quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Poluição visual

Uma das piores coisas que pode acontecer quando se fotografa é a existência de objectos que interferem visualmente com a imagem. São objectos que não podem ser retirados do enquadramento e prejudicam a harmonia estética da fotografia. Todos nós já nos demos conta deles: a fotografia maravilhosa que fizemos do rio sem que reparássemos nos cabos de alta tensão que o atravessa de uma margem à outra, por exemplo. Ou o automóvel estacionado mesmo no lugar onde queríamos fazer a fotografia de um monumento importante - normalmente um Ford Fiesta cinzento metalizado, ou um Citroën Saxo azul, ou qualquer desses carrinhos que o cidadão da classe média compra e insiste em estacionar à porta do lugar onde se dirigiu.
Um crop do tal painel. Lindo, não é?
Isto vem a propósito de umas fotografias que falharam por causa de um cartaz em particular. Em Vila Nova de Gaia, na encosta acima do «Cais do Cavaco» (nem me vou dar ao trabalho de indagar o porquê deste nome...), há um painel publicitário gigantesco, iluminado por não menos que catorze holofotes. Suponho que a intenção é que a publicidade seja bem visível do lado do Porto. Esse painel anuncia, à data em que escrevo, um daqueles festivais de Verão que agora surgem como cogumelos, mas com a particularidade de já ter acontecido há quase um mês. Alguém anda a pagar para anunciar um festival que já foi, e a câmara de Gaia e a EDP permitem um desperdício verdadeiramente obsceno de energia eléctrica para publicitar um evento do passado. Quase tão mau como isto, porém, é o facto de o painel desfear uma zona que é particularmente bonita (pelo menos à noite). É impossível deixar de olhar para aquela monstruosidade. Em matéria fotográfica, temos uma mancha azul no meio das sombras e da iluminação pública amarela alaranjada. Um desastre estético que nem a correcção de manchas ou a clonagem dos programas de edição conseguem disfarçar.
Já agora, o referido festival foi patrocinado pela TMN, do grupo Portugal Telecom, a electricidade é fornecida pela EDP e as taxas pela afixação são receita do Município de Vila Nova de Gaia. É assim que é gerido o nosso dinheiro.
Há outras fontes de poluição visual para além da publicidade (e nem sempre esta é nociva para a fotografia, como o demonstram as boas fotografias nocturnas de Tóquio ou Nova Iorque). Já aludi aos automóveis e às linhas de alta tensão, e o que referi em relação a estes últimos também se aplica a cabos e linhas telefónicas. Mas há muitas mais. O caos estético que é a urbanização em Portugal é outro manancial de poluição visual. Quando tento fotografar ruas da Zona Histórica do Porto, encontro sempre coberturas de plástico sobre as janelas, marquises completamente fora do contexto, cores misturadas sem critério, caixotes do lixo a transbordar, antenas parabólicas e outros elementos poluidores que obstam à harmonia visual. Uma vez levei uma amiga estrangeira a passear pelo alto Minho; ela ficou escandalizada com as casas construídas à face da estrada e a desordem urbanística das vilas e aldeias. Os barracões e estabelecimentos junto à berma das estradas são verdadeiras aberrações, causando confusão e desconforto visual. Só Ponte de Lima escapa a esta bandalheira generalizada. Eu não gostaria de viver num país projectado por Albert Speer, mas a balbúrdia que são as nossas cidades, vilas e aldeias, além de ser esteticamente desagradável, é uma inimiga poderosa da fotografia.
Há pouco a fazer para evitar estas fontes de poluição visual (que me abstenho de enumerar exaustivamente). O melhor é tentar compor a fotografia de maneira a integrá-las harmoniosamente no enquadramento, jogando com eventuais linhas que elas formem e com os volumes. Uma boa solução pode ser fotografar a preto-e-branco, o que atenua o choque visual provocado por contrastes de cor violentos. Na impossibilidade de integrar os elementos poluidores na composição, há sempre o cropping (cortar a fotografia para excluir as fontes de poluição), mas o resultado pode não ser o melhor. O mesmo quanto às ferramentas de edição: a clonagem pode não dar o resultado esperado, sendo preferível usar a correcção de manchas; mas mesmo esta ferramenta pode estragar mais do que compõe. Por vezes o melhor é mesmo desistir de fotografar aquele lugar; afinal de contas, se está assim tão poluído, não é merecedor de ser fotografado.

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