quinta-feira, 29 de março de 2012

O cúmulo da preguiça

É com a câmara que isto se faz, não com o Photoshop!
Hoje entretive-me a ler um artigo no DPReview acerca do Photoshop CS6 Blur Gallery, um software do Photoshop CS6 que permite produzir um fundo esbatido a partir de uma imagem completamente nítida. Depois de o ler, fiquei com uma dúvida - a quem é que isto serve? Não compreendo como pode alguém que se arroga a qualidade de «fotógrafo» saber da existência deste software sem esboçar um esgar desdenhoso. Como é que alguém pode ser tão preguiçoso, ou tão inepto, ao ponto de não saber nem querer aprender como se reduz a profundidade de campo para produzir fundos esbatidos? É tão simples que me parece inconcebível haver quem precise daquele utensílio informático. Não vou ao ponto de dizer que só um idiota o usará (não quero ter mais comentários de gente ressabiada, ainda hoje recebi mais um), mas o potencial utilizador daquilo só pode ser alguém que prefere a complicação à simplicidade, o irreal ao natural e o artificial ao autêntico. Não será um idiota, mas é certamente alguém com concepções muito estranhas acerca de fotografia.
Já o disse aqui por várias vezes: obter aquilo a que se chama o bokeh é desconcertantemente simples. Claro que exige alguns requisitos técnicos, mas se eu consigo, qualquer um consegue. Basta ter uma lente com uma distância focal razoável - digamos a partir dos 70mm, mas quanto maior, melhor -, com uma boa abertura, na ordem dos f2.0 ou superior (a f1.4 as coisas começam a tornar-se seriamente interessantes). Claro que uma lente destas pode ser cara, mas não necessariamente: a Canon e a Nikon têm lentes 50mm/f1.8 extremamente baratas e de grande qualidade. 
Preenchidos que estejam estes requisitos, é só escolher a abertura máxima, aproximar a lente do objecto que se quer manter em foco e disparar. A focagem automática faz o resto. Não vejo o que tem isto de complicado. aliás, nem é condição necessária ter focagem automática: as lentes manuais são tão ou mais capazes de produzir este efeito quanto as lentes contemporâneas de focagem automática. No meu caso, tenho uma lente que é especialmente apta para este tipo de fotografia: a minha venerada Olympus OM G.Zuiko Auto-S 50mm/f1.4, obviamente de focagem manual. Fotografar com esta lente é um prazer. Ver, no ecrã da câmara, a maneira como o fundo se vai esbatendo, reduzindo-se a manchas coloridas, enquanto o objecto vai ganhando nitidez à medida que rodo o anel de focagem, é uma experiência única, de uma beleza incomparável. Nada substitui esta experiência: consigo envolver-me por completo no acto de fotografar. É muito diferente estar no terreno e regular a câmara ou estar de frente ao monitor a usar pincéis virtuais ou manipular camadas. E muito mais divertido.
Esta é a imagem que ilustra o artigo da DPReview. Completamente irrealista.
Além de ser uma experiência estéril, o Blur Gallery produz resultados esteticamente desagradáveis. Pode ser interessante para quem cultive noções superficiais de beleza, mas a verdade é que a imagem manipulada torna-se irreal, inautêntica e artificial, sendo a manipulação demasiado notória. Enfim - uma experiência estéril que tem o potencial de privar o utilizador de aprender a técnica fotográfica (que, como vimos, até não é assim tão difícil). Daí que o meu conselho seja que o eventual interessado neste software poupe o seu dinheiro e amealhe mais um pouco para adquirir uma lente com boa abertura. A menos, claro, que seja demasiado preguiçoso para aprender uma técnica tão simples como esta.

terça-feira, 27 de março de 2012

Adeus, Vivitar

Vou ter de me desfazer da minha superteleobjectiva, a Vivitar OM 75-300/f4.5-5.6. Apesar de ser uma lente extraordinária, não tiro partido dela. Apesar de estar como se fosse nova, é simplesmente demasiado grande e pesada para a minha câmara. Conseguir fotografias nítidas segurando a câmara com as mãos é praticamente impossível, mas nem mesmo o tripé ajuda: precisava de uma peça que nunca consegui encontrar - um anel de fixação - para a usar convenientemente. Este anel permitiria fixar directamente a lente ao tripé, mas é impossível encontrar uma peça destas. Com a fixação normal, a lente entra em vibração mal lhe toco, o que torna a focagem extremamente difícil. Pior ainda, faz ceder o painel dianteiro da câmara, que obviamente não foi concebida para lentes daquele peso e tamanho. E, se usar a câmara na vertical, o peso da lente faz a câmara descair!
Deste modo, vou pô-la à venda. Espero que vá parar às mãos de alguém que consiga tirar partido dela - alguém que tenha uma DSLR da Olympus ou o tal anel de fixação que nunca consegui encontrar. Tenho pena, porque, pelas experiências que fiz com ela, fiquei muito bem impressionado - mas, nas minhas condições, é um peso morto. Literalmente. Não posso usá-la, não tem nenhuma serventia para mim.

domingo, 25 de março de 2012

Impressões

Ontem encomendei impressões, em formato 30/40, de cinco das minhas fotografias. Foram necessárias muitas hesitações até decidir mandar imprimir fotografias: antes de mais, pela minha exigência crónica, que não me deixa cair na auto-complacência de imaginar que já sou um bom fotógrafo e que leva a que eu seja o meu maior crítico das minhas fotografias. Sou-o, de facto: as minhas referências são tão ilustres, e os meus critérios tão altos, que é muito frequente duvidar que algum dia consiga fazer fotografias verdadeiramente boas, comparáveis com as dos meus fotógrafos favoritos. Só há muito pouco tempo me consegui convencer que algumas das minhas fotografias eram suficientemente boas, do ponto de vista do conteúdo (no próximo parágrafo referir-me-ei ao aspecto técnico),  para as mandar imprimir.
A outra causa das minhas hesitações era o receio de a qualidade das imagens ser insuficiente. Eu estou inteiramente consciente de que não tenho a melhor câmara, nem as melhores lentes (com a excepção possível das OM). Por muito valorosa que seja a E-P1, a verdade é que os níveis de ruído e difracção são muito elevados. E a resolução mediana, aberrações cromáticas e distorção da Pancake 17mm/f2.8 também não ajudam. Nada que se compare a uma câmara compacta, claro está, mas muito abaixo do que uma boa reflex - digamos, uma Canon 60D equipada com a famosa lente 50mm/f1.8 - pode fazer. 
Acresce que não uso Photoshop. Este programa - e similares - confere espectacularidade às imagens, mas eu optei, desde muito cedo, por obter os meus resultados confiando exclusivamente no controlo da exposição antes de premir o botão do disparo. Daí que fosse sempre tão importante ter uma câmara com boas propriedades de cor e JPEGs de alta qualidade. Aqui a E-P1 brilha, sendo necessário gastar muito dinheiro para fazer melhor (apenas a partir da Canon 60D é que vejo uma melhoria substancial na qualidade da imagem). É possível que a impressão mostre defeitos que me passaram despercebidos e que poderiam ser corrigidos com um programa de edição evoluído. Posso dizer que estas impressões vão pôr em crise esta minha opção por não usar o Photoshop (ou o Elements, o Lightroom ou seja o que for). Posso até vir a concluir que o Photoshop é indispensável - ou posso confirmar a justeza das minhas ideias acerca da edição.
Depois de todas estas dúvidas e incertezas, não sei como vou reagir quando vir as fotografias impressas. O que sei, contudo, é que a impressão, tal como a revelação, é o destino último e natural de uma fotografia. A fotografia existe para ser gravada no papel; tê-la para sempre sob a forma de ficheiro de imagem é negar ao botão a capacidade de desabrochar e se tornar flor. Apenas o papel dá a verdadeira dimensão da fotografia. O monitor, por melhor que seja, não substitui a experiência sensorial do papel; não substitui o toque, o brilho, a vividez e a tridimensionalidade de uma boa fotografia impressa em papel de qualidade decente. Não é que queira vendê-las, e decerto ninguém estará interessado em expô-las: encomendei as impressões para meu gozo pessoal, para comprovar ou infirmar as minhas convicções e, sobretudo, para saber se as minhas fotografias resistem a este que é o maior dos testes. Podemos passar o resto das nossas vidas a olhar fotografias no monitor, mas estas só adquirem autenticidade quando são passadas para papel. Nada se compara a ter uma fotografia nas mãos, a tocá-la e olhá-la - a senti-la. E isto é algo que o computador não permite.
As imagens que seleccionei podem ser vistas no Flickr (com direitos reservados), através dos seguintes links:

sábado, 24 de março de 2012

Questões legais da fotografia: os direitos de autor (4)

