Talvez por ter uma natureza pessimista, o meu olhar é quase sempre atraído para o que está errado. Quando ando pela minha cidade - o Porto, para quem ainda não sabe -, especialmente pelo seu centro histórico, o que vejo é uma cidade quase abandonada: ruas sujas, conspurcadas, com casas em ruínas que ameaçam cair a todo o momento; casas sustentadas com vigas ou barrotes, casas miseráveis com toldos improvisados de plástico, marquises completamente deslocadas, pinturas aberrantes. E a sujidade, omnipresente, que se patenteia no lixo e nos excrementos que empestam o ar. E muitos, muitos tapumes e portas e janelas emparedadas, manifestações de uma deserção dos portuenses para fora da periferia da cidade. Quando andei na escola primária (era assim que então se chamava, hoje é 1.º e 2.º ciclo), aprendi que o Porto tinha trezentos mil habitantes; hoje tem cento e oitenta e cinco mil. Os 115 000 que faltam foram para Matosinhos, Senhora da Hora, Rio Tinto, Ermesinde ou S. Mamede.
Depois há as zonas mais recentes, que a construção sem qualquer planeamento tornou em lugares feios e inóspitos. Constrói-se sem qualquer consideração estética ou de harmonia, cada um
construindo ou ampliando de acordo com os seus gostos e conveniências. E temos bairros sociais, verdadeiros ghettos que, em lugar de promover a miscigenação entre a população, condenam os seus habitantes a uma mentalidade mesquinha e grosseira e são um ninho de traficância e marginalidade - sempre ao som de música brasileira, porque o espírito, ali, é o da favela, e com ruas ornadas de jovens traficantes passeando ronceiramente ao volante dos seus Audis kitados com faróis à Lexus, de janelas abertas vomitando mais música brasileira. O habitat dos Léos e das Brunas, condenados a não conhecer o mundo para além dos limites do bairro de que se orgulham e onde casarão e terão os seus filhos, que ali viverão, casarão e darão netos aos Léos e às Brunas.
Este é o resultado de décadas de negligência - não apenas dos autarcas, mas dos próprios habitantes. A reabilitação urbana limita-se a ser um varrer do lixo para debaixo do tapete: pavimentam-se as ruas, reconstrói-se uma ou outra casa, mas as demais mantém-se em ruínas. Tudo é feito caso a caso, de acordo com as conveniências dos construtores e com os subornos aos funcionários das câmaras. Não há qualquer esforço de harmonização estética, deixando-se que cada um faça o que entende com as casas onde habita.
Há zonas, na minha cidade, das quais o Município simplesmente desistiu: a encosta sobranceira à Avenida Paiva Couceiro, ao fundo da Rua de S. Vítor, está transformada numa ruína, num gigantesco depósito de entulho; aliás, toda a zona entre o largo Actor Dias e a Rua do Barão de Nova Sintra está um verdadeiro nojo que deveria envergonhar qualquer pessoa que por ali passasse. E há muitas, muitas outras áreas no mesmo estado, zonas áridas, inóspitas e abandonadas. À inércia da câmara municipal junta-se a ausência completa de civismo dos locais, contribuindo para uma degradação que não sei se tem solução.
Em contrapartida, a Avenida da Boavista, no segmento entre o Castelo do Queijo e a Avenida Antunes Guimarães, está um verdadeiro primor. Porquê? Por causa do WTCC (para quem não sabe, estas são as iniciais de World Touring Car Championship). É que o presidente da câmara é um entusiasta do automobilismo. E temos uma ciclovia fantástica que quase ninguém usa porque os ciclistas preferem afugentar os peões que caminham nos passeios da Beira Rio. E o crime contra a cidade cometido por Rui Rio, Siza Vieira e Souto de Moura, que transformaram a Avenida dos Aliados num terreiro árido e feio. Obras de fachada que em nada contribuem para a qualidade de vida dos portuenses. Aliás, os únicos portuenses com qualidade de vida são os habitantes dos condomínios privados, que apenas se podem queixar do estado lamentável dos pavimentos, do estacionamento cada vez mais anárquico e da proximidade dos bairros sociais das Brunas e dos Léos.
É uma pena que o Porto esteja num destroço. Porque é uma cidade fantástica para se ver e para viver. Uma cidade que, por paradoxo, está cada vez mais cosmopolita, culta e sofisticada, onde a vida pulsa com uma intensidade crescente - mas não graças aos poderes públicos: se esta evolução existe é porque os portuenses, especialmente os jovens, se estão a libertar cada vez mais do estigma da parolice com que a capital macrocéfala nos quis, sem sucesso, rotular. Amo o Porto: amar uma cidade é aceitá-la, e não fingir que os defeitos não existem ou tentar escondê-los da vista de todos. E eu amo-a e aceito-a. E quero-lhe bem - por isso me custa tanto ver o êxodo permanente para a periferia e a degradação que devora o coração da cidade como um cancro.
Que tem isto que ver com fotografia? Nada - e tudo. O Porto é uma cidade fantástica para fotografar. Pena é que cada vez mais convide à estilização do preto-e-branco do que à crueza objectiva da cor, porque esta revela os podres da cidade com demasiado despudor.
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