Como vimos nos três textos anteriores acerca da fotografia nocturna, o ruído é o maior inimigo da qualidade da imagem. Embora eu abomine ainda mais a distorção geométrica que o ruído, a verdade é que aquela se manifesta em muito menor escala, já que apenas surge quando se usam determinadas distâncias focais. O ruído, esse, aparece em praticamente todas as imagens em que haja zonas de sombra, o que lhe confere um carácter insidioso. Pelo que importa compreendê-lo de maneira a melhor o evitar - sendo certo, como veremos, que não é possível erradicá-lo totalmente.
O ruído é algo que resulta necessariamente do modo de funcionamento do sensor. Este é percorrido por correntes eléctricas e estas correntes são tanto mais intensas quanto maiores forem os tempos de exposição. O sensor é um dispositivo electrónico: é, necessariamente, percorrido por pequenas cargas eléctricas, uma vez que as células que captam a luz (fotodiodos) convertem-na num sinal, i. e. num impulso eléctrico. Simplesmente, algumas destas correntes produzem interferências que criam um efeito pelo qual alguns pixéis causam aberrações na imagem, efeito que recebe a denominação de ruído e se pode manifestar em duas variedades: ruído de luminância e ruído de crominância. O ruído de luminância consiste no surgimento de pixéis sem relação com os circundantes, manifestando-se especialmente nas zonas de transição luz - sombra, e o ruído de crominância caracteríza-se pela difusão de pixéis coloridos que alteram a cor da imagem em zonas sub-expostas.
Para melhor ilustrar os efeitos nocivos do ruído, mostro-vos imagens captadas em tamanho normal, e ampliações a 100% de zonas afectadas pelas duas formas de ruído que especifiquei:
Neste caso, temos ruído de luminância na transição entre a luz e a escuridão. Devo referir que, das várias imagens que colhi deste lugar, esta foi a fotografia mais afectada pelo ruído, por ser aquela em que a transição entre luz e escuridão é mais abrupta. Noutras fotografias, em que a transição é mais suave, o ruído é virtualmente inexistente.
Esta imagem do aqueduto que fornecia água a Vila do Conde na era romana, colhida na freguesia de Amorim, surpreendeu-me pela quantidade de ruído de crominância presente, que é visível no canto inferior esquerdo, apesar de ter usado ISO 200 e de a velocidade de disparo não ter sido particularmente lenta (1/400). Como vêem, o ruído de crominância manifesta-se aqui de forma particularmente agressiva, introduzindo pixéis coloridos que obstam à uniformidade da zona de sombra.
O ruído é um problema inerente à captação da imagem. Não existe nenhum sensor perfeito: todos os sensores, mesmo os full frame (na semana passada li uma recensão da Leica M9, ilustrada por fotografias tiradas com valores ISO elevados, nas quais o nível de ruído era simplesmente inadmissível), produzem ruído, tal como o filme também produzia uma forma de ruído geralmente denominada grão. Ora, se o grão da fotografia analógica podia trazer algum acréscimo estético à textura da imagem - a Olympus explora esta característica com um filtro artístico denominado grainy film, capaz de bons resultados -, já o ruído digital é intolerável, contendo em si o potencial de destruir por completo a qualidade da imagem.
Naturalmente, os níveis de interferência eléctrica aumentam com a sensibilidade do sensor à luz: quanto mais elevada for a sensibilidade do sensor, mais correntes eléctricas o atravessam e, consequentemente, maior será a quantidade de ruído. Daí a minha insistência quase obsessiva em usar - e recomendar - o uso das menores sensibilidades ISO possíveis. Hoje em dia é quase uma moda fotografar com sensibilidades ISO elevadas, de tal maneira que a possibilidade de usar altos valores ISO se tornou num argumento de marketing. Se dependesse de mim, nenhuma câmara teria sensibilidade superior a ISO 800 - mas está bom de ver que, dadas as parvoíces que o marketing dos fabricantes emprega para impingir os seus produtos, ninguém compraria essas câmaras, cujos valores baixos de ISO seriam interpretados como uma desvantagem concorrencial.
Nem todos os sensores, porém, reagem da mesma maneira, nem produzem a mesma quantidade de ruído. De um modo geral, pode dizer-se que quanto maior for a área do sensor menor será a quantidade de ruído, mas esta regra comporta excepções. A quantidade de ruído depende de um factor denominado relação sinal/ruído, que implica que o nível de ruído será tanto menor quanto maior for a área do sensor e menor a quantidade de pixéis. O sensor de uma compacta é inerentemente ruidoso, mas o nível de ruído será um pouco atenuado se tiver uma quantidade moderada de pixéis - daí que sejam raras as compactas que vão além dos 14 megapixéis. Nos sensores de maior área, aqueles que tiverem menor quantidade de megapixéis terão, em regra, menos ruído - embora esta quantidade não possa ser tão baixa que comprometa a qualidade da imagem com o consequente aparecimento de serrilhado nos limites dos objectos. Estas excepções explicam-se pela dimensão física dos fotosensores: quanto menores estes forem, maior será o ruído aparente (o que, de novo, explica o mau desempenho das câmaras compactas no combate ao ruído).
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Imagem colhida com uma compacta (Canon PowerShot A3150): o nível de ruído é assustador! |
Os fabricantes de material fotográfico têm consciência deste fenómeno, pelo que, para além de optimizarem a relação sinal/ruído de maneira a obter um compromisso aceitável entre resolução e ruído, recorrem a filtros que têm por fim limitar a quantidade de correntes parasitas que circulam através das células fotosensoras. Estes filtros combatem o excesso de ruído, mas esta redução é feita à custa de uma suavização dos contornos da imagem que pode, quando a acção do filtro é demasiado agressiva, privá-las de pormenores subtis que contribuem para a resolução e definição da imagem; pelo que o filtro deve ser desligado quando se fotografa sob boas condições de luminosidade e deixado no modo normal ou automático quando a imagem inclui sombras. Associada a este filtro está a função de redução do ruído, que apenas deve ser activada na fotografia nocturna. O ideal seria fotografar sempre com o filtro desligado e sem a redução de ruído - o que beneficiaria a resolução e a nitidez da imagem -, mas a ausência destes meios traria um acréscimo insuportável de ruído. Alguns fabricantes - a Olympus é um deles - optam por filtros de ruído pouco invasivos, de maneira a preservar o pormenor, mas o preço a pagar pelo acréscimo de resolução é o aumento do ruído aparente.
Quanto às formas de minimizar o ruído, já me referi a elas nos textos precedentes sobre a fotografia nocturna (
aqui,
aqui e
aqui). Resta apenas referir que o ruído pode também ser reduzido na pós-produção, em programas como o Adobe Photoshop ou através de
plug-ins especializados, mas o efeito desta correcção é, invariavelmente, o esbatimento dos contornos das áreas afectadas pelo ruído.