O que escrevi até aqui aplica-se aos direitos de autor em geral; a protecção legal da obra fotográfica, porém, tem uma especificidade que limita o seu âmbito. Com efeito, não é qualquer fotografia que é digna de tutela autoral. Isto compreende-se facilmente se tivermos em conta que, na generalidade dos casos, o objecto da fotografia é algo pré-existente à ideia do autor. Salvo algumas (poucas) excepções, a fotografia descreve cenas que não são produto da mente do fotógrafo; este não cria a realidade que fotografa, porque esta já existe no mundo exterior. Se fosse de admitir uma tutela dos direitos de autor semelhante à das outras obras, teríamos de admitir, por absurdo, que um fotógrafo pudesse ter o direito exclusivo de fotografar uma determinada paisagem ou edifício apenas porque foi o primeiro a fazê-lo: a sua fotografia da Torre dos Clérigos ou da Ponte 25 de Abril seria o original, e todas as que fossem feitas posteriormente daqueles lugares, por outros fotógrafos, seriam cópias. Não é difícil imaginar os excessos que uma protecção dos direitos de autor com esta extensão produziria.
Para evitar que isto suceda, a lei restringe a propriedade autoral da fotografia. Assim, o artigo 164.º do CDA exige que a fotografia possa considerar-se como criação artística pessoal do seu autor, quer pela escolha do seu objecto, quer pelas condições da sua execução.
Isto significa que nem todas as fotografias podem ser protegidas pela propriedade autoral. Para que uma fotografia possa ser considerada obra para efeitos do CDA, não basta que seja original: é ainda necessário que o objecto seja único (condição que pode ser de difícil verificação) ou, pelo menos, que a sua execução seja única.
Este último critério introduz um elemento de subjectividade que, em último caso, é deixado ao arbítrio do juiz. E leva-nos a uma discussão académica sobre o tema da originalidade da fotografia: o que torna uma fotografia única?
O objecto dificilmente será único: há milhões de fotógrafos a colher imagens dos mesmos objectos. Se fosse este o único critério, a protecção dos direitos autorais limitar-se-ia a retratos e à pintura com luz. De fora ficariam todas as paisagens, objectos da natureza, edifícios ou lugares, uma vez que estes estão ao dispor de qualquer fotógrafo, não podendo deste modo ser sujeitos à propriedade intelectual.
O que releva verdadeiramente, para tutela do direito moral, é a apreensão de um objecto através de uma perspectiva única, ou pelo recurso a determinadas técnicas fotográficas que tornam a fotografia única e irrepetível. Aqui deve ter-se em linha de conta a composição e o enquadramento, pois um objecto, apesar de já ter sido fotografado por milhões de pessoas, pode sempre ser visto de uma maneira inteiramente original. Do mesmo modo, o recurso a técnicas fotográficas pode servir para conferir originalidade e unicidade à fotografia. Socorrendo-me do exemplo de um tipo de fotografia a que me tenho dedicado ultimamente, direi - se me é permitida a imodéstia - que, se é verdade que fotografar as rochas de uma praia nada tem de único ou original, também o é que são poucos aqueles que as fotografam ao lusco-fusco, com velocidades de disparo lentas, de maneira a produzir o arrastamento das ondas do mar. Dentro das técnicas fotográficas deve ser incluído também o processamento da imagem: com efeito, o Photoshop pode contribuir para conferir originalidade a uma fotografia, tornando-a diferente de qualquer outra que tenha o mesmo objecto e, deste modo, fazendo dela uma criação artística pessoal. Em suma: o emprego de técnicas fotográficas que tenham a virtualidade de transmitir o pensamento artístico do fotógrafo e individualizar a imagem pode conferir à fotografia o estatuto de obra para efeitos de direito de autor.
O CDA prevê ainda duas regras importantes quanto a fotografia: a primeira prevê a tutela dos direitos de autor quando a fotografia tem por objecto uma obra de artes plásticas de autor diverso. Se alguém fotografar, por ex., uma pintura, o fotógrafo deve mencionar o autor desta última. A fotografia, neste caso, implica uma utilização de uma obra sujeita a direitos de autor, e esta é a forma de assegurar a tutela do direito deste último, protegendo-o de uma utilização abusiva.
O outro caso é o da alienação do negativo. Como é evidente que o CDA entrou em vigor antes do advento da fotografia digital, deve aqui entender-se também a transmissão do ficheiro de dados. Esta alienação implica (artigo 166.º do CDA) a transmissão de todos os direitos em favor do adquirente do negativo ou do ficheiro de dados, salvo se houver estipulação em contrário.
Também na fotografia existe a separação entre os direitos de propriedade sobre a obra e o direito moral de autor, ou propriedade autoral, salvo nos casos de alienação do negativo (como vimos anteriormente) ou de fotografia encomendada, aplicável aos retratos, em que a pessoa retratada tem o direito de transmitir a fotografia sem o consentimento do fotógrafo. No caso de alienação de uma impressão ou revelação, porém, uma coisa é a propriedade do suporte-papel e outra a propriedade autoral. Para que esta última seja efectivamente protegida, o CDA parece exigir que a fotografia contenha o nome do fotógrafo (artigo 167.º, n.º 1, al. a), do CDA). 
Que dizer desta regra? Será que o legislador apenas quis conferir direitos autorais no caso de a obra ser autógrafa? Creio que não. Deve tutelar-se o direito do autor que, por inadvertência, boa fé ou qualquer outro motivo, não fez incluir o seu nome na obra. O carácter absoluto do direito de propriedade admite que a sua prova possa ser feita por qualquer meio; a protecção da propriedade intelectual nasce com a criação da obra, não dependendo de qualquer acto posterior (como o é a inclusão do nome). Se for possível ao autor fazer prova da autoria da obra, devem os meios de prova que estejam ao seu dispor ser admitidos. Sou do entender que a norma do artigo 167.º, n.º 1, al. a), do CDA deve ser interpretada como apenas se aplicando à transmissão da obra, de modo a assegurar que a propriedade intelectual não se transmita fora dos casos da alienação do negativo e da fotografia encomendada.
Parte 1
Parte 2
Parte 3

sexta-feira, 23 de março de 2012

Questões legais de fotografia: os direitos de autor (3)


Os direitos de acção são a defesa do autor no caso de perturbação do seu direito - defesa esta que, na falta ou ineficácia de medidas preventivas, é, frequentemente - e em particular no caso da fotografia -, a única de que o autor pode lançar mão. Vamos finalmente ver quais são os meios de defesa do direito autoral.
É importante partir para esta análise com os olhos postos na realidade: o meio privilegiado de divulgação de fotografias é a Internet, pelo que o autor está completamente à mercê dos usurpadores. Não adianta marcar a fotografia, uma vez que a marca d'água pode ser cortada ou removida; a reserva de direitos que websites como o Flickr atribuem também não oferece muita segurança. O único expediente prático que se pode usar para prevenir a usurpação é publicar fotografias optando pela qualidade mais baixa possível, mas mesmo isto não assegura que a fotografia não seja usurpada: apenas garante que a fotografia não será impressa com a qualidade que poderia ser obtida.
A reserva de direitos, tal como a que existe no Flickr e noutros sítios, não é, porém, inteiramente destituída de utilidade: serve, quando menos, como meio de prova da autoria da imagem, funcionando a reserva de direitos como presunção de que o autor não renunciou ao seu direito de propriedade autoral sobre a fotografia.
Uma vez que é praticamente impossível usar meios preventivos de defesa da propriedade autoral (pelo menos no caso da fotografia), é depois de cometida a usurpação que o autor pode reagir. A lei assegura-lhe os mesmos meios de defesa da propriedade que estão ao dispor dos proprietários de bens corpóreos, mas acrescenta, para afirmar o desvalor da conduta de quem usa obra alheia como se fosse sua, um tipo-legal de crime. Com efeito, a usurpação é punida, nos termos dos artigos 195.º e 197.º do CDA, com prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias.
No plano civil, a propriedade intelectual goza dos mesmos meios de defesa que o direito geral de propriedade: é susceptível de medidas conservatórias no caso de receio fundado de violação iminente do direito, entre as quais se contam os procedimentos cautelares, sejam estes inominados ou especificados (como por ex. o arresto), ou de acção de indemnização cível - que, embora independente da responsabilidade criminal, pode contudo ser deduzida em conjunto com o procedimento penal.
A violação do direito moral de autor faz o usurpador incorrer em responsabilidade civil, constituindo-o na obrigação de indemnizar o autor. A regra geral da responsabilidade civil é a estipulada no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil: «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.» Para que a obrigação de indemnizar exista, é necessário que o usurpador tenha agido com dolo ou negligência, que a sua conduta seja idónea a produzir um dano na esfera jurídica do lesado e que exista um nexo causal entre esse dano e a acção do usurpador. A indemnização abrange os danos patrimoniais, englobando quer o dano emergente - aquele que resultou directamente da violação do direito -, quer o lucro cessante, entendendo-se por este os benefícios de que o autor deixou de gozar por virtude da violação do seu direito; e abrange também os danos não patrimoniais, que no caso do direito moral de autor não se circunscreve ao quantum doloris necessário para determinar o valor de indemnização noutros casos, porque este é um direito iminentemente moral.
Pode, contudo, não ser necessário recorrer a medidas extremas para que o autor faça cessar a usurpação. Suponhamos, usando um caso hipotético, que o fotógrafo A descobriu uma fotografia sua publicada, sem autorização, num livro, revista ou website. Pode bastar uma comunicação escrita - uma interpelação - para que a fotografia seja removida, e o caso fica resolvido sem mais. Se a violação do direito de autor persistir, porém, será necessário proceder judicialmente. Note-se, a este propósito, que o crime de usurpação, previsto no artigo 195.º do CDA, é um crime público: o procedimento criminal não depende de queixa nem de acusação particular, bastando uma simples participação ao Ministério Público ou à autoridade policial para que a acção penal seja desencadeada.
(Continua)

quinta-feira, 22 de março de 2012

Questões legais da fotografia: os direitos de autor (2)

