Fotografia de Audrey Hepburn por Yul Brynner (retirada do dpreview) |
No domingo, dia 22, visitei, como quase todos os dias, o website Digital Photography Review. Nesse dia tinham publicado um artigo extremamente interessante acerca de uma exposição de fotografias de Yul Brynner, cujas capacidades fotográficas eram decerto inesperadas, mas bem reais. Como seria provavelmente de esperar, Brynner fotografou sobretudo vedetas de Hollywood, de Frank Sinatra a Audrey Hepburn. E fê-lo com bastante qualidade e um olhar perspicaz.
À hora a que visitei o dpreview - 15h45 -, o artigo tinha sido comentado por sete pessoas. Em contrapartida, um outro artigo, uma análise das Nikon da série 1 (que são umas digicams com a possibilidade de mudar as lentes), tinha 326 comentários de leitores. Comentei este facto, e, mesmo que alguns tivessem razão quando responderam que aquele é um website de equipamento fotográfico e não de fotografia, ou que o artigo sobre a exposição de Yul Brynner fora publicado dois dias depois da recensão das Nikon, a verdade é que lancei uma discussão curiosa: pus muita gente a reconhecer que a generalidade das pessoas que se interessam por fotografia se preocupam mais com o equipamento do que com a fotografia em si.
Isto não pode deixar de me suscitar alguns comentários. Por que razão há-de alguém dar prioridade ao equipamento sobre a fotografia? A meu ver, o equipamento é necessário; há câmaras e lentes que são extremamente desejáveis (e eu acompanho todos os dias o frisson que o futuro lançamento da Olympus OM-D está a causar), mas esta curiosidade é ancilar da necessidade de melhorar o conteúdo e qualidade da minha fotografia. Uma câmara ou uma lente interessar-me-ão se tiverem o potencial de ser úteis para preencher uma determinada necessidade que sinta dever satisfazer. Nunca compraria uma câmara por causa das suas especificações, mas por causa da sua qualidade de imagem.
Contudo, há pessoas que adquirem câmaras por estas serem capazes de 60 fotogramas por segundo em disparo contínuo, por terem sensibilidades ISO da ordem dos 25600 ou superiores, ou pelo simples facto de terem um sensor enorme (mesmo que este seja apenas alguns milímetros quadrados maior que outro da concorrência). Sendo a capacidade do ser humano para o disparate incomensurável, nada disto me surpreende; afinal de contas, já tive a experiência da audiofilia, área povoada por gente que comprava música não por gosto, mas para saber como o seu equipamento se comportava quando a passava! O meu amigo Francisco Monteiro, da Luz e Som, assegurou-me uma vez que 80% dos clientes se preocupavam mais com equipamento que com música. Podia terminar este texto com esta citação, que é lapidar, mas há algo mais a dizer. Por exemplo, que a maior das estultícias é comprar uma grande câmara para tirar fotografias perfeitamente medíocres. E, contudo, há muita gente que o faz. Tal como há gente que usa sensibilidades ISO descomunais para fotografar à noite e depois culpa o equipamento por causa do ruído presente na imagem, barafustando que o seu desempenho é péssimo em termos de sensibilidade!
Isto é a inversão total do que deve ser a fotografia. É como comprar um automóvel potente apenas para acelerar com grande estardalhaço nas retas, esquecendo - ou ignorando - que o prazer de conduzir um automóvel potente está na forma como este curva. Se eu tenho um saco cheio de equipamento, é porque preciso dele. Eu não tenho a OM 50mm/f1.4 por causa da sua abertura, mas porque é excelente para isolar objetos do plano de fundo, o que a torna perfeita para, por ex., fotografias de flores. Nenhuma das minhas lentes foi comprada por influência do marketing, mas para corresponder a necessidades específicas. E estas necessidades têm por referência a expressão que quero dar às minhas fotografias. O mesmo se diga quanto à técnica: não a procuro dominar apenas para dizer que a domino, mas para melhor exprimir as minhas ideias. O equipamento, esse, é um meio - nunca um fim em si. Não é o equipamento que tira fotografias: é o fotógrafo. Quanto à técnica, ela é um mero auxiliar. Quando estes valores se invertem, está tudo pervertido e a fotografia deixa de ter sentido. E deixa, sobretudo, de ser um prazer, substituído pela ganância de comprar mais e mais câmaras e lentes.
Aliás, um exemplo perfeito desta perversão está na importância que as pessoas atribuem às câmaras. Estas são apenas os dispositivos que captam e processam a luz que a objetiva apreende, e a luz, por seu turno, é aquela que o fotógrafo considera ideal. As lentes são mais importantes que as câmaras, mas a maioria dos pseudofotógrafos tem a perceção oposta.
E os instrumentos fotográficos mais importantes são os nossos olhos e a nossa mente. Simplesmente, há muitos fotógrafos que não têm nada no espaço craniano situado entre as orelhas. Como os possuidores de Nikons V1 e J1, por exemplo.
P. S.: neste momento (23h35 do dia 27 de janeiro de 2012), o artigo sobre o Yul Brynner tem 66 comentários, e a crítica das Nikons 439. 6,615 vezes mais. Eloquente, não é? Por cada fotógrafo há seis tarados do equipamento.
Isto é a inversão total do que deve ser a fotografia. É como comprar um automóvel potente apenas para acelerar com grande estardalhaço nas retas, esquecendo - ou ignorando - que o prazer de conduzir um automóvel potente está na forma como este curva. Se eu tenho um saco cheio de equipamento, é porque preciso dele. Eu não tenho a OM 50mm/f1.4 por causa da sua abertura, mas porque é excelente para isolar objetos do plano de fundo, o que a torna perfeita para, por ex., fotografias de flores. Nenhuma das minhas lentes foi comprada por influência do marketing, mas para corresponder a necessidades específicas. E estas necessidades têm por referência a expressão que quero dar às minhas fotografias. O mesmo se diga quanto à técnica: não a procuro dominar apenas para dizer que a domino, mas para melhor exprimir as minhas ideias. O equipamento, esse, é um meio - nunca um fim em si. Não é o equipamento que tira fotografias: é o fotógrafo. Quanto à técnica, ela é um mero auxiliar. Quando estes valores se invertem, está tudo pervertido e a fotografia deixa de ter sentido. E deixa, sobretudo, de ser um prazer, substituído pela ganância de comprar mais e mais câmaras e lentes.
Aliás, um exemplo perfeito desta perversão está na importância que as pessoas atribuem às câmaras. Estas são apenas os dispositivos que captam e processam a luz que a objetiva apreende, e a luz, por seu turno, é aquela que o fotógrafo considera ideal. As lentes são mais importantes que as câmaras, mas a maioria dos pseudofotógrafos tem a perceção oposta.
E os instrumentos fotográficos mais importantes são os nossos olhos e a nossa mente. Simplesmente, há muitos fotógrafos que não têm nada no espaço craniano situado entre as orelhas. Como os possuidores de Nikons V1 e J1, por exemplo.
P. S.: neste momento (23h35 do dia 27 de janeiro de 2012), o artigo sobre o Yul Brynner tem 66 comentários, e a crítica das Nikons 439. 6,615 vezes mais. Eloquente, não é? Por cada fotógrafo há seis tarados do equipamento.
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