sábado, 7 de julho de 2012

Respeitar o passado

Ontem decidi caminhar, actividade que tenho praticado esparsamente nos últimos tempos. Fui de casa até Miragaia, porque queria fazer fotografia de rua nas arcadas de Miragaia, depois subi até à Praça da República e fui à Rua de Santa Catarina, passando pela Rua dos Mártires da Liberdade. (As fotografias das arcadas não ficaram grande coisa, mas o leitor pode avaliá-las no meu Flickr.) Uma caminhada em que devo ter completado dez quilómetros.
Descobri que na Rua dos Mártires da Liberdade, por onde cortei caminho para chegar até à Praça da República (tinha de resolver um assunto profissional na Rua de Santa Catarina, no quarteirão entre as ruas Gonçalo Cristóvão e Guedes de Azevedo), há duas lojas de material fotográfico: uma, Câmaras & Companhia, comercializa material fotográfico antigo e novo; a outra, Máquinas de Outros Tempos, especializa-se, como o nome sugere, em material usado. Na primeira dessas lojas pude ver ao vivo, pela primeira vez, a famosa antecessora da minha câmara, a Olympus Pen F. Na outra andei à procura de lentes usadas, mas infelizmente não encontrei nenhuma que satisfizesse as minhas necessidades: experimentei uma Pentax fisheye, mas a distância focal equivalente, quando montada na E-P1, é de 34mm, o que impede a distorção característica das fisheye ao endireitar as linhas.
As visitas a estas lojas induziram-me mais respeito pelo passado. Embora a minha escolha seja a fotografia digital, não deixo de sentir o maior respeito por quem opta pela fotografia analógica. Não me sinto tentado a comprar uma câmara analógica - que seria sempre uma Olympus OM, pela razão simples de já ter três objectivas desse sistema - por duas razões: a primeira, de ordem bastante comezinha, é a despesa e as limitações do formato: os rolos não são tão baratos como isso, o número de fotografias que poderia fazer seria limitado (o que decerto me obrigaria a fotografar melhor) e, a estes problemas, acresceria a despesa com a revelação e a espera pelas fotografias.
De resto, demoraria certamente muito tempo a obter resultados satisfatórios. Fotografar com filme obriga a ter um conhecimento preciso da lei da reciprocidade e a saber jogar com a abertura e o tempo de exposição para obter exposições correctas - embora seja certo que as câmaras analógicas mais recentes têm um fotómetro, que indica a exposição correcta. Neste aspecto a fotografia digital é muito mais cómoda e prática: vejo os resultados imediatamente e, se quiser, posso consultar o histograma para saber se a fotografia está correctamente exposta.
Nada disto significa, como disse, que não respeite quem se dedica à fotografia analógica. O material antigo não é necessariamente sucata: as câmaras analógicas duram muito mais do que as digitais, são geralmente mais bem construídas e têm um apelo estético superior (só as Olympus Pen E-P3 e OM-D, as Leica M e as Fuji X100 e X-Pro 1 constituem, actualmente, excepções a esta regra: a E-P1 já não se fabrica há dois anos...). E uma lente antiga, quando em bom estado, pode ser usada com bons resultados cinquenta anos depois de ter sido fabricada. Aliás, as lentes usadas, salvo em alguns aspectos em que são incompatíveis com o domínio digital, são uma excelente opção para quem não pode ou não quer gastar fortunas com objectivas novas, desde que se supere o receio de focar manualmente.
O facto de estas lojas existirem levou-me a especular se não haverá um revivalismo em tudo semelhante ao que existe na indústria discográfica, com o ressurgimento do vinil. Se o houver, parece-me natural, e interpreto-o como uma reacção à ditadura digital em que vivemos, na qual o material fotográfico é cada vez mais temporário e ficou reduzido a uma condição de bens perecíveis. Muitos preferem a segurança de ter bens duradouros, que podem estimar, em lugar de bens que estão destinados a durar alguns anos. De resto, ainda não dou por adquirido que a fotografia digital seja melhor: é certamente mais prática e cómoda, mas tal não significa, necessariamente, mais qualidade. Tal como o som de um CD, por mais upsampling que seja usado, permanece abaixo do que se consegue obter com um bom vinil tocado num gira-discos decente. Há pessoas que preferem a qualidade, em lugar de se deixarem prender nas malhas do consumismo que caracteriza, cada vez mais, os tempos que vivemos. E esta atitude, porque em parte a partilho, merece-me o maior respeito.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

