sábado, 25 de fevereiro de 2012

A idade, a E-P1 e outras considerações

Hoje fui fazer aquilo a que, pomposamente, chamo «fotografia de rua». Talvez por a vida não me estar a correr como gostaria, nenhuma das fotografias me deixou inteiramente satisfeito. Mesmo as quatro que publiquei no Flickr me parecem abaixo do que já fiz e posso voltar a fazer. Fotografei a sessão quase toda a preto e branco, imaginando-me porventura algum aprendiz de Gérard Castello-Lopes. O que fiz foi fotografias velhas. Por vezes sinto-me incapaz de fazer fotografias modernas e audazes, fotografias do presente que apontam para o futuro. Posso estar a evoluir tecnicamente, mas os meus motivos começam a tornar-se batidos.
Quando voltava para o carro, com a câmara desligada e a tampa da lente in situ, um jovem casal cruzou-se comigo. Foi naquela ruazinha entre a Praça Carlos Alberto e o Largo do Moinho de Vento cujo nome nunca me deu para guardar na memória. O rapaz, um jovem dos seus vinte e quatro ou vinte e cinco anos (ou talvez mais, agora os jovens mantêm um ar adolescente até aos trinta), dirigiu-se-me em inglês. Queria que fizesse uma fotografia dele e da namorada, uma rapariga belíssima que, como me informou o namorado, é modelo. Claro que aceitei. Só tive pena de não ter comigo a OM de 50mm, para ter menos profundidade de campo. Devo dizer que foi a primeira vez que isto me aconteceu: normalmente obtenho olhares irados quando me aproximo de alguém com a câmara nas mãos, e não interpelações simpáticas. Depois de os fotografar, perguntei-lhes como é que lhes fazia chegar as fotografias. Foi então que percebi por que não consigo fazer fotografias jovens: porque estou velho. O rapaz sugeriu-me que gravasse o seu endereço de e-mail no telemóvel - ele afinal era português, e nós ali a falar inglês! -, e eu apenas fui capaz de produzir uma demonstração patética de incapacidade de lidar com um telemóvel. Senti-me inadaptado, ultrapassado e incapaz de acompanhar os tempos atuais. Um verdadeiro fóssil.
Entretanto, a meio da sessão fotográfica passara pela loja onde comprei as minhas lentes OM. Conversei um pouco sobre fotografia, câmaras e lentes. O dono da loja, a meu pedido, deixou-me mexer um pouco numa OM-1. Meu Deus, eu quero uma daquelas câmaras! Além de ser belíssima, tem um visor óptico de uma limpidez que nunca vi numa DSLR moderna. E sentir o peso perfeitamente equilibrado e aquela sensação de qualidade nas minhas mãos... Comprar aquela câmara seria o reconhecimento da minha condição de geronte, e traria a despesa e a maçada das revelações, mas senti que aquela é que é uma câmara para um homem da minha idade. É um facto: sou um cota. Tenho de começar a pensar no centro de dia mais adequado...
Nessa loja estava um homem, daquelas pessoas que não encontram nada melhor para fazer que não seja passar os dias a conversar com o dono da sua loja favorita. Curiosamente, esse homem tem uma Olympus E-P1, o mesmo modelo da câmara que eu trazia pendurada no pescoço. A conversa incidiu sobre a primeira das Pen digitais. Aquele homem foi o primeiro proprietário de uma E-P1 que conheci em pessoa. (Há vários a visitar os mesmos websites e blogues que eu.) Foi uma conversa interessante, que reforçou ainda mais a impressão de que tenho uma excelente câmara. É uma câmara para velhotes como eu e o homem da loja: apesar de ser digital, é simpática para com os utilizadores de lentes de focagem manual. Acima de tudo, é uma câmara que, apesar de ter funções que apelam aos fotógrafos habituados às compactas (e quantos milhares de E-P1 não andarão aí nas mãos de gente que as usa sempre no modo automático e não faz ideia de que pode usar outra lente para além da que vinha na caixa?), é também uma câmara que tem um encanto especial para os fotógrafos puros e duros (galicismo estúpido!) que querem boas fotografias sem ter a maçada de as processar, saindo diretamente da câmara com um bom nível de qualidade. Claro que a E-P1, nos tempos que correm, é uma câmara do passado: já foi lançada há quase três anos, não tem visor nem flash incorporados, a resolução é só de 12,3 MP, não tem uma porta para acessórios como a E-P2, etc. E nem sequer me referi ao facto de ter um sensor que alguns acham ter a área de um grão de areia (e dos pequenos, daqueles que se metem no cabelo nas praias de areia fina quando está vento). Uma câmara velha e ultrapassada. Como eu. Talvez seja por isso que me sinto tão feliz por ter uma.
Curiosamente, ontem descobri um ensaio crítico sobre a E-P1 feito na semana passada por um tal Carl Garrard. Fazer uma recensão de uma câmara com quase três anos é ainda mais estranho do que comprar uma, mas foi interessante confrontar as minhas impressões com o que li e ver que tudo coincidia. O ensaio é extremamente elogioso, mas que significa isso? Há tanta gente a escrever disparates nos seus blogues; este homem com apelido de gira-discos do passado pode ser apenas mais um entre esta multidão - à qual eu se calhar pertenço. Há tempos li um artigo de um fotógrafo que apodava câmaras como a minha de point and shoots (as point and shoots são aquelas compactas minúsculas que os turistas pé-rapado costumam usar). Há gente tonta a ponto de escrever sobre o que não conhece, e a fazê-lo com tom doutoral. Ao menos neste aspeto a idade é-me favorável: tive mestres que me obrigavam a fundamentar as minhas afirmações, obrigação que cumpro com todo o zelo possível. Em todo o caso - e voltando à recensão de C. Garrard e ao homem na loja -, é bom ver que há gente que consegue pensar numa câmara em termos daquilo de que ela é capaz, em lugar de as avaliar pelas suas especificações técnicas. Em que ponto exato é que a fotografia deixou de ser uma arte para se tornar num hobby para tarados da tecnologia? 

2 comentários:

Pedro disse...

Fotografia de rua é muito complicada de fazer. Eu já tive a PSP à espera de mim numa rua por ter apontado , meia hora antes , a lente da maquina a uma familia que brincava com crianças. A mae não gostou.., chamou a PSP que me interceptou e exigiu ver as fotos da maquina!!! Felizmente eu não tinha tirado nenhuma foto de criança nem da familia furiosa.., e fui deixado ir em paz. Mas aprendi que é perigoso apontar a maquina a crianças. Quanto aos adultos..,é melhor fazer foto com zoom de 14 vezes, rs s rs rsrs

Manuel Vilar de Macedo disse...

Há uma linha entre a liberdade de fotografar e a reserva da vida privada, Pedro. O facto de as pessoas estarem num local público não significa que o direito à privacidade desapareça: http://mvm-iso100.blogspot.com/2011/07/questoes-legais-da-fotografia.html
Por outro lado, hoje em dia, com a mediatização excessiva de processos judiciais, o medo da pedofilia converteu-se numa verdadeira paranóia, pelo que é natural - e até de certo modo compreensível - que algumas pessoas reajam da maneira que o Pedro relatou.
Usar zoom na fotografia de rua não é boa ideia, porque as distâncias focais longas comprimem a perspectiva e reduzem a sensação de "estar lá", i. e. de envolvimento.
Cumprimentos. E obrigado pelos seus comentários e por visitar o ISO 100.