segunda-feira, 18 de junho de 2012

Negro carregado

Há uma coisa que me começa a causar embirração: parece que, nos dias de hoje, uma fotografia a preto-e-branco só é boa se for muito low-key, muito carregada e contrastada. (Uso aqui o adjectivo «contrastada» de modo incorrecto, porque as pessoas tendem a chamar «contraste» à acentuação dos tons escuros, o que não é exacto: contraste é a diferença entre tons claros e escuros, e acentuá-lo significa clarear os brancos e as altas luzes e escurecer negros e sombras, o que significa que os primeiros se tornam mais proeminentes.)
Uma fotografia a preto-e-branco resulta bem se os tons escuros forem acentuados. Isto confere-lhe uma atmosfera muito própria, um ambiente noir e sofisticado que produz bons efeitos em muitos casos - basta pensar nas fotografias das capas dos álbuns de Jazz que Francis Wolff fez para a Blue Note -, mas não noutros. Quando se usa o preto-e-branco porque se quer acentuar as formas - este é um dos grandes benefícios do preto-e-branco -, carregar os tons escuros em demasia tem por vezes o efeito oposto, destruindo os pormenores subtis que definem o contorno dos objectos. Além disto, se o escurecimento não for usado judiciosamente, o que ficamos é com uma fotografia confusa, pesada e dificilmente inteligível.
E há um problema ainda mais grave. Quando se fotografa com uma câmara digital, o escurecimento das sombras que esta moda fotográfica implica traduz-se em acréscimo de ruído. E não há edição de imagem que lhes valha: as zonas sombreadas serão sempre afectadas por um tom verde profundamente inestético, que, de tão conspícuo, se torna na primeira coisa que salta aos olhos. Por muito que nos tentemos concentrar na imagem - na sua qualidade estética ou no seu conteúdo - aquele verde está lá, com o mesmo apelo estético que uma mancha de lodo num fato de cerimónia, a atrair o olhar como se fosse um íman e a destruir a agradabilidade da fotografia.
Exemplo de chiaroscuro. Espero que não me censurem o blogue...
A maneira de fotografar a preto-e-branco que descrevi acima não é a mesma coisa que o emprego da técnica denominada chiaroscuro (do italiano chiaro [claro] + scuro [escuro]). O chiaroscuro, que é uma técnica nascida com a pintura renascentista, serve para acentuar formas e volumes, e não para definir uma atmosfera ou ambiente. Serve para criar contraste - aqui sim, a expressão é correctamente usada - ao colocar uma figura bem exposta, ou mesmo ligeiramente sobre-exposta, contra um fundo escuro, ou vice-versa. Ora, as fotografias a que me refiro aqui não são chiaroscuro: são fotografias em que se abusa do negro e das sombras. Não é para qualquer um fazer fotografia com a técnica do chiaroscuro: o exemplo que Michael Freeman expõe no seu O Olhar do Fotógrafo (p. 110) é simplesmente patético - e é o Michael Freeman! Por mim, nem me atrevo a penetrar nestes territórios obscuros da fotografia...  Deve ficar claro (não, não é trocadilho) que uma coisa é o low-key, outra é o chiaroscuro. As fotografias sobre as quais estou a escrever correspondem ao primeiro estilo, não ao segundo.
Não subscrevo esta tendência para as fotografias demasiado carregadas. Embora lhes reconheça qualidades estéticas, contribuindo para a criação de uma certa atmosfera, penso que se tem abusado desta tendência. Não há nada de mal, na minha opinião, em introduzir alguma luminosidade nas fotografias a preto-e-branco. Pelo contrário, até pode resultar muito bem. As gradações de tons tornam-se mais evidentes e, esteticamente, a imagem fica mais equilibrada. O olhar concentra-se melhor nas formas, já que os pormenores são mais inteligíveis. Uma fotografia, para agradar esteticamente, precisa de espaço para respirar. As fotografias low-key, quando se exagera nos negros e nas sombras, são sufocantes e claustrofóbicas. O que está muito bem se for essa a intenção: há fotografias low-key que pretendem, deliberadamente, causar incómodo em quem as vê, como as da série Iraquianos, de António Pedrosa, a que me referi no texto de ontem; mas, se não for essa a intenção, tudo o que temos são fotografias escuras, que podem ser facilmente tomadas por imagens grosseiramente sub-expostas.       

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu sou um fã de fotografias mais escuras , até as fotos a cor. Gosto das fotografias bastante «low key», mas não funciona em todas as fotografias. E há excelentes fotografias «high key». Decidir vou fazer isto ou aquilo não me agrada muito. É conforme a maré.

OLM