quinta-feira, 24 de maio de 2012

A focagem nítida é mesmo necessária?

Desde sempre se procurou aperfeiçoar o material fotográfico, sobretudo as objectivas, para que a imagem fosse cada vez mais nítida e precisa, com contornos bem delineados e nítidos. Este tornou-se no padrão a prosseguir pelos fabricantes, que desde muito cedo fazem destas características argumentos de venda. A fotografia digital veio exacerbar este paradigma, tornando a nitidez da focagem numa exigência absoluta.
Será esta nitidez sempre necessária? Claro que é útil ter uma imagem nítida, e uma fotografia com deficiências na focagem pode até ser vista como uma demonstração de inabilidade do fotógrafo. Uma fotografia sem deficiências de nitidez é uma maravilha de contemplar, e o olhar reage sempre negativamente à desfocagem.
E se a intenção do fotógrafo for mesmo provocar a desfocagem para conferir uma ideia qualquer à fotografia? Não me refiro apenas ao caso óbvio do bokeh, em que a desfocagem do plano de fundo é mais do que uma escolha estética, mas uma necessidade - quer para isolar a figura fotografada, quer por ser uma consequência necessária da profundidade de campo estreita de muitas teleobjectivas - nem ao arrastamento, que não é, em rigor, um problema de focagem, mas ajuda a conferir dinâmica e sensação de velocidade à fotografia. Refiro-me à perda (relativa) de nitidez na focagem.
Uma desfocagem subtil pode contribuir, e muito, para dar expressão à fotografia. Pode ajudar a criar ambiente, o que seria impossível se a imagem fosse mantida nítida. A nitidez absoluta, em certas fotografias, não resulta: torna-as frias e clínicas, dando-lhes um carácter meramente informativo ou documental. Por vezes interessa impregnar a fotografia de ambiente e de sensações subjectivas, como a nostalgia ou a melancolia. Nestes casos uma desfocagem ligeira pode tornar a imagem onírica. E a desfocagem (desde que não seja grosseira ou exagerada) pode resultar muito bem em retratos e fotografias de pessoas. Esta desfocagem, quando bem usada, ajuda a criar uma sensação de intemporalidade, de imagem que sobreviveu através dos tempos - mesmo que tenha sido feita hoje mesmo. Ela dilui os contornos das figuras e, ao fazê-lo, convida a uma leitura atenta da fotografia, levando o espectador a adivinhar significados e a descobrir sensações de uma maneira que não seria possível com fotografias perfeitamente nítidas
A nitidez absoluta nem sempre é desejável. Por vezes um pouco menos de nitidez pode tornar expressiva uma fotografia que, de outro modo, seria banal. Claro que, com equipamento feito para a focagem mais nítida possível, torna-se difícil desfocar uma imagem. Se a intenção for obter uma focagem relativamente suave, o único recurso é a focagem manual. As lentes concebidas para trabalhar com câmaras digitais não têm anéis de focagem com a precisão das lentes manuais, recorrendo ao sistema chamado focus by wire: não têm um ponto inicial e outro final, rodando constantemente, o que dificulta a focagem; já as lentes de focagem manual se prestam a esta técnica, sendo possível obter resultados extremamente satisfatórios com estas objectivas - mesmo que elas sejam montadas em câmaras digitais.
Os resultados das fotografias com menor nitidez na focagem são de tal maneira agradáveis que há pelo menos um fabricante que inclui um filtro artístico, denominado «soft focus», para produzir sem esforço o tipo de efeito a que me tenho vindo a referir. Contudo, como em qualquer outro aspecto técnico da fotografia, é muito mais interessante experimentar obter este efeito usando os meios da câmara manualmente.
Não estou a sugerir que toda a gente desate a fazer fotografias desfocadas - até porque, como já referi, uma imagem destas pode facilmente ser tomada por uma fotografia mal tirada. Apenas recomendo que se experimente. Os resultados podem ser surpreendentes. A nitidez nem sempre é interessante. 

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