terça-feira, 26 de junho de 2012

Passado e futuro da fotografia

L'Atelier de l'Artiste, daguerreótipo de Louis Daguerre (1837)
Se eu afirmasse aqui que uma fotografia - ou, mais exactamente, um daguerreótipo -, feita há cento e setenta anos, tinha mais resolução que qualquer fotografia digital dos nossos dias, sem fundamentar essa afirmação, muitos provavelmente pensariam que eu tinha ensandecido de vez e que estava a publicar textos a partir de uma cela de paredes acolchoadas no Rilhafoles. Daí que faça uma remissão para este artigo interessantíssimo que encontrei no Pixiq, para fundamentar o que acabei de escrever. Talvez assim acreditem em mim.
Antes de mais, convém esclarecer que um daguerreótipo é uma forma de criar uma imagem pela captação de luz inventada por Louis Daguerre no segundo quartel do Século XIX. A luz reflectida pelos objectos era fixada em placas de cobre revestidas por uma solução de prata. A imagem era tornada visível através do uso de vapor de mercúrio, o que causava problemas de saúde nos fotógrafos (ou, mais propriamente, daguerreotipistas). O daguerreótipo é, deste modo, o pai da fotografia.
De regresso ao artigo publicado no Pixiq, é interessante ver que um daguerreótipo contém muito mais informação que uma imagem digital. Devo dizer, usando um raciocínio analógico (em mais que um sentido), que o conceito de as antigas tecnologias serem superiores às digitais que lhes sucederam não me é novo: há doze anos que substituí o leitor de CD por um gira-discos como fonte principal nas minhas audições musicais. Daí que não tenha sido um choque aprender esta realidade. Aliás, isto é a repercussão de algo que é evidente se pensarmos um pouco: a diminuição da qualidade em favor da produção em massa. Temos bens mais baratos, com compromisso da qualidade.
Significará isto que devemos trocar as nossas câmaras digitais por camerae obscurae, como as usadas para fazer daguerreótipos? Decerto que não. O que devemos fazer é esperar pelos novos desenvolvimentos da fotografia digital. Uma resolução como a do daguerreótipo referido no artigo da Pixiq não estará nunca ao alcance de câmaras digitais servidas por sensores convencionais, uma vez que estes, por maiores que sejam, têm uma limitação no número de pixéis, que dificilmente poderá ir para além da centena de MPs. Qualquer imagem, mesmo feita com uma Mamiya com um back digital da Leaf, tem serrilhado quando ampliada para além de 400%. Há que pensar de outra maneira, lateralmente, e foi isto mesmo que fizeram na DARPA, a agência de pesquisa do Departamento de Defesa norte-americano.
Com efeito, esta agência desenvolveu e mostrou uma câmara, a AWARE-2, que atinge os gigapixéis. Decerto que esta tecnologia ainda requer muito desenvolvimento para que possa produzir imagens de qualidade - esta está limitada, no protótipo mostrado, pelo uso de uma lente de plástico -, e terá de ser desenvolvida para reduzir as câmaras a a proporções práticas: o protótipo parece uma fonte de alimentação arrefecida a ar, como as dos computadores desktop, que tivesse sido monstruosamente ampliada, mas este pode ser o caminho para a obtenção de níveis de resolução superiores.
O que nos mostra que a fotografia digital ainda está na sua infância. Um dia - provavelmente muito em breve - os sensores CCD e CMOS serão coisas do passado, substituídas por uma abordagem mais orgânica, que imite a natureza. Afinal de contas, os melhores instrumentos ópticos existentes são os olhos. Quando a tecnologia conseguir este grau de perfeição, teremos as resoluções com que muitos fotógrafos sonham.
Claro que nada disto pode esconder uma realidade triste: esta câmara que a DARPA desenvolveu serve, sobretudo, para aperfeiçoar a intromissão na vida privada de cada um. Esta tecnologia terá a sua aplicação em funções de vigilância, de maneira a poder devassar-nos com mais eficiência. Mas, se saírem daqui benefícios para a fotografia, penso que os fabricantes de equipamento devem estar atentos.    

sábado, 23 de junho de 2012

Quando a qualidade é inimiga da rapidez

Só um conselho breve, antes de irmos festejar o S. João (onde aplicável). Ontem andava pela Baixa do Porto quando, de repente, ouvi uns tambores; todas as atenções se concentraram numa trupe que descia a Rua de Santa Catarina. Muitos mascarados, algumas vestes extravagantes e bastante animação de rua - o sonho de quem faz fotografia de rua!
Infelizmente, esqueci-me que tinha estado a fotografar em RAW e perdi muitas oportunidades de fotografar por causa do tempo que a câmara demora a processar os ficheiros. Foi uma pena - fiz fotografias de metade dos desfilantes e por vezes disparei quando a pessoa que queria fotografar já estava fora do enquadramento. Felizmente salvaram-se algumas, como a que ilustra este texto e outras que publiquei no Flickr, mas senti-me frustrado: podia ter feito muitas mais.
Já sabem: se vos aparecer a oportunidade de fotografar pessoas em acção, como neste tipo de eventos, usem JPEG. Mesmo com um cartão rápido - estou a usar um SanDisk Extreme Pro de 16 GB - e um bom buffering, o tempo que decorre entre o último disparo e a câmara ficar pronta para outro é suficientemente longo para que se perca uma boa fotografia. E perder uma boa fotografia é o pior que pode acontecer quando se está a fotografar (bom, roubarem-nos a câmara é pior, mas compreendem o que quero dizer...)

