Vimos no texto anterior que a lei protege a propriedade intelectual. Desenvolvendo este conceito, devemos concluir que o direito do autor sobre a sua obra consiste num direito de propriedade verdadeiro e próprio, que a lei configura como um direito absoluto e erga omnes: esta expressão latina significa que este direito é oponível a todos os demais, tal como a propriedade de um prédio ou de um automóvel: a lei, ao mesmo tempo que confere direitos ao proprietário, vincula todos os demais a uma obrigação passiva universal - a de se absterem de perturbar o gozo do direito do titular. E é um direito absoluto: o proprietário goza de todos os poderes sobre a sua obra, incluindo o de a alienar ou onerar, podendo gozá-la de acordo unicamente com a sua vontade (ao que os clássicos chamavam ius fruendi, utendi et abutendi).
Este conceito de propriedade intelectual ajuda a compreender a extensão da protecção legal do direito de autor. Vimos, no texto anterior, que o direito de autor se estende por setenta anos após a criação da obra, e acabámos de ver que o autor tem os mesmos direitos que o proprietário de um bem móvel ou imóvel; pode, deste modo lançar mão de todos os meios que a lei civil põe à disposição do proprietário, incluindo o direito de sequela, que permite ao proprietário sacrificar direitos de outrem para assegurar o seu direito de propriedade, para defender o seu direito contra terceiros.
No caso da fotografia, temos que o autor de uma obra fotográfica vê o seu direito reconhecido no momento da criação da fotografia, sem dependência de qualquer acto formal de inscrição ou registo; a partir desse momento - que pode ser considerado aquele em que a imagem é fixada pelo sensor ou filme -, o seu direito goza de protecção universal. Vamos ver, de seguida, o que pode fazer o fotógrafo para defender o seu direito; antes, porém, devemos analisar qual o conteúdo do direito de autor.
Já vimos que este é um direito sobre algo incorpóreo: a criação intelectual, artística ou científica são conceitos imateriais, com origem no pensamento abstracto humano. Mesmo quando se fotografa um objecto, com toda a carga de realidade e materialidade que este compreende, o acto de criação consiste numa ideia: a noção de composição e enquadramento do fotógrafo. Contudo, esta ideia carece de materialização, pelo que o direito de autor não existe na sua forma mais abstracta: a lei não protege as ideias, mas os seus frutos. Só com a criação da obra é que a ideia se consubstancia. É, pois, o momento da criação aquele em que a obra se torna objecto de relações jurídicas.
A obra, enquanto materialização da ideia, é separada desta, podendo ser objecto de tutela legal autónoma: no caso de alienação da obra, o direito de propriedade sobre a obra - i. e. o objecto corpóreo - transfere-se para o adquirente, mas a propriedade moral, ou intelectual, permanece na esfera jurídica do autor. Se um pintor vende um quadro a um marchand, os direitos patrimoniais passam a integrar a esfera deste último, que pode aliená-la ou onerá-la livremente; contudo, o direito de propriedade intelectual não se transmite, a menos que haja declaração expressa do autor pela qual este renuncia aos seus direitos autorais. Embora correndo o risco da simplificação excessiva, direi que, se o quadro do exemplo acima for furtado, é o marchand que deve ser indemnizado pela perda, não o autor; se, contudo, o mesmo quadro for copiado por outrem e vendido como se fosse o original, o lesado é o autor, devendo ser este o beneficiário da indemnização e sendo ele o titular do direito de queixa e de acção. (Continua)
Já vimos que este é um direito sobre algo incorpóreo: a criação intelectual, artística ou científica são conceitos imateriais, com origem no pensamento abstracto humano. Mesmo quando se fotografa um objecto, com toda a carga de realidade e materialidade que este compreende, o acto de criação consiste numa ideia: a noção de composição e enquadramento do fotógrafo. Contudo, esta ideia carece de materialização, pelo que o direito de autor não existe na sua forma mais abstracta: a lei não protege as ideias, mas os seus frutos. Só com a criação da obra é que a ideia se consubstancia. É, pois, o momento da criação aquele em que a obra se torna objecto de relações jurídicas.
A obra, enquanto materialização da ideia, é separada desta, podendo ser objecto de tutela legal autónoma: no caso de alienação da obra, o direito de propriedade sobre a obra - i. e. o objecto corpóreo - transfere-se para o adquirente, mas a propriedade moral, ou intelectual, permanece na esfera jurídica do autor. Se um pintor vende um quadro a um marchand, os direitos patrimoniais passam a integrar a esfera deste último, que pode aliená-la ou onerá-la livremente; contudo, o direito de propriedade intelectual não se transmite, a menos que haja declaração expressa do autor pela qual este renuncia aos seus direitos autorais. Embora correndo o risco da simplificação excessiva, direi que, se o quadro do exemplo acima for furtado, é o marchand que deve ser indemnizado pela perda, não o autor; se, contudo, o mesmo quadro for copiado por outrem e vendido como se fosse o original, o lesado é o autor, devendo ser este o beneficiário da indemnização e sendo ele o titular do direito de queixa e de acção. (Continua)
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