Quando pus os olhos pela primeira vez na Olympus E-P1, imaginei que ela prefigurasse o futuro da fotografia: uma câmara pequena e cheia de estilo, mas com uma qualidade de imagem mais que aceitável e a possibilidade de trocar de lentes conforme a intenção do fotógrafo. Tudo isto me parecia fazer sentido; a clientela do mercado da fotografia que imaginei nesse momento compor-se-ia, para além das multidões que usam compactas e telemóveis para fotografar, de fotógrafos amadores desejosos de fazer boas fotografias sem terem de carregar vários quilogramas de equipamento, aos quais as câmaras como a E-P1 ou as Panasonic G e GH se destinariam, e, no cume da pirâmide, fotógrafos seriamente interessados e profissionais que continuariam a usar as suas DSLRs e câmaras de médio formato, mas que teriam as câmaras «sem espelho» de topo como alternativa. Haveria um mercado para todos, o sonho de qualquer pessoa que acredite nas virtudes da livre concorrência.
Infelizmente, a evolução não foi exactamente a que eu imaginei. Os fotógrafos a sério continuam a ter as suas DSLRs e médios formatos, mas o mercado e os fabricantes acabaram por assimilar as mirrorless às compactas. Câmaras como as Olympus Pen, as Panasonic G, GF e GH, as Sony NEX ou as Samsung NX são vistas pelos consumidores como compactas. É provável que 98% destas câmaras acabem por ser compradas por pessoas que nem sequer sabem que se pode mudar as lentes das suas câmaras - quanto mais usar modos de exposição avançados.
O que é uma pena, porque está a determinar uma evolução perversa nestas câmaras: a Olympus Pen Mini e a Panasonic GF3 são câmaras para adolescentes japonesas que as compram para fazer conjunto com as suas bolsas Hello Kitty; as Sony NEX são para tarados da tecnologia que não percebem nada de fotografia, e as Samsung são para ser compradas por coreanos tristes e solitários que habitam os subúrbios de Seul. E agora, para acentuar ainda mais o descrédito das mirrorless junto dos fotógrafos entendidos, a Nikon lançou a série 1, composta por duas câmaras cujo conceito está mais próximo das compactas do que das DSLR. E há ainda o caso da Pentax Q, que junta à falta de qualidade da imagem um preço absolutamente injustificado.
Grande parte da culpa desta evolução tem de ser imputada a um núcleo de entusiastas da fotografia que, do alto dos seus sites e blogues e brandindo os seus sacos pejados de lentes mastodônticas e várias DSLRs, trataram de opinar negativamente sobre as câmaras do formato Micro Quatro Terços: que o sensor isto, que a focagem automática aquilo, que não têm visor óptico, e renhanhã, renhanhã... estes fotógrafos não são profissionais, nem fazem parte de nenhum lobby, mas é a eles que os decisores do mercado dão ouvidos. Isto contribuiu para castrar as possibilidades de desenvolvimento das mirrorless para algo sério, relegando-as para uma categoria de supercompactas para que nenhum fotógrafo que se preze se digna sequer olhar - ou, se olha, é com uma condescendência desdenhosa, qualquer coisa como «Ah, faz boas fotografias... para uma compacta, não está mal». Isto serve às mil maravilhas o duopólio Canon/Nikon, que partilha entre si a fatia mais importante do mercado das câmaras de lentes amovíveis. As Nikon 1 não são mais que a expressão deste entendimento das mirrorless como compactas para gente endinheirada que adora impressionar com os seus gadgets caros.

Nesta guerra toda, que mete tamanhos de sensores, fotografias tiradas antes de disparar o obturador e outros disparates destinados a impressionar patetas, quem sai ganhador? As DSLR. Porque vão ser sempre tidas como a referência em qualidade de imagem, contra as quais as «supercompactas» não têm a menor hipótese. Ou pelo menos é assim que o duopólio Canon/Nikon quer que pensemos. Contudo, se olharmos para as mirrorless isoladamente, vemos que algumas destas câmaras têm padrões de qualidade de imagem bastante elevados, que, se não fosse a evolução do mercado a que aludi e a falta de concertação quanto a um formato de sensor, poderiam ser bem apelativas para muitos fotógrafos amadores que gostariam de ter uma câmara mais manuseável que uma DSLR. Quando fotografo com a minha E-P1 e as lentes da série OM, obtenho padrões de qualidade de imagem que não ficam atrás de fotografias obtidas com câmaras DSLR. As câmaras Micro Quatro Terços parecem-me ser a proposta mais equilibrada de todas as mirrorless actualmente no mercado; podem sacrificar um pouco de qualidade de imagem - é inegável que o ruído compromete algumas fotografias -, mas trazem três importantes benefícios: a portabilidade, a discrição e lentes pequenas e económicas, mas de muito alta qualidade. Algo que a Samsung, a Sony e a Fuji não podem fazer e que a Nikon e a Pentax não vão conseguir atingir com os seus sensores minúsculos. Acresce que o Micro Quatro Terços tem ainda a vantagem concorrencial de um portfolio de lentes muito amplo e de ter já fabricantes externos à Panasonic e à Olympus a produzir lentes e acessórios específicos para este formato.
O ideal seria que o formato Micro Quatro Terços pudesse tornar-se num standard adoptado por outras marcas, o que traria uma evolução que permitiria, eventualmente, acabar com o domínio da Canon e da Nikon no segmento das boas câmaras. Bastaria, para que isso acontecesse, que os visores electrónicos continuassem a evoluir e que os sensores se libertassem do nível de ruído produzido a sensibilidades elevadas. Contudo, não me parece que isso vá acontecer. O mais provável é que venham a proliferar câmaras cor-de-rosa, cada vez mais pequenas e vendidas com uma lente que o comprador nunca se dará à maçada de substituir. Espero, contudo, que o nicho actualmente ocupado pela E-P3 e pela Panasonic GH2 não desapareça - porque, se isso acontecer, a única opção para quem se interessa seriamente por fotografia será entre uma DSLR da Canon... ou da Nikon.
Está bom de ver que a livre concorrência não assegura liberdade de escolha...
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