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Cuidado

Ora bem, o prezado leitor é alguém que se lançou na fotografia recentemente. Parabéns. Bem vindo ao hobby mais bonito do mundo. As fotografias que faz são boas: aprendeu a olhar as coisas e a intuir como elas ficariam dentro dum enquadramento 3:2, já sabe controlar uma câmara e, sobretudo, tem um gosto estético bem treinado e é perspicaz. Não necessita de muito mais para fazer boas fotografias, e as que mostra aos amigos suscitam-lhes reacções positivas. Perdeu a timidez e passou a publicar fotos no facebook, com uma quantidade de «gostos» que o tornou seguro do seu valor. «Há que passar à etapa seguinte» - pensa. Começa a publicar fotografias nas páginas do fabricante da sua câmara, do fabricante do software de edição de imagem e em páginas dedicadas à fotografia, e até recebe alguns comentários elogiosos de pessoas que são apresentadas como fotógrafos de renome mundial. Mais tarde recebe propostas de amizade de pessoas que têm um website de fotografia, que aceita; os amigos virtuais, a quem nunca viu a cara e nem sequer sabe se o nome deles é real, pedem-lhe fotografias para publicar nos seus sites, e o caro leitor sente-se elogiado. «Devo ter algum valor para receber convites destes», congemina. E aceita. Fica todo vaidoso: as suas fotografias estão a dar a volta ao mundo e a chegar a milhões de pessoas! Daqui a participar em concursos vai um pequeno passo, que transpõe com o maior entusiasmo. Leu sobre um concurso num website de fotografia, e enviou dez fotografias - as suas melhores. Não ganhou o prémio: este foi para uma fotografia, apresentada por um filipino ou um neozelandês, de um pôr-do-sol cheio de HDR e Photoshop (enquanto as suas eram bem mais reais e originais, e implicaram um planeamento cuidadoso e muito trabalho antes de premir o botão do obturador). O que o desanima durante alguns dias, mas as palavras de conforto que recebeu incentivam-no a continuar.
E continuou a fazer fotografia e a visitar sítios na Internet e o facebook. Um dia está a ver a página inicial do facebook e descobre uma fotografia, que lhe desperta instantaneamente uma sensação de familiaridade, na página de outra pessoa, que a partilhara a partir de um site pomposamente denominado «www.fulanodetalphotography.com». Detém-se na fotografia: «Epá... igualzinha à que mandei para aquele concurso!» Mas não pode ser a mesma, porque a do leitor tinha a sua marca d'água e esta tem a marca d'água de «Fulano de Tal Photography». Analisa-a melhor: «ei... este carro aqui, na outra margem do rio, também aparece na minha foto... e lembro-me de ter cortado a minha por aqui... e saturei os vermelhos e os amarelos para dar esta cor aos telhados...» Um sobressalto fá-lo levantar da cadeira, e exclama, gritando (apesar de estar sozinho na sala): - FÓNIX! ESTA FOTO É MINHA! (Não é bem «fónix», mas este é um blogue respeitoso.)
Pois é. O que não falta por aí é esquemas para sacar fotografias aos imprudentes. Esta história é fictícia, mas não anda longe do que acontece por aí todos os dias. Elogiam-nos, dão-nos graxa, passam-nos a mão pelo pêlo; e nós, cegos pelo convencimento de que já somos uns fotógrafos do caraças, ficamos convencidos que estão a reconhecer o nosso valor. Não estão: estão a enganar-nos. Estão a aproveitar-se da nossa vontade de sermos reconhecidos e, quem sabe, de termos a ambição parva de nos tornarmos fotógrafos famosos, para fazer dinheiro à nossa custa. Estão, como se diz na terminologia científica, a comer-nos por lorpas.
É preciso ter muito cuidado com estes esquemas. O facto de termos prazer em fazer fotografia, e de esta, com o advento da era digital, ficar tão barata, não significa que devamos esbanjar as nossas fotografias e dá-las aos primeiros que nos abordem com uma aparência de credibilidade - e falinhas mansas - e nas pedirem. E muito cuidado com os concursos: estes podem ser o pior engodo que existe. Uma fotografia, quando lhe subjaz uma intenção criadora, é o produto de um trabalho intelectual. E esse trabalho é nosso. Ninguém aceita trabalhar de graça; por que havíamos de fotografar e oferecer fotografias a quem se quer locupletar à nossa custa? E não é só o valor da criação intelectual: a fotografia tem outros custos, como as deslocações ou a energia eléctrica que é gasta quando se processam as fotografias no computador e quando se carrega a bateria da câmara. Sem referir o dinheiro que o corpo, as objectivas e os acessórios nos custaram. Contabilizando tudo isto, concluiremos facilmente que uma fotografia não é gratuita.
E há também o lado ético, que nos leva a repudiar o facto de sermos enganados e de usarem o nosso trabalho para benefício próprio. Este é, porventura, o aspecto mais importante. Devemos ser extremamente cuidadosos e ter discernimento suficiente para perceber quando estamos diante de um esquema ou de uma proposta sincera. Mesmo quando o convite para partilhar fotografias é credível, devemos ter o cuidado de deixar escrito - nem que seja num e-mail - que não cedemos a propriedade autoral, além da precaução elementar de incluir o nosso nome nas fotografias (e esta é uma condição essencial para que o direito de autor seja reconhecido). Mas claro que o leitor não precisa destes conselhos porque está bem informado - sobretudo depois de ter lido os textos do ISO 100 sobre a matéria...

