terça-feira, 7 de agosto de 2012

Autenticidade

No Sábado passado, 4 de Agosto, voltei a um tipo de fotografia que é muito do meu agrado: paisagens marítimas de praias ao lusco-fusco, usando tempos de exposição longos para obter o arrastamento das águas do mar. Este é um género de fotografia que se está a tornar um pouco batido, mas há sempre maneira de obter imagens distintas e originais. Neste caso, como nunca vi nenhuma fotografia deste estilo feita junto do paredão da Praia do Molhe, aqui no Porto, penso que há alguma originalidade nas imagens que fiz - mas posso, evidentemente, estar enganado e haver milhares delas a circular na Internet.
Esta foi uma das únicas sessões fotográficas do género em que encontrei um céu interessante, com muitas nuvens e um tingimento de tons vermelhos em algumas destas. As fotografias, tal como foram tiradas, deixaram-me satisfeito, mas, enquanto as processava, perguntei-me se não podia ir um pouco mais longe e torná-las ainda mais dramáticas. No DxO Pro 7 diminui a exposição, nalguns casos em -2EV, para tornar as imagens mais nítidas e contrastadas; depois adicionei um pouco de presença, aumentei o raio às sombras em cerca de 50%, diminuí um pouco o contraste global e aumentei drasticamente o contraste local. Ainda manipulei a curva de tons, saturei os vermelhos (nalgumas imagens, como a de cima, aumentei a saturação geral), usei um pouco mais de contraste na caixa color modes, dei um pouco de unsharp mask - algumas das imagens, por terem sido feitas com aberturas muito estreitas, sofriam de difracção - e reduzi o ruído.
Os resultados foram excitantes - obtive imagens com uns céus extremamente dramáticos -, mas deixaram-me a pensar. Antes de mais, toda a gente que faz fotografias dentro deste estilo faz o mesmo trabalho de edição que eu fiz, pelo que o factor originalidade se reduz, eventualmente, à composição e ao enquadramento; mas o que me levantou mais dúvidas foi o uso de tanta edição da imagem, tendo o resultado final ficado tão diferente da fotografia inicial que dificilmente se diria que as duas foram feitas com o mesmo corpo, a mesma lente e os mesmos valores de exposição. Penso que as fotografias ficaram esteticamente conseguidas - pelo menos deixaram-se satisfeito, mas não é a mim que cabe avaliá-las -, mas não consigo deixar de pensar que ficaram inautênticas. O céu que vi não era tão contrastado, nem as nuvens tão carregadas; o paredão surge como uma silhueta, e não com a luz que o banhava nesse momento; e. evidentemente, não existem oceanos cremosos, com a textura de um iogurte líquido.
Será que isto é uma inversão total dos valores que sempre tentei preservar nas minhas fotografias?
Posso dizer que tenho a consciência tranquila no que diz respeito à ética fotográfica. O que está na fotografia é o que estava no local que fotografei. Não acrescentei nem subtraí nada. Não adicionei, retirei ou manipulei camadas, não menti quanto ao objecto da fotografia. O que está nas imagens é a mesmíssima paisagem que os meus olhos viram e que achei merecedora de ser fotografada. O que está é, digamos, realçada. (Ou retocada, se preferirmos.) O contraste local do Pro 7, equivalente digital do dodging and burning da fotografia analógica, deu intensidade aos reflexos e à textura das nuvens como se tivesse usado um filtro polarizador; a compensação da exposição e o raio das sombras contribuíram para dar mais contraste entre tons claros e escuros, e a saturação tornou mais evidente o tingimento do céu e a cor do limo que cobre as rochas do primeiro plano. Penso que tudo isto contribuiu para realçar as qualidades estéticas presentes na fotografia - mas esta é a mesma, sem tirar nem pôr, que o sensor registou. Deste modo, posso dizer que, embora um pouco inautêntica, é uma fotografia verdadeira. Autenticidade e verdade não são necessariamente sinónimos.
De resto, não vejo nenhum obstáculo de natureza ética a este género de tratamento. Se as nuvens tivessem sido adicionadas na pós-produção, poderia ter dúvidas neste aspecto, mas aquelas são as mesmas nuvens que se viam daquele lugar e àquela hora. Só a sua apresentação é diferente. E, como são extremamente raras as fotografias que resultam bem sem qualquer necessidade de edição, digamos que o pecado original - o de retocar a imagem - está cometido a partir do momento em que se aumenta o contraste, o brilho ou a nitidez, nem que seja em 1%. Por este motivo, não vejo por que não deva tirar todo o partido possível da edição para tornar a fotografia melhor. Penso que, a despeito de alguma inautenticidade, as fotografias que fiz estão ainda dentro do espírito da fotografia - a fixação de um momento único e irrepetível. Claro que o céu não estava exactamente como surge na imagem final, mas esteticamente esta última está mais agradável do que a paisagem vista a olho nu. A fotografia também é uma ilusão - o que não pode nunca é ser uma mentira. (Sim, esta frase é mais um slogan anti-Photoshop CS...)

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