Por vezes penso que a fotografia se está a tornar uma obsessão: dou por mim a pensar nela a toda a hora. Claro que há obsessões piores: se fosse um americano conservador, viveria perseguido pela possibilidade de Barack Obama ser reeleito, e se fosse um fanático do futebol seria assombrado pelos insucessos da minha equipa (ou pelos sucessos das rivais). A cada um as suas obsessões. Ou podia estar constantemente a pensar em dinheiro, como os nossos governantes - o que seria muito mais estúpido do que pensar em coisas agradáveis que nos apaixonam. A verdade é que esta manhã ocorreu-me um pensamento que se demonstrou uma verdadeira revelação, capaz de transformar a conversão de S. Paulo na estrada para Damasco numa insignificância.
O pensamento que me ocorreu foi o seguinte: o domínio da técnica - entendendo-se como tal o controlo da câmara - é o mínimo exigível a um fotógrafo. A um fotógrafo exige-se que exprima ideias e conteúdos de uma forma que seja significante, quer por demonstrar uma visão pessoal de uma cena, quer por ilustrar, de modo inteligível para a percepção, um determinado facto ou acontecimento. Ou ainda por ser a fixação duradoura de um momento único e irrepetível. A técnica é apenas o meio que permite que essa visão do fotógrafo seja capturada nas melhores condições possíveis - sendo que, por «melhores condições possíveis», deve entender-se não apenas a qualidade da imagem, mas especialmente os meios técnicos que ajudam a conferir expressão à fotografia.
Nos extremos desta ideia há duas concepções erradas: a primeira é a de que a técnica é desnecessária, porque o que verdadeiramente conta é o momento emocional da fotografia e este pode ser capturado por qualquer meio. A outra é a do predomínio absoluto da técnica. Como as minhas ideias sobre a matéria são já conhecidas de quem lê este blogue, abstenho-me de as desenvolver, mas não deixo de dizer que cada uma delas, tomada isoladamente, é como um corpo sem alma (ou uma alma sem corpo), embora a primeira esteja mais próxima da verdade do que a segunda. A técnica é um auxiliar fundamental da expressão, mas, quando empregue por si só, redunda em fotografias sem significado.
Devo dizer que esta ideia me ocorreu depois de ver que, nos sites de fotografia, existe uma preocupação de tal ordem com a técnica que há quem se arrogue a qualidade de fotógrafo só porque entende dominar a técnica fotográfica. Já me aconteceu ver uma «galeria» de fotos de um leitor do DPReview em que o tema dominante era... um painel de cortiça!, presumivelmente fotografado com diferentes aberturas e tempos de exposição, ou com diversos valores de sensibilidade ISO. Isto está muito bem para um workshop de técnica fotográfica (eu, quando fiz um exercício de profundidade de campo num workshop, optei por fotografar duas moçoilas na Estação de S. Bento, mas gostos são gostos e os painéis de cortiça de uns são as moçoilas de outros), mas apresentar-se em público com fotografias de painéis de cortiça é, no mínimo, risível. Devo acrescentar, porém, que a pessoa em questão era extremamente opinativa e parecia saber tudo o que há para saber sobre a profundidade de campo - embora fosse daquelas que acham que existe uma «abertura equivalente»...
O que se espera de um fotógrafo é que saiba exprimir a sua intenção e as suas ideias fotográficas; para tanto, dominar a técnica é um requisito essencial, mas não é o mais importante nem prevalece sobre outras considerações. De um pintor espera-se que saiba manejar um pincel e misturar correctamente as cores primárias, mas o que dele verdadeiramente se exige é que saiba apresentar uma mensagem - uma ideia - através da pintura. O pressuposto do domínio da técnica é apenas o requisito básico. Mesmo os pintores que revolucionaram a sua arte pela introdução de novas técnicas, como Seurat, Picasso ou Jackson Pollock, valem pelo significado das suas obras, e não pela técnica considerada isoladamente. Não vejo por que há-de ser a fotografia diferente. Uma fotografia tecnicamente perfeita pode não ter qualquer significado se não tiver um conteúdo - pelo menos uma qualidade estética que a torne apreciada.
O fotógrafo tem de partir do pressuposto de que as suas fotografias são vistas por outras pessoas, e que nem toda a gente procura interpretar as opções técnicas que o fotógrafo incorporou na imagem. Quando vejo uma fotografia, o que procuro nela é a impressão que me causa e interpretar a ideia que o autor quis com ela transmitir. Só depois é que vêm considerações como a distância focal que terá sido empregue, ou se é uma imagem HDR, etc. - mas eu sou um iniciado: os leigos não querem saber da técnica para nada. E é assim mesmo que deve ser, porque uma fotografia é para ser vista, e não analisada. Que um fotógrafo domine a técnica é algo que, de tão primário, não chega sequer a ser objecto de apreciação (excepto, claro, por outros fotógrafos ou por entendidos): é como querer saber se o Sebastian Vettel sabe distinguir o pedal do travão do acelerador. O que importa, na fotografia, é o seu conteúdo. A forma - i. e. a técnica - só é importante enquanto meio de conferir expressão à imagem, e não mais. Pensar o contrário é inverter a ordem natural das coisas.
1 comentário:
Concordo plenamente, o objectivo é transmitir uma mensagem, é causar impacto no receptor da mensagem, ou seja de quem vê a fotografia.
O significa que por vezes é mesmo necessário quebrar algumas regras (de enquadramento, luz, etc... ), por isso é importante dominar a técnica, de forma a que se possa obter o resultado esperado.
LM
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