O mercado da fotografia, tal como o de qualquer outro produto, vive da criação de necessidades, de maneira a manter a indústria em funcionamento e levar o consumidor a adquirir novos produtos, ainda que não necessite verdadeiramente deles. A indústria apresenta regularmente novidades porque precisa de vender - e vender cada vez mais -, muitas vezes induzindo os compradores em erro. Não há um modelo - salvo nas câmaras de nicho - que se mantenha no mercado mais do que um ou dois anos sem alterações, por mais insignificantes que estas sejam. Uma câmara torna-se obsoleta ao fim de dois anos, porque entretanto surgiu um modelo equivalente muito mais XPTO - embora as evoluções sejam muitas vezes ilusórias. Daí que haja quem se sinta tentado - e alguns fazem-no mesmo - a substituir os corpos, sem qualquer necessidade, por outros que, sendo essencialmente os mesmos, surgem acompanhados de argumentos publicitários irresistíveis.
O mais perverso destes argumentos é o número de pixéis. Muitos adquirentes de câmaras fotográficas não sabem sequer ao certo o que isso é, mas vão atrás da publicidade das marcas que anunciam valores astronómicos de pixéis, por vezes afixando-os rotundamente no corpo em autocolantes que anunciam 18MP, e por aí adiante.
Comecemos pela guerra dos pixéis. O número de pixéis determina a resolução do sensor, mas esta é apenas uma parte da história. Um sensor APS-C, ou mesmo um 4/3, de 12 megapixéis, tem melhor qualidade que o sensor de uma compacta de 18MP. Isto acontece, não pelo tamanho em si, mas porque a área do sensor determina a relação entre sinal e ruído (signal to noise ratio), e esta relação é tanto melhor quanto maior for a área do sensor. Daqui resulta que um número muito elevado de MP pode, na verdade, levar a uma deterioração da qualidade de imagem.
Acresce que o número de pixéis só é verdadeiramente importante aquando da impressão, já que a contagem dos pixéis determina a resolução da imagem e, consequentemente, a qualidade da fotografia impressa. E, ainda aqui, há que ter em atenção que a resolução depende, também, da taxa de compressão empregue pela câmara; de nada adianta ter muitos pixéis se a câmara estiver programada para uma baixa resolução e uma taxa de compressão elevada.
Acresce que o número de pixéis só é verdadeiramente importante aquando da impressão, já que a contagem dos pixéis determina a resolução da imagem e, consequentemente, a qualidade da fotografia impressa. E, ainda aqui, há que ter em atenção que a resolução depende, também, da taxa de compressão empregue pela câmara; de nada adianta ter muitos pixéis se a câmara estiver programada para uma baixa resolução e uma taxa de compressão elevada.
Temos, deste modo, que o argumento do número de pixéis é enganador, apenas servindo para induzir os incautos em logro, mas a lista de bullshit do marketing está longe de se esgotar nos megapixéis. Depois há o ISO. E há outros, mas estes dois são os mais maléficos, porque conseguem convencer fotógrafos amadores dispostos a pagar muito dinheiro por uma câmara fotográfica.
Analisemos o ISO. Os génios do marketing conseguem convencer alguns consumidores que uma câmara é tanto melhor quanto maior for a sensibilidade ISO de que esta é capaz. Isto não passa de uma mentira pura e simples. Basta ver que câmaras semi-profissionais, como a Canon 1D Mk IV ou a Nikon D3x, produzem níveis de ruído consideráveis a partir de ISO 800 (se não acreditam, confirmem aqui). E, contudo, existem fabricantes que anunciam valores ISO da ordem dos 12800 para câmaras que sofrem de uma acentuada degradação da qualidade de imagem a partir de ISO 400! Não sei quantas vezes já o disse aqui, mas a sensibilidade ISO é para ser usada no menor valor possível. A despeito de haver circunstâncias que exigem que sejam empregues valores elevados, há um preço a pagar na quantidade de ruído aparente na imagem. Ostentar uma sensibilidade ISO muito elevada é, deste modo, semelhante ao velocímetro que marca 200 Km/h, embora o automóvel com ele equipado não atinja mais que 160 Km/h. E todos sabemos que o limite mais elevado de velocidade praticável é 120 Km/h...
Depois há os gadgets. Os ecrãs rotativos, por exemplo. Até há três ou quatro anos, só as camcorders os tinham; agora nenhuma câmara que se preze dispensa um ecrã articulado. Mesmo as DSLR, nas quais uma das principais virtudes é o visor óptico - que torna o ecrã praticamente inútil! E que dizer do vídeo? Também conseguiram convencer os compradores que as suas câmaras podem funcionar como câmaras de vídeo, daí que também apareçam autocolantes anunciando HDMI, 1080p, etc. no corpo de algumas câmaras, em especial das compactas. A minha experiência de audiófilo aconselhou-me a fugir de aparelhos multifuncionais, e esta é uma atitude sensata: há, aqui como na fotografia, algo a que poderia chamar princípio da especialização: mais vale um aparelho que cumpra bem apenas uma função do que outro que desempenhe várias tarefas, porque algumas destas são sempre sacrificadas. A qualidade do vídeo das câmaras fotográficas será sempre, por condicionalismos físicos e técnicos, inferior à de uma câmara de filmar. E os clips de vídeo filmados por uma câmara fotográfica são limitados na sua duração (da ordem dos sete minutos, após os quais a bateria esgota a sua capacidade).
Aqui está mais um exemplo de publicidade enganosa, mas há mais: por exemplo, aqueles modos ditos «criativos» (fotografia nocturna, retrato, paisagem, macro, desportos, etc.) que aparecem nos selectores de modo de todas as câmaras. Aquilo não serve para nada. Quando tinha a compacta, nunca consegui tirar uma fotografia decente à noite usando o modo «fotografia nocturna», e nunca consegui um efeito de plano de fundo desfocado usando o modo «macro». O que estes modos fazem é instruir o fotómetro para usar valores de exposição pré-estabelecidos, que raramente ou nunca produzem bons resultados porque nunca há duas condições de luz idênticas. E, contudo, há gente para quem esses gadgets têm uma importância desmesurada, e os fabricantes incluem-nos, com o maior desplante, mesmo em câmaras sofisticadas.
A aquisição de uma câmara exige muita ponderação - especialmente nos dias que correm, quando o dinheiro é cada vez mais escasso e requer cada vez mais esforço para ser ganho. Uma boa máquina fotográfica é um produto caro demais para que o consumidor despenda dinheiro estupidamente, apenas porque o marketing o convenceu de que certas funções são imprescindíveis. O que importa, numa câmara, é a sua qualidade de imagem. É certo que factores como o ISO ou a resolução determinam essa qualidade, mas apenas de uma maneira relativa. Há muitos outros factores em consideração, e o fotógrafo, enquanto consumidor, não pode deixar de tomar decisões informadas quando escolhe o seu equipamento. Hoje em dia há sites que publicam testes comparativos com base em parâmetros essenciais à aferição da qualidade da imagem, como, entre outros, o dpreview. A aquisição de material de fotografia deve ser precedida por uma análise cuidada desses testes, de modo a avaliar a qualidade efectiva das imagens que esse material produz. Não há justificação para que se adquira uma câmara apenas porque tem não-sei-quantos milhões de pixéis, ou porque tem um ecrã articulado!
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