Vimos no texto anterior que a lei protege a propriedade intelectual. Desenvolvendo este conceito, devemos concluir que o direito do autor sobre a sua obra consiste num direito de propriedade verdadeiro e próprio, que a lei configura como um direito absoluto e erga omnes: esta expressão latina significa que este direito é oponível a todos os demais, tal como a propriedade de um prédio ou de um automóvel: a lei, ao mesmo tempo que confere direitos ao proprietário, vincula todos os demais a uma obrigação passiva universal - a de se absterem de perturbar o gozo do direito do titular. E é um direito absoluto: o proprietário goza de todos os poderes sobre a sua obra, incluindo o de a alienar ou onerar, podendo gozá-la de acordo unicamente com a sua vontade (ao que os clássicos chamavam ius fruendi, utendi et abutendi).
Este conceito de propriedade intelectual ajuda a compreender a extensão da protecção legal do direito de autor. Vimos, no texto anterior, que o direito de autor se estende por setenta anos após a criação da obra, e acabámos de ver que o autor tem os mesmos direitos que o proprietário de um bem móvel ou imóvel; pode, deste modo lançar mão de todos os meios que a lei civil põe à disposição do proprietário, incluindo o direito de sequela, que permite ao proprietário sacrificar direitos de outrem para assegurar o seu direito de propriedade, para defender o seu direito contra terceiros.
No caso da fotografia, temos que o autor de uma obra fotográfica vê o seu direito reconhecido no momento da criação da fotografia, sem dependência de qualquer acto formal de inscrição ou registo; a partir desse momento - que pode ser considerado aquele em que a imagem é fixada pelo sensor ou filme -, o seu direito goza de protecção universal. Vamos ver, de seguida, o que pode fazer o fotógrafo para defender o seu direito; antes, porém, devemos analisar qual o conteúdo do direito de autor.
Já vimos que este é um direito sobre algo incorpóreo: a criação intelectual, artística ou científica são conceitos imateriais, com origem no pensamento abstracto humano. Mesmo quando se fotografa um objecto, com toda a carga de realidade e materialidade que este compreende, o acto de criação consiste numa ideia: a noção de composição e enquadramento do fotógrafo. Contudo, esta ideia carece de materialização, pelo que o direito de autor não existe na sua forma mais abstracta: a lei não protege as ideias, mas os seus frutos. Só com a criação da obra é que a ideia se consubstancia. É, pois, o momento da criação aquele em que a obra se torna objecto de relações jurídicas.
A obra, enquanto materialização da ideia, é separada desta, podendo ser objecto de tutela legal autónoma: no caso de alienação da obra, o direito de propriedade sobre a obra - i. e. o objecto corpóreo - transfere-se para o adquirente, mas a propriedade moral, ou intelectual, permanece na esfera jurídica do autor. Se um pintor vende um quadro a um marchand, os direitos patrimoniais passam a integrar a esfera deste último, que pode aliená-la ou onerá-la livremente; contudo, o direito de propriedade intelectual não se transmite, a menos que haja declaração expressa do autor pela qual este renuncia aos seus direitos autorais. Embora correndo o risco da simplificação excessiva, direi que, se o quadro do exemplo acima for furtado, é o marchand que deve ser indemnizado pela perda, não o autor; se, contudo, o mesmo quadro for copiado por outrem e vendido como se fosse o original, o lesado é o autor, devendo ser este o beneficiário da indemnização e sendo ele o titular do direito de queixa e de acção. (Continua)

Questões legais da fotografia: os direitos de autor (1)

Uma fotografia é, antes de mais, uma obra intelectual. Apesar da democratização da fotografia trazida pelo advento da era digital, e da sua banalização crescente, uma boa fotografia será sempre uma criação da mente humana, sendo deste modo digna de tutela legal.
A publicação de fotografias na Internet, prática amplamente adoptada por milhares de fotógrafos, torna-as acessíveis a uma quantidade incomensurável de potenciais usurpadores. De cada vez que alguém publica uma fotografia na Internet, as possibilidades de esta ser usada por outrem como se fosse sua são praticamente infinitas. Num próximo texto veremos como pode o fotógrafo agir no caso de uso não autorizado de uma fotografia sua, mas por agora interessa caracterizar os direitos adquiridos pelo fotógrafo ao fazer uma fotografia.
Antes de mais, importa referir qual a protecção legal da fotografia, e qual a sua natureza jurídica enquanto objecto de relações jurídicas. A fotografia, como referi logo no início, é uma criação da mente humana nascida de um conceito artístico, estético ou intelectual. A lei confere-lhe protecção ao disciplinar as relações jurídicas a que pode dar origem, conferindo-lhe o estatuto de obra. Para efeitos legais, consideram-se obras «...as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores.» (Artigo 1.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.)
A protecção legal depende de um pressuposto: a originalidade. Este conceito é fundamental, pois é ele que vai permitir delimitar a obra tal como ela foi criada pelo seu autor das cópias e contrafacções. Por princípio, apenas as obras originais são protegidas por lei, sendo outras equiparadas a originais (por ex. as traduções). Uma cópia não é merecedora de protecção legal, uma vez que esta apenas é conferida a quem a criou: o autor.
E aqui chegámos a outro conceito basilar em matéria de protecção legal: o autor. Este é o criador intelectual da obra, e o seu direito prevalece mesmo que tenha alienado esta última. Autor é a pessoa que originariamente criou a obra tutelada pela lei. A lei protege os direitos adquiridos pelo autor pela criação da sua obra, e esta protecção estende-se mesmo para além da morte do autor, podendo os respectivos direitos ser exercidos pelos seus herdeiros. Os direitos de autor caducam passados que sejam setenta anos após a criação da obra, altura em que se considera ter esta caído no domínio público.
A questão de saber em que momento se cria a obra (ou melhor: a partir de que momento surge a tutela legal da obra e do direito de autor) pode levar a alguns equívocos: há muita gente que, por força do monopólio de facto exercido em Portugal por esse verdadeiro polvo chamado Sociedade Portuguesa de Autores, se deixou convencer que a obra, e os direitos de autor que derivam da sua criação, apenas adquire o direito à tutela legal depois de registada. Esta noção é inteiramente falsa - embora conveniente à elite que tem controlado as artes em Portugal através da S. P. A. -, uma vez que o Código do Direito de Autor (daqui em diante CDA) é bastante explícito neste particular: de acordo com o Artigo 12.º do CDA, o direito de autor é reconhecido independentemente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade.
Importa reter a noção de que aquilo que a lei protege não é a obra em si; esta, embora possa ser objecto de relações jurídicas, não é mais que a emanação do intelecto do autor. O que a lei protege, através do direito de autor, é a propriedade intelectual, que é corporificada na obra. (Continua)

domingo, 18 de março de 2012

Estatísticas

Por vezes consultar as estatísticas do ISO 100 demonstra resultados curiosos. É algo que faço regularmente, de maneira a ver os assuntos pelos quais os leitores mais se interessam. Até agora, 22h46 do dia 18 de Março de 2012, os três textos mais lidos foram os seguintes:
  1. Carlos Machado, fotógrafo profissional: 299 visualizações
  2. Novidades da indústria fotográfica: 175 visualizações
  3. Congelamento, arrastamento e panning: 153 visualizações 
Os dois primeiros, a bem dizer, não contam: o primeiro teve aquele número de visitantes graças a partilhas no Facebook e a uma hiperligação no website do Instituto Português de Fotografia, enquanto o segundo chegou àquela posição por causa de uma hiperligação da Fotodigital. O terceiro é o que me deixa mais satisfeito, porque sinto que é com textos destes que o ISO 100 cumpre o desígnio para o qual o criei: partilhar conhecimentos com outros aprendizes de fotógrafos. Claro que qualquer destes números é modesto - há blogues que são visitados por muitos milhares de pessoas -, mas devo dizer que não esperava ter tantos visitantes. Afinal de contas, quando comecei, tinha não mais que três ou quatro pessoas em mente como constituindo o meu universo de leitores. Se tivesse dez visitas diárias, já me dava por satisfeito. Ser lido por tanta gente - pelo menos em relação ao esperado - chega a ser assustador: já não tenho o direito de escrever disparates!
Mesmo que não possa dizer que o ISO 100 é um êxito, também já não é um blogue confidencial. E é lido em Portugal, mas também no Brasil, Estados Unidos, Irlanda, Alemanha, Holanda, Rússia, Ucrânia, Japão e Canadá. Curiosamente, o browser mais usado pelos visitantes é o Google Chrome, seguido do Internet Explorer e do Firefox.
As estatísticas não mostram apenas os êxitos, porém; para além destes, há os fracassos. Há vários textos cujo número de visitas se basta com um algarismo, entre eles um que escrevi na véspera da passagem de ano, intitulado 2012: teve uma visita, o que significa que apenas um leitor recebeu os meus votos de bom ano novo!  

