Um dos problemas que ser fotógrafo amador acarreta - e não é só comigo que isto se passa, porque já ouvi outra pessoa descrever os mesmos sintomas - é tendermos a olhar tudo como se o fizéssemos através de um visor. É estarmos constantemente a ver as possibilidades fotográficas de cada objecto, pessoa, edifício ou paisagem com que nos cruzamos, olhar fotografias tentando imaginar que distância focal e abertura foram utilizadas e estar permanentemente a lamentar não ter a câmara connosco.
Ver televisão não melhora este estado de coisas. No sábado à noite passou Le Notti Bianche, de Luchino Visconti, com o grande Marcello Mastroianni e banda sonora de Nino Rota, inspirado na novela Noites Brancas, de Fiódor Dostoiévski (que, por sinal, é um dos meus autores favoritos). Bom filme, mas não o consegui ver todo: estava demasiado cansado. A idade tem destas merdas... No que vi do filme, porém, deliciei-me com a imagem. A película, a preto-e-branco, é notável pelo facto de cada fotograma ter o potencial de ser uma fantástica fotografia de rua; é, de facto, como se fosse uma sucessão de fotografias de rua - e todas elas brilhantes. Ultimamente tem-me dado para reparar na maneira como os directores de fotografia usam a focagem selectiva para concentrar a acção num actor, bem como nos planos e pontos de fuga que usam para aumentar ou diminuir a sensação de profundidade, mas o que vi em Le Notti Bianche foi uma sucessão maravilhosa de fotogramas da maior qualidade artística. O director de fotografia, Giuseppe Rotunno - que também esteve por detrás da imagem de Sabrina, de Billy Wilder, ou de A Fantástica Aventura do Barão Munchausen, de Terry Gilliam, entre muitos outros - é um belíssimo profissional do cinema. Noites Brancas é, do ponto de vista plástico e estético, o melhor filme que vi até hoje: fotografia de rua adaptada ao cinema, nem mais nem menos.
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