terça-feira, 19 de junho de 2012

Um ano de ISO 100

1 
Quase me escapava, no meio do trabalho e de algumas distracções, que foi há exactamente um ano que comecei este blogue. Foi no dia 19 de Junho de 2011 que publiquei o primeiro texto deste blogue. É interessante olhar para trás e ver como as coisas evoluíram; se tiverem paciência, acompanhem-me nesta breve revisitação do passado - um passado que, embora seja uma eternidade nestes tempos em que se vive do imediato, é muito pouco tempo numa perspectiva mais ampla das coisas.
Quando comecei, tinha ainda fresco o entusiasmo de poder usar uma câmara que, ao contrário da que tinha antes, me deixava espaço para fotografar criativamente. Podia (posso) usar modos de exposição avançados e lentes de qualidade. Foi este entusiasmo, e a necessidade que sentia de partilhá-lo, que me impeliu a criar o blogue. Sabia que, por ser um completo desconhecido - a não ser de um grupo estrito de pessoas que viam as fotografias que ia publicando no facebook -, não podia aspirar a ter muitos leitores. Contentava-me por ter um ou dois leitores para cada texto que ia publicando. Isto não me fez abandonar o projecto, mas levou-me a procurar torná-lo o mais interessante possível para os leitores.
Não posso dizer que parece que foi ontem que comecei o ISO 100, porque tal significaria que muito pouco teria acontecido, quer no blogue, quer na minha fotografia, quer ainda na minha vida. Quando releio os primeiros textos publicados, não tenho fresco na memória o que escrevi e as circunstâncias em que o fiz. O que sei é que escrevi muitos disparates nessa altura (e posso confessar que revi alguns subtilmente, sem ninguém se dar conta...), e que hoje teria escrito algumas coisas de maneira diferente. Simplesmente, se fosse a apagar ou a rever o que ficou para trás, perderia um dos objectivos deste blogue - ser o relato de uma aprendizagem. E aprendi bastante, a avaliar pelo que escrevia no início e pelo que sei agora. Ainda não sei tanto como os fotógrafos, quer estes sejam profissionais ou amadores (entendo por fotógrafo aquele que vive, exclusivamente ou não, da fotografia). Ainda me falta muito para atingir esse nível de conhecimento.
Hoje, depois de um ano, estou numa encruzilhada: são muitas as ocasiões em que não consigo escrever textos por não ter nada de novo ou de importante para dizer. Precisava de variar a minha fotografia, de fotografar em lugares e circunstâncias diferentes daquilo que normalmente faço; precisava de usar equipamento diferente do meu, para poder escrever sobre o seu desempenho com mais fundamento. (O conhecimento que tenho de outras câmaras é baseado em experiências curtas e meramente ocasionais.) Gostava muito de escrever ensaios de corpos e de lentes, mas estou certo que tal não deverá acontecer - especialmente num país cujo mercado se circunscreve a duas marcas e a imprensa fotográfica, material ou virtual, está reduzida a uma expressão ínfima.
O que aumentou, ao longo deste ano, foi o número de visitantes do blogue. Claro que nem todos vêm ler o ISO 100 regularmente: alguns - decerto muitos - vêm aqui ter através dos motores de busca. Já veio aqui parar gente que procurava «fotografias legais» (na gíria brasileira) e foi encaminhado para artigos chatíssimos sobre aspectos legais da fotografia! Do mesmo modo, vem ter aqui muita gente que só está à procura de imagens. Apesar de as estatísticas poderem induzir em erro, à data de hoje e à hora que escrevo o ISO 100 já recebeu 16316 visitas. É bem possível que muitas delas tenham vindo aqui para ler os textos, e sei que escrevi alguns que tiveram algum sucesso: os que versavam questões relativas a proibições de fotografar estão entre os mais lidos, o que me enche de orgulho por verificar que estou a escrever para pessoas conscientes e informadas, mas também alguns sobre técnica fotográfica, como o que escrevi sobre congelamento, arrastamento e panning. E é raro o dia em que o número de visitas é inferior a três algarismos.
Se me refiro aos leitores e às estatísticas é porque sempre tive a preocupação de fazer um blogue para os outros, e não algo que fosse determinado por impulsos solipsistas ou por vaidade. Sem leitores, mais valia não escrever. Este blogue não é para mim, é para os leitores. E há que lhes dar o melhor que souber fazer. Há muito que perdi o direito de escrever observações mal fundamentadas, porque os leitores que vêm aqui merecem ter a melhor informação possível. Mas nunca me abstive de exprimir as minhas opiniões, por muito que estas desagradassem a alguém. Hoje em dia, com a intolerância que existe em relação às opiniões alheias, seria mais fácil escrever coisas que agradassem a toda a gente, mas isto seria de um reducionismo que é completamente contrário à minha maneira de ser. Não posso agradar a todos, e não me vou esforçar para o fazer: seria inútil.
Vale a pena continuar? A resposta é um entusiástico sim. Porque tenho leitores que o merecem. A estes o meu obrigado por acompanharem o ISO 100.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Negro carregado

Há uma coisa que me começa a causar embirração: parece que, nos dias de hoje, uma fotografia a preto-e-branco só é boa se for muito low-key, muito carregada e contrastada. (Uso aqui o adjectivo «contrastada» de modo incorrecto, porque as pessoas tendem a chamar «contraste» à acentuação dos tons escuros, o que não é exacto: contraste é a diferença entre tons claros e escuros, e acentuá-lo significa clarear os brancos e as altas luzes e escurecer negros e sombras, o que significa que os primeiros se tornam mais proeminentes.)
Uma fotografia a preto-e-branco resulta bem se os tons escuros forem acentuados. Isto confere-lhe uma atmosfera muito própria, um ambiente noir e sofisticado que produz bons efeitos em muitos casos - basta pensar nas fotografias das capas dos álbuns de Jazz que Francis Wolff fez para a Blue Note -, mas não noutros. Quando se usa o preto-e-branco porque se quer acentuar as formas - este é um dos grandes benefícios do preto-e-branco -, carregar os tons escuros em demasia tem por vezes o efeito oposto, destruindo os pormenores subtis que definem o contorno dos objectos. Além disto, se o escurecimento não for usado judiciosamente, o que ficamos é com uma fotografia confusa, pesada e dificilmente inteligível.
E há um problema ainda mais grave. Quando se fotografa com uma câmara digital, o escurecimento das sombras que esta moda fotográfica implica traduz-se em acréscimo de ruído. E não há edição de imagem que lhes valha: as zonas sombreadas serão sempre afectadas por um tom verde profundamente inestético, que, de tão conspícuo, se torna na primeira coisa que salta aos olhos. Por muito que nos tentemos concentrar na imagem - na sua qualidade estética ou no seu conteúdo - aquele verde está lá, com o mesmo apelo estético que uma mancha de lodo num fato de cerimónia, a atrair o olhar como se fosse um íman e a destruir a agradabilidade da fotografia.
Exemplo de chiaroscuro. Espero que não me censurem o blogue...
A maneira de fotografar a preto-e-branco que descrevi acima não é a mesma coisa que o emprego da técnica denominada chiaroscuro (do italiano chiaro [claro] + scuro [escuro]). O chiaroscuro, que é uma técnica nascida com a pintura renascentista, serve para acentuar formas e volumes, e não para definir uma atmosfera ou ambiente. Serve para criar contraste - aqui sim, a expressão é correctamente usada - ao colocar uma figura bem exposta, ou mesmo ligeiramente sobre-exposta, contra um fundo escuro, ou vice-versa. Ora, as fotografias a que me refiro aqui não são chiaroscuro: são fotografias em que se abusa do negro e das sombras. Não é para qualquer um fazer fotografia com a técnica do chiaroscuro: o exemplo que Michael Freeman expõe no seu O Olhar do Fotógrafo (p. 110) é simplesmente patético - e é o Michael Freeman! Por mim, nem me atrevo a penetrar nestes territórios obscuros da fotografia...  Deve ficar claro (não, não é trocadilho) que uma coisa é o low-key, outra é o chiaroscuro. As fotografias sobre as quais estou a escrever correspondem ao primeiro estilo, não ao segundo.
Não subscrevo esta tendência para as fotografias demasiado carregadas. Embora lhes reconheça qualidades estéticas, contribuindo para a criação de uma certa atmosfera, penso que se tem abusado desta tendência. Não há nada de mal, na minha opinião, em introduzir alguma luminosidade nas fotografias a preto-e-branco. Pelo contrário, até pode resultar muito bem. As gradações de tons tornam-se mais evidentes e, esteticamente, a imagem fica mais equilibrada. O olhar concentra-se melhor nas formas, já que os pormenores são mais inteligíveis. Uma fotografia, para agradar esteticamente, precisa de espaço para respirar. As fotografias low-key, quando se exagera nos negros e nas sombras, são sufocantes e claustrofóbicas. O que está muito bem se for essa a intenção: há fotografias low-key que pretendem, deliberadamente, causar incómodo em quem as vê, como as da série Iraquianos, de António Pedrosa, a que me referi no texto de ontem; mas, se não for essa a intenção, tudo o que temos são fotografias escuras, que podem ser facilmente tomadas por imagens grosseiramente sub-expostas.       