sábado, 17 de março de 2012

A promessa incumprida

As promessas não são para cumprir. Aliás, foi Mia Couto que escreveu que o prometido é de vidro: quebra-se facilmente. Já veremos a razão desta inclusão literária, mas para já vamos à promessa que não cumpri, facto pelo qual apresento as minhas desculpas aos leitores - a de escrever um texto por dia neste blogue. Há uma conjugação de factores que o justifica: o primeiro, o mais evidente, é a falta de temas. A fotografia é mais interessante quando se faz do que quando se escreve sobre ela, e de resto não é o manancial de assuntos que imaginei inicialmente. Pelo menos para mim, que sou ainda muito maçarico na fotografia. Podia parar, ou nem sequer ter começado, por haver tanta gente mais bem preparada do que eu para escrever sobre fotografia, mas a verdade é que neste pequeno país há tão pouca gente a fazê-lo me pareceu um imperativo começar este ISO 100. E escrever por imperativo por vezes cansa. Já por muitas vezes dei comigo a matutar intensamente sobre qual o tema que abordaria de seguida, sem encontrar resposta. Escrever sobre a técnica? Sim, fi-lo, a despeito dos meus conhecimentos serem ainda escassos, mas a intenção não era ministrar lições: era partilhar o que sei, mesmo sendo pouco; era instigar os leitores a fotografar, incutir-lhes o gosto pela fotografia e fazê-los ver que uma câmara evoluída não é nenhum Adamastor. Escrever sobre a fotografia enquanto forma de expressão artística? Também o fiz, mesmo se poucos me leram. Escrever sobre as câmaras e lentes que vão saindo para o mercado? Também, mas não era bem este o meu propósito: não quero reproduzir aqui o que leio nos websites e blogues. Isto é plágio, o triunfo da mediocridade sobre a criatividade.
A outra razão é o trabalho. Tem sido muito e absorvente, e nem sempre (re)compensador - o que, além de subtrair tempo, tem ainda o defeito de roubar alento e motivação para escrever (e às vezes para fotografar). Sabem aquelas pessoas que dizem que o trabalho fortalece o carácter e a moral? Façam-lhes orelhas moucas: são uns mentirosos. Quando as ouço, lembro-me sempre da inscrição Arbeit macht Frei pendendo sobre as cabeças dos condenados de Auschwitz-Birkenau (ou o Ó Vós Que Entrais... do velho Dante Alighieri). Neste particular, estou com Agostinho da Silva: o homem não nasceu para trabalhar, mas para criar. Seja como for, sem trabalho não havia subsistência, nem eu teria meios para manter a paixão por fotografia. (Na verdade é menos que uma paixão, mas é mais que um hobby: não conheço nenhuma palavra que caracterize com precisão a minha relação com a fotografia.) E viver sem trabalho, nos dias de hoje, é uma impossibilidade - um factor de exclusão, tédio e neuroses de dimensão variável.
E há uma terceira razão: a fotografia não é o meu único interesse. Há a música, à qual já me referi, mas há um outro ainda mais poderoso, que tem vindo a roubar-me muito do tempo que tenho disponível para escrever os textos do ISO 100; paradoxalmente (ou se calhar não), esse interesse é a literatura. E, neste momento, estou a ler um livro particularmente interessante e absorvente: Puta Que Os Pariu!, uma biografia do grande Luiz Pacheco escrita por João Pedro George. Devo dizer que não foi o título que me atraiu (que considero exemplificativo de uma boçalidade bem portuguesa), mas o biografado. Bem vêem: Luiz Pacheco foi dos homens mais admiráveis, em inúmeros aspectos, que Portugal conheceu. Penso, aliás, que Portugal não mereceu ter Luiz Pacheco como seu nacional: um homem como este está condenado a ser um pária neste país mesquinho cujos habitantes têm mente e alma de escravos. Era, decerto, um homem cheio de contradições: viveu como um libertino, mas exigia que os filhos sentassem à mesa com as costas direitas e os joelhos juntos; era opositor do aborto, mas engravidou e viveu modu maritali com uma rapariga de catorze anos, mas era - e não hesito nem por um segundo ao afirmá-lo - o autor que melhor tratou a língua portuguesa no Século XX. Ninguém escreveu tão bem como Luiz Pacheco desde, pelo menos, Eça de Queiroz. O seu estilo é cuidado, mas nunca rebuscado; por vezes - muitas vezes, mesmo - usou uma linguagem vernacular, mas esse emprego não obsta à qualidade literária dos seus escritos. É uma maneira de escrever fluída e musical (no que tem de rítmica) que nenhum autor moderno ou contemporâneo igualou. Infelizmente, Luiz Pacheco não escreveu aquela que seria a sua consagração enquanto escritor: um romance. Ele era o primeiro a comentar, com sarcasmo, este imperativo de escrever romances para se ser reconhecido como autor de prosa. Talvez não haja nenhum romance pachecal (um adjectivo delicioso que ele empregou com muita frequência), mas Luiz Pacheco escreveu um dos textos mais belos da literatura portuguesa (Rui Zink vai mais longe e estende o seu valor à literatura universal): esse texto é Comunidade. Bastaria este texto para que LP merecesse um lugar no Olimpo da literatura (e há tantos que não merecem estar lá em vez dele), mas a obra de Pacheco compreende mais textos: O Veado, O Teodolito, ou O Libertino Passeia Por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor. E muitos mais, mas Comunidade é o mais brilhante de todos eles.
A minha admiração por Luiz Pacheco, que já era imensa, foi alimentada por esta biografia, cuja leitura tem ocupado uma parte substancial do meu pouco tempo livre. Com ela fiquei a conhecer melhor o autor que reputo de um dos maiores da literatura portuguesa, um homem que, a despeito de todas as dificuldades que viveu, se cumpriu ao transformar em actos a sua dedicação à arte que amou e que, em muitos aspectos, se sacrificou a ela. E quero agora, na sequência deste embalo literário, concluir a leitura dos contos de Anton Tchékhov, que interrompi há cerca de dois anos, e ler mais clássicos. Ainda há muitos que quero conhecer: Henry James, Alfred de Musset, mais alguns livros de André Malraux, Joseph Conrad, Turguenev, et al. E, se possível e o tempo não me faltar, quero conhecer alguns contemporâneos. Vai ser difícil escolher, com tanta gente a publicar livros nos tempos que correm, mas hei-de descobrir quem são os grandes autores dos nossos dias.
Há um outro motivo para este hiato nos textos, que é uma tendinite no ombro direito; mas este, ao contrário dos outros, é fácil de resolver: bastam (espero eu) uns anti-inflamatórios e umas compressas quentes, mas é o suficiente para me afastar do computador sempre que possível.
Aqui está uma longa explicação (talvez demasiado) para não ter escrito durante dois dias consecutivos neste blogue. Eu sei que é uma desculpa esfarrapada, mas às vezes ler é mais produtivo que escrever. E é, acima de tudo, um hábito que esteve suspenso durante muito mais tempo do que eu queria, e que pretendo retomar e não voltar a abandonar. Nem só a fotografia é arte.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Rui Palha, fotógrafo de rua

Reincido no elogio. Vim há pouco do Facebook, no qual acabei de assistir aos insultos mais execráveis e rasteiros que vi na Internet, com os quais alguém se permitiu atingir uma pessoa que é minha amiga - e uma amiga que não o é apenas na Internet, mas na vida real. Como disse anteriormente, hoje em dia é mais fácil insultar que elogiar, e as pessoas parecem mais bem preparadas para receber a crítica e o insulto do que o cumprimento e o elogio: este último tende, como também já referi, a ser confundido com adulação, mas não é esse o meu propósito. Entendo que quem tem valor merece ser reconhecido e destacado, porque de contrário corremos o risco de mergulhar no lodaçal da mediocridade. Ademais, e como disse Manuel Laranjeira há mais de um século - sem que as coisas tenham mudado muito entretanto -, vivemos num país «...onde a inteligência é um capital inútil e onde o único capital deveras produtivo é a falta de vergonha e a falta de escrúpulos». E a fotografia de Rui Palha é a inteligência aplicada à arte fotográfica. Há, pois, que reconhecer mérito a quem o tem. O que não é o mesmo que adular, coisa da qual não tenho necessidade nem intento e, de resto, me repugna.
Rui Palha é um dos fotógrafos mais imaginativos e criativos cuja obra conheço. Tem uma predilecção pela fotografia a preto-e-branco, que usa na fotografia de rua, género que aprecio acima de qualquer outro (se procurarem os textos sobre as minhas referências, verão que os fotógrafos de rua ocupam lugares proeminentes). O que primeiro cativa, na obra fotográfica de Rui Palha, é a sua mestria técnica, em particular na escolha da composição e do enquadramento. Esta, contudo, não mais é que o veículo que atrai o olhar para a originalidade dos motivos escolhidos. Há, sem dúvida, uma forte inspiração de Rui Palha na fotografia de Henri Cartier-Bresson, bem patente em algumas das suas fotografias - mas quem é o fotógrafo de rua que se preze que não se inspirou no nome maior entre os maiores da fotografia? -, mas não é imitação: é homenagem. Há também, como marca da fotografia de Rui Palha, o forte sentido geométrico que, invariavelmente, domina as suas composições - jogando com sombras, linhas, enquadramentos e contrastes para criar imagens de uma dinâmica que quase chega a ser vertiginosa. Analisando - se é possível analisar algo quando estamos completamente envolvidos no conteúdo das fotografias e deliciados com a sua contemplação - as imagens de Rui Palha, diria que são os contrastes que mais vivamente as caracterizam: contrastes entre luz e sombra, rectas e curvas, movimento e estático. São estes contrastes que lhe conferem uma qualidade plástica que eleva a fotografia de Rui Palha a um nível superior. Rui Palha tem a capacidade, por mim invejada, de capturar um momento fugidio e passageiro conferindo-lhe uma composição que está muito perto de perfeita, reconhecendo de imediato o facto em si e os elementos gráficos da imagem que lhe vão conferir contexto.
Se tivesse de resumir a fotografia de rua de Rui Palha a um único adjectivo, seria este: surpreendente. As suas fotografias causam surpresa e admiração pela qualidade estética, pelo insólito dos episódios capturados e pela - repito-o - originalidade. Rui Palha é um fotógrafo bem conhecido da comunidade fotográfica portuguesa, e as suas fotografias são também reputadas lá fora; dispensava talvez, por redundantes, estes elogios, mas não posso deixar de os exprimir. Embora não conheça pessoalmente Rui Palha, sei o suficiente para dizer que ele é um fotógrafo que pensa a fotografia - o que é, no meu entender, uma característica importante, em particular nestes tempos em que a banalização e os artifícios da manipulação de imagens tendem a destituir a fotografia do seu estatuto de arte. Tal como Fernando Aroso, o homem que me impeliu a fotografar, Carlos Machado, que me ensinou o que eu não sabia sobre a câmara, e José Antunes, cuja dedicação à fotografia, neste país perdido e confuso, recebe o meu mais veemente aplauso, também Rui Palha é inteiramente merecedor do meu reconhecimento. Pertence ao punhado de fotógrafos que, pelo valor da sua obra, não pode ficar ignorado.
A fotografia de Rui Palha pode ser vista aqui:
www.ruipalha.com
http://www.flickr.com/photos/ruipalha/

