quarta-feira, 20 de julho de 2011

Equipamento vs. olhar (2)

O que referi nos últimos parágrafos do texto anterior não significa que o equipamento não seja importante. Pelo contrário: como mencionei, um bom equipamento permite libertar o potencial criativo do fotógrafo.  Simplesmente, não é o equipamento que faz a fotografia - é o fotógrafo.
O equipamento, quando não está à altura, pode ser um obstáculo severo à criatividade do fotógrafo. Por várias razões. A primeira é, evidentemente, a qualidade da imagem, que por seu turno é determinada pela qualidade do sensor (no caso da fotografia digital), das ópticas e do fotómetro. Quanto ao sensor, cuja qualidade é, por regra, proporcional ao seu tamanho, ele introduz limitações quanto à resolução da imagem e ao ruído que induz nesta última. Não há marketing nem retroiluminação que lhe valha: um sensor pequeno, como os dos telemóveis e das câmaras compactas e bridge, não consegue ter uma boa resolução nem evitar que o ruído se instale quando as condições de luz são fracas e se usam valores ISO elevados. Quanto às ópticas, parece meridianamente claro que estar confinado a uma só lente, por muito boa que esta seja (e normalmente não o é), limita drasticamente as escolhas do fotógrafo. E as lentes fixas das câmaras inferiores trazem os seus próprios problemas: são dadas a aberrações cromáticas, distorções e perda de informação fora do centro da imagem. Por fim, as compactas, as bridge e os telemóveis vêm equipados com fotómetros de baixa qualidade, pensados para ser usados em modo automático por pessoas que apenas usam as câmaras para tirar fotografias aos esposos ou namorados com a paisagem como fundo, reagindo adversamente - e sem qualquer possibilidade de controlo pelo utilizador - a condições difíceis de luminosidade. É por isso que vemos tantas fotografias sem contraste e com céus completamente brancos, ou fotografias demasiado escuras porque o fotómetro entendeu que seria assim que compensava o excesso de luz.
A segunda limitação está nos próprios limites técnicos das câmaras embutidas nos telemóveis e nos das câmaras compactas e bridge; embora estas duas últimas apresentem uma panóplia de efeitos, nenhuma consegue chegar perto do que uma boa câmara pode fazer. Por muito que se tente desfocar o fundo de uma imagem para realçar o primeiro plano, é impossível a qualquer das câmaras referidas obter esse efeito. O utilizador de uma compacta, por exemplo, ficará decepcionado por ver que os artifícios que a câmara anuncia, e que por vezes surgem num selector de roda que lembra vagamente os das reflex (por ex. «fotografia nocturna», «desportos», «macro» ou «retrato»), pouca ou nenhuma diferença produzem em relação ao modo automático. Neste tipo de câmaras, concebido para que qualquer pessoa possa tirar fotografias em condições «normais», o fotógrafo está limitado a fazer o que a máquina quer, e não o que ele quer: não tem domínio sobre a luz captada pelo sensor, e o controlo sobre o ISO e o equilíbrio de brancos que algumas compactas permitem não é suficiente para compensar os compromissos técnicos de um equipamento concebido para ser barato, durar pouco e ser usado por pessoas sem aspirações a fotógrafos.
Claro que há-de haver sempre quem diga que só a imagem interessa, e que o equipamento não tem qualquer importância, mas esta ideia é tão errónea como advogar que qualquer pessoa munida de uma boa câmara é capaz de boas fotografias. Ambas são falsas. À primeira só posso contrapor que uma fotografia sem resolução é uma má fotografia, por muito interessante que seja o seu tema; uma fotografia com demasiado ruído, por muito bonito que seja o motivo captado, é uma fotografia arruinada - tal como aquela fotografia belíssima de uma linda manhã de Verão que ficou totalmente estragada por causa daquele halo roxo que surge no canto superior esquerdo.
Foto roubada de http://blog.chasejarvis.com/blog/
A questão não tem de se pôr em termos extremos: não é verdade que a criatividade baste para se ser um bom fotógrafo, nem que um bom equipamento, por si só, faça um bom fotógrafo. Um bom fotógrafo com um mau equipamento faz fotografias sofríveis. E, mesmo sendo certo que o material existe para ajudar o fotógrafo a exprimir-se, não chega, por muito bom que seja, para fazer um bom fotógrafo. Porque, mesmo que se tenha um bom equipamento e um bom domínio das técnicas fotográficas, tal não assegura, por si só, boas fotografias: uma imagem pode ser tecnicamente perfeita e ser profundamente desinteressante. Em contrapartida, ter boas ideias e um equipamento minimamente decente pode fazer despontar um grande fotógrafo; a sua evolução como fotógrafo implicará, naturalmente, uma evolução no equipamento - mas esta última é sempre comandada pela primeira. O próprio fotógrafo sentirá, mais tarde ou mais cedo, a necessidade de fazer evoluir o seu equipamento, de modo a expandir a sua criatividade.
Se me perguntarem qual o mais importante nesta contenda equipamento versus olhar, respondo sem hesitação: o olhar. Porque ter boas ideias é muito mais importante que ter um bom equipamento. Um bom fotógrafo com um equipamento fraco ou mediano faz melhores fotografias que um fotógrafo fraco ou mediano com um bom equipamento.

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