terça-feira, 12 de junho de 2012

A história de duas fotografias

Apesar de o meu conselho ser o de preparar bem as sessões fotográficas, planeando-as com antecedência mediante um tema previamente escolhido - metodologia que dá bons resultados porque permite que nos concentremos num só tema, assim obtendo as melhores fotos possíveis -, não são poucas as vezes em que saio com a câmara sem rumo definido e sem um tema previamente escolhido. Uma aplicação prática da máxima do velho Ovídio: video meliora proboque, deteriora sequitur («Vejo as coisas boas e aprovo-as, mas sigo as piores»).
No domingo, dia de Portugal e de Camões, saí para a rua de manhã sem sequer saber ao certo para onde queria ir. Tinha uma vaga ideia de fazer fotografia de rua, aproveitando o facto de ter chovido para fotografar alguns reflexos nas poças de água, mas a quantidade de turistas que enxameavam as ruas fez-me mudar de planos. Estacionei junto ao Palácio de Cristal, subi a Rua da Boa Nova e percorri a Rua de Miguel Bombarda. Esta rua dispensa qualquer esforço de descrição para os portuenses, e mesmo para os não portuenses bem informados: é a rua das galerias de arte. Parte do interesse desta rua - pelo menos para quem a percorre com olhos atentos - está nos graffiti que decoram as paredes. Aqui não há graffiti tribais, relacionados com a subcultura juvenil associada ao hip-hop, aos desportos radicais e a outras representações estereotípicas da juventude urbana. Os graffiti da Rua Miguel Bombarda são arte. Muitos deles podiam estar dentro das galerias, e não fora delas (e há decerto galerias com obras bem menos interessantes). Pelo que, quando percorro aquela rua, não deixo de fotografar aquelas manifestações de arte urbana. Algumas das fotografias que fiz nesta rua estão no topo da lista das mais interessantes entre as fotografias que publico no Flickr - o que, sejam quais forem os critérios empregues pelo Flickr para avaliar esse interesse, não deixa de ser gratificante.
Na Rua Miguel Bombarda, que era uma artéria soturna e banal antes de as galerias se começarem a instalar ali, o ambiente é extremamente cosmopolita. Há as galerias, mas também editoras, livrarias e muitas lojas. As de vestuário, em particular, transmitem uma impressão de sofisticação e cosmopolitismo que são exclusivas daquele lugar. E não é preciso entrar no centro comercial: há-as ao longo da rua, com montras decoradas com uma sofisticação chic que está completamente embebida no ambiente do lugar e procura apelar a um público moderno, esteticamente educado, apreciador de arte e cosmopolita, embora também um tanto ou quanto frívolo.
Em Novembro do ano passado fiz uma das fotografias de que mais me envaideço na Rua de Miguel Bombarda: a montra de uma loja que se chama «Miau Frou Frou». Nunca tinha feito, até então, nenhuma fotografia que capturasse tão bem o espírito de um lugar e o seu ambiente como essa fotografia de um manequim de longas pernas brancas cruzadas, sentado numa coluna jónica e vestindo um casaco de inverno negro. Nesta fotografia são visíveis os reflexos do outro lado da rua, o que a torna numa fotografia de contrastes e altamente descritiva que, embora inequivocamente dominada pelo manequim, tem o contraste das formas banais e anódinas dos edifícios. Um contraste que resultou muito bem. Se a fotografia é a captura de um momento único e irrepetível, a fotografia a que chamei Miau Frou Frou - Inverno supera a condição de imagem ou ficheiro digital.
E no domingo, dia de Portugal e de Camões, voltei a olhar a montra daquela loja. O mesmo manequim, mas agora sentado sobre uma pilha de livros e com um vestido de Verão. Hesitei em fotografá-la; afinal, já o havia feito, embora em circunstâncias diferentes. (Até os reflexos eram diferentes: a luz de um semáforo, que aparece na Miau Frou Frou - Inverno, não surgia desta vez.) De resto, tive várias dúvidas: não estaria a copiar-me a mim mesmo? Não ficaria a fotografia muito abaixo da primeira, uma mera cópia ou imitação da Miau Frou Frou - Inverno?
Resolvi fotografá-la. Quando a abri no computador, vi uma fotografia muito mais luminosa e de uma nitidez muito superior à de Novembro, que, por ter sido feita com uma abertura maior, tem uma profundidade de campo mais estreita, esbatendo ligeiramente o fundo. Contudo, e ao contrário do que esperava, a luz e a nitidez da segunda fotografia contribuem para o ambiente da imagem, que é mais ligeira e menos intensa - o que condiz com o facto de estar a ser mostrado um vestido de Verão, transmitindo um espírito mais ligeiro, menos carregado, mais despreocupado. Ambiente é coisa que não falta nesta fotografia, embora seja necessariamente diferente da primeira. Penso que ambas transmitem o espírito da Rua Miguel Bombarda, que descrevi acima. Por tudo isto, decidi não rejeitar a fotografia que fiz no domingo, dia de Portugal e de Camões, da montra da Miau Frou Frou. Chamei-lhe, evidentemente, Miau Frou Frou - Verão. É uma fotografia que, embora não me tenha dado a mesma satisfação que a versão invernal, penso ser uma fotografia interessante por ter expressão, tal como a primeira, embora tenha sido feita numa época diferente. E a captação de um momento irrepetivel está igualmente patente na fotografia.
Apesar de tudo, ainda sinto que me imitei a mim mesmo e que, tal como informa a publicidade dos flocos de milho da Kellogg's, «o original é sempre o melhor»...   

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