Resmunguices

Há uns bons anos atrás - talvez dez, já não sei bem -, estava no balcão da Imacústica, no Porto, quando entra pela loja um sujeito com meia dúzia de CDs na mão, que pressurosamente mostrou ao balconista: CDs de artistas femininas vulgares, como a Dulce Pontes. «Quero ouvir umas vozes» - exclamou o indivíduo. Deve ter sido nesse momento que decidi deixar de ser audiófilo: nunca me passaria pela cabeça comprar música em função do desempenho da alta fidelidade, ou como simples teste desta - e muito menos comprar música de que não gosto porque soa bestial na aparelhagem. Foi a música que me levou à alta fidelidade, e não o oposto. Desde então as minhas únicas aquisições foram em 2009: uma Ortofon 2M - e só porque precisei de substituir a cabeça anterior, uma fabulosa Ortofon MC 15 Super II - e um rádio, o Tivoli Audio Model One. É com este último que as minhas audições de música são feitas: está sempre sintonizado na Vodafone FM, ligo-o e fico a conhecer música actual: Florence & The Machine, Fleet Foxes, King Krule, Hot Chip e dezenas de grupos portugueses que fazem música extremamente interessante. O leitor de CD passa semanas sem funcionar e raramente ligo o amplificador.
Quando adoptei a fotografia como hobby (uma noção um pouco redutora, que não traduz correctamente o meu envolvimento com a fotografia, mas que por agora serve), decidi que nunca me tornaria um tarado da técnica. Porque, assim como há audiófilos capazes de descobrir diferenças do dia para a noite por mudarem de uns cabos Kimber para uns Transparent (e há gente capaz de trocar milhares de euros por aquilo que não é mais que fios de cobre), também há loucos destes no meio fotográfico. E eu não quero ser um deles. Quero avaliar tudo pela minha cabeça, e não por aquilo que os websites, as revistas e os gurus me dizem que é fantástico. Há um marketing bastante eficaz no mercado fotográfico, que sabe procurar e criar necessidades junto do público alvo com a mesma tenacidade com que Pavlov pôs um cão a salivar ao ouvir uma sineta: basta apresentar uma câmara com um sensor grande, com muitos megapixéis e uma sensibilidade ISO estratosférica, para pôr os consumidores a babar-se diante dos monitores dos seus computadores.
Isto é ridículo. Ninguém precisa de uma sensibilidade ISO superior a 3200 - com a qual os níveis de ruído são intoleráveis, nem que seja com uma Nikon D3 -, mas as pessoas ficam loucas quando vêem imagens em condições de boa luminosidade, tiradas com níveis elevados de ISO e com velocidades de disparo rápidas, relativamente limpas de ruído. Nem sequer raciocinam que a iluminação dos objectos é de tal ordem que o ruído se torna imperceptível, e que só em condições reais é possível aferir o verdadeiro desempenho do sensor. E as pessoas que, completamente iludidas, compram essas câmaras, vão acabar por fotografar motivos que nunca lhes passaria pela cabeça fotografar, apenas para justificar a aquisição de uma câmara com sensibilidades ISO elevadíssimas. Tal como o sujeito ao balcão da Imacústica. Não - eu não vou por aí. Tal como abandonei a audiofilia quando esta começava a interferir com o meu gozo de ouvir música, também não me deixarei embarcar nessa loucura de, sendo um leigo, discutir aspectos técnicos da fotografia com a autoridade de um cientista. Porque é isso que os audiófilos, tal como os pixelpeepers e gearheads que pululam na Internet, fazem: apesar de não saberem distinguir um Ampere de um Watt, discutem a impedância, a resistência e a inductância com a fluência de um catedrático.
Ainda que estes fotógrafos discutissem aspectos técnicos importantes, como a composição e o enquadramento (são técnicas!), a abertura, a velocidade do disparo ou a medição - factores que verdadeiramente contam para a obtenção de boas fotografias -, poderia suportar esta idiotia que se vê nos websites de fotografia, mas o que eles discutem não é técnica - é tecnologia. São coisas perfeitamente secundárias, que não têm grande influência no processo criativo da fotografia: o tamanho do sensor, o número de pixéis, o ISO. Curiosamente, pouco falam de lentes - como se estas fossem acessórios - e, quando o fazem, é para discutir a abertura e a distância focal com base em conceitos empíricos que se aproximam da superstição. Alguns destes iluminados acham que existe uma «abertura equivalente», tal como existe uma distância focal equivalente, i. e. que a abertura varia conforme a área do sensor da câmara em que a lente é montada!
Eu quero fazer boas fotografias. A câmara e as lentes são simples instrumentos para melhorar a minha expressão. E hei-de manter-me fiel a este princípio. Nunca perverterei as minhas prioridades: fazer boas fotografias implica uma boa câmara e boas lentes, mas nunca vou fazer fotografias em função do equipamento que tenho, ou para justificá-lo. 

segunda-feira, 12 de março de 2012

Leica, câmara portuguesa

Onde se lê «Germany», devia ler-se «Portugal»
Foi com enorme assombro e estupefacção que descobri, hoje mesmo, que as Leica são, na sua quase totalidade - apenas 10% de cada corpo é montado na Alemanha, em Solms -, fabricadas em Portugal. Mais concretamente em Vila Nova de Famalicão, a duas dúzias de quilómetros do Porto. Nós, portugueses, temos o hábito de criticar o nosso próprio país (talvez por não percebermos que somos nós, portugueses, que fazemos o país que temos), mas a notícia, conhecida hoje, de que a Leica Camera AG vai edificar uma unidade fabril em Portugal, substituindo a que já existe desde 1973 (eis aquilo a que eu chamo um segredo bem guardado: só em 2009 se descobriu que a Leica fabrica câmaras aqui!), é algo que nos devia deixar a todos orgulhosos.
A Leica - refiro-me aqui à série M, e não às Panasonic rebaptizadas, como as D-Lux - é aquela câmara a que todos os fotógrafos aspiram, profissionais ou amadores. Não é a melhor câmara em termos de desempenho, não é a mais prática, não é a mais bonita, nem é barata - mas é a única com que é legítimo sonhar. Sonhar com uma Canon 1D é ridículo: aquilo é um instrumento de trabalho, uma coisa com o mesmo apelo estético e desejabilidade de uma alfaia agrícola. E ninguém deseja nem sonha com alfaias agrícolas. A Leica é, acima de tudo, a portadora de uma longa tradição: ela perpetua a estirpe das rangefinders, das câmaras usadas, ao longo das décadas, pelos fotógrafos mais ilustres de entre todos, desde Henri Cartier-Bresson até Josef Koudelka, passando por Garry Winogrand e pelo nosso Gérard Castello Lopes. Foi esta a marca que deu ao mundo o formato 35mm, inventado pelo pioneiro Oskar Barnack e ao qual ainda hoje a fotografia digital presta tributo, construindo sensores com a mesma área. E é, acima de tudo, uma câmara construída de acordo com os padrões mais exigentes de precisão. Uma câmara com uma qualidade irrepreensível, concebida para sobreviver a várias gerações. Que ela seja montada no nosso país devia ser um motivo de orgulho para todos nós. Afinal de contas, se há quem confie nas qualidades dos portugueses e lhes confie engenharia de alta precisão, algum mérito há de nos caber. Talvez não sejamos o povo improdutivo que nos querem fazer acreditar que somos para nos roubar os poucos direitos que ainda temos.

domingo, 11 de março de 2012

Sem paciência

Hoje foi um daqueles dias frustrantes. Fui fazer fotografias para a praia da Agudela, e nada resultou como queria: escolhi a lente errada, o local errado, os enquadramentos errados e a maré errada. Só estou a escrever porque decidi escrever um texto por dia neste blogue.
A única consolação foi descobrir a obra de um grande fotógrafo de nome Richard Avedon. Gosto da fotografia de rua a preto-e-branco que ele fez, de alguns retratos e pouco mais; o resto faz-me lembrar Helmut Newton e Annie Leibowitz: fútil, e por vezes gratuito.
Agora vou ter uma semana de trabalho árduo pela frente, contando os dias até que o fim-de-semana chegue. Vou ficar à espera que chegue a encomenda que fiz no sábado: uma base de couro para dar (ainda) mais estilo à minha E-P1. Não é nada verdadeiramente essencial, mas vou comprá-la porque sim. Às vezes apetece comprar coisas porque sim - embora, se bem me conheço, possa vir a lamentar o dispêndio no futuro. Não é uma compra fútil porque faço muita fotografia de rua, e com isto evito o contacto das mãos com a câmara, mas também não é nada de estritamente necessário. Neste momento, as minhas necessidades resumem-se a uma grande-angular que se comporte melhor do que a 17mm. Li algures que a Olympus patenteou há pouco uma nova lente pancake de 17mm/f2.8. Se corrigir os problemas da actual 17mm, compro-a sem pensar duas vezes.

