Fotografia por Andrew Kane |
Na sequência do texto de ontem, que resultou de muita reflexão sobre o rumo que estava a dar à minha fotografia, lembrei-me de um episódio que vou relatar. Foi anunciada há poucos dias uma nova objectiva para o formato micro 4/3, um zoom de abertura constante de f2.8 que, por custar €1.000,00, se torna absolutamente redibitório. O artigo em que li sobre esta nova lente foi comentado por muita gente, incluindo alguns que vieram dar o seu contributo científico. Um destes entendia - e estava perfeitamente convicto da sua razão, pela maneira como se dirigia a quem o contrariava - que uma dada abertura da objectiva variava conforme a área do sensor da câmara em que a lente fosse montada. Assim, uma lente que montada numa câmara com sensor de 24 X 16 mm (full frame) teria uma abertura máxima de f2.8, veria este valor reduzido para f5.6 quando montada numa câmara com sensor 4/3. Isto é um disparate: é como pretender que a acuidade visual de alguém varia conforme o tamanho do cérebro. Mas há quem vá mais longe e diga que também o ISO é multiplicado nos sensores de área menor que 24 X 16. A verdade é que apenas a distância focal é multiplicada por um determinado coeficiente - 1,5, 1,58, 2, etc. Os outros factores não são alterados de acordo com a área do sensor.
Claro que o primeiro comentarista tinha explicações muito científicas e, como não deve ter mais nada que fazer na sua vida, entreteve-se a publicar mais comentários insistindo nas suas teses. Para o fim já estava a escrever que a área do sensor não afectava a profundidade de campo, o que é um disparate ainda maior do que o primeiro - mas há quem entenda que, se repetir um disparate muitas vezes com convicção, este acaba por se tornar verdade, de pouco importando toda a evidência em contrário. Pensei: «este gajo percebe mesmo de fotografia!» A curiosidade levou-me à galeria de fotografias que o indivíduo publicou naquele site. Esperava fotografias HDR, ou com profundidades de campo muito reduzidas - ou com o uso de qualquer outra técnica que aplicasse os conhecimentos teóricos exibidos. Em vez disso encontrei oito fotografias (que podiam ter sido tiradas com uma compacta) de um gato posando sobre o chão alcatifado de uma casa!
Percebem agora qual a sequência deste texto em relação ao anterior? Não há pior figura do que a de pessoas como esta, que se alardeiam vastos conhecimentos de tecnologia fotográfica e não sabem fazer fotografias. Há aqui uma inversão total de valores: para o dono do gato (que, por sinal, era bonito, mas não tanto como o meu Sousa), é mais importante saber (?) tudo sobre a tecnologia fotográfica do que fazer boas fotografias. É a isto que eu chamo fazer figura de urso: ser um ignorante com a mania de que sabe muito, e depois expor-se ao ridículo à frente de milhares de pessoas.
Não quero incorrer nisto. A fotografia - a captação de um momento único e irrepetível - vem primeiro, a técnica vem depois. E é auxiliar da primeira: existe para ajudar a fazer fotografias melhores. A fotografia não é nem pode ser um mero instrumento para aferir as especificações técnicas de uma câmara ou de uma lente.
E agora um momento nonsense. Já que se fala de ursos, não deixem de visitar este artigo (ver aqui) sobre um urso que atacou ferozmente uma Nikon D4 no parque de Yellowstone: a história é interessante, mas não tanto como alguns comentários cheios de trocadilhos que se seguiram. Estes sim, merecem ser lidos...
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