O problema das altas luzes

No tempo da fotografia analógica, uma fotografia com altas luzes proeminentes era uma fotografia mal feita, em que o fotógrafo não teve habilidade para controlar a exposição; hoje, com a fotografia digital, a maior parte das câmaras tende a sobre-expor as altas luzes - umas mais que as outras, diga-se: a minha E-P1, por exemplo, é terrível neste particular, produzindo clipping sempre que fotografo em condições de céu limpo e sol intenso. (Clipping é um termo que se aplica em fotografia quando uma curva do histograma excede o limite superior.)
O excesso das altas luzes tem efeitos prejudiciais sobre as fotografias. Embora possa ser usado com intenção, quando se quer transmitir a percepção de uma luz intensa e ofuscante, este excesso de sobre-exposição da luz torna a imagem baça e plana, dessatura as cores, favorece o surgimento de clarões e oculta o pormenor. E, quando o clipping ultrapassa o limite (dizendo-se, neste caso, que as altas luzes estão estouradas), esse pormenor perde-se irreversivelmente, apenas ficando uma porção branca na imagem que faz desaparecer todos os objectos que estavam nessa área do enquadramento. Não há edição que valha a uma fotografia em que parte da imagem ficou estourada.
Exemplo de histograma com excesso (clipping) de altas luzes
Como este é um problema de sensibilidade do sensor, cuja resposta linear tende a produzir sobre-exposição, são poucos os recursos que permitem evitar por completo o excesso de altas luzes. Usar um para-sol é uma boa ideia, mas este só é eficaz quando a luz intensa incide obliquamente sobre a lente. Os principais cuidados a ter, quando se fotografa sob sol intenso, para evitar o estouro das altas luzes, são recorrer à compensação da exposição, atenuando esta última entre -0,3 e -0,7 EV. Quando se fotografa no modo manual, em que não é possível accionar a compensação da exposição, deve-se optar por aumentar a velocidade do obturador na mesma proporção, mantendo a imagem sub-exposta. (Deve-se jogar com a velocidade do disparo, e não com a abertura, uma vez que estreitar esta última pode causar difracção e aumenta a profundidade de campo.) É mais fácil corrigir uma imagem sub-exposta do que uma com excesso de altas luzes, e deste modo evita-se que partes da fotografia fiquem estouradas. Deve notar-se, contudo, que mesmo com esta precaução poderá haver uma tendência para estourar as altas luzes.
Outra possibilidade é jogar com o controlo da medição, medindo a exposição na área mais luminosa do enquadramento através da medição pontual ou usando a função AE-L, mas esta forma de proceder tem o inconveniente de favorecer as sombras. De qualquer modo, como é mais fácil recuperar sombras do que altas luzes, esta é uma técnica que evita eficazmente o clipping.
Os programas mais eficazes de edição de imagem também podem contribuir para resolver o excesso de altas luzes, mas não convém deixar de tomar as precauções referidas acima por se confiar que aqueles programas vão recuperar o pormenor escondido sob as altas luzes. Até porque, como já referi, se estas últimas estourarem, a informação ocultada perde-se irreversivelmente. Contudo, o Adobe Lightroom e o DxO Pro 7 são tremendamente eficazes no tratamento de casos em que as altas luzes não chegaram ao ponto de estourar. O Lightroom é mais intuitivo, bastando deslocar um botão (slider) na horizontal para obter resultados altamente satisfatórios; o Pro 7 implica seleccionar uma de três opções (prioridade às altas luzes ligeira, média e forte) no menu de compensação da exposição, embora nos casos mais graves seja necessário compensar ainda mais a exposição, o que se faz de forma manual num slider. Em ambos os programas as áreas afectadas pelas altas luzes são mostradas através de cores falsas, o que torna a correcção mais fácil do que se se tivesse de confiar apenas no histograma. Contudo, como disse atrás, o facto de estes programas serem tão bons no tratamento das altas luzes não dispensa que se tomem precauções antes de premir o botão de disparo, porque os efeitos da sobre-exposição podem ser irreversíveis.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Fotografia e percepção