sábado, 10 de março de 2012

A pergunta

A pergunta mais embaraçosa que me podem fazer, no respeitante à fotografia, é esta: «qual é o tipo de fotografia que preferes?»
A minha resposta é, invariavelmente, uma longa divagação para a qual o interlocutor pode (ou não) ter paciência, e que envolve adjectivos como «eclético»; um longo discurso que poderia ser substituído por duas palavras: não sei. Embora muitos me reconheçam um bom poder de síntese, este é por vezes impeditivo de uma boa conversa, pelo que tenho o hábito de desenvolver o tópico. O que pode ser interessante se a pessoa que me está a ouvir tiver um interesse razoavelmente aprofundado por fotografia, mas nem por isso se for um leigo.
A minha hesitação tem que ver, acima de tudo, com o facto de o meu interesse por fotografia ser recente. Ainda não fez dois anos desde que comprei a minha primeira câmara, e a minha atitude tem sido a de fotografar tudo o que me parece interessante: cenas de rua, arquitectura, paisagens, graffiti, flores, pôres-do-sol. Mas o ecletismo tem um defeito, que é o de, querendo fazer tudo, acabar por não se ser verdadeiramente bom em nenhum dos temas fotografados. Em lugar de fazer milhares de fotografias do mesmo tema e atingir, por essa via, uma especialização, o eclético dispersa os seus esforços e pode nunca chegar a ser verdadeiramente bom em nenhum tema.
Não há nada de mal em ser especializado num determinado tema: Ansel Adams tornou-se num fotógrafo proeminente porque foi ele quem escreveu as regras da fotografia paisagística; Garry Winogrand e Eve Arnold ganharam os respectivos lugares na história da fotografia por serem fotógrafos de rua; e, como estes, muitos outros fotógrafos tornaram-se grandes por desenvolverem um tema de tal maneira que acabaram por atingir um patamar próximo da perfeição. E os fotógrafos profissionais tendem a ser procurados pela sua especialização num determinado tema. O mesmo acontece noutras áreas do conhecimento humano, até naquelas que são mais refractárias à especialização - como por ex. o direito, que é a minha formação e é o que eu faço quando não estou a fotografar: há hoje em dia uma procura de advogados especialistas em determinadas áreas do direito, embora, ao contrário da medicina, não existam especialidades no direito. Não se é um advogado, por ex., de direito do trabalho pela escolha de um percurso académico, mas por vocação.
Mas tergiverso, desviando-me do assunto. Dizia, algumas linhas acima, que a minha ausência de resposta à pergunta enunciada no início do texto se deve à minha relativa inexperiência, mas a verdade é que o tempo que tenho despendido com a fotografia tem sido ocupado, nos últimos tempos, com apenas dois temas, o que significa que posso estar a caminho de descobrir qual o meu tipo de fotografia favorito. A fotografia de rua é um deles: gosto de fotografar pessoas e pequenos episódios da vida da minha cidade, e de preferência a preto-e-branco. Sempre gostei deste tipo de fotografia, apesar de dar comigo a percorrer sempre as mesmas ruas - especialmente a mais movimentada delas, a Rua de Santa Catarina.
O outro tema é aquele a que chamo (e há um set no meu flickr com este nome) oceanos pastosos: fotografias de praias obtidas com longos tempos de exposição, de maneira a provocar o arrastamento das ondas, dando um aspecto pastoso à água. A verdade é que, depois de o ter experimentado com resultados bem sucedidos, tenho sentido um impulso constante por fazer este tipo de fotografia. Quando resultam bem, as imagens são espectaculares. O que me atrai, neste tipo de fotografia, é o desafio que ela constitui: não é fácil, do ponto de vista técnico, obter o efeito necessário para que a imagem resulte. São requeridos tempos de exposição muito longos, o que obriga a tirar as fotografias quase na escuridão total, o que por seu turno implica o uso de um tripé, de um cabo disparador e, sobretudo, de muita paciência. Quanto mais longo for o tempo de exposição, melhor será o efeito de arrastamento obtido.
A grande dificuldade deste tipo de fotografia, porém, está na escolha da abertura correcta. Uma abertura grande não permite os tempos de exposição necessários para que a fotografia resulte, e uma abertura demasiado estreita provoca difracção. Outra dificuldade, particularmente quando uso lentes de focagem manual, é o facto de a imagem que surge no visor diferir bastante da imagem colhida, sendo aquela bastante mais subexposta.
Uma coisa é certa: parece que já sei responder à pergunta do início do texto. O meu receio é que, de tanto me dedicar a um tipo de fotografia, acabe por me querer concentrar exclusivamente nela e atingir rapidamente o ponto de saturação. Enquanto isto não acontece, porém, vou entreter-me com este tipo de fotografia, que é meditado, estudado e ponderado - ao contrário da fotografia de rua, que é intuitiva e espontânea.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dois esclarecimentos

O meu texto sobre o Carlos Machado, publicado anteontem, e o de hoje sobre os testes DxOMark, carecem de alguns desenvolvimentos que, por as postagens terem sido escritas ao correr da pena, ficaram de fora. Aqui vão.
Quanto ao primeiro texto, o Carlos Machado agradeceu-mo (via Facebook), tendo embora ressalvado que lhe parecia algo exagerado. Aceito que o texto poderá, numa leitura apressada, parecer algo excessivo nos elogios, mas a verdade é que vivemos num país onde, infelizmente, é mais fácil insultar e criticar do que elogiar. Aqui em Portugal, o elogio é visto como algo estranho e tende a ser interpretado como alguma forma de lisonja, ou talvez mesmo de bajulação. Ora, eu não sigo esta tendência: entendo que o mérito deve ser reconhecido e aplaudido. Contudo, se tiver de criticar (desde que me pareça haver justificação para o fazer), também critico. E, por vezes, de forma corrosiva, como quem leu o meu texto sobre a Pentax KO 1 sabe. Ora, parece-me evidente que o Carlos Machado não está no mesmo patamar que um Koudelka ou um João Silva (nem o contrário pode ser inferido do meu texto), mas a verdade é que ele publicou uma fotografia na sua página do Facebook, feita durante um funeral de pescadores na Póvoa de Varzim, que é - sem lisonja ou exagero - das melhores fotografias que alguma vez vi. E eu já vi fotografias dos melhores entre os melhores. Foi esta fotografia, e a impressão que ela me causou, que me levou a escrever aquele texto. Como referi, o mérito merece ser estimulado e apoiado - mesmo correndo o risco de parecer excessivamente lisonjeiro -, especialmente num país onde as opiniões destrutivas são, por sistema, mais amplificadas que as positivas. Algo de muito errado se passa quando estamos mais bem preparados para enfrentar uma crítica ou responder a um insulto do que para aceitar um elogio.
Quanto ao comparativo da DxOMark, faltou referir que os testes de câmaras publicados neste website incidem sobre o desempenho do sensor. De fora ficam outros critérios que interessam à qualidade da imagem, como o processamento feito pelo software da câmara, o controlo da exposição ou a velocidade da focagem automática. Parece-me importante fazer este reparo, porque entendo que o sensor, embora importante, não é o único factor que contribui para a qualidade de uma câmara, mas aquele facto que não altera as conclusões que formulei com base na comparação entre a minha câmara e os modelos que lhe sucederam. Mesmo quanto à focagem automática, porquanto a actualização do firmware que levou a E-P1 para a versão 1.4 melhorou substancialmente o desempenho da câmara neste particular. Pelo que continuo a acreditar que a E-P1 é hoje uma câmara tão boa quanto o era em Abril de 2010, altura em que recebeu o firmware 1.4, e que a E-P3 não representa nenhum avanço, sendo a sua aquisição um desperdício de dinheiro dificilmente justificável. (Já o mesmo não poderei dizer quanto à OM-D E-M5, que parece estar num outro patamar.) O sentido daquele texto foi, essencialmente, o de alertar para o erro que é menosprezar um produto apenas porque este não é o mais recente, e reforçar a minha convicção de que nem sempre aquilo que nos é apresentado como uma evolução significa uma melhoria na qualidade.

O que é isso da «obsolescência»?

Toda a gente que se interessa por equipamento sabe o que são os (ou já ouviu falar dos) DxO Labs. E, em particular, conhece os testes DxOMark. Estes testes são a referência absoluta, em virtude da sua metodologia, para muitos especialistas em fotografia. Embora não seja um frequentador assíduo do website da DxO, hoje deu-me para visitá-lo, atraído pela curiosidade de saber como se comporta uma determinada lente, neste caso a nova Olympus 12-50mm f3.5/6.3. Já calculava, depois de uma péssima experiência com a detestável zoom 14-42mm, que a classificação fosse menos que boa, mas ainda é pior do que esperava: à beira do péssimo. Eu cá gosto é de primes, por isso esta classificação não teve qualquer influência em mim porque nunca me passou pela cabeça comprar essa lente.
A curiosidade levou-me a ver testes de outras lentes - estou a considerar, se a vida me correr muito bem, comprar a Panasonic-Leica 25mm/f1.4 -, e a ir daí para as câmaras: fui dar comigo a uma análise à Olympus E-P3, e descobri uma página onde se podem comparar até três câmaras. Deu-me a curiosidade para comparar a E-P3 com a predecessora E-P2 - para descobrir que a E-P3 não é superior aos modelos que a precederam. Escolhi a comparação com a E-P2 por imaginar que a E-P1, já não sendo produzida, não figuraria nas listas da DxOMark, mas enganei-me. Ainda está lá. Comparei as três EPs lado a lado e - surpresa das surpresas! - a E-P1, que tem virtualmente o mesmo desempenho que a E-P2 (como seria de esperar), supera a E-P3!
Se pensam que estou a mentir, podem ver o comparativo aqui. A E-P1 supera a E-P3 em cor e gama dinâmica, e o seu desempenho com sensibilidades ISO elevadas é melhor do que o da E-P2 (e igual ao da E-P3).
Qual é, então, a vantagem de comprar uma câmara como a E-P3 (ou mesmo a E-P2) em lugar da E-P1? A possibilidade de montar um visor electrónico. Nada mais. A E-P3 tem um flash integrado, mas é tão fraquinho que não tem grande utilidade: quem quiser fazer um uso sério do flash tem sempre de comprar um flash externo. Contudo, a E-P3 foi publicitada (e difundida pelos websites e blogues da especialidade) como um salto enorme em qualidade. Este comparativo demonstra que, no que verdadeiramente conta - a qualidade da imagem -, a E-P1 (que já foi «descontinuada» há dois anos) ainda é uma belíssima câmara.
O que significa que, visor electrónico à parte, a E-P1 é uma excelente câmara. O resto é marketing enganoso. Quando a E-P1 foi lançada, toda a gente clamou que não prestava porque - ó sacrilégio!, ó infâmia! - não tinha flash nem visor. E a Olympus, prontamente, substituiu-a pela E-P2, que permite a montagem de um visor electrónico - mas continou a faltar o flash, pelo que a E-P2 cedeu tranquilamente o seu lugar à E-P3. E os consumidores, atordoados pelo pecado de uma câmara sem flash integrado, correram a substituir as suas E-P1 e E-P2 pelo novo modelo - sem que a tal despesa (a E-P3 é estupidamente cara) corresponda qualquer melhoria sensível na qualidade da imagem. E esta é - ou devia ser - o critério n.º 1 na escolha de uma câmara. Em consequência, a E-P1 é hoje considerada obsoleta. Estou convencido que se passou o mesmo com as OM, e a verdade é que hoje as OM-1 são as mais caras e mais procuradas das OM no mercado das câmaras usadas. Este não é um fenómeno novo, a diferença está no volume de vendas. O conceito de obsolescência é, como se vê, muito relativo: neste caso é uma invenção do marketing que nos induz a consumir cada vez mais e mais cegamente.
É preciso ser muito criterioso na escolha de uma câmara - ou de outro produto qualquer. A novidade não pode ser um critério que se baste a si mesmo e justifique a aquisição de um produto. Por vezes, aquilo que nos é anunciado como the next big thing não apresenta mais que evoluções marginais em relação ao modelo precedente (como quem tem material da Apple sabe muito bem). Por vezes pode acontecer que não exista evolução nenhuma e seja tudo uma questão de adereços. Pode, até, acontecer que o novo produto seja, na verdade, pior que aquele que o antecedeu. O consumidor prudente deve ponderar muito bem a sua aquisição e resistir à tentação de se deixar influenciar pelo marketing. A E-P3 não é melhor do que a E-P1: o que tem é mais extras que, contudo, em nada contribuem para a qualidade da imagem. O mesmo se diga, por exemplo, quanto às Canon e as 550 e 600D, cujas diferenças estão na disposição de alguns botões. Ou as Nikon D3 e D4, que têm o mesmo desempenho apesar dos mais pixéis desta última.  Consumidores, abram os olhos!

