Chamou-me a atenção o texto publicado hoje na FotoDigital online, do meu estimado José Antunes, após denúncia pública dessa entidade que merece o meu maior respeito, o Instituto Português de Fotografia. (Vale a pena ler o texto: se não atinou com a hiperligação à primeira, pode encontrá-lo aqui.) O IGESPAR promoveu um concurso de fotografia sob o tema do património. O regulamento do concurso estipula que os direitos de autor das fotografias submetidas a concurso revertem incondicionalmente para o IGESPAR, o que significa que o autor não poderá obter qualquer proveito futuro das fotografias submetidas a concurso. Ora, se é verdade que, de acordo com o Código dos Direitos de Autor (artigo 166.º), o fotógrafo pode alienar os seus direitos sobre a fotografia - tal faz parte do conteúdo do direito de propriedade -, a maneira como esta transmissão está prevista no regulamento do concurso levanta-me as maiores dúvidas. A legislação portuguesa sobre contratos de adesão - e não tenho dúvidas que a participação neste concurso se insere nesta categoria - é suficientemente clara quando formula a exigência de que as cláusulas contratuais gerais (aquelas unilateralmente impostas por uma das partes, como aqui sucede) sejam explícitas quanto ao seu conteúdo e sejam facilmente inteligíveis, proibindo cláusulas «...que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua
apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal,
colocado na posição do contratante real» (artigo 8.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro). Como qualquer pessoa com inteligência mediana terá percebido, esta disposição legal prevê o caso clássico das cláusulas impressas em letra miudinha, que as mais das vezes são ignoradas pelos outorgantes. Os organizadores do concurso aproveitam-se da fome de sucesso e reconhecimento dos fotógrafos amadores e do desprezo da generalidade das pessoas por questões jurídicas desta natureza para impor estas condições, que são manifestamente abusivas e podem, no limite, ser consideradas usurárias, determinando a nulidade do negócio jurídico (artigo 282.º do Código Civil).
Algo vai muito mal quando o próprio Estado promove este tipo de esbulho. O problema é, porém, mais extenso do que parece, uma vez que, se o concurso em questão diz ao que vem (ainda que eventualmente em caracteres minúsculos), há muitos outros em que os promotores se apropriam ilicitamente das imagens e as usam de acordo com os seus interesses, construindo bancos de imagens usurpadas para fins comerciais de que só os promotores beneficiam - em detrimento, evidentemente, dos direitos dos autores das fotografias. Mesmo que consideremos que a inclusão das cláusulas referidas no texto de José Antunes revelam um módico de boa fé, ao prover informação ao interessado, esta impressão é errónea: o que há nestas cláusulas é um expediente dissimulado para privar o fotógrafo participante do seu direito de acção contra o promotor do concurso, sob uma aparência de legalidade que não passa de um ludíbrio.
Quem participa em concursos desta natureza deve, pelo menos, dar-se ao trabalho de ler os «caracteres miudinhos» do regulamento - porque a única liberdade que lhe é dada é a de subscrever ou não os termos do contrato. A ânsia de reconhecimento e sucesso pode ter consequências desastrosas para o fotógrafo, como muito bem sublinha José Antunes. Os meus parabéns a ele e ao Instituto Português de Fotografia por terem tido a coragem de denunciar esta vigarice pública.
ADENDA: a newsletter do IPF em que se denuncia este abuso formula uma interpretação diferente da minha quanto às normas do Código do Direito de Autor relativas à transmissão de obras fotográficas, qualificando os direitos do fotógrafo como intransmissíveis e irrenunciáveis. Ora, se isto é verdade quanto aos direitos autorais em geral, é também certo que o caso da fotografia está previsto em disposições especiais do mesmo código; entre estas avulta o artigo 166.º do C. D. A., que prevê o caso de alienação do negativo (que deve ser interpretado extensivamente, abrangendo os ficheiros digitais de imagem). Esta disposição legal prevê que, no caso de alienação, também se transmitem os direitos de autor a favor do adquirente. Esta é mais uma razão para se ter o maior cuidado com as cláusulas dos regulamentos dos concursos.
ADENDA: a newsletter do IPF em que se denuncia este abuso formula uma interpretação diferente da minha quanto às normas do Código do Direito de Autor relativas à transmissão de obras fotográficas, qualificando os direitos do fotógrafo como intransmissíveis e irrenunciáveis. Ora, se isto é verdade quanto aos direitos autorais em geral, é também certo que o caso da fotografia está previsto em disposições especiais do mesmo código; entre estas avulta o artigo 166.º do C. D. A., que prevê o caso de alienação do negativo (que deve ser interpretado extensivamente, abrangendo os ficheiros digitais de imagem). Esta disposição legal prevê que, no caso de alienação, também se transmitem os direitos de autor a favor do adquirente. Esta é mais uma razão para se ter o maior cuidado com as cláusulas dos regulamentos dos concursos.
1 comentário:
Hoje em dia com as redes sociais, é muito perigoso subir trabalhos e obras de cada um, sobre tudo alguém que seja fotografo, porque qualquer pessoa pode descarregar a foto e passá-la como sua em algum concurso.
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