domingo, 17 de junho de 2012

Dúvidas

Estou cansado de fotografar e de escrever sobre fotografia. É um estado de espírito que não se funda em nenhum acontecimento em especial, mas tem a sua causa numa saturação que me leva a pensar se não terei ido longe demais na minha entrega à fotografia. Na verdade, desde Abril deste ano apenas fiz uma fotografia que me satisfez inteiramente. Dou por mim a sair para fotografar, não por ter uma ideia ou um objectivo em mente, mas por não ter nada melhor para fazer. O que é o antónimo do prazer de fotografar; é fotografar por desfastio, e nada de bom pode sair daqui. 
Estou também cansado de escrever: preferia ter mais gente a ver as minhas fotografias do que a ler os meus textos, mas é o oposto que acontece. (O que provavelmente significa que escrevo melhor do que fotografo.) Os textos mais lidos deste blogue são aqueles que menos têm que ver com a criação fotográfica, como os que escrevi sobre o direito aplicável à fotografia. Fico muito satisfeito por saber que as pessoas que lêem este blogue encontram alguma utilidade nos seus textos, mas isto não me satisfaz: ninguém percebe (percepciona) este blogue como um espaço aberto, e são muito poucos os que participam com comentários - o que é o oposto daquilo que pretendia quando comecei o ISO 100: um blogue que servisse para trocar ideias e que ajudasse os leitores - e a mim mesmo - a evoluir enquanto fotógrafos amadores. Em lugar disto, incorro frequentemente no risco de ser confundido com alguém que escreve sem saber muito bem o que está a dizer - apesar de sempre ter tentado evitar que isto acontecesse, porque tenho uma consciência demasiado aguda das minhas limitações.
Quanto às minhas fotografias, tenho notado, nas últimas semanas, que tenho feito muito pouca coisa que valha a pena, apesar de fotografar cada vez mais. Estou mesmo um pouco cansado de fotografar, e cada vez mais insatisfeito com os resultados que obtenho.
Tudo isto leva-me a pensar se vale a pena persistir. Leva-me a perguntar-me se as minhas fotografias têm algum valor artístico, ou meramente estético, que as distinga dos milhares de milhões de fotografias que todos os dias são feitas por fotógrafos amadores. E, quando comparo o que faço com fotografias de Enric Vives-Rubio, Paulo Alegria, António Pedrosa e tantos outros fotógrafos, vejo que as minhas fotografias são desprovidas de substância, sem uma mensagem que diga algo a quem as vê. Algumas serão, quando muito, agradáveis, mas isto não me basta.
Talvez tenha apontado para algo demasiado alto, algo que me é inatingível. É bem possível que, no meio de tanta técnica e preocupação com o equipamento e como usá-lo, tenha deixado para trás o que me levou a fotografar - querer traduzir em imagens a maneira como vejo o que me rodeia. Talvez seja esta maneira como olho para as coisas que não é suficientemente interessante, ou talvez o meu olhar não esteja suficientemente treinado.
Foto de António Pedrosa, da série Iraquianos, vencedora do Prémio Estação Imagem|Mora 2012
Ou talvez não queira tornar-me num fotógrafo. Ontem - sábado, 16 de Junho - fui assistir à inauguração da exposição das fotografias premiadas pela Estação Imagem no Centro Português de Fotografia. Senti-me completamente deslocado, sem nada que me identificasse com as pessoas que ali estavam. Notei que os fotógrafos que estavam presentes eram pessoas mais interessadas em exibir o seu equipamento do que em apreciar as fotografias expostas. E eu não quero ser assim, nem quero olhar com sobranceria quem tem equipamento inferior ao meu ou ostentar uma condição de grande fotógrafo que não é a minha. As pessoas que estavam verdadeiramente interessadas na exposição não levavam câmaras - ou, quando muito, usavam os seus telemóveis para fotografar. Em contrapartida, o vencedor do prémio, António Pedrosa, irradiava simpatia, genuinamente contente por mais este reconhecimento público. E não levou o seu equipamento. Não sentia qualquer necessidade de ostentar a sua condição de fotojornalista, à semelhança do que noto noutros profissionais que conheço. Para estes, os corpos e as objectivas têm a mera condição de utensílios de trabalho. As fotografias expostas são, como seria de esperar, excelentes. Eu gosto de ver fotografias de bons fotógrafos, embora o resultado seja, invariavelmente, o de reforçar as minhas dúvidas sobre se alguma vez serei capaz de fazer uma fotografia que seja com aquele nível de qualidade. Talvez não. Mas talvez seja insensato ter como ambição fazer fotografias comparáveis às de profissionais que têm oportunidade de ver pessoas e lugares tão diversos e variados - o que me é inacessível - e que têm uma formação que eu não tenho.
Back to basics - eis uma divisa que não me canso de repetir, mas não consigo pôr em prática. Jurei que ia voltar a fotografar em JPEG e com retoques mínimos das fotografias, e acabei fotografando RAW e a comprar um programa de edição de imagem ainda mais manipulativo que o Lightroom. E, quando tento fazer fotografias com alma, o que me sai é demasiado rebuscado e acaba por não atingir o objectivo. Já não consigo fotografar espontaneamente, e por vezes dou por mim a tentar fotografar como outros o fizeram, em lugar de ser eu mesmo e de transmitir as impressões que eu senti quando vi determinada cena. O que é, convenhamos, um absurdo.
Talvez deva fazer um intervalo - passar algumas semanas sem fotografar e reformular completamente a maneira como faço fotografias. O que se estende aos textos que escrevo aqui. Isto não significa que tenha desistido de procurar melhorar a minha fotografia: até aqui, entendi que essa melhoria consistia no aprofundamento dos conhecimentos técnicos, mas estava errado. A melhoria que devo procurar é na temática, no conteúdo e na mensagem. Talvez esta pausa sirva para responder às minhas dúvidas.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

