Se, depois de lerem os três textos anteriores acerca da lente G.Zuiko 28mm/f3.5, ficaram com a ideia de que sou um nostálgico da fotografia analógica, deixem-me rectificar essa impressão. Não sou. A fotografia analógica não é melhor que a digital. Não é apenas uma questão de comodidade - que também conta -, mas é, sobretudo, uma questão de ter recursos quase ilimitados com a fotografia digital. Com uma câmara digital posso tirar dezenas de fotografias ao mesmo objecto e seleccionar a que mais me satisfaz; com uma analógica tenho vinte e quatro fotogramas, o que, se significa que tenho de ser bom e treinar arduamente para obter a melhor imagem possível com duas ou três fotografias do mesmo objecto, significa também que essas fotografias podem não corresponder ao que esperava depois de reveladas. Ou posso queimar o rolo se não tiver cuidado ao retirá-lo, inutilizando todas as fotografias tiradas. Estes riscos são demasiado elevados e dispendiosos.
Eu não sou um fanático do digital nem do analógico só porque um é contemporâneo e outro pertence ao passado, ou porque um banalizou a fotografia e o outro implicava o domínio da técnica. No meu entender qualquer destas proposições é verdadeira. Também não sou um saudosista, nem pretendo aparentar estar sempre na crista da onda e adoptar todos os avanços tecnológicos que surgem. O que me interessa é o máximo de qualidade dentro dos meus recursos. Em 1998 comprei um leitor de CD, que no ano seguinte substituí por outro muito melhor. Apesar da melhoria na qualidade sonora, senti sempre que faltava qualquer coisa, por comparação ao som analógico que ouvia na minha juventude. Em 2000 decidi comprar um gira-discos. Fiquei satisfeitíssimo. Ainda hoje prefiro o som do vinil ao de qualquer outro formato - mas, notem bem, o que está em questão é apenas a qualidade sonora, o prazer da audição. Não foi por saudosismo, nem por querer navegar a vaga retro da década passada, que comprei o meu Rega Planar 3: foi porque o som do vinil é melhor que o digital. Claro que esta qualidade só é perceptível com um gira-discos decente, e o mais decente que pude comprar era o Rega, que ainda tenho e conto manter por muitos anos.
O mesmo quanto à aquisição da 28mm. Comprei-a por causa da sua qualidade, não por ser vintage. Não tenho gosto por velharias. Se me tivesse convencido que a lente não servia os meus propósitos, tê-la-ia trocado ou devolvido. A focagem manual não me assusta, tal como não me deixei intimidar pelo facto de o gira-discos não poder ser accionado por controlo remoto. O facto de ser uma lente da era analógica não faz de mim um saudosista, nem implica que vá a correr comprar uma câmara analógica e rolos.
Não tenho tempo, paciência nem dinheiro para a fotografia analógica, nem qualquer nostalgia por ela que me faça obedecer a algum imperativo de voltar aonde nunca estive (porque o retro é isto mesmo: voltar a sítios onde nunca se esteve). É aqui que termina a analogia com a alta fidelidade: se o som do vinil é melhor que o digital, o mesmo não é verdade quando aplicado à fotografia. A fotografia digital é pelo menos tão boa quanto a analógica, e só não me atrevo a dizer que é melhor porque a minha experiência com a fotografia analógica é extremamente limitada. Não sou alguém que entenda que o progresso é nocivo ou indesejável - afinal de contas estou a escrever num blogue e partilho fotografias no Facebook! -, pelo que as vantagens da fotografia digital levam-me a preferi-la. Podemos criticar a satisfação instantânea que a fotografia digital nos traz, com a desnecessidade de bons conhecimentos técnicos para obter resultados satisfatórios, mas a possibilidade de vermos de imediato o resultado da fotografia tirada e de a rectificarmos sem ter de pensar em quantos fotogramas ainda nos restam no rolo é uma vantagem incomensurável. Tal como a edição, que permite melhorar a imagem depois de tirada, e a visualização no computador. Duvido que pudesse dedicar-me à fotografia se não tivesse estas facilidades.
E há também o factor económico. Um rolo de fotografias custa cerca de quatro euros e dá para vinte e quatro fotografias. Cada fotografia custa dezassete cêntimos, sem contar com o preço da revelação e impressão. Um bom cartão de memória de 8 GB custa trinta e quatro euros e armazena um número infinito de fotografias. As contas são fáceis de fazer...
O argumento, amiúde invocado, da desnecessidade de conhecimentos técnicos quando se tem uma câmara digital é falso: estes conhecimentos continuam a ser necessários quando se tem um interesse sério em fotografia. A fotografia digital requer os mesmos conhecimentos que a analógica, mas acrescenta mais alguns: o equilíbrio dos brancos ou a compensação da exposição, por exemplo, são inovações da fotografia digital que exigem um determinado grau de domínio da técnica fotográfica para serem bem aproveitados.
Aqui está: sou incapaz de um manifesto anti-digital, mas não consigo dizer que tudo o que era analógico está morto e enterrado. Sou incapaz de um manifesto anti-analógico, mas também não consigo dizer que o digital é só para turistas patetas. Tenho uma câmara digital e uma lente da era analógica porque esta é a melhor combinação câmara-lente em função das minhas necessidades e das minhas posses. Ambas as concepções são válidas e vantajosas. Melhor ainda: são compatíveis. Já carregar e mudar rolos, mandar revelá-los e imprimi-los e ficar limitado a um determinado número de imagens numa sessão fotográfica é incompatível com o pouco tempo livre de que disponho. Ter uma câmara analógica poderia ser interessante - até por, no geral, as câmaras analógicas serem mais bonitas -, mas as digitais têm muito mais vantagens. São estas vantagens que me impedem de sentir nostalgia quando vejo uma câmara de rolo à venda num antiquário.
Sem comentários:
Enviar um comentário