sábado, 24 de setembro de 2011

A guerra das mirrorless

Quando pus os olhos pela primeira vez na Olympus E-P1, imaginei que ela prefigurasse o futuro da fotografia: uma câmara pequena e cheia de estilo, mas com uma qualidade de imagem mais que aceitável e a possibilidade de trocar de lentes conforme a intenção do fotógrafo. Tudo isto me parecia fazer sentido; a clientela do mercado da fotografia que imaginei nesse momento compor-se-ia, para além das multidões que usam compactas e telemóveis para fotografar, de fotógrafos amadores desejosos de fazer boas fotografias sem terem de carregar vários quilogramas de equipamento, aos quais as câmaras como a E-P1 ou as Panasonic G e GH se destinariam, e, no cume da pirâmide, fotógrafos seriamente interessados e profissionais que continuariam a usar as suas DSLRs e câmaras de médio formato, mas que teriam as câmaras «sem espelho» de topo como alternativa. Haveria um mercado para todos, o sonho de qualquer pessoa que acredite nas virtudes da livre concorrência.
Infelizmente, a evolução não foi exactamente a que eu imaginei. Os fotógrafos a sério continuam a ter as suas DSLRs e médios formatos, mas o mercado e os fabricantes acabaram por assimilar as mirrorless às compactas. Câmaras como as Olympus Pen, as Panasonic G, GF e GH, as Sony NEX ou as Samsung NX são vistas pelos consumidores como compactas. É provável que 98% destas câmaras acabem por ser compradas por pessoas que nem sequer sabem que se pode mudar as lentes das suas câmaras - quanto mais usar modos de exposição avançados.
O que é uma pena, porque está a determinar uma evolução perversa nestas câmaras: a Olympus Pen Mini e a Panasonic GF3 são câmaras para adolescentes japonesas que as compram para fazer conjunto com as suas bolsas Hello Kitty; as Sony NEX são para tarados da tecnologia que não percebem nada de fotografia, e as Samsung são para ser compradas por coreanos tristes e solitários que habitam os subúrbios de Seul. E agora, para acentuar ainda mais o descrédito das mirrorless junto dos fotógrafos entendidos, a Nikon lançou a série 1, composta por duas câmaras cujo conceito está mais próximo das compactas do que das DSLR. E há ainda o caso da Pentax Q, que junta à falta de qualidade da imagem um preço absolutamente injustificado.
Grande parte da culpa desta evolução tem de ser imputada a um núcleo de entusiastas da fotografia que, do alto dos seus sites e blogues e brandindo os seus sacos pejados de lentes mastodônticas e várias DSLRs, trataram de opinar negativamente sobre as câmaras do formato Micro Quatro Terços: que o sensor isto, que a focagem automática aquilo, que não têm visor óptico, e renhanhã, renhanhã... estes fotógrafos não são profissionais, nem fazem parte de nenhum lobby, mas é a eles que os decisores do mercado dão ouvidos. Isto contribuiu para castrar as possibilidades de desenvolvimento das mirrorless para algo sério, relegando-as para uma categoria de supercompactas para que nenhum fotógrafo que se preze se digna sequer olhar - ou, se olha, é com uma condescendência desdenhosa, qualquer coisa como «Ah, faz boas fotografias... para uma compacta, não está mal». Isto serve às mil maravilhas o duopólio Canon/Nikon, que partilha entre si a fatia mais importante do mercado das câmaras de lentes amovíveis. As Nikon 1 não são mais que a expressão deste entendimento das mirrorless como compactas para gente endinheirada que adora impressionar com os seus gadgets caros.
A diversidade das mirrorless também não ajuda. Em lugar de acordarem num determinado tipo ou tamanho de sensor, à semelhança do que aconteceu com o formato 35mm nos dias da fotografia analógica e com os sensores APS-C das reflex, as marcas decidiram seguir cada uma o seu caminho: a Panasonic e a Olympus aproveitaram o formato 4/3, a Sony, a Samsung e a Fuji optaram pelos sensores APS-C, a Pentax por um sensor de compacta e a Nikon por um que é pouco maior que o das câmaras compactas. Isto levou a que fosse impossível desenvolver um standard que concorresse, em termos de qualidade de imagem, com as DSLR. Quando a Canon lançar a sua mirrorless (parece que é já em Novembro), será, com toda a probabilidade, uma câmara conceptualmente mais próxima das compactas do que das DSLR.
Nesta guerra toda, que mete tamanhos de sensores, fotografias tiradas antes de disparar o obturador e outros disparates destinados a impressionar patetas, quem sai ganhador? As DSLR. Porque vão ser sempre tidas como a referência em qualidade de imagem, contra as quais as «supercompactas» não têm a menor hipótese. Ou pelo menos é assim que o duopólio Canon/Nikon quer que pensemos. Contudo, se olharmos para as mirrorless isoladamente, vemos que algumas destas câmaras têm padrões de qualidade de imagem bastante elevados, que, se não fosse a evolução do mercado a que aludi e a falta de concertação quanto a um formato de sensor, poderiam ser bem apelativas para muitos fotógrafos amadores que gostariam de ter uma câmara mais manuseável que uma DSLR. Quando fotografo com a minha E-P1 e as lentes da série OM, obtenho padrões de qualidade de imagem que não ficam atrás de fotografias obtidas com câmaras DSLR. As câmaras Micro Quatro Terços parecem-me ser a proposta mais equilibrada de todas as mirrorless actualmente no mercado; podem sacrificar um pouco de qualidade de imagem - é inegável que o ruído compromete algumas fotografias -, mas trazem três importantes benefícios: a portabilidade, a discrição e lentes pequenas e económicas, mas de muito alta qualidade. Algo que a Samsung, a Sony e a Fuji não podem fazer e que a Nikon e a Pentax não vão conseguir atingir com os seus sensores minúsculos. Acresce que o Micro Quatro Terços tem ainda a vantagem concorrencial de um portfolio de lentes muito amplo e de ter já fabricantes externos à Panasonic e à Olympus a produzir lentes e acessórios específicos para este formato.
O ideal seria que o formato Micro Quatro Terços pudesse tornar-se num standard adoptado por outras marcas, o que traria uma evolução que permitiria, eventualmente, acabar com o domínio da Canon e da Nikon no segmento das boas câmaras. Bastaria, para que isso acontecesse, que os visores electrónicos continuassem a evoluir e que os sensores se libertassem do nível de ruído produzido a sensibilidades elevadas. Contudo, não me parece que isso vá acontecer. O mais provável é que venham a proliferar câmaras cor-de-rosa, cada vez mais pequenas e vendidas com uma lente que o comprador nunca se dará à maçada de substituir. Espero, contudo, que o nicho actualmente ocupado pela E-P3 e pela Panasonic GH2 não desapareça - porque, se isso acontecer, a única opção para quem se interessa seriamente por fotografia será entre uma DSLR da Canon... ou da Nikon.
Está bom de ver que a livre concorrência não assegura liberdade de escolha... 

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