terça-feira, 24 de julho de 2012

Do fanatismo

O lançamento da Canon EOS M foi acompanhado por muitos milhares de pessoas - como seria de esperar de uma câmara que é a primeira do seu género de uma marca tão importante como é a Canon. As reacções que suscitou, que podem ser lidas na Internet, têm a particularidade de trazer a público um dos piores defeitos da espécie humana - o fanatismo.
Eu dou-me muito mal com fanatismos. Discussões entre portistas e benfiquistas fazem-me fugir, tal como os argumentos trocados entre fanáticos de Fernando Alonso e de Lewis Hamilton. Levando isto para uma escala planetária, sinto vergonha de ver os argumentos que liberais e conservadores esgrimem a propósito das eleições presidenciais americanas, e ver o fanatismo religioso, esse atavismo da Idade Média, florescer no Século XXI, é algo que a minha compreensão não consegue abranger.
Do mesmo modo, não concebo nem sinto qualquer simpatia por fanatismos em torno de marcas de equipamento fotográfico. É ridículo, e de uma futilidade inconcebível, que se sinta um fervor apaixonado pela Canon, Nikon, Olympus, Pentax ou Panasonic. Contudo, e a despeito de podermos estar a incensar accionistas e CEOs corruptos, gananciosos e desprezíveis quando idolatramos uma marca de equipamento fotográfico, este existe; milhares de fanáticos insultam-se e rebaixam-se diariamente na Internet, trocando argumentos irracionais e infantis para justificar a pretensa superioridade da sua marca de eleição sobre todas as outras. Os canonistas vociferam contra a Nikon, os Nikonianos lançam pedras (verbais) aos canonistas, os olympianos e pentaxistas desdenham aquilo a que chamam «Canikon» e recebem em troca outras verberações.
A irracionalidade atinge dimensões tais que aquilo que há três anos eram defeitos redibitórios são hoje virtudes justificadas por argumentos falaciosos. Quando a Olympus E-P1 foi lançada, em Junho de 2009, foi ridicularizada pelos fanáticos de outras marcas - incluindo, obviamente, os canonistas - por não ter flash nem visor incorporados; agora que a Canon lançou uma câmara mirrorless sem visor nem flash, esta ausência é considerada uma opção «inteligente»! Repito: isto é ridículo. O fanatismo rebaixa os fanáticos a um estatuto primitivo, fá-los fazer figura de parvos em público e priva-os de qualquer respeito ou simpatia que os outros pudessem nutrir por eles. Ontem senti-me desgostoso por ver gente que sempre admirei e respeitei comportar-se pior do que o pior dos fanáticos para tentar justificar uma câmara indefensável como a Canon EOS M, e isto criou em mim uma consciência aguda e crítica dos perigos do fanatismo.
Uma câmara é apenas uma câmara. É o veículo, o instrumento que nos permite exprimir a criatividade fotográfica. Compreendo que se seja um apaixonado da fotografia e se procure mergulhar durante horas na Internet em busca de informação sobre Ansel Adams, Steve McCurry, Helmut Newton ou Annie Leibovitz, que se adquiram livros sobre fotografia e que, de um modo geral, se viva imerso na fotografia; compreendo, também, que se queira explorar até ao limite as capacidades do equipamento, e hoje sou muito mais aberto à edição de imagem do que há um ano; compreendo, deste modo, que se despendam horas sem fim modificando curvas de tons, adicionando contraste local ou alterando os valores das altas luzes e das sombras para tornar as fotografias melhores. O que não posso, de modo algum, compreender é que se usem argumentos infantis para justificar as opções de um fabricante de equipamento, ou para afirmar a pretensa superioridade de uma dada câmara sobre as suas rivais.
Não sou fanático. Adquiri a minha câmara por gostar das suas linhas, e não por ser uma Olympus. Comprei-a depois de me assegurar que a sua qualidade de imagem era elevada, e estava perfeitamente consciente dos seus defeitos e limitações. Estes não me pareceram obstáculos ao uso que iria fazer dela, pelo que não impediram a minha aquisição. Sei que a minha câmara tem defeitos: a falta de um visor, ou de um dispositivo para montar um visor electrónico, é um deles; pior ainda, porém, são o ruído e a tendência para estourar as altas luzes. Contudo, prefiro extrair a melhor qualidade possível da minha E-P1 a obcecar-me com a compra de uma câmara nova que não apresente estes problemas. Se não fosse o facto de ter cinco lentes para o formato micro 4/3, olharia para outras marcas no momento de comprar uma câmara nova (momento que espero estar ainda bem longe). O que é verdadeiramente importante é que o meu equipamento me sirva para fazer as fotografias que quero, mesmo que tenha de contornar os problemas da câmara com recurso a meios exteriores à própria câmara - o que faço com o uso do melhor e mais sofisticado software de edição de imagem que conheço. Nunca me atreveria a insultar os que têm câmaras de outras marcas, como muitos fazem, a despeito de ser muitas vezes atingido pela sobranceria dos fanáticos com os seus comentários ignorantes sobre a inferioridade teórica de um sensor pequeno. (As discussões sobre tamanhos de sensores são tão disparatadas como as comparações que os rapazes púberes fazem da sua genitália; nisto, como na fotografia, o que importa é o que se faz com o material que Deus - ou a Pixmania... - nos deu.)
Por vezes, quando fotografo, sou confrontado com os olhares desdenhosos de gente que traz ao pescoço DSLRs topo-de-gama (ou nem isso...) da Canon e Nikon. Não me afecta. É até possível que essas pessoas sejam fotógrafos perfeitamente medíocres, sem um conteúdo que se aproveite nas suas fotografias e sem perseguirem uma ideia ou um conceito pessoal de fotografia; estarão, porventura, mais preocupados em fotografar com valores ISO astronómicos ou em fazer múltiplas fotografias de um objecto desinteressante usando várias opções técnicas. É com eles. Por mim, prefiro fazer fotografias, e não testar o equipamento. (O que noto, por seu turno, é que os bons fotógrafos que conheço não têm nenhum gosto particular em ostentar o seu equipamento: apenas usam o melhor material que podem comprar, porque só esse corresponde aos seus critérios de qualidade.)
Este texto foi escrito enquanto ouvia música tranquilizadora (o maravilhoso álbum Twist Again, dos americanos Bodies of Water, que eu não sou adepto de música new age nem de Kenny G...), para tentar evitar que as minhas considerações sobre os fanatismos se tornassem demasiado amargas ou exaltadas e atingir alguém em particular com as minhas palavras. Porque o fanatismo dos fanboys, a sobranceria dos possuidores de DSLRs em relação a quem tem equipamento que consideram inferior, e a infantilidade e frivolidade dos amantes da tecnologia fotográfica produzem-me, por vezes, reacções viscerais. E eu não quero ser igual a essa gente. O que eu quero é fotografar; quero exprimir em imagens a maneira como vejo as coisas, os meus ideais estéticos e os meus conceitos de fotografia. O resto é acessório. O equipamento é necessário, mas é apenas um conjunto de elementos mecânicos, electrónicos e ópticos; não é nada que mereça que nos rebaixemos e nos comportemos como criaturas tolas, intolerantes, sobranceiras e irracionais.      

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