I shout at times that nothing stays
Nothing lasts and damned to change
Though then I read a book, a line
Which says we sleep in blind sublime...

(Peter Murphy, Blind Sublime

quarta-feira, 7 de março de 2012

Carlos Machado, fotógrafo profissional

Carlos Machado a f1.4
Hoje não vou escrever sobre técnica nem equipamentos, nem manifestar opiniões acerca do hobby mais interessante do mundo. Não: hoje vou escrever sobre um fotógrafo profissional que tive o prazer de conhecer, e que se tornou rapidamente numa das minhas referências.
Carlos Machado é um fotojornalista. É também formador no Instituto Português de Fotografia. Foi ele quem ministrou o workshop que frequentei no Instituto Português de Fotografia em Novembro do ano passado. Tudo o que não sabia ou ainda não dominava, aprendi ali: o panning, a medição pontual, a calibração do equilíbrio dos brancos, entre outras técnicas ministradas no workshop de técnica fotográfica. Acho justo, deste modo, mencioná-lo neste blogue. Eu sou assim; tenho a humildade suficiente para prestar o tributo devido a todos aqueles com quem aprendo, seja qual for a área do conhecimento ensinada. 
Se o Carlos Machado apenas soubesse de técnica fotográfica, porém, talvez não me sentisse obrigado a manifestar o meu reconhecimento; e, se não fosse uma pessoa excelente - totalmente despretensioso (o que não é o mesmo que ser inconsciente do seu valor), acessível e sempre pronto a ensinar e a ajudar -, decerto este texto não existiria. Pois o Carlos Machado é tudo isto - e é também um fotógrafo extraordinário cujas fotografias são verdadeiras provas de talento. Talvez dos melhores que existem em Portugal - e provavelmente a pedir meças a muitos estrangeiros. E um excelente mestre. Daí que seja duplamente, triplamente, merecedor destas palavras, que são escritas sem qualquer outro intuito que não seja o de manifestar o meu apreço (e são, evidentemente, extensivas ao Instituto Português de Fotografia, que também as merece).
Já tive oportunidade de me referir aqui ao workshop do IPF - por duas vezes -, e recomendo-o sem reservas a quem quiser aprender ou aperfeiçoar a técnica fotográfica. Uma fotografia que apenas seja boa no aspecto técnico é uma fotografia vazia, decerto - mas uma fotografia de um objecto interessante que denote uma técnica deficiente é apenas uma fotografia medíocre. E não é preciso ser um génio, nem gastar muito tempo, para entender uma câmara e aquilo que ela põe ao nosso dispor para que possamos fazer fotografias ainda melhores. Por isso, meus caros amigos proprietários de boas câmaras, fiquem atentos ao calendário das iniciativas do IPF e inscrevam-se no próximo workshop. E não me venham com a desculpa de que é caro, pois é muito mais barato que uma lente, um flash ou um tripé e faz muito mais pela vossa fotografia do que estes equipamentos.
Como todos os profissionais da fotografia, o Carlos Machado é extremamente (conscien)cioso dos seus direitos autorais; daí que, em lugar de publicar aqui as suas fotografias, convide o leitor a visitar a sua página no Facebook, onde aquelas podem ser vistas: 


terça-feira, 6 de março de 2012

Manual das aberrações fotográficas (4)


Outro problema intolerável, e praticamente impossível de corrigir sem transformar a fotografia numa imagem completamente diferente da que se intentou, é o surgimento de halos ou clarões na imagem. Estas aberrações da imagem são aquelas cuja proveniência e explicação são mais óbvias: a incapacidade da câmara e da lente de lidar com o excesso de luz (sendo que, neste aspecto, não difere muito dos nossos olhos).
Fotografar directamente uma fonte de luz intensa, como o sol, é algo que os fabricantes recomendam que se evite nos manuais de instruções. E compreende-se porquê: o excesso de luz pode danificar o sensor, tal como, no tempo do filme, podia queimar a película. Há outro perigo, quando se usam visores ópticos e se fotografa com a lente apontada directamente ao sol, que é o de causar lesões oculares, uma vez que o excesso de luz é desviado, através do pentaprisma, para o visor.
Mas não é quando se fotografa directamente uma fonte de luz intensa, como o sol, que estes halos surgem (o resultado de fotografar o sol directamente – se o sensor resistir – é uma imagem fortemente sobre-exposta): é quando a luz é captada obliquamente à lente. Nestes casos surge uma mancha de luz, que pode (fortuitamente) resultar bem, mas que na maior parte das imagens tem um efeito nocivo. É o caso da imagem acima: a mancha esbranquiçada acima da linha do horizonte não é mais que um enorme clarão. Embora possa parecer uma nuance natural do céu, não o é (acreditem: eu estava lá e vi!): é uma aberração óptica.
Outra manifestação do excesso de luz oblíqua consiste no aparecimento de manchas na imagem, que geralmente - mas nem sempre, como se pode ver na imagem ao lado - têm a forma do diafragma: um ou mais pentágonos, hexágonos ou octógonos, de acordo com o numero de lâminas da íris. Este é um efeito dos reflexos que se produzem dentro da lente quando a luz incide sobre a mesma. Todos nós já vimos filmes, séries e documentários em que se recorre a estas manchas por opção estética, mas na fotografia é muito raro que resultem em boas imagens. 
Ao contrário de outras aberrações a que já me referi, esta pode ser evitada através de um expediente muito simples: o uso de um para-sol. O para-sol não faz nada se se fotografar o sol de frente (o que, a menos que a sua luz seja pouco intensa, como no ocaso ou ao amanhecer, é vivamente desaconselhado), mas é extremamente eficaz quando a luz solar incide lateralmente. Resta referir que os para-sóis devem ser adequados ao tipo de lente que se usa: lembremo-nos que o ângulo de visão da lente é tanto maior quanto menor for a distância focal, pelo que o para-sol para uma grande-angular é mais aberto do que o de uma teleobjectiva, cujo ângulo de visão se pode reduzir a 2 – 4º. O uso de um para-sol demasiado aberto numa teleobjectiva é ineficaz, por permitir a passagem da luz oblíqua, e, inversamente, o uso de um para-sol de ângulo estreito numa grande-angular vai provocar o escurecimento dos cantos da imagem. E, à falta de um para-sol, pode sempre proteger-se a lente com a mão, evitando que a luz incida sobre a lente. 
A referência ao escurecimento dos cantos da imagem leva-nos a uma outra aberração: a vinhetagem. Esta consiste no escurecimento dos cantos da imagem, e é uma característica mais ou menos necessária das distâncias focais reduzidas. Digo «mais ou menos» porque algumas lentes, geralmente caras e de concepção sofisticada, conseguem evitar este fenómeno. Embora a vinhetagem seja uma aberração, há fortes possibilidades de trabalhar com ela para tornar a fotografia interessante, à maneira das fotografias feitas com lentes pinhole – mas, em muitos casos, o resultado é indesejável. Só há uma maneira de evitar a vinhetagem: deitar fora a lente que a produz e comprar uma melhor. Não posso ilustrar o fenómeno da vinhetagem com fotografias tiradas com material da Olympus, porque nenhuma das minhas lentes produz esta aberração, mas a minha antiga compacta, essa, fazia o que se pode ver na imagem acima.
Há ainda uma outra aberração, conhecida por moiré (na falta de uma boa tradução), que importa referir. Esta consiste no surgimento de distorções da imagem em padrões uniformes - e. g. as malhas de um tecido - e é resultado de uma sobreposição de padrões em ângulos diferentes. Como os próprios captores de luz do sensor formam um padrão, o moiré pode acontecer quando se fotografam texturas finas num ângulo oblíquo ao padrão formado pelas células do sensor. O sensor tem um filtro anti-moiré, também denominado anti-aliasing, mas o seu efeito pode desaparecer quando se baixa a resolução da imagem. Quanto mais alta for esta última, menor será a possibilidade de esta distorção surgir. Na imagem abaixo, que foi descarregada do Olympus Viewer para o ambiente de trabalho na resolução mais baixa, o moiré é bem visível - mas não na imagem original, que foi tirada na mais alta resolução.
 As aberrações tratadas ao longo destes quatro textos têm quase todas a característica de serem inevitáveis. O que pode ser feito para diminuir o impacto de algumas delas é muito pouco ou quase nada. Apenas os halos podem ser evitados com recurso a para-sóis, mas mesmo estes podem ser ineficazes, como por ex. quando se usam zooms com uma amplitude muito grande entre as distâncias focais mínima e máxima, por ser difícil usar um para-sol que seja eficaz em ambas. Contudo, aberrações como o ruído e a difracção podem ser minimizadas pelo recurso a técnicas fotográficas correctas, como procurei explicar ao longo dos textos; outras podem ser corrigidas na pós-produção, e uma delas - a vinhetagem -, sendo consequência de uma qualidade deficiente da lente, não têm solução. De fora deste texto ficam defeitos de fabrico (como os globos brancos que afectam as imagens obtidas com a compacta Fujifilm X10, que têm provocado muito choro e ranger de dentes entre os adquirentes dessa câmara), uma vez que não são aberrações características da fotografia, mas anomalias de fabrico de determinados componentes.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Manual das aberrações fotográficas (3)