E se...?

E se eu estivesse completamente errado quanto ao futuro das câmaras digitais quando vaticinei que as médio formato iam tornar-se mais pequenas e versáteis, atacando o segmento superior das DSLR? E se este ano tiver sido um ano charneira para as câmaras digitais, por ter sido lançada a câmara que pode moldar o futuro? 
E se esta câmara for uma das melhores de sempre?
A câmara a que me refiro é a Nikon D800E. É a irmã gémea da D800, e nenhuma delas é o topo da gama Nikon; acima delas está a profissional D4 (embora quase possa apostar que muitos profissionais vão preferir a D800E a esta última). As Nikon 800 têm corpos idênticos, os mesmos processadores e partilham o sensor fabricado pela Sony. Este é um sensor full frame (36 X 24 mm) que tem a maior contagem de megapixéis dentro deste formato: nada mais nada menos que 36,3 MP. A diferença entre a D800 e a D800E está na diferente disposição do filtro anti-moiré - ou anti-aliasing - nesta última (v. imagem abaixo). Este filtro serve para evitar a aberração óptica conhecida por moiré (serrilhado), que se verifica quando uma imagem digital é vista em tamanhos diminutos, mas produz os seus resultados introduzindo uma ligeira perda de nitidez nas bordas do objecto de modo a suavizar o aspecto daquelas - o que se repercute, evidentemente, na resolução. O «cancelamento» (termo da Nikon, não meu) do efeito deste filtro aumenta a resolução, com a contrapartida de tornar as imagens mais vulneráveis ao aparecimento do moiré (v. aqui) e de cores falsas.
Este número astronómico de pixéis teve uma consequência curiosa - tornou obsoletos alguns programas de edição de imagem, incapazes de lidar com uma resolução tão alta. Alguns tiveram de ser evoluídos especialmente para ir ao encontro da resolução da Nikon 800E. Mais importante, porém, é que estes 36 MP colocam a câmara no território das câmaras de médio formato. Estas câmaras estão por regra dentro de estúdios, dado o seu volume mastodôntico (as excepções são a Pentax 645D e a Leica S2, que, além de maiores, são mais caras que a Nikon D800E). Isto significa que podemos ter aqui uma câmara quase com o mesmo nível de resolução que as médio formato (que têm uma resolução à volta dos 40 MP), mas com uma versatilidade acrescida.
O único problema que um sensor com este nível de resolução poderia apresentar (para além da possibilidade de encher o disco rígido de um computador normal três ou quatro vezes mais rapidamente...) seria o nível de ruído aparente nas imagens. A relação sinal-ruído é, teoricamente, mais desfavorável do que a de uma câmara como a Canon 5D MkIII - há mais pixéis para a mesma área -, e a verdade é que o desempenho desta última com valores ISO elevados é melhor, mas os problemas de ruído da Nikon começam a ISO 6400, valor a partir do qual a Canon ganha vantagem. Simplesmente, essa vantagem não é esmagadora. De resto, uma sensibilidade como esta é insusceptivel de ser usada nas situações mais comuns. ISO 6400 é um valor extremamente elevado, mesmo se atendermos à tendência de alguns amadores para fotografar à noite segurando a câmara com as mãos, usando sensibilidades ISO altíssimas como se fossem um substituto do flash. Pelo que esta não é uma verdadeira limitação. ISO 6400 é uma exorbitância!
É possível que a Nikon D800E prefigure o futuro das câmaras digitais. É até plausível que um fotógrafo profissional só veja vantagens no seu uso em relação a uma câmara profissional, que é maior, mais pesada, mais cara e tem menor resolução. Resta saber o que fará a concorrência - entendendo-se como tal a Canon - perante uma câmara que pode vir a mudar a face da história da indústria fotográfica. A sua resolução é simplesmente incrível; contudo, há ainda um pequeno pormenor que importa corrigir - o surgimento de cores falsas (especialmente em RAW), consequência inevitável da disposição especial dos filtros anti-moiré desta câmara. Se este problema for corrigido - embora um bom programa de processamento de imagem remova facilmente esta aberração: no DxO Pro 7 basta carregar numa quadrícula -, esta pode ser a câmara do futuro: uma profissional a preço de uma câmara para entusiastas, com uma resolução equiparável a uma Hasselblad. Que tal?

