sábado, 11 de fevereiro de 2012

A democratização da fotografia (2)

Tirada com uma compacta: OK, desde que não a ampliem!
Volto à classificação dos fotógrafos a que me entreguei no texto anterior. Ficou por referir o grupo daqueles que pensam que fazem grandes fotografias - capazes de competir com os profissionais, clamam alguns - com as suas câmaras compactas. Isto é, evidentemente, uma generalização, com os exageros que lhe são inerentes, mas há gente que pensa assim. Em boa verdade, prefiro uma boa fotografia tirada por uma destas pessoas a uma má fotografia tirada com uma Canon 5D por um mau fotógrafo: ao menos a primeira exprime algo. Simplesmente, as pessoas que se arrogam qualidades de fotógrafo com as suas compactas e telemóveis, por regra, não tiram boas fotografias - embora se tenham deixado convencer do contrário.
Mesmo nos casos em que o fotógrafo mal equipado é capaz de boas ideias fotográficas, é importante ter em mente que a fotografia é uma arte visual, não podendo, deste modo, ser desligada do conteúdo estético. Por melhor que seja a ideia exprimida e a intenção do fotógrafo, uma fotografia com excesso de ruído, aberrações cromáticas excessivas, distorções geométricas não propositadas ou cores inexatas e deslavadas é uma má fotografia. Voltando à analogia óbvia com a pintura, vamos imaginar que Vincent van Gogh tinha pintado o Doze Girassóis Numa Jarra com lápis de cera numa folha de cartolina. Penso - embora possa estar enganado - que o quadro não teria o mesmo valor; quando muito, seria um esquisso procurado por quem se interessasse seriamente por documentar a obra do pintor. Por que havia de ser diferente na fotografia? Alguém se convence que Josef Koudelka se teria tornado num fotógrafo de renome se tivesse usado uma daquelas Agfa de encolher, ou uma Lomo? Ou Yann Arthus-Bertrand com uma Samsung de €79,99? Impossível.
O equipamento é importante e necessário, mas apenas pode ajudar a fotografar se o seu utilizador dominar as noções de composição e enquadramento e a técnica fotográfica. Dito isto, qualquer pessoa que entenda que as suas fotografias são excelentes, tendo-as tirado com equipamento inferior, ou é presunçoso ou não sabe o que é uma boa fotografia. Acreditem que esta afirmação não tem nada de arrogante, porque é inteiramente fundada na minha própria experiência. Não tenho o menor pudor em reconhecer que tirei inúmeras imagens de má qualidade, embora na altura estivesse plenamente convencido que eram grandes fotografias. Uma câmara (e, sobretudo, uma lente) inferior é um obstáculo à expressão da ideia do fotógrafo, por melhor que esta seja. Uma câmara, para dar rédea solta às qualidades do fotógrafo, necessita de determinados requisitos técnicos: tem de permitir, antes de mais, o uso de modos de exposição automáticos ou semi-automáticos, de maneira a que o fotógrafo tenha controlo sobre o processo criativo. Caso contrário aquele não estará a fotografar, mas apenas a escolher enquadramentos e a deixar que seja o fotómetro a colher a imagem. A câmara tem também de permitir o uso de lentes adequadas a cada tipo de fotografia e à intenção do fotógrafo. Eu comecei com uma câmara compacta, pelo que tenho conhecimento do assunto que me propus tratar. A compacta impedia-me de fazer as fotografias que queria: era absolutamente inapta para fotografar à noite, e os únicos controlos que me deixava eram os da compensação da exposição, ISO e equilíbrio dos brancos. O que é, convenhamos, muito pouco. E tinha um nível pavoroso de distorção geométrica nas distâncias focais mais curtas, curvando as linhas direitas. É certo que consegui fazer algumas fotografias satisfatórias com ela, mas a qualidade destas dependia excessivamente de condições de luz ideais e do uso de distâncias focais que não produzissem distorção. Quanto aos «modos criativos» destas câmaras, o mínimo que posso afirmar é que não têm qualquer utilidade para um fotógrafo que leve o seu hobby minimamente a sério.
A ideia é a base da criação artística, mas não é tudo. Na literatura, não basta ter uma ideia interessante para um conto ou um romance e transcrevê-la para o papel: é necessário o domínio da língua - em especial da gramática -, o emprego de uma linguagem literária e o conhecimento do processo de criação literária. Tal como na fotografia é importante o domínio da técnica para exprimir uma ideia. Hoje há milhares de pessoas que imaginam que, por terem ideias e as reduzirem a escrito, se tornam escritores. Estas pessoas também incorrem nos vícios dos fotógrafos: ou são presunçosas ou nunca leram os clássicos da literatura (ou, se os leram, nada aprenderam com eles). Neste mundo que promove a mediocridade, é muito fácil alguém passar por artista (hoje em dia parece que basta ter muitos «gosto» naquilo que publicam no Facebook), mas aceder à condição de artista continua a ser a prerrogativa de muito poucos. Por isso não me venham com essa história de que se pode fazer grandes fotografias com uma compacta. Não é verdade.

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom e verdadeiro o artigo acima, pelo que o parabenizo pela iniciativa em compô-lo.
Gostaria de apresentar minhas fotos, que por enquanto, se encontram sem uma definição categórica no que diz respeito à estilização. Seria pedir muito solicitar a vc. que as vislumbrasse e me desse algum feedback?
www.galeriademetrius.blogspot.com

Att.:
Dmtrius

Manuel Vilar de Macedo disse...

Não, não é pedir muito. Até é um prazer ver as suas fotos, que têm um carácter conceitual que é muito do meu agrado, Demetrius. Mas vamos fazer um pacto: eu vejo todas as fotografias que quiser, na condição de não usar a palavra 'parabenizo'. É horrível! :-)