Uma aberração fotográfica que importa ter em conta, especialmente (mas não apenas) quando se fotografa com teleobjectivas e se pretende manter a imagem em foco em todos os planos, é a difracção. Posta de uma maneira simples (e sem recurso às equações que podem ser encontradas na Wikipédia), a noção de difracção pode ser dada como o desvio dos raios luminosos ao incidirem sobre um corpo opaco.
Por vezes, ao ver uma fotografia afectada pela difracção, este fenómeno pode ser confundido com a desfocagem que ocorre naturalmente quando se usam lentes com profundidade de campo reduzida, mas a verdade é que a difracção não acontece apenas quando se usam distâncias focais longas. Mesmo com grandes-angulares é possível verificar os efeitos da difracção, que podem ser vistos como uma perda notória de nitidez em determinados planos. Para compreender melhor a difracção, interessa referir que a luz, como qualquer onda, não se comporta uniformemente quando tem de atravessar um determinado caminho: a luz que penetra na lente não tem as mesmas características depois de atravessar o diafragma. Quanto mais aberto este estiver, menor será o desvio dos raios de luz. Inversamente, o uso de aberturas estreitas provoca um desvio mais acentuado. Pensemos num prisma: para decompor o espectro cromático, a luz tem de ser encaminhada através de um orifício estreito antes de atingir o prisma. Na difracção passa-se sensivelmente o mesmo – simplesmente, em lugar de obter o espectro luminoso que torna visíveis as cores do arco-íris, o que sucede, quando se usam aberturas estreitas, é uma perda de nitidez. 
Deixei propositadamente para o fim a causa da difracção, ou melhor, o momento em que esta ocorre. Embora exista um grande número de variáveis, como por ex. a área do sensor (a difracção afecta menos os sensores de áreas maiores), a distância focal ou a qualidade intrínseca da lente, tem-se como adquirido que a difracção ocorre quando se usam aberturas mais estreitas que f11. É por esta razão que a difracção ocorre mais facilmente com teleobjectivas: como a profundidade de campo destas lentes é mais reduzida – e tanto mais quanto maior for a distância focal –, há uma tendência, para manter a nitidez em todos os planos, para escolher aberturas estreitas (e nós já sabemos que a focagem depende directamente da abertura e das variações que esta provoca na profundidade de campo). E usar aberturas estreitas é também essencial, por força da lei da reciprocidade, para obter velocidades de disparo lentas. No caso da fotografia acima, foi necessária uma abertura de f20 para obter o efeito de arrastamento da água - e as consequências são visíveis na perda de nitidez da linha do horizonte.
Devem, por isto, ser evitadas aberturas demasiado estreitas. Como em tudo, há que fazer escolhas: ou se sacrifica a focagem nos planos mais longínquos, recorrendo a aberturas maiores, ou se usam aberturas estreitas, com o risco de perda de nitidez.

domingo, 4 de março de 2012

Manual das aberrações fotográficas (2)


Outras aberrações, igualmente detrimentais para a qualidade da imagem, são as aberrações cromáticas. Estas são um defeito de certas lentes que, por um efeito de refracção dos diferentes comprimentos de onda das cores em que se decompõe a luz captada, não conseguem focar correctamente a totalidade do espectro cromático. São, por via de regra, uma demonstração de mediocridade na concepção dos elementos ópticos da lente, mas as aberrações cromáticas também podem acontecer com lentes de qualidade superior. É o que se verifica quando se montam lentes antigas – i. e. anteriores à era digital – em câmaras digitais, uma vez que as primeiras foram concebidas para responder a uma gama dinâmica que a câmara digital, cuja gama dinâmica tem características diferentes, não interpreta correctamente. (Quanto a esta questão, que se relaciona com a densidade dos pixéis do sensor, vd. Michael Freeman, Mastering Digital Photography, Ilex, pp. 623-624.)
Por regra, as aberrações cromáticas manifestam-se sob a forma de orlas púrpura ou vermelhas à volta do objecto fotografado. Cada cor tem um comprimento de onda diferente, pelo que, quanto maior for esse comprimento, maior será a sua visibilidade numa imagem na qual a aberração cromática seja evidente. Daí que o azul e o vermelho sejam as cores mais visíveis, porque os seus comprimentos de onda são maiores. No caso da fotografia no topo deste texto, parece evidente que a câmara não conseguiu focar a totalidade do comprimento de onda do azul, o que explica as horrendas orlas azuis à volta da folhagem (a imagem foi obtida quando experimentava a lente OM de 28mm/f3.5); já a imagem abaixo, que é um crop muito ampliado de uma das primeiras fotografias tiradas quando experimentava a E-P1, foi obtida com uma lente especificamente concebida para câmaras digitais, a 17mm/f2.8, que é um verdadeiro compêndio de aberrações da imagem. Aqui é visível a orla púrpura, que não mais é que o resultado da combinação dos comprimentos de onda das cores azul e vermelha, que o sensor não pôde captar convenientemente por erro de focagem das mesmas.
Exemplo das aberrações cromáticas mais comuns
Deve notar-se, contudo, que as aberrações cromáticas se manifestam sobretudo em grandes ampliações. Numa fotografia publicada na Internet, em tamanho reduzido, a refracção da cor é praticamente imperceptível. De igual modo, elas são mais visíveis quando existem grandes contrastes entre o plano de fundo - especialmente quando este é o céu - e o objecto fotografado.
Sendo a aberração cromática um defeito óptico, resultante da concepção da lente ou da sua incompatibilidade com o sensor, não há muito que possa ser feito para a evitar antes do momento em que se pressiona o botão do disparo - salvo trocar a lente por uma melhor. Algumas câmaras, como as Panasonic para micro 4/3, corrigem as aberrações cromáticas, pelo que, tal como acontece com a correcção da distorção geométrica nas Olympus, o fotógrafo nem sequer se chega a aperceber da sua existência. As aberrações cromáticas podem também ser corrigidas em alguns programas de edição de imagem, como o Photoshop (ver aqui como se faz essa correcção).  

Manual das aberrações fotográficas (1)


Por vezes o prazer de fazer uma boa fotografia é totalmente arruinado quando a descarregamos no computador e verificamos que a imagem foi conspurcada por anomalias: o poste que ficou curvo, a franja púrpura que envolve o ramo, a perda de nitidez e contraste no plano de fundo, etc. Hoje proponho-me analisar estas anomalias, que podemos englobar sob a denominação de aberrações, e saber se podemos fazer alguma coisa para as eliminar.
Deve, antes de mais, assimilar-se a noção introdutória de que a maior parte destas aberrações tem uma natureza óptica. Por outras palavras, são causadas pela lente. Deste modo, podem ser subsumidas a defeitos de concepção dos elementos ópticos, não restando outra solução que não seja a de mudar de lente para as corrigir.
Vejamos, pois, quais são as principais aberrações fotográficas.
A primeira, que surge nesta ordem pelo seu carácter insidioso, é o ruído. Como já me referi a esta aberração neste blogue, remeto para o respectivo texto, que pode ser encontrado aqui. Felizmente, esta é uma das poucas aberrações que podem ser atenuadas pelo fotógrafo antes do momento do disparo, fazendo uso de sensibilidades ISO reduzidas, usando um tripé quando requerido e procurando usar velocidades de disparo adequadas.
Pincushion distortion
Distorção de barril
A distorção geométrica é, porventura, a mais infame das aberrações fotográficas. Quando se fotografa com distâncias focais curtas, assume o nome, traduzido literalmente do inglês barrel distortion, de «distorção de barril». Esta aberração resulta de erros de concepção da lente, cujos grupos ópticos não são corrigidos de maneira a obter resultados lineares. Manifesta-se na curvatura centrífuga das linhas direitas, o que é especialmente notório nas linhas verticais. As lentes fisheye acentuam esta curvatura propositadamente, sendo possível obter imagens interessantes, mas em lentes normais este efeito é indesejável. Pode, contudo, ser corrigido com o software que acompanha a câmara ou em programas de edição de imagem. Algumas câmaras incorporam este software de correcção: é o caso das Olympus, nas quais esta aberração nem sequer é vista no ecrã ou visor, a despeito de estar presente em lentes como a 17mm Pancake e mesmo com a nova 12mm/f2.0. Nas distâncias focais longas ocorre o fenómeno inverso, que é o da distorção centrípeta das linhas direitas – denominado, em inglês, pincushion distortion –, que pode igualmente ser corrigido na pós-produção.