domingo, 3 de junho de 2012

Obsolescência programada

Todos sabemos que os bens que adquirimos hoje em dia são concebidos para durar pouco. Esta é uma consequência óbvia de uma sociedade apodada, com toda a propriedade, «de consumo», e é o resultado de um ciclo vicioso: para manter níveis de produção elevados, de maneira a manter os lucros das empresas, há que criar necessidades novas junto dos consumidores; estes, ao adquirir os bens, forçam à redução do preço, o que se repercute na qualidade. É por esta razão que, se espreitarmos o painel inferior da nossa câmara, é forte a probabilidade de vermos um selo dizendo made in China, ou made in Thailand. E é também esta a razão pela qual a câmara começou a dar alguns problemas ao fim de dois ou três anos.
Claro que nem tudo é mau nesta espiral consumista: os preços baixos permitem-nos adquirir bens que, há alguns anos atrás, nos seriam inacessíveis. Simplesmente, isto tem um preço bem mais caro do que aquele que pagámos pelo mesmo bem: este é feito para durar pouco, pelo que ao fim de algum tempo terá de ser substituído. O que, bem vistas as coisas, resulta na anulação da poupança que efectuámos. Se comprarmos um bem (um corpo Leica, por ex.) por €5.000,00, há a forte probabilidade de nos durar, digamos, vinte anos; se comprarmos um corpo de uma reflex por €1000 e o tivermos de substituir ao fim de quatro anos, teremos gasto os mesmos €5.000,00 ao longo do mesmo período. Pelo que a poupança feita com o baixo preço é meramente ilusória.
Além disto, os preços são tremendamente inflacionados. Mesmo quando são aparentemente baixos, os bens de carácter tecnológico lançados para o mercado têm preços que visam amortecer os custos de investigação e desenvolvimento, o que significa que mais tarde, quando estes custos estiverem compensados, os mesmos bens custarão uma mera fracção do preço inicial. Muitos adquirentes iniciais sentir-se-ão chocados por ver que um computador portátil que lhes custou €800,00 está à venda, um ano mais tarde, por metade do preço.
Outros problemas que esta sociedade de consumo levanta são de natureza ética - desde a repulsa pelas condições de trabalho nos países do outsourcing como a China, o Vietname ou a Tailândia, até à cupidez sem limites dos especuladores e CEOs que nos trouxe à crise que vivemos, mas isto extrapolaria em muito o âmbito deste blogue (embora eu considere que o fotógrafo deve ser um cidadão consciente e tão alerta para estas questões como o é para os enquadramentos inesperados que descobre quando está a fotografar). Ora, a indústria fotográfica não escapa a esta lógica da obsolescência programada. Esta manifesta-se, sobretudo, na duração do obturador, que é, na melhor das hipóteses, de 140 000 fotogramas (Nikon D3). O obturador da nova Olympus E-M5 dura 100 000 disparos «garantidos». 100 000 fotos é uma enormidade para um amador - eu fiz cerca de 7500 no primeiro ano com a minha E-P1 -, mas não para um profissional ou semi-profissional. Substituir o obturador é tão caro que ninguém vai querer fazê-lo em caso de avaria, preferindo comprar uma câmara nova que terá mais megapixéis, melhor gama dinâmica, menos ruído e outras inovações que tornarão a câmara anterior numa peça arqueológica - mesmo que tenha sido comprada há dois anos e fosse uma câmara de ponta quando era nova.
Estes são os engodos dos fabricantes para que continuemos a alimentar a maquinaria que mantém a sociedade de consumo em movimento. Infelizmente, não há muito que possamos fazer para contrariar este statu quo - pelo menos enquanto não construirmos uma consciência colectiva que nos leve a reagir contra os vícios desta sociedade. Adquirir uma câmara e lentes fabricadas em países onde se respeitam os direitos humanos e laborais, com padrões de qualidade e durabilidade elevados, sai caro. É a lei da oferta e da procura em funcionamento. Claro que, se não houvesse tanta gente a comprar câmaras fatelas, as boas câmaras seriam mais baratas porque haveria mais gente a comprá-las, mas a democratização da fotografia, que leva os fabricantes a produzir câmaras com especificações avançadas por preços que seriam impossíveis há dez anos atrás, não é nada de mau ou reprovável: é a realidade que se esconde por trás desta ilusão que merece a nossa objecção.  
O vídeo que pode ser visto seguindo esta hiperligação é, possívelmente, o mais equilibrado, objectivo e factual de todos os que encontrei acerca da temática da obsolescência programada. Uns são demasiado superficiais, outros são feitos para ser compreendidos por imbecis, e os restantes enveredam por «teorias da conspiração» que lhes retiram todo o crédito. Espero que a visualização não leve os entusiastas a ir a correr a lojas de segunda mão para comprarem uma Leica III ou uma Nikon F...

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