Ontem pude comprovar algo de que já suspeitava há muito. Vi um casal jovem na Ribeira, com o rapaz fotografando a rapariga com uma câmara que me pareceu peculiar. Era uma Sony NEX-5, uma das três mirrorless da Sony. Após alguns minutos de conversa, veio a confirmação das minhas suspeitas - nenhum deles fazia ideia de que podiam trocar as lentes. Usavam-na como se fosse uma compacta, embora uma compacta cuja lente adquire o estatuto de símbolo fálico. E haviam de ter visto a cara deles quando lhes mostrei o sensor da minha câmara: não faziam ideia do que aquilo era! Quando lhes referi que tinha quatro lentes, perguntaram-me se era um profissional...
É este o triste destino das mirrorless. Concebidas para ser uma escolha para fotógrafos a quem não interessa ter uma câmara com o volume das DSLR - foi com esse propósito que as Panasonic GF1 e GH1 e a Olympus E-P1 foram anunciadas -, acabam a ser compradas por pessoas que não têm qualquer interesse especial por fotografia mas querem uma compacta cara.
A culpa disto não é dos consumidores, mas de uma estratégia que se interessa mais pelo volume de vendas que pela qualidade e funções da câmara. Esta estratégia pode ser legítima do ponto de vista das multinacionais, mas arruinou por completo o conceito mirrorless. (Ou, pelo menos, o conceito que eu tinha das mirrorless.) Já me referi aqui à guerra insensata a que os fabricantes se entregaram, pelo que não me vou repetir, mas este marketing destruiu de vez toda e qualquer esperança de surgir uma alternativa às DSLR. Com consumidores que, embora sensíveis ao argumento da qualidade de imagem, não são entusiastas, não lhes fazendo muita diferença a possibilidade de mudar lentes, a maneira de aumentar as vendas foi subsumir o conceito mirrorless à categoria das compactas. Até a Olympus entrou no jogo das câmaras cor-de-rosa!
Isto significa que as mirrorless, por imposição do mercado (i. e. das multinacionais), nunca serão mais que compactas um pouco mais caras e sofisticadas. O que, por seu turno, significa que se perdeu muito rapidamente uma oportunidade de ultrapassar o conceito DSLR - ou, pelo menos, de se instituir uma alternativa decente. Com efeito, este conceito surgiu em 1884 e a primeira câmara comercialmente viável foi lançada em 1949. À parte o processamento digital da imagem, os progressos do conceito SLR têm consistido em evoluções irrelevantes. A única inovação significativa - deixando de lado a implementação do vídeo e os ecrãs rotativos, que nada adicionam - foi a implantação de um espelho translúcido e um visor electrónico nas Sony SLT Alpha 33 e 55, e mesmo essa evolução não revolucionou coisa nenhuma, pois o conceito espelho-pentaprisma mantém-se.
Nos anos 70 do século passado, os fotógrafos amadores tinham uma escolha real: os mais exigentes tinham as SLR, como as Nikon F, as Olympus OM e muitas outras, e os que queriam qualidade de imagem num conjunto mais compacto tinham as rangefinders, como a venerável Minolta 7S. Hoje têm de escolher entre uma Canon ou uma Nikon se quiserem fotografias de alta qualidade, não existindo verdadeiras alternativas. As compactas não são alternativa às DSLR, e a evolução do conceito mirrorless leva à degradação do potencial de qualidade de imagem, com os fabricantes a voltar-se para sensores minúsculos - o que reduz as câmaras e respectivas lentes à condição de gadgets caros. Nem a Sony e a Samsung, com os seus sensores APS-C implementados em compactas, conseguirão inverter esta tendência, uma vez que quem as compra fá-lo seguindo os critérios que levariam à aquisição de uma compacta. A possibilidade de existir um produto alternativo às DSLR perdeu-se por completo - e, provavelmente, ainda vai tornar-se mais inexequível se a Canon se sair com uma espécie de G12 com lentes intermutáveis, como tudo indica que acontecerá. Escolher entre uma DSLR e uma compacta é como escolher entre um Peugeot 508 e um Microcar: pura e simplesmente não é uma escolha.
Isto significa que as mirrorless, por imposição do mercado (i. e. das multinacionais), nunca serão mais que compactas um pouco mais caras e sofisticadas. O que, por seu turno, significa que se perdeu muito rapidamente uma oportunidade de ultrapassar o conceito DSLR - ou, pelo menos, de se instituir uma alternativa decente. Com efeito, este conceito surgiu em 1884 e a primeira câmara comercialmente viável foi lançada em 1949. À parte o processamento digital da imagem, os progressos do conceito SLR têm consistido em evoluções irrelevantes. A única inovação significativa - deixando de lado a implementação do vídeo e os ecrãs rotativos, que nada adicionam - foi a implantação de um espelho translúcido e um visor electrónico nas Sony SLT Alpha 33 e 55, e mesmo essa evolução não revolucionou coisa nenhuma, pois o conceito espelho-pentaprisma mantém-se.
2 comentários:
Gostei muito de seu artigo e gostaria de perguntar uma coisa: em relação à qualidade de imagem, uma mirrorless com sensor APS-C não seria equivalente a uma DSLR com sensor APS-C?
Giovane, não há qualquer motivo para que a qualidade de imagem seja inferior. O espelho e pentaprisma não interferem na qualidade da imagem, e o visor eletrónico também não. O único fator que pode fazer diferença é o modo de focagem automática, já que a deteção de contraste, embora sendo já bastante rápida - a atual «recordista» é a Olympus E-P3 -, ainda não funciona tão bem como a deteção de fase em certas condições, mas já há câmaras mirrorless com autofocagem por deteção de fase (as Nikon V1 e J1). Uma sugestão: vamos esperar para ver aquilo de que a Fujifilm X-Pro1 é capaz em termos de qualidade de imagem. Esta é uma câmara que pode revolucionar a indústria fotográfica.
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