Voltando ao tema, versado no texto anterior, da desproporção chocante entre o número de comentários aos artigos da dpreview.com sobre a exposição de fotografia de Yul Brynner e os do teste às mirrorless da Nikon, reparei, neste último, que as pessoas que defendiam os méritos destas câmaras, às quais foi atribuída uma classificação que as deixou abaixo de todas as outras mirrorless analisadas naquele website, faziam-no com argumentos que, parecendo racionais, demonstravam exatamente o contrário: as câmaras eram fantásticas por causa de serem capazes de 60 fotogramas por segundo, pelo desempenho com sensibilidades ISO elevadas e, sobretudo, com recurso a argumentos mentirosos: alguns proclamaram que o desempenho das Nikon com valores ISO altos era melhor do que os das Olympus Pen (bastava consultar os testes comparativos para verificar que esta afirmação era falsa), ou que a qualidade da imagem era superior - o que, de novo, não resiste a uma comparação atenta. Fiquei com a impressão que muita gente tentava justificar com argumentos patéticos o disparate que fizeram ao adquirir aquelas câmaras, realçando qualidades que são, por si, incapazes de compensar a natureza de gadgets caros das Nikon J1 e V1.
O que significa que aquelas pessoas não compraram as câmaras com base na qualidade da imagem, mas por funcionalidades que são completamente acessórias: de que adiantam os 60 fotogramas por segundo, se os ditos forem de qualidade insuficiente? Para que serve a capacidade de captar imagens com ISO elevado, se as melhores fotografias são obtidas com valores de sensibilidade baixos? Qual é o interesse de a câmara fazer cinco fotogramas quando se prime o botão de disparo até meio, selecionando o melhor, quando o que se pretende é obter fotografias de acordo com a intenção do fotógrafo (e não com aquilo que quem programou a câmara considera «melhor»)? Acresce que, com um sensor que tem metade da área do 4/3, é impossível ter uma boa gama dinâmica e uma profundidade de campo reduzida, que um corpo tão pequeno e sem qualquer apoio para a mão esquerda na face anterior impossibilita o uso de lentes grandes, e que funcionalidades como a seleção dos modos de exposição só são acessíveis percorrendo os menus: não existe um seletor de modos que permita comutar facilmente os modos (PASM) de exposição.
Hoje em dia as câmaras são adquiridas, não pela qualidade da imagem, mas por aquilo que é sugestionado através de um marketing enganoso. Já me referi a isto aqui. Valores ISO altos, números de megapixéis astronómicos... se analisarmos bem, mesmo benefícios como a focagem automática foram introduzidos, não apenas pela melhoria da qualidade da imagem, mas para incrementar as vendas. A qualidade da imagem, em particular dos fotogramas no formato JPEG tal como são descarregados (i. e. processados pela própria câmara, e não na pós-produção), parece ser um dos argumentos menos relevantes na decisão de adquirir uma câmara. Muita gente é mais sensível a argumentos técnicos como o ISO do que à qualidade.
E isto é válido, note-se bem, não apenas para quem compra câmaras compactas, mas também para os adquirentes de DSLRs. Há muita gente que está convencida que, por comprar um maquinão (ou o que pensam sê-lo), vai instantaneamente tornar-se num grande fotógrafo. Estas pessoas são tão influenciáveis por argumentos como os megapixéis como os adquirentes de compactas - argumentos aos quais acrescem outros, como o tamanho do sensor - e entendem que só a Nikon e a Canon sabem fazer câmaras reflex. Aliás, algumas destas pessoas são tão ignorantes em matéria de fotografia que deixam que lhes passe ao lado a possibilidade de adquirir lentes melhores que aquelas que vêm com a câmara, despendendo todo o tempo que perdem a fotografar usando as famigeradas 18-55. Algumas nem sequer chegam a experimentar outros modos de exposição para além do automático. É como comprar um Maserati e usá-lo apenas para circular em percursos citadinos. Devia haver uma norma no Código Penal que punisse com pena de prisão quem compra boas câmaras e não as aproveita.
O que se procura numa boa câmara? Antes de mais - e este é o fator absoluto -, a qualidade da imagem. Em particular, a dos JPEG. Fotografar em Raw pode dar bons resultados, mas nem sempre há tempo ou paciência para esperar pelo processamento das imagens colhidas neste formato. Que o digam os fotojornalistas e os fotógrafos de casamentos. A qualidade da imagem é subjetiva, mas há elementos que podem ser aferidos com um grau elevado de certeza: a resolução, por exemplo. Esta não se mede apenas pelo número de megapixéis - que, quando em excesso, agrava a relação sinal/ruído, deteriorando a qualidade da imagem - mas pelos pormenores captados, pela definição e pela qualidade da exposição.
Depois, a funcionalidade. Um dos grandes benefícios de uma boa câmara é o acesso rápido a todas as funções da câmara. As compactas (Nikon J1 e V1 incluídas), com as quais é necessário percorrer menus infindáveis para aceder a funções básicas, não preenchem este requisito. Até a minha E-P1, apesar de muitos a incluírem (erroneamente) no rol das compactas, permite aceder rapidamente às funções de exposição através daquilo a que chamam «super painel de controlo», e o controlo da abertura e da velocidade do obturador é feito usando comandos separados. E tem de ser rápida: tem de reagir rapidamente quando se prime o botão de disparo, sem atrasos (shutter lag) que façam perder a oportunidade da fotografia, e deve ter um bom fotómetro, que meça a exposição com a maior fidelidade possível e escolha um bom equilíbrio dos brancos quando este é usado no modo automático. E, evidentemente, deve permitir a montagem de diferentes tipos de lentes. Numa palavra: uma boa câmara é aquela que permita o controlo do processo fotográfico pelo fotógrafo, de modo a que este possa exprimir a sua criatividade. O resto são distrações inúteis.
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