segunda-feira, 12 de março de 2012

Leica, câmara portuguesa

Onde se lê «Germany», devia ler-se «Portugal»
Foi com enorme assombro e estupefacção que descobri, hoje mesmo, que as Leica são, na sua quase totalidade - apenas 10% de cada corpo é montado na Alemanha, em Solms -, fabricadas em Portugal. Mais concretamente em Vila Nova de Famalicão, a duas dúzias de quilómetros do Porto. Nós, portugueses, temos o hábito de criticar o nosso próprio país (talvez por não percebermos que somos nós, portugueses, que fazemos o país que temos), mas a notícia, conhecida hoje, de que a Leica Camera AG vai edificar uma unidade fabril em Portugal, substituindo a que já existe desde 1973 (eis aquilo a que eu chamo um segredo bem guardado: só em 2009 se descobriu que a Leica fabrica câmaras aqui!), é algo que nos devia deixar a todos orgulhosos.
A Leica - refiro-me aqui à série M, e não às Panasonic rebaptizadas, como as D-Lux - é aquela câmara a que todos os fotógrafos aspiram, profissionais ou amadores. Não é a melhor câmara em termos de desempenho, não é a mais prática, não é a mais bonita, nem é barata - mas é a única com que é legítimo sonhar. Sonhar com uma Canon 1D é ridículo: aquilo é um instrumento de trabalho, uma coisa com o mesmo apelo estético e desejabilidade de uma alfaia agrícola. E ninguém deseja nem sonha com alfaias agrícolas. A Leica é, acima de tudo, a portadora de uma longa tradição: ela perpetua a estirpe das rangefinders, das câmaras usadas, ao longo das décadas, pelos fotógrafos mais ilustres de entre todos, desde Henri Cartier-Bresson até Josef Koudelka, passando por Garry Winogrand e pelo nosso Gérard Castello Lopes. Foi esta a marca que deu ao mundo o formato 35mm, inventado pelo pioneiro Oskar Barnack e ao qual ainda hoje a fotografia digital presta tributo, construindo sensores com a mesma área. E é, acima de tudo, uma câmara construída de acordo com os padrões mais exigentes de precisão. Uma câmara com uma qualidade irrepreensível, concebida para sobreviver a várias gerações. Que ela seja montada no nosso país devia ser um motivo de orgulho para todos nós. Afinal de contas, se há quem confie nas qualidades dos portugueses e lhes confie engenharia de alta precisão, algum mérito há de nos caber. Talvez não sejamos o povo improdutivo que nos querem fazer acreditar que somos para nos roubar os poucos direitos que ainda temos.

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