Quando fui buscar as minhas impressões novas, a conversa com a pessoa que me atendeu resvalou para a edição de imagem e ganhou um novo interlocutor - um informático que, pressurosamente, me quis mostrar um plug-in dos Photoshop denominado PT Lens (que é bestial, mas o DxO Pro 7 faz o mesmo sem necessidade de plug-ins). Como o informático queria realmente convencer-me dos méritos da aplicação, chamou-me para junto do computador para fazer uma demonstração prática; quando tratou de escolher as configurações, perguntou-me com a maior das naturalidades: «Canon ou Nikon?»
Para aquela pessoa, era uma impossibilidade lógica eu ter uma câmara que não fosse uma Canon ou uma Nikon. Toda a gente tem uma Canon ou uma Nikon! Senti-me como um alienígena, uma avis rara que aterrasse de repente num mundo homogeneizado e bipolarizado, semelhante a um sistema democrático ocidental em que apenas dois partidos mais ou menos iguais alternam no poder. Ultrapassado o breve complexo de inferioridade e o sentimento de alienação que me percorreram a psique durante dois ou três segundos, respondi que nem uma nem outra.
Há vários efeitos nocivos neste duopólio a que muitos chamam «Canikon». O primeiro deles é que, à custa de falta de concorrência, a indústria fotográfica pouco ou nada evoluiu entre 2003 e 2009 (ano em que foi lançada a primeira mirrorless a sério, a Olympus E-P1). Tornou-se convicção geral que as únicas câmaras capazes de uma alta qualidade de imagem eram as DSLRs, cujo mercado era (é) dominado por estes dois mastodontes. O sistema DSLR está de tal maneira tetanizado que as evoluções são de carácter meramente marginal, e, num certo sentido, pouco relevantes: a introdução do vídeo - que não tem qualquer tipo de interesse para o fotógrafo dedicado -, os ecrãs rotativos, etc. A única coisa verdadeiramente importante que aconteceu às SLRs desde a sua concepção foi a passagem para o domínio digital. A Canon e a Nikon limitam-se a renovar os seus modelos ciclicamente, introduzindo pequenas evoluções no que são, essencialmente, as câmaras da geração anterior - mais megapixel, menos megapixel. A única coisa excitante que aconteceu no império Canikon foi a introdução da Nikon D800, neste mesmo ano, com uns mastodônticos 36 megapixéis (o que, ao que se diz, se repercute no nível de ruído por deteriorar, como aliás era previsível, a relação sinal/ruído).
As DSLR, cujo mercado a Canon e a Nikon hegemonizam, são câmaras capazes de alta qualidade de imagem, e são a única escolha possível para os fotojornalistas, mas não são as únicas câmaras de qualidade. Aliás, se entrarmos num estúdio de grande porte, verificamos que as câmaras aí usadas não são DSLRs, mas câmaras de médio formato (Mamiya, Hasselblad, etc.) De resto, as DSLRs começam a ser ameaçadas a montante e a jusante. No segmento mais baixo, estão sob a ameaça de câmaras mirrorless cada vez mais evoluídas e com vantagens substanciais em relação às reflex no peso, transportabilidade e flexibilidade. Para fazer fotografia de rua, por exemplo (ou qualquer outra modalidade que exija discrição), o uso de uma DSLR é um obstáculo. No escalão superior, têm sido feitos esforços para produzir câmaras de médio formato mais portáteis do que as monstruosas Hasselblad. Há a Leica S2 - cujo preço é absolutamente delirante - e, sobretudo, a Pentax 645D. Não são para fotojornalistas, certamente, mas têm uma qualidade de imagem inerentemente superior à das DSLR profissionais.
Outro problema que a estagnação do segmento das DSLR trouxe foi a indigência com que as câmaras da Canon ou da Nikon são construídas. Meus caros amigos: mesmo as Olympus do formato micro 4/3 dão lições de qualidade de construção às reflex da Canon e da Nikon. Há algumas semanas aconteceu-me mexer numa câmara do segmento médio/superior de um destes fabricantes. O barulho do obturador - cujo botão é, evidentemente, de plástico - denuncia uma qualidade de construção que é superada por muitas compactas. É uma orgia de plástico - e do mais fatela que existe à superfície da terra. Há baldes e alguidares feitos com plásticos melhores. E já nem falo da questão da obsolescência programada, que tem por efeito que estas câmaras sejam feitas para durar não mais que 4 ou 5 anos.
O domínio da Canon e da Nikon tem ainda o efeito perverso de pôr na sombra outras grandes câmaras DSLR, tão boas ou melhores que as Canikon: as Pentax e as Sigma. A Pentax K-5 é por muitos considerada a melhor reflex da sua categoria (compete com a Canon 60D e a Nikon D7000), mas... não é uma Canikon. E a Sigma usa a tecnologia mais inteligente que conheço: o sensor Foveon. Mas o amador, para não se sentir embaraçado em frente dos seus amigos e dos informáticos de lojas de material fotográfico por não ter uma Canon ou uma Nikon, ignora estas câmaras, o que é uma enorme injustiça. (Note-se que não me refiro aqui às reflex da Olympus, porque têm um handicap notório em relação à concorrência no seu sensor 4/3, nem às da Sony, porque esta foi a marca que matou a minha predilecta Minolta...)
Há outra consequência nociva, mas esta só afecta quem frequenta fóruns de fotografia: a Canon e a Nikon têm fãs verdadeiramente ferozes que passam o tempo a insultarem-se uns aos outros e a usar argumentos ridículos para afirmar a superioridade da sua marca predilecta em relação ao modelo equivalente da outra. Se pensam que os tipos das claques do Porto e do Benfica são umas bestas, leiam os comentários aos artigos sobre lançamentos de câmaras da Canon ou da Nikon no DPReview. Vão ficar surpreendidos!
Há outra consequência nociva, mas esta só afecta quem frequenta fóruns de fotografia: a Canon e a Nikon têm fãs verdadeiramente ferozes que passam o tempo a insultarem-se uns aos outros e a usar argumentos ridículos para afirmar a superioridade da sua marca predilecta em relação ao modelo equivalente da outra. Se pensam que os tipos das claques do Porto e do Benfica são umas bestas, leiam os comentários aos artigos sobre lançamentos de câmaras da Canon ou da Nikon no DPReview. Vão ficar surpreendidos!
O meu vaticínio é que, dentro de alguns anos, apenas as reflex profissionais e semi-profissionais, com sensor full frame, farão sentido. Os profissionais com trabalhos mais exigentes, como os repórteres ou os fotógrafos de casamentos, continuarão a necessitar de câmaras como estas, mas o segmento inferior será tomado pelas mirrorless, para as quais os sensores APS-C terão migrado, enquanto os estúdios e os profissionais para quem os valores ISO muito elevados não são uma preocupação usarão câmaras de médio formato como a Pentax 645D. Como isto constituirá uma redução substancial na quota de mercado, o duo Canikon virar-se-á para as mirrorless - mas não com o perfeito disparate que é a série 1 da Nikon. Não é preciso ser o Professor Mambo para prever isto.