terça-feira, 12 de junho de 2012

A história de duas fotografias

Apesar de o meu conselho ser o de preparar bem as sessões fotográficas, planeando-as com antecedência mediante um tema previamente escolhido - metodologia que dá bons resultados porque permite que nos concentremos num só tema, assim obtendo as melhores fotos possíveis -, não são poucas as vezes em que saio com a câmara sem rumo definido e sem um tema previamente escolhido. Uma aplicação prática da máxima do velho Ovídio: video meliora proboque, deteriora sequitur («Vejo as coisas boas e aprovo-as, mas sigo as piores»).
No domingo, dia de Portugal e de Camões, saí para a rua de manhã sem sequer saber ao certo para onde queria ir. Tinha uma vaga ideia de fazer fotografia de rua, aproveitando o facto de ter chovido para fotografar alguns reflexos nas poças de água, mas a quantidade de turistas que enxameavam as ruas fez-me mudar de planos. Estacionei junto ao Palácio de Cristal, subi a Rua da Boa Nova e percorri a Rua de Miguel Bombarda. Esta rua dispensa qualquer esforço de descrição para os portuenses, e mesmo para os não portuenses bem informados: é a rua das galerias de arte. Parte do interesse desta rua - pelo menos para quem a percorre com olhos atentos - está nos graffiti que decoram as paredes. Aqui não há graffiti tribais, relacionados com a subcultura juvenil associada ao hip-hop, aos desportos radicais e a outras representações estereotípicas da juventude urbana. Os graffiti da Rua Miguel Bombarda são arte. Muitos deles podiam estar dentro das galerias, e não fora delas (e há decerto galerias com obras bem menos interessantes). Pelo que, quando percorro aquela rua, não deixo de fotografar aquelas manifestações de arte urbana. Algumas das fotografias que fiz nesta rua estão no topo da lista das mais interessantes entre as fotografias que publico no Flickr - o que, sejam quais forem os critérios empregues pelo Flickr para avaliar esse interesse, não deixa de ser gratificante.
Na Rua Miguel Bombarda, que era uma artéria soturna e banal antes de as galerias se começarem a instalar ali, o ambiente é extremamente cosmopolita. Há as galerias, mas também editoras, livrarias e muitas lojas. As de vestuário, em particular, transmitem uma impressão de sofisticação e cosmopolitismo que são exclusivas daquele lugar. E não é preciso entrar no centro comercial: há-as ao longo da rua, com montras decoradas com uma sofisticação chic que está completamente embebida no ambiente do lugar e procura apelar a um público moderno, esteticamente educado, apreciador de arte e cosmopolita, embora também um tanto ou quanto frívolo.
Em Novembro do ano passado fiz uma das fotografias de que mais me envaideço na Rua de Miguel Bombarda: a montra de uma loja que se chama «Miau Frou Frou». Nunca tinha feito, até então, nenhuma fotografia que capturasse tão bem o espírito de um lugar e o seu ambiente como essa fotografia de um manequim de longas pernas brancas cruzadas, sentado numa coluna jónica e vestindo um casaco de inverno negro. Nesta fotografia são visíveis os reflexos do outro lado da rua, o que a torna numa fotografia de contrastes e altamente descritiva que, embora inequivocamente dominada pelo manequim, tem o contraste das formas banais e anódinas dos edifícios. Um contraste que resultou muito bem. Se a fotografia é a captura de um momento único e irrepetível, a fotografia a que chamei Miau Frou Frou - Inverno supera a condição de imagem ou ficheiro digital.
E no domingo, dia de Portugal e de Camões, voltei a olhar a montra daquela loja. O mesmo manequim, mas agora sentado sobre uma pilha de livros e com um vestido de Verão. Hesitei em fotografá-la; afinal, já o havia feito, embora em circunstâncias diferentes. (Até os reflexos eram diferentes: a luz de um semáforo, que aparece na Miau Frou Frou - Inverno, não surgia desta vez.) De resto, tive várias dúvidas: não estaria a copiar-me a mim mesmo? Não ficaria a fotografia muito abaixo da primeira, uma mera cópia ou imitação da Miau Frou Frou - Inverno?
Resolvi fotografá-la. Quando a abri no computador, vi uma fotografia muito mais luminosa e de uma nitidez muito superior à de Novembro, que, por ter sido feita com uma abertura maior, tem uma profundidade de campo mais estreita, esbatendo ligeiramente o fundo. Contudo, e ao contrário do que esperava, a luz e a nitidez da segunda fotografia contribuem para o ambiente da imagem, que é mais ligeira e menos intensa - o que condiz com o facto de estar a ser mostrado um vestido de Verão, transmitindo um espírito mais ligeiro, menos carregado, mais despreocupado. Ambiente é coisa que não falta nesta fotografia, embora seja necessariamente diferente da primeira. Penso que ambas transmitem o espírito da Rua Miguel Bombarda, que descrevi acima. Por tudo isto, decidi não rejeitar a fotografia que fiz no domingo, dia de Portugal e de Camões, da montra da Miau Frou Frou. Chamei-lhe, evidentemente, Miau Frou Frou - Verão. É uma fotografia que, embora não me tenha dado a mesma satisfação que a versão invernal, penso ser uma fotografia interessante por ter expressão, tal como a primeira, embora tenha sido feita numa época diferente. E a captação de um momento irrepetivel está igualmente patente na fotografia.
Apesar de tudo, ainda sinto que me imitei a mim mesmo e que, tal como informa a publicidade dos flocos de milho da Kellogg's, «o original é sempre o melhor»...   

domingo, 10 de junho de 2012

Câmaras, câmaras e mais câmaras

Sendo a minha paixão pela fotografia muito recente, não tive tempo para construir um capital de nostalgia por câmaras do passado. E é provável que nunca a venha a conhecer, nestes tempos em que uma câmara se torna intoleravelmente obsoleta ao fim de dois anos ou menos. Apesar de já não ser jovem, não consigo olhar para a montra da Photomaton com saudade, porque nunca tive nenhuma das câmaras que por lá aparecem; nem tenho interesse em voltar a tempos que nunca vivi, comprando uma câmara analógica, porque o digital praticamente só tem vantagens. O mais retro que sou capaz é quando uso as lentes de focagem manual, mas confesso que só as tenho porque foi a maneira que encontrei de ter lentes de muito alta qualidade por pouco dinheiro. A OM 28mm/f3.5 custou-me €110, a OM 50mm/f1.4 €100, e o monstro, a Vivitar 75-300, custou outros €100. Mesmo com o adaptador MF-2, que me custou a insignificância de €190,00, o dinheiro que gastei com estas lentes não chegaria para adquirir a Panasonic-Leica 25mm/f1.4, ou a Olympus 9-18mm. Ter um corpo analógico, porém, significaria despesa com rolos e revelações, caminho que não quero prosseguir - apesar de haver qualquer coisa na fotografia analógica que é antagónica da frieza asséptica da fotografia digital e que, por vezes, me faz sentir saudades de tempos que não vivi (mas vi).
Deste modo, quando visito o núcleo museológico do Centro Português de Fotografia e vejo aquelas vitrinas cheias de equipamento fotográfico do passado, olho as câmaras expostas com o ar levemente blasé de quem vê peças de arqueologia. Nem sequer consigo pensar que aqueles objectos inertes já fizeram fotografias fantásticas nas mãos de fotógrafos experimentados: são coisas mortas. Poucas são as que me despertam verdadeiro interesse, e mesmo estas apenas me convencem pela estética. (Apesar desta minha falta de raízes fotográficas, fui exposto a equipamento desde muito novo, por via de um tio que trabalhava na Hitzemann & Cia., Lda., importadora da Minolta e da Fujifilm. O meu sentido estético, no que concerne às câmaras, foi formado com as rangefinders da Minolta, e as únicas SLR para que consigo olhar são as da Pentax, Canon e Olympus dos anos 70. A febre ergonómica que transformou as câmaras SLR em miasmas anamórficos destruiu por completo a beleza das cãmaras, as compactas não podem ser levadas a sério e os telemóveis servem para fazer chamadas e SMS, não para fotografar.)
Das câmaras expostas no CPF, dizia, poucas são as que me atraem a atenção. Considero muito mais excitante entrar numa loja de artigos novos do que num museu (ou, neste caso, núcleo museológico). Aliás, nem sequer consigo perceber porque só expõem câmaras: seria muito interessante ver algumas lentes, como na vitrina do Instituto Português de Fotografia (foto ao lado). Afinal, uma câmara não é apenas o corpo - mas existe esta tendência para fingir que o é, e que a objectiva não é mais do que um mero acessório (o que é uma completa falsidade). As câmaras-espia, as miniaturas e outras curiosidades nada me dizem. Não compreendo por que havia um espião de usar uma câmara disfarçada de lata de Coca-Cola; no momento em que ele levasse a lata ao olho para ver através do visor, as pessoas haviam de achar aquele comportamento bizarro: «Olha, aquele maluquinho está a tirar fotografias com uma lata de Coca-Cola!» Convenhamos que seria muito pouco discreto.
De todas as câmaras expostas, só duas ou três me impressionaram: uma SLR da Canon, por ter montada uma lente 50mm/f0,95, a Olympus O-Product - mais por curiosidade do que pela funcionalidade - e uma das primeiras Leicas, da era pré-Hermés e pré-Walter de'Silva. Esta sim, é uma daquelas câmaras que apetece comprar nem que seja só pelo prazer de a ter - mesmo que não se façam fotografias com ela. Uma câmara com um visor óptico externo belíssimo, e com uma linha que, excepto pelo tamanho dos comandos no painel superior, pode ser considerada intemporal. Se hoje fizessem uma câmara inspirada nesta, visor externo e tudo, seria um êxito!
E eu compraria uma câmara destas, na hipótese fortuita de me sair o Euromilhões? Não. Só se fosse para fotografar com ela, o que implicaria que estivesse em muito bom estado e fosse capaz de uma qualidade de imagem sublime. Porque só isso verdadeiramente conta. Não excluo que venha a fazer fotografia analógica - mal supere o meu receio de não conseguir obter exposições correctas -, mas esta não é uma prioridade.
Não vivo, deste modo, preso ao passado, nem consigo sentir nostalgia por peças de museu. O que não significa que o passado da fotografia não me mereça respeito, ou que seja um tarado da tecnologia, um escravo das modas que se ilude com as promessas de um futuro tecnologicamente perfeito no qual não há lugar para coisas do passado como a focagem manual. Vivo no presente; esta é a minha era. Não vivo para sonhar com um futuro ilusório nem para sonhar com um passado a que não pertenci. Olhar para aquele material fotográfico, porém, não deixa de me fazer pensar que foi feito com um espírito que hoje se perdeu por completo. Tenho a certeza que, em 2060, não haverá uma Nikon D800E ou uma Olympus E-P1 em exposição em nenhuma parte do mundo, porque todas terão sido recicladas ou destruídas pelos seus donos depois de as terem trocado pelo modelo que saiu dois anos depois (ou menos) de as terem adquirido. Definitivamente, perdeu-se aquele espírito pioneiro de fazer evoluir as coisas para obter a melhor qualidade possível. Agora fazem-se câmaras para serem vendidas.  

sábado, 9 de junho de 2012

Exposição: Cultura Magra

Eu acredito no associativismo. Ele serve para dar às pessoas aquilo que o Estado cada vez mais se demite de prover, apesar dos imperativos constitucionais que o obrigam a tanto: arte, educação, desporto, lazer. Sem as associações, muitos ficariam privados destes bens que, por não terem uma natureza mercantil e serem vistos como uma despesa inútil pelos governantes preocupados em salvar bancos e angariar negócios para os amigos, são ostensivamente ignorados pelo Estado. Sou quase um militante do associativismo, depois de ter conhecido a faceta da abnegação e altruísmo de muitos dirigentes associativos - não todos, que ainda há dias me enviaram um e-mail a perguntar se um determinado clube desportivo podia remunerar os seus directores, mas muitos. Entendi - e ainda não houve nada que me fizesse mudar de opinião - que vale a pena apoiar e defender os que, sinceramente e sem outro fito que não seja o bem-estar dos associados, se dedicam a estas actividades - por vezes com sacrifício dos seus prazeres simples e do seu tempo. Especialmente nestes tempos de constrangimento económico, em que os donos do dinheiro decidiram que era chegada a altura de reavê-lo e as associações sentem cada vez mais dificuldades em prosseguir os seus fins.
Quando o associativismo é objecto de um projecto fotográfico, não pode deixar de merecer o meu (redobrado) entusiasmo; foi por esta razão que apreciei tanto a exposição que está no Centro Português de Fotografia, Cultura Magra, com fotografias de Paulo Alegria feitas em algumas colectividades alentejanas. Recomendo vivamente: as fotografias, além de serem muito interessantes quanto à temática, são também belissimamente  executadas. Nesta exposição podemos ver imagens de associações desportivas, de cultura e recreio, de bombeiros - abrangendo todas as actividades para as quais as colectividades estão inerentemente vocacionadas: o desporto amador, o teatro, a preservação de tradições populares. E outras mais. Não deixem de passar pelo Centro Português de Fotografia, que funciona no Porto, à Cordoaria, na antiga Cadeia da Relação. E, se é de equipamento que gostam, sugiro uma visita ao núcleo museológico.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

DxO Optics Pro, v7.5: o teste (4)

Deixei para o fim a redução do ruído, embora este não seja o último dos parâmetros de correcção na ordem dos menus do Pro 7. O tratamento do ruído por este software é o mais eficaz e judicioso que conheço.
A primeira fase da redução do ruído consiste na eliminação do excesso de sombras na imagem. Como é nas áreas de sombra da imagem que o ruído se forma - este não surge nas zonas correctamente iluminadas nem nas de total ausência de luz -, o ruído existente no ficheiro é desde logo drasticamente reduzido com a compensação das sombras, sem que seja necessária qualquer intervenção do utilizador.
Naturalmente, quando se acentuam as sombras (por ex. para dar mais contraste à imagem), o ruído regressa; simplesmente, a redução é tão eficaz que o ruído presente é meramente residual, nem sequer se notando em impressões de formato considerável como 40 X 30. Devo dizer que afirmo isto com absoluta segurança, porque cinco das minhas mais recentes impressões são de fotografias editadas com o Pro 7. Se, porém, o ruído ainda existente for intolerável, há a possibilidade de reduzi-lo manualmente. Pode aumentar-se o pormenor escondido sob o ruído de luminância, aumentar o contraste das áreas afectadas pelo ruído e ajustar (reduzir) o ruído de crominância. O Pro 7 elimina automaticamente os pixéis mortos e remove o moiré, bastando assinalar uma caixa para que esta última aberração desapareça. (Oxalá houvesse um programa assim para editar o país, em que bastasse assinalar uma caixa para remover automaticamente aberrações como o Relvas e o António Borges...!)
A redução do ruído do Pro 7 é, à primeira vista, menos eficiente que a do Lightroom 4, mas é quando ampliamos as imagens tratadas num e noutro que nos apercebemos que a superioridade do Lr é apenas aparente. A redução do ruído no Lightroom é extremamente invasiva: os pixéis indesejados parecem desaparecer, mas as ampliações mostram uma perda severa de pormenor que não pode ser corrigida pelos respectivos comandos. E, quando se usa uma redução acentuada, surgem aberrações de pixéis (orlas) e as áreas onde o ruído se manifestava adquirem uma coloração verde que resultam razoavelmente bem em pequenos formatos, mas se tornam demasiado conspícuos quando as imagens são ampliadas acima de 50%.
Ruído tratado com o Lightroom 4...
 
 ...E com o DxO Pro 7
O Pro 7 conserva algum ruído, mas esta é uma opção deliberada para preservar o pormenor da imagem. E, acima de tudo, a cor não é corrompida pela redução do ruído. Diria, à semelhança de quase todos os críticos que testaram o DxO Optics Pro, que este software possui a melhor redução do ruído de todos os programas de edição de imagem. Não é a mais potente, mas é a que melhores resultados dá na prática. (Por «na prática» deve entender-se «nas impressões», que são o destino natural de uma fotografia.)
Falta referir o processamento, última etapa da edição da imagem. Todas as correcções a que me referi são feitas no separador «Customize». Quando a edição estiver concluída, muda-se para o separador «Process». A imagem editada surgirá sob a forma de miniatura. Nesta fase poderá abrir-se outra imagem para editar e, no fim da edição, juntar à anterior. Isto pode ser feito para diversas imagens, que depois de editadas podem ser processadas em conjunto. Quando todas as tarefas de edição estiverem concluídas, clica-se num botão denominado «start processing» na barra de ferramentas. O processamento não é lá muito rápido, mas a velocidade depende dos ajustamentos efectuados pelo utilizador, podendo ser de apenas alguns segundos se a correcção automática tiver produzido resultados satisfatórios e não forem julgados necessários mais ajustamentos. A imagem é automaticamente guardada como JPEG, TIFF ou DNG na pasta de origem ou noutra a especificar na coluna do lado esquerdo - ou pode ser directamente exportada para o Flickr ou para o Lightroom. A exportação para o Flickr é extremamente demorada e os comandos não respondem convenientemente, pelo que o melhor é exportar a partir da pasta onde as fotografias estão guardadas.

Conclusão

O DxO Optics Pro não é perfeito, mas é um programa de uma qualidade excepcional, com a vantagem de ser de uso simples. A correcção automática que é feita mal se abre a imagem é de tal qualidade que será tudo quanto basta para melhorar muitas imagens, dispensando qualquer intervenção do utilizador. Os problemas que encontrei são a lentidão com que a imagem adquire nitidez quando ampliada na área de trabalho - a forma mais rápida de o fazer é usar a roda do rato, se este a tiver -, alguns defeitos de interface menores, como a conversão a preto-e-branco estar mal situada nos menus, o facto de não se poder transformar uma imagem horizontal em vertical preservando a relação de aspecto e alguma lentidão a processar e a carregar imagens para o Flickr. A correcção das altas luzes e das sombras, a eliminação de distorções e aberrações ