domingo, 6 de maio de 2012

O entusiasmo do principiante

Quando se começa a fotografar, há a tendência para pensar que fazemos fotografias excelentes. Não é verdade. O que fazemos é fotografias que, por excesso de entusiasmo, imaginamos serem muito boas, e podem até parecê-lo aos olhos dos leigos a quem as mostramos (mas atenção, há que descontar a complacência dos que nos são mais chegados). Isto cria frequentemente a ilusão de que já se é um bom fotógrafo, convicção errónea que o número de «gosto» no facebook tende a reforçar.
Com efeito, as fotografias iniciais tendem a ser banais, com erros graves de composição e (ou) de enquadramento e deficiências técnicas que não escapam a um olhar um pouco mais treinado. Este fenómeno foi descrito pelo grande - embora controverso - Garry Winogrand: «Photographers mistake the emotion they feel while taking the photo as a judgment that the photograph is good». O nosso entusiasmo por termos feito aquela fotografia que imaginámos brilhante no momento em que a tirámos pode induzir-nos em erro quanto às suas qualidades. Esta é uma ilusão que devemos evitar a todo o custo.
E como é que a evitamos? De uma maneira muito simples: olhando as nossas próprias fotografias com olhos críticos. Para adquirir esta consciência crítica, por seu turno, é necessário adquirir conhecimentos de fotografia. Um fotógrafo não pode isolar-se, devendo cultivar-se fotograficamente. Deve ter o máximo de contacto com a obra de grandes fotógrafos e aprender tudo o que puder sobre fotografia. Como qualquer arte, a fotografia exige estudo. Muito estudo. Maurizio Pollini não se tornou no melhor pianista vivo sem décadas de estudo e horas e horas de prática diária; por que havia a fotografia de ser diferente?  Estudar a fotografia é essencial; ler livros, conhecer a obra dos mestres, aprender em cursos, conferências e workshops é uma aprendizagem que pode parecer fastidiosa, mas é necessária. 
Sei que, por esta altura, quem ler isto poderá retorquir que esta abordagem é demasiado racional, e que faz perder o impulso de fotografar (o que será agravado com o confronto das suas fotografias com as dos grandes mestres). Nada disso: a minha experiência diz-me que quanto mais se sabe de fotografia, maior é o prazer que se retira de fotografar. 
A observação de fotografias de outros fotógrafos pode ter a consequência de levar a que imite um estilo de um determinado fotógrafo que nos sirva de referência. Outro erro. O principiante deve procurar um estilo e, acima de tudo, ser original. Porque as primeiras fotografias que faz são tudo menos isso: são fotografias que, inconscientemente, tirámos por corresponderem a temas com que estamos familiarizados através da nossa observação, e esta incide, normalmente, sobre os meios de divulgação fotográfica mais comuns - os jornais, as revistas, os websites, etc. Há um caminho a desbravar entre estas duas atitudes: cultivar a originalidade. Só a originalidade permite que uma fotografia se destaque dentre os muitos milhões de fotografias que existem e são diariamente publicadas em todo o lado. Ser original é, acima de tudo, fazer com que a fotografia demonstre a nossa maneira de olhar as coisas, que é muito própria, única e só nossa. Mas mesmo aqui há que ter o máximo cuidado, porque o resultado da busca de originalidade pode ser o de se fazer fotografias estranhas. Há que dominar as técnicas convencionais antes de se ter sucesso na feitura de fotografias originais; apenas depois de dominadas as noções de composição, enquadramento e design que são comuns a todas as fotografias é que devemos procurar o nosso próprio caminho. Por exemplo, fotografar objectos altos nunca resulta se a fotografia for horizontal - o mesmo se podendo dizer do retrato de uma pessoa - e os motivos nunca devem figurar no centro da imagem. Há regras a que não se pode escapar, e nem mesmo os maiores entre os maiores as violam.
Este tipo de conhecimento é essencial. Esta é uma das razões que me leva a não acreditar no autodidactismo, como já referi inúmeras vezes neste blogue. O principiante tem de tomar uma opção: ou quer tornar-se num bom fotógrafo ou quer apenas fotografar casualmente, sem preocupações. No primeiro caso, tem de estar disposto a fazer esforços, porque a fotografia, como qualquer arte, pouco ou nada tem que ver com talento nato: o talento, quando existe, desenvolve-se, e este pode ser um processo longo e cheio de frustrações pelo caminho, mas é essencial percorrê-lo se aquilo que se quer é ser bom - e isto aplica-se, não apenas à fotografia, mas a tudo na vida. Não há recompensas instantâneas, nem êxitos caídos do céu. E devemos, a cada passo, duvidar da qualidade das nossas fotografias e ser exigentes com elas. Devemos ser os primeiros e mais severos críticos das nossas fotografias. Se não quiser seguir este caminho, o principiante não pode aspirar a mais do que meia dúzia de fotografias que, por acaso, até saíram bastante boas. Por acaso, repito. Neste caso não vale a pena estar a maçar-se com saber o que é o equilíbrio dos brancos ou a regra dos terços, nem em saber quais as diferenças entre uma grande-angular e uma teleobjectiva: basta pegar no telemóvel e fotografar. O que não pode é aspirar a ser considerado um bom fotógrafo.
Se, contudo, quiser seguir o primeiro caminho, deve estar preparado para algumas desilusões. Henri Cartier-Bresson disse: «as suas primeiras 10000 fotografias são as piores». O que ele queria dizer é que a fotografia exige muito esforço, estudo, dedicação e anos de prática - quando, evidentemente, é levada a sério. Se um principiante tem aspirações, deve estar preparado para as críticas e encarar a fotografia como algo em permanente evolução. E nunca se deve conformar por ter atingido um determinado patamar de qualidade, antes olhando a fotografia como um aperfeiçoamento contínuo, na consciência de que a sua melhor fotografia é sempre a que vai tirar no dia seguinte.

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