quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Indulgência

Está a acontecer-me algo que, muito provavelmente, é uma singularidade minha: cada vez faço menos fotografias. Mesmo que fotografe durante mais dias da semana - na semana passada fotografei na Quinta e na Sexta, no Sábado e no Domingo, quando o normal é fazê-lo apenas aos fins-de-semana -, é raro fazer mais de trinta fotografias por dia, mesmo em sessões longas. Estou cada vez mais exigente com os motivos e, se olho para uma cena qualquer que me pareça interessante, não a fotografo se não me parecer que vai dar uma boa fotografia; sei que, ao virar da esquina, me vai aparecer algo ainda melhor. E penso muito mais no enquadramento, na luz e no interesse do motivo do que fazia há apenas um ano atrás. Uso a câmara com a parcimónia que usaria se tivesse uma máquina analógica, em que o número de fotogramas é limitado. Claro que sei que esta limitação não existe, e também não é para poupar a câmara que o faço; se fizer sete mil fotografias num ano, a câmara pode durar-me mais de dez anos, pelo que não é a longevidade que me preocupa. O que me preocupa, agora, é fazer fotografias que tenham interesse, quer pelos motivos, quer pela técnica. Penso, por exemplo, se determinado motivo daria uma fotografia que pudesse mandar imprimir, porque - já o disse mais que uma vez - entendo que o destino último de uma fotografia é a impressão.
Em contrapartida, noto que edito quase todas as fotografias que faço. Quando edito uma fotografia, tal significa que ela me parece suficientemente boa. Quando não é, apago-a. Algumas, deixo-as em Raw, reservando-as para uma futura edição no caso de conseguir torná-las melhores. Isto significa que fico satisfeito com a maioria das fotografias que faço, mas esta satisfação pode ser uma ilusão. Posso, de facto, estar a ser indulgente e acreditar que já atingi um nível de qualidade que faz com que todas - ou quase - as minhas fotografias sejam boas. Este tipo de indulgência é algo em que não quero incorrer, por pressentir que pode levar à estagnação, mas é algo em que muitos bons profissionais por vezes caem.
Antes que alguém pense que me quis comparar a um profissional quando escrevi a última frase (ou mesmo que me considero superior a eles), deixem-me exprimir-me melhor. Por vezes vejo, nas redes sociais, fotografias de profissionais que não são nada conseguidas. Interpreto este facto como autocomplacência, como se os autores das fotografias pensassem que, por serem profissionais consagrados, todas as suas fotografias são excelentes. Há dias vi uma fotografia de um profissional que é patrocinado por uma determinada marca de equipamento fotográfico no Facebook, e fiquei chocado: a fotografia - uma paisagem normalíssima, com um monte e um rio ao cair da noite e um barquinho a compor o enquadramento - era péssima. O equilíbrio dos brancos estava errado, a imagem era unidimensional, o enquadramento era sofrível, a nitidez fraca e o ruído destruidor. O tipo de fotografia que eu teria feito há um ano e apagado quando a visse no computador, mas o referido profissional não teve problemas em publicá-la na Internet. Curiosamente, muita gente gostou da fotografia - apesar de, em termos puramente estéticos, não ser mais que sofrível. Que terá passado pela cabeça do profissional para publicar aquilo? Não consigo abster-me de pensar que o fotógrafo terá pensado que as pessoas iam gostar por ser uma fotografia dele, do visionário que faz críticas de fotografias publicadas pelos leitores na página da marca que o patrocina às Quartas de tarde. (Será que não havia também um pouco de graxa naqueles «gosto» todos?)
Se narrei este exemplo é porque não quero que isto aconteça comigo. Quero pensar na aprendizagem da fotografia como um processo contínuo e infindável, sem nunca me dar por satisfeito com os resultados que obtiver num dado período. No dia em que me deixar convencer que as minhas fotografias são muito boas, vou estagnar e transformar-me num produtor em série de imagens banais. E isso eu não quero, tal como não quero que as pessoas gostem das minhas fotografias por serem minhas: quero que gostem das minhas fotografias por elas terem algo a dizer. E esta é a parte mais difícil da aprendizagem: a técnica não requer tanta aprendizagem como a forma de tornar as fotografias interessantes para quem as vê, porque esta última implica pormo-nos no lugar de quem vê - o que não é tão simples como parece.
Espero, por tudo isto, não estar a cair numa indulgência enganosa. Cada vez a frase de Imogen Cunningham me faz mais sentido: «a minha melhor fotografia é a que vou fazer amanhã». E esse amanhã é sempre amanhã, por muito que pareça que finalmente chegou.

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