quarta-feira, 20 de junho de 2012

Cuidado

Ora bem, o prezado leitor é alguém que se lançou na fotografia recentemente. Parabéns. Bem vindo ao hobby mais bonito do mundo. As fotografias que faz são boas: aprendeu a olhar as coisas e a intuir como elas ficariam dentro dum enquadramento 3:2, já sabe controlar uma câmara e, sobretudo, tem um gosto estético bem treinado e é perspicaz. Não necessita de muito mais para fazer boas fotografias, e as que mostra aos amigos suscitam-lhes reacções positivas. Perdeu a timidez e passou a publicar fotos no facebook, com uma quantidade de «gostos» que o tornou seguro do seu valor. «Há que passar à etapa seguinte» - pensa. Começa a publicar fotografias nas páginas do fabricante da sua câmara, do fabricante do software de edição de imagem e em páginas dedicadas à fotografia, e até recebe alguns comentários elogiosos de pessoas que são apresentadas como fotógrafos de renome mundial. Mais tarde recebe propostas de amizade de pessoas que têm um website de fotografia, que aceita; os amigos virtuais, a quem nunca viu a cara e nem sequer sabe se o nome deles é real, pedem-lhe fotografias para publicar nos seus sites, e o caro leitor sente-se elogiado. «Devo ter algum valor para receber convites destes», congemina. E aceita. Fica todo vaidoso: as suas fotografias estão a dar a volta ao mundo e a chegar a milhões de pessoas! Daqui a participar em concursos vai um pequeno passo, que transpõe com o maior entusiasmo. Leu sobre um concurso num website de fotografia, e enviou dez fotografias - as suas melhores. Não ganhou o prémio: este foi para uma fotografia, apresentada por um filipino ou um neozelandês, de um pôr-do-sol cheio de HDR e Photoshop (enquanto as suas eram bem mais reais e originais, e implicaram um planeamento cuidadoso e muito trabalho antes de premir o botão do obturador). O que o desanima durante alguns dias, mas as palavras de conforto que recebeu incentivam-no a continuar.
E continuou a fazer fotografia e a visitar sítios na Internet e o facebook. Um dia está a ver a página inicial do facebook e descobre uma fotografia, que lhe desperta instantaneamente uma sensação de familiaridade, na página de outra pessoa, que a partilhara a partir de um site pomposamente denominado «www.fulanodetalphotography.com». Detém-se na fotografia: «Epá... igualzinha à que mandei para aquele concurso!» Mas não pode ser a mesma, porque a do leitor tinha a sua marca d'água e esta tem a marca d'água de «Fulano de Tal Photography». Analisa-a melhor: «ei... este carro aqui, na outra margem do rio, também aparece na minha foto... e lembro-me de ter cortado a minha por aqui... e saturei os vermelhos e os amarelos para dar esta cor aos telhados...» Um sobressalto fá-lo levantar da cadeira, e exclama, gritando (apesar de estar sozinho na sala): - FÓNIX! ESTA FOTO É MINHA! (Não é bem «fónix», mas este é um blogue respeitoso.)
Pois é. O que não falta por aí é esquemas para sacar fotografias aos imprudentes. Esta história é fictícia, mas não anda longe do que acontece por aí todos os dias. Elogiam-nos, dão-nos graxa, passam-nos a mão pelo pêlo; e nós, cegos pelo convencimento de que já somos uns fotógrafos do caraças, ficamos convencidos que estão a reconhecer o nosso valor. Não estão: estão a enganar-nos. Estão a aproveitar-se da nossa vontade de sermos reconhecidos e, quem sabe, de termos a ambição parva de nos tornarmos fotógrafos famosos, para fazer dinheiro à nossa custa. Estão, como se diz na terminologia científica, a comer-nos por lorpas.
É preciso ter muito cuidado com estes esquemas. O facto de termos prazer em fazer fotografia, e de esta, com o advento da era digital, ficar tão barata, não significa que devamos esbanjar as nossas fotografias e dá-las aos primeiros que nos abordem com uma aparência de credibilidade - e falinhas mansas - e nas pedirem. E muito cuidado com os concursos: estes podem ser o pior engodo que existe. Uma fotografia, quando lhe subjaz uma intenção criadora, é o produto de um trabalho intelectual. E esse trabalho é nosso. Ninguém aceita trabalhar de graça; por que havíamos de fotografar e oferecer fotografias a quem se quer locupletar à nossa custa? E não é só o valor da criação intelectual: a fotografia tem outros custos, como as deslocações ou a energia eléctrica que é gasta quando se processam as fotografias no computador e quando se carrega a bateria da câmara. Sem referir o dinheiro que o corpo, as objectivas e os acessórios nos custaram. Contabilizando tudo isto, concluiremos facilmente que uma fotografia não é gratuita.
E há também o lado ético, que nos leva a repudiar o facto de sermos enganados e de usarem o nosso trabalho para benefício próprio. Este é, porventura, o aspecto mais importante. Devemos ser extremamente cuidadosos e ter discernimento suficiente para perceber quando estamos diante de um esquema ou de uma proposta sincera. Mesmo quando o convite para partilhar fotografias é credível, devemos ter o cuidado de deixar escrito - nem que seja num e-mail - que não cedemos a propriedade autoral, além da precaução elementar de incluir o nosso nome nas fotografias (e esta é uma condição essencial para que o direito de autor seja reconhecido). Mas claro que o leitor não precisa destes conselhos porque está bem informado - sobretudo depois de ter lido os textos do ISO 100 sobre a matéria...

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