segunda-feira, 16 de julho de 2012

Fora do tema: o Relvas

Em tempos tive um blogue de política. Aliás, tive dois, embora o primeiro fosse anónimo, não sei bem porquê. Este ano decidi que queria blogar para me divertir e escrever sobre assuntos que me apaixonam, pelo que acabei com o meu outro blogue, o Queremos Mentiras Novas. A fotografia apaixona-me, a política não - embora me considere um cidadão razoavelmente atento e consciente. O facto de dedicar o meu tempo na blogosfera à fotografia não significa que me tenha exonerado da realidade que me circunda, e por vezes surgem temas que me obrigam a pronunciar-me sobre eles.
A licenciatura do Relvas é um destes temas. Devo dizer que não me sinto agastado por o Relvas não ser licenciado: há gente de enorme valor que nunca se licenciou. O Relvas, porém, não só não tem valor como mentiu e obteve a sua falsa licenciatura através de cunhas e, presumivelmente, trocas de favores.
E por que me revolto eu com esta história indecorosa? Porque eu sou licenciado, mas um licenciado a sério. Foi com muito sacrifício que me licenciei por aquela que é uma das faculdades mais difíceis e exigentes do país - a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Quando me refiro ao sacrifício, tal não significa que me tenha sido particularmente difícil fazer o curso: concluí-o com média de 13 - o que, não sendo brilhante, já é muito bom, de acordo com os elevados critérios coimbrões - e em cinco anos, que era o tempo estritamente necessário. (Eu sou um «pré-Bolonha».) Os sacrifícios a que me refiro foram as muitas horas de estudo, a ausência de casa e a renúncia a muitas horas que podiam ter sido vividas de uma maneira bem mais descontraída e que despendi mergulhado em sebentas, manuais e apontamentos. Ainda maior, porém, foi o enorme sacrifício económico que os meus pais fizeram para que eu me licenciasse, sacrifício que tem a minha eterna gratidão e nunca serei capaz de recompensar.
O facto de o Relvas se apresentar como licenciado é um insulto a todos os que, como eu, trabalharam arduamente para se licenciar - em particular num momento em que uma licenciatura é um meio particularmente eficaz de aceder à condição de desempregado. Seja como for, não é fácil, para alguém com um mínimo de decência, ver que despendeu horas e horas de estudo e de sacrifícios para se licenciar, e vir alguém como o Relvas arrogar-se a condição falsa de «Dr.» Não pela pseudo-licenciatura em si, repito, mas pela fraude e pela mentira. É como se víssemos que os nossos esforços foram em vão e que mais valia não termos estudado e termos, em lugar de ingressar na faculdade, investido numa carreira política e subido através da intriga, da cunha, dos favores e dos laços com uma sociedade secreta da treta. É o triunfo do oportunismo sobre o mérito.
Por estas razões, ver alguém como o Relvas apresentar-se como licenciado quando apenas concluiu uma cadeira - e mesmo isto é duvidoso - de um curso de faz-de-conta da extinta Universidade Livre (que era uma espelunca onde qualquer um se licenciava, desde que pagasse as propinas), é algo que me revolta profundamente. Se o Relvas fosse um cidadão como outro qualquer, era capaz de perdoar a sua tola pretensão de ter um canudo quando nada fez para o merecer e arrogar-se um título académico que não tem, mas o Relvas é o Relvas, nem mais nem menos que a criatura mais odiosa da política portuguesa. Sobre ele escrevi isto no meu primeiro blogue, em 2005:
«Há, no PSD, uma estrela em ascensão: o secretário geral, um tal Relvas. A criatura consegue a proeza de deixar adivinhar o que vai dizer antes de abrir a boca, porque o arzinho presunçoso e enfatuado que ostenta é o sinal de que vai sair qualquer coisa de provocatório e odioso. E, quando o Relvas abre a boca, é só para confirmar o que se suspeitava – ele não é dos que deixam entrar a mosca!
«O Relvas é mais um exemplo da mediocridade confrangedora que tomou conta daquele partido. A sua retórica é uma nulidade do ponto de vista político e, intelectualmente, chega a ser néscia. O que lhe falta em inteligência é compensado com perfídia: tem sempre a provocação gratuita, o insulto sibilino e a atoarda intriguista na ponta da língua, e nem sequer se dá ao trabalho de medir as distâncias quando insulta os adversários. A arrogância de criaturas como o Relvas é insuportável - especialmente agora, que sente que o seu tempo de ribalta está a terminar.»
Isto foi escrito muito antes de saber da fraude que lhe permitiu apresentar-se como «Dr.», do caso das secretas e da chantagem sobre a jornalista do Público, mas convenhamos que não perdeu actualidade. A criatura é de tal maneira ridícula que até o Dr. Alberto João Jardim se ri dele, como quando elaborou sarcasmos sobre a falsa licenciatura do Relvas em frente das câmaras das televisões. Aliás, mesmo dentro do PSD há muitos que se sentem profundamente embaraçados com a presença do Relvas e estão mortinhos por vê-lo pelas costas - o que é natural, porque o PSD não se resume a gente sem qualidades -, mas o Relvas não lhes vai fazer esse favor: vai manter-se no poleiro até que o Dr. Passos Coelho o ponha onde ele merece estar - no olho da rua. Porque é um ser inteiramente desprovido de decência e de ética.
Um dos meus sobrinhos sintetizou toda a consideração que o Relvas merece do povo português: «Nós nem sequer devíamos ter conhecimento da existência desta criatura» - pretendendo, com esta frase, exprimir a sua perplexidade por alguém como o Relvas se ter tornado numa figura pública. No dia em que muitos portugueses se manifestam para exigir a demissão do Relvas, eu quero dizer que estou com eles.

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