No meu último texto exprimi a ideia de que não existem regras apenas para fazer fotografias, mas também para as ver. Deixem-me explicar.
Ver uma fotografia é um processo que se rege pela percepção. Claro que cada um vê uma fotografia conforme a sua própria apreciação, que é subjectiva e individual, mas existem alguns princípios de composição, enquadramento e design que são o resultado da análise da percepção dos objectos e que o fotógrafo deve ter em conta para tornar uma fotografia inteligível, uma vez que tais princípios são de tal maneira universais que dificilmente se lhes pode escapar.
Assim, uma fotografia é vista percorrendo os olhos pela imagem, e não com o olhar fixando-se na sua totalidade ou em determinado ponto. Mesmo que este «varrimento» seja tão rápido que mal nos apercebemos dele, a verdade é que, em geral, os olhos percorrem a imagem a partir da zona superior esquerda - mas não do canto superior esquerdo, note-se bem -, daí que seja importante que o objecto principal da fotografia esteja nessa área, ou que, pelo menos, não existam nessa área outros objectos que contribuam para desviar a atenção do olhar relativamente àquele que se quis fotografar. Mesmo que o objecto não se situe na área superior esquerda, deve ter-se o cuidado de incluir linhas que, partindo dessa área, conduzam o olhar para o objecto no enquadramento. A criação de pontos de fuga, permitida pela diagonalização das linhas típica das grande-angulares, é uma boa maneira de formar essas linhas.
Esta forma como percebemos a imagem é a razão da existência da regra dos terços: cada um dos pontos de cruzamento das linhas que dividem o enquadramento corresponde aos espaços que a percepção tende a procurar. Uma imagem cujo objecto esteja completamente centrado tende a ser estática e desinteressante, a menos que o objecto preencha a totalidade do enquadramento. Esta forma de perceber a fotografia tem que ver com a maneira como somos treinados para perceber os objectos, a qual é adquirida durante a aprendizagem da leitura. Lemos os textos a partir da parte superior esquerda da página(*), e o olhar varre esta última de forma descendente,  ziguezagueando até ao fundo da página. Esta aprendizagem condiciona a nossa percepção de maneira fundamental - e não apenas na fotografia.
Uma das formas possíveis de evitar que a área a que me refiro - i. e. a zona superior esquerda da imagem, que é a que tem maior impacto visual por ser aquela por onde o olhar começa a percorrer a imagem - seja ocupada por elementos distractivos é o uso de espaço negativo - áreas que não são ocupadas por nenhum objecto, mas que, quando bem usadas, contribuem para a sensação de espacialidade da fotografia. O uso de espaço negativo é visto por alguns como informação desnecessária - ou mesmo como ausência de informação -, o que em certos casos é verdadeiro; contudo, o espaço negativo pode ser usado para transmitir, por ex., uma sensação de vastidão ou de vazio, ajudando a conferir expressão à fotografia.
Decorre também daqui que uma fotografia resulta melhor se não for demasiadamente preenchida. Deve evitar-se a tentação de meter tudo no enquadramento. Há um princípio de economia e simplicidade que deve, sempre que possível, ser respeitado. Fotografias preenchidas com muitos objectos tendem a ser confusas e raramente resultam bem, uma vez que o olhar se vai perder nessa multiplicidade em lugar de se deslocar apara aquilo que se pretendeu que fosse o objecto da fotografia. É esta a razão pela qual o bokeh, ou desfocagem do plano de fundo, resulta tão bem: ele evita que o olhar se disperse, concentrando-o na figura em primeiro plano. Pode, contudo, dar-se o caso de aquilo que se pretendeu com a fotografia ser a ilustração de uma diversidade de objectos: se for essa a intenção, deve ter-se o cuidado inverso, i. e. o de fazer com que nenhum objecto se destaque.
Depois há que ter certos cuidados com a geometria da composição. Há que atender ao equilíbrio dos elementos da imagem, porque o olhar é sensível a este factor. Mesmo que a imagem seja a de um objecto predominante pelo seu volume, deve sempre haver qualquer objecto no enquadramento que contrabalance esse predomínio, mesmo que de menor volume. Da mesma maneira, importa ter em conta que o olhar é extremamente sensível a desequilíbrios causados por alinhamentos deficientes (o olhar tende a procurar o rigor geométrico e a simetria), como por ex. uma linha do horizonte indevidamente inclinada. Uma inclinação de 1 ou 2 graus é o suficiente para que o olhar rejeite a fotografia, despertando uma apreciação negativa sobre as capacidades do fotógrafo.
A dinâmica da fotografia é outro factor importante. Se fotografamos uma pessoa em movimento, ou orientada para determinada direcção ou ainda olhando para um determinado ponto, é fundamental que essa pessoa seja colocada do lado oposto àquele para que olha, para onde está voltada ou em cuja direcção se desloca. Isto confere à fotografia uma sensação de direcção que é muito mais confortavelmente acompanhada pelo olhar do que se a pessoa figurasse no enquadramento como se estivesse a olhar ou a deslocar-se para fora deste, ou voltada para o exterior.
O próprio formato da fotografia contribui para a forma como esta é vista. A nossa visão é panorâmica, pelo que o formato horizontal é o que beneficia de maior aceitação - como o demonstra o facto de os sensores, bem como a película, terem esse formato. Contudo, o formato vertical deve ser empregue em retratos ou, de uma maneira geral, sempre que se fotografem objectos em altura - como, desde logo, figuras humanas em corpo inteiro. Uma fotografia de um objecto alto isolado resulta melhor em fotografias verticais, excepto se houver outras informações na imagem que justifiquem a opção pelo formato horizontal. E isto aplica-se mesmo nos retratos, sempre que houver outros objectos que contribuam para tornar a fotografia interessante e informativa. Já o formato quadrado (1:1) é, em regra, desinteressante, contribuindo muitas vezes para uma sensação de desconforto visual (excepto quando o objecto preencher a totalidade do enquadramento).
Este texto não tem a pretensão de ser exaustivo. Há muito mais a compreender quanto à percepção para ajudar a fazer melhores fotografias. Recomendo, em particular, a leitura dos respectivos capítulos do livro O Olhar do Fotógrafo, de Michael Freeman (ed. Dinalivro), que aprofunda estes temas. A minha intenção, ao escrever estas linhas, é fazer com que o leitor interessado fotografe na consciência de que a fotografia é para ser vista por outros, e que existem regras gerais quanto à forma como uma fotografia é vista pelas outras pessoas. Ter esta noção é meio caminho andado para fazer fotografias agradáveis e inteligíveis. Deve notar-se, contudo, que estas regras não são sagradas: a criatividade pode implicar a transgressão destas regras, mas o fotógrafo deve conhecê-las antes de as transgredir. Uma coisa é a transgressão consciente e propositada, outra a simples ignorância.
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(*) Esta é a regra «ocidental»; há culturas em que a leitura é feita da direita para a esquerda, como a árabe ou a chinesa.  

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Em defesa dos fotógrafos profissionais

Por vezes, quando navego pelos comentários a artigos publicados em websites de fotografia, encontro opiniões que postulam (prevêem, predizem) o fim da fotografia profissional. Pessoas deslumbradas com os 41 MP do Nokia PureView 808, ou mesmo com a qualidade de imagem do iPhone, vêem nesta evolução o fim das câmaras fotográficas. Uma coisa leva à outra, e ei-los perorando acerca da desnecessidade de fotógrafos profissionais, já que qualquer um, com um bom telemóvel na mão, é capaz de fotografias fantásticas. Tudo isto é uma ilusão, e direi em breve porque penso assim, mas a verdade é que já vão havendo editores de publicações que vêem na proliferação de fotografias de qualidade aceitável na Internet uma forma de poupar dinheiro ainda mais engenhosa do que aquela que as nossas administrações regionais de saúde encontraram para poupar dinheiro com enfermeiros: em lugar de pagar a um fotógrafo profissional, encarregam um desktop publisher de recolher fotografias da Internet. Esta última circunstância, embora não vá acabar com os fotógrafos profissionais - há sempre jornais e revistas ditas de referência que são exigentes quanto à qualidade das fotografias, e não estou a ver o Público a resolver o contrato com o Enric Vives-Rubio -, pode contudo constituir uma fonte de privações e empobrecimento para muitos dos que se dedicam à fotografia e retiram dela o seu sustento. Mas isto não é mais do que um sinal dos tempos que atravessamos e de uma evolução perversa que leva ao sacrifício da qualidade em favor de uma poupança que, bem vistas as coisas, é ilusória, e de um abaixamento da exigência de qualidade das audiências. Porque haverá sempre lugar para a fotografia profissional e para a qualidade.
As opiniões a que me referi no início são formadas por pessoas que, quer por serem muito jovens e terem ainda noções muito rudimentares sobre fotografia, quer por serem pouco exigentes, quer ainda por simplesmente não saberem do que estão a falar, não sabem distinguir uma boa fotografia de uma fotografia mediana. Entendem que uma fotografia serve meramente para fornecer uma informação visual, daí que não seja necessário mais do que apontar e disparar para obter o efeito pretendido, mas isto é esquecer que a fotografia - mesmo aquela que surge nos órgãos de informação - é muito mais do que um mero meio de informação. E - o que é absolutamente crucial - esquecem que, assim como há regras para fazer fotografias, também as há para ver fotografias. E a apreciação de uma fotografia é algo universal: todos, sejamos ou não conhecedores de fotografia, sabemos identificar uma má fotografia, a qual produz uma sensação de desconforto visual e intelectivo (ainda que não sejamos versados em fotografia). O público não é tão ignorante e inexigente como alguns querem que pensemos. Por outro lado, por serem tão iludidos pela aparente qualidade fotográfica dos novos telemóveis, aqueles opinadores esquecem que o equipamento é apenas parte da história. Não são os 41 MP do Nokia 808 que vão substituir um olhar treinado e uma aptidão forjada durante muitos anos de prática e de estudo - já disse aqui, por várias vezes, que uma pessoa tem de estudar para ser um bom fotógrafo -, nem é verdade que as fotografias feitas por um telemóvel sejam tão boas como aparentam. Um telemóvel é completamente inútil para fotografar um evento dentro de portas com iluminação ténue, como por ex. um casamento. Os níveis de ruído e a inaptidão para regular manualmente a sensibilidade, o tempo de disparo e a abertura precludem o uso de um telemóvel nestas circunstâncias. E este é apenas um exemplo entre muitos. Futebol e Fórmula 1 com um telemóvel? Ridículo!
Também eu me iludi quando comecei a fotografar. Tal como os que venho referindo, também imaginava que uma câmara compacta era tudo quanto bastava para fazer grandes fotografias: afinal de contas, quando estamos diante de imagens digitais, tudo se resume à resolução e ao pixéis, sendo a câmara indiferente... Nada mais errado, evidentemente, mas a verdade é que, quando se começa, não se sabe nada. A realidade mostrou, no meu caso particular, ser bem diferente do que especulava há apenas dois anos atrás, quando imaginava não haver diferenças entre uma 1D e a minha compacta, com a qual poderia fazer fotografias como um pro... que ilusão patética. Mas suponho que é preciso passar por esta fase.
Não, nada substitui uma boa fotografia. E, já agora, um bom fotógrafo. E, contudo, acredito que há muitos fotógrafos profissionais que se ressentem de um volume de trabalho menor por causa dos iPhones e dos contadores de botões nas editoras. Como sou um profissional independente, sei bem o que isto é - mas acredito que um dia esta loucura da austeridade imposta pela chanceler Merkel e pelas agências de rating vai acabar e tudo vai voltar ao normal, e vamos todos poder apreciar fotografias de qualidade nos nossos jornais e revistas e contratar bons fotógrafos para os nossos casamentos, baptizados e comunhões (ou bar mitzvahs, que este não é um blogue religioso ou excludente). Ou se calhar não...   

domingo, 1 de julho de 2012

«Novo hardware encontrado»

Aconteceu o que era mais ou menos de esperar quando se fotografa RAW: o disco rígido do meu computador ficou cheio. Não ficou sem espaço, mas a barra que surge na visualização das propriedades ficou vermelha, avisando que estava quase a atingir o limite da sua capacidade.
Este é um dos grandes inconvenientes de fotografar RAW. Apesar de o meu computador ser uma máquina ainda bastante actual - pelo menos tão actual quanto um computador com três anos pode ser (e era uma bomba quando o comprei!) -, não há capacidade de armazenamento que resista quando se acumulam ficheiros com 16MB ou mais. Pior ainda quando os ficheiros são convertidos em imagens JPEG cujo tamanho médio anda pelos 5-6MB.
Isto deixou-me a pensar. Afinal de contas, tinha 37,2 gigabytes ocupados com fotografias - só as feitas com a Olympus, as da Canon ocupavam cerca de 4 gigas. É muito gigabyte: mais concretamente, era um terço da capacidade do disco rígido do computador, que tem uma capacidade de 116 GB. Levou-me a pensar na necessidade de tantas fotografias: não seria um enorme exagero? Praticamente deixei de fotografar em JPEG, porque o número de ferramentas de edição de imagem do DxO Pro 7 (e com o Lightroom seria a mesma coisa) é substancialmente maior quando se tratam ficheiros RAW, o que permite correcções mais eficientes. Porquê? E para quê? O meu lado prático, que nem sempre consigo calar, está sempre a lembrar-me que não sou nenhum profissional da fotografia, pelo que tudo isto é completamente desproporcionado, mas no fim a resposta àqueles porquês é sempre porque sim. Porque gosto tanto de fotografar e de fotografia que os meios que emprego - desde que razoáveis, sensatos e justificados - acabam sempre por valer a pena.  
Cheguei a um ponto em que só me restavam duas opções: ou deitava fora fotografias ou comprava um disco externo. Seleccionar imagens para eliminar seria um trabalho incrivelmente fastidioso: com 6659 fotografias feitas com a E-P1 e as cerca de 1700 com a Canon (das quais não me consigo desfazer, não sei porquê), demoraria tanto tempo a seleccionar fotografias para eliminar que ficaria cansado só de pensar nessa possibilidade. Optei pela solução mais simples - e também mais dispendiosa - e comprei um disco externo, um Western Digital My Book Essential de 2 Terabytes. A sua aquisição, que foi precedida de pesquisas exaustivas (como quase todas as minhs compras), levou-me a renunciar aos meus princípios e adquirir um bem de consumo num estabelecimento cuja publicidade, que passa antes das notícias da TSF, parece ter sido concebida por estagiários recrutados numa CERCI - mas a verdade é que comprei o disco com um desconto de trinta euros. O que não é mau, especialmente se pensar que me custou tanto como um disco de 1 Tera a preço normal.
O disco é interessante porque não é muito grande, e também não é feio: é revestido de acrílico preto, o que o torna discreto e elegante. Mas o mais importante é saber como funciona. Numa palavra: bem. Embora não saiba muito bem como avaliar algo que serve para armazenar ficheiros, posso dizer que, depois de ter armazenado todas as minhas fotografias, já processei algumas a partir do disco externo, só para experimentar. Não notei qualquer diferença no processamento, o que significa que o novo hardware não veio prejudicar o computador, nem o desempenho do programa de processamento de imagem. Trabalhar as imagens armazenadas no disco externo é igual ao que fazia quando as fotografias estavam no disco rígido do computador, o que era o mínimo que podia esperar. O que melhorou, e muito, foi o funcionamento do computador: ficou consideravelmente mais rápido depois de se ver livre de um terço da sua capacidade de armazenamento. O que, como não o uso só para fotografia, é um benefício absolutamente inestimável. Quanto à fotografia, os ficheiros de imagem não chegam a ocupar 1% do disco externo - o que significa que nunca mais vou ter de me preocupar com a capacidade de armazenamento. E, se o computador tiver algum problema, as minhas fotografias ficam devidamente salvaguardadas. O que é ainda melhor.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Passado e futuro da fotografia

L'Atelier de l'Artiste, daguerreótipo de Louis Daguerre (1837)
Se eu afirmasse aqui que uma fotografia - ou, mais exactamente, um daguerreótipo -, feita há cento e setenta anos, tinha mais resolução que qualquer fotografia digital dos nossos dias, sem fundamentar essa afirmação, muitos provavelmente pensariam que eu tinha ensandecido de vez e que estava a publicar textos a partir de uma cela de paredes acolchoadas no Rilhafoles. Daí que faça uma remissão para este artigo interessantíssimo que encontrei no Pixiq, para fundamentar o que acabei de escrever. Talvez assim acreditem em mim.
Antes de mais, convém esclarecer que um daguerreótipo é uma forma de criar uma imagem pela captação de luz inventada por Louis Daguerre no segundo quartel do Século XIX. A luz reflectida pelos objectos era fixada em placas de cobre revestidas por uma solução de prata. A imagem era tornada visível através do uso de vapor de mercúrio, o que causava problemas de saúde nos fotógrafos (ou, mais propriamente, daguerreotipistas). O daguerreótipo é, deste modo, o pai da fotografia.
De regresso ao artigo publicado no Pixiq, é interessante ver que um daguerreótipo contém muito mais informação que uma imagem digital. Devo dizer, usando um raciocínio analógico (em mais que um sentido), que o conceito de as antigas tecnologias serem superiores às digitais que lhes sucederam não me é novo: há doze anos que substituí o leitor de CD por um gira-discos como fonte principal nas minhas audições musicais. Daí que não tenha sido um choque aprender esta realidade. Aliás, isto é a repercussão de algo que é evidente se pensarmos um pouco: a diminuição da qualidade em favor da produção em massa. Temos bens mais baratos, com compromisso da qualidade.
Significará isto que devemos trocar as nossas câmaras digitais por camerae obscurae, como as usadas para fazer daguerreótipos? Decerto que não. O que devemos fazer é esperar pelos novos desenvolvimentos da fotografia digital. Uma resolução como a do daguerreótipo referido no artigo da Pixiq não estará nunca ao alcance de câmaras digitais servidas por sensores convencionais, uma vez que estes, por maiores que sejam, têm uma limitação no número de pixéis, que dificilmente poderá ir para além da centena de MPs. Qualquer imagem, mesmo feita com uma Mamiya com um back digital da Leaf, tem serrilhado quando ampliada para além de 400%. Há que pensar de outra maneira, lateralmente, e foi isto mesmo que fizeram na DARPA, a agência de pesquisa do Departamento de Defesa norte-americano.
Com efeito, esta agência desenvolveu e mostrou uma câmara, a AWARE-2, que atinge os gigapixéis. Decerto que esta tecnologia ainda requer muito desenvolvimento para que possa produzir imagens de qualidade - esta está limitada, no protótipo mostrado, pelo uso de uma lente de plástico -, e terá de ser desenvolvida para reduzir as câmaras a a proporções práticas: o protótipo parece uma fonte de alimentação arrefecida a ar, como as dos computadores desktop, que tivesse sido monstruosamente ampliada, mas este pode ser o caminho para a obtenção de níveis de resolução superiores.
O que nos mostra que a fotografia digital ainda está na sua infância. Um dia - provavelmente muito em breve - os sensores CCD e CMOS serão coisas do passado, substituídas por uma abordagem mais orgânica, que imite a natureza. Afinal de contas, os melhores instrumentos ópticos existentes são os olhos. Quando a tecnologia conseguir este grau de perfeição, teremos as resoluções com que muitos fotógrafos sonham.
Claro que nada disto pode esconder uma realidade triste: esta câmara que a DARPA desenvolveu serve, sobretudo, para aperfeiçoar a intromissão na vida privada de cada um. Esta tecnologia terá a sua aplicação em funções de vigilância, de maneira a poder devassar-nos com mais eficiência. Mas, se saírem daqui benefícios para a fotografia, penso que os fabricantes de equipamento devem estar atentos.    

sábado, 23 de junho de 2012

Quando a qualidade é inimiga da rapidez

Só um conselho breve, antes de irmos festejar o S. João (onde aplicável). Ontem andava pela Baixa do Porto quando, de repente, ouvi uns tambores; todas as atenções se concentraram numa trupe que descia a Rua de Santa Catarina. Muitos mascarados, algumas vestes extravagantes e bastante animação de rua - o sonho de quem faz fotografia de rua!
Infelizmente, esqueci-me que tinha estado a fotografar em RAW e perdi muitas oportunidades de fotografar por causa do tempo que a câmara demora a processar os ficheiros. Foi uma pena - fiz fotografias de metade dos desfilantes e por vezes disparei quando a pessoa que queria fotografar já estava fora do enquadramento. Felizmente salvaram-se algumas, como a que ilustra este texto e outras que publiquei no Flickr, mas senti-me frustrado: podia ter feito muitas mais.
Já sabem: se vos aparecer a oportunidade de fotografar pessoas em acção, como neste tipo de eventos, usem JPEG. Mesmo com um cartão rápido - estou a usar um SanDisk Extreme Pro de 16 GB - e um bom buffering, o tempo que decorre entre o último disparo e a câmara ficar pronta para outro é suficientemente longo para que se perca uma boa fotografia. E perder uma boa fotografia é o pior que pode acontecer quando se está a fotografar (bom, roubarem-nos a câmara é pior, mas compreendem o que quero dizer...)