organização internacional que dimana as normas ISO, presentes em áreas tão diferentes como as dimensões dos pacotes de leite ou as normas de qualidade de produtos e serviços. (Os sistemas de qualidade das empresas, por exemplo, regem-se pelas normas da família ISO 9000.) Antes da adopção universal do standard ISO, a sensibilidade era também expressa em valores ASA (American Standards Association) ou DIN (Deutsches Institut für Normung), mas o carácter universal dos padrões ISO levou a que este prevalecesse.
O valor ISO exprime-se em passos (vulgarmente designados, na gíria fotográfica, por EV, iniciais de exposure value) que dobram o valor da sensibilidade a cada incremento. A escala de sensibilidades inicia, geralmente, em ISO 100, e ascende multiplicando o valor por dois: 100, 200, 400, 800, 1600, 3200, 6400, 12800. Algumas câmaras dividem o valor mínimo por 2, obtendo ISO 50, e outras atingem, mediante um modo especial, valores da ordem dos 102400 (e os fabricantes prometem não ficar por aqui).
Convém reter a noção de que os passos ISO são meras indicações, tendo um carácter aproximativo, de modo que um valor indicado na câmara como ISO 800 pode, dependendo do fabricante, ter variações e não corresponder ao real: pode, por ex., ser ISO 960. Alguém comparou a escala ISO de uma câmara ao velocímetro de um automóvel, e a analogia, embora um pouco grosseira, é essencialmente correcta. O facto de o velocímetro indicar um máximo de 230 Km/h não significa que o automóvel atinja realmente essa velocidade, e muito menos que deva fazê-lo!
Muitos principiantes terão pouca ou nenhuma noção do que é a sensibilidade ISO, pelo que cometem o erro de deixar que a câmara determine automaticamente qual a sensibilidade a usar em cada exposição. Isto pode ter um efeito detrimental sobre a qualidade da imagem, uma vez que o fotómetro, quando deixado ao seu livre arbítrio, irá escolher um valor ISO que será tanto mais alto quanto menos intensa for a luz. O que, como sabemos, se repercute na quantidade de ruído presente na imagem.
ISO 800, f2.8, 1/30, sem flash, redução do ruído do DxO Optics Pro 7
Para evitar o ruído, há que manter a sensibilidade ISO no valor mais baixo possível. Isto já todos sabemos, mas é importante ter esta noção em mente quando se fotografa. Se fotografarmos uma paisagem à noite, com a câmara montada num tripé, não devemos deixar o ISO no modo automático nem escolher valores demasiado elevados: nesta circunstância o ISO deve ser mantido no mínimo, optando-se por tempos de exposição longos e por uma abertura relativamente estreita. Os valores ISO muito elevados servem para fotografar em condições de escassa luminosidade, quando o uso do tripé é impossível ou não é prático (por ex. para fotografar interiores pouco iluminados) e o emprego do flash é inviável - em muitas igrejas é proibido usar flash -, mas mesmo nestes casos o valor ISO deve ser o menor possível: apenas o estritamente necessário para garantir tempos de exposição entre 1/20 e 1/60, de maneira a que não se produza arrastamento. Em regra, valores como ISO 800 poderão ser suficientes para assegurar que a fotografia não vai ter distorção por arrastamento. Outro caso em que o uso de valores ISO elevados se justifica é a fotografia de objectos em movimento em condições de escassez de luz (por ex. um evento desportivo nocturno); aqui o importante não é a qualidade da imagem em termos absolutos, mas captar o objecto usando tempos de exposição extremamente curtos, deste modo evitando o arrastamento. Em todo o caso, mesmo nestas circunstâncias a sensibilidade ISO deverá ser a menor possível - mesmo que este menor possível seja 6400 -, mas, neste caso, estamos diante de situações extremas em que o compromisso da qualidade é aceitável.
A evolução dos sensores tem vindo a permitir o uso de sensibilidades extremamente elevadas, o que muitos aproveitam para dispensar o tripé e o flash. Isto é uma asneira, porque o ruído vai necessariamente prejudicar a qualidade da imagem - mesmo que se use a melhor câmara do mundo. Muitas fotografias podem parecer isentas de ruído quando feitas com uma câmara de boa qualidade, empregando sensibilidades da ordem dos 6400 ou superiores, mas quando a imagem é ampliada o ruído torna-se evidente. A aparência da imagem pode ser aceitável quando a fotografia é visualizada em formato reduzido, mas tal só acontece porque os filtros de ruído da câmara estão activos. Ora, estes filtros não devem ser usados, porque a redução do ruído feita pelo processador da câmara é feita em detrimento da qualidade da imagem, suprimindo os pormenores subtis. A câmara deve ser usada sempre com os filtros desligados, tratando-se o ruído na edição. E mesmo o melhor programa de edição de imagem pode não ser capaz de impedir que o ruído interfira com a qualidade da fotografia: o mais habitual é que os contornos dos objectos sejam suavizados, destruindo assim a resolução que poderia ter sido obtida se o fotógrafo tivesse optado por um valor ISO baixo.
Deste modo, não há nada que substitua o tripé e o flash. Este último não serve apenas, como muitos imaginam, para fotografar à noite: serve também para eliminar as sombras, caso em que alude ao flash como «de preenchimento» (fill in). E serve, sobretudo, para evitar a distorção por arrastamento quando se fotografa em condições de luz escassa. Mas o flash tem um alcance limitado, iluminando apenas, na melhor das hipóteses, uma dezena de metros, pelo que nem sempre dispensa o tripé. Aliás, se repararem bem, mesmo os fotojornalistas presentes em jogos de futebol usam tripés - ou, pelo menos, monopés. Porque usam objectivas gigantescas, evidentemente, mas também porque sabem que a sensibilidade ISO não pode ser usada indiscriminadamente. Se os fotojornalistas usam o ISO comedidamente, por que havemos nós, os comuns mortais, de puxar o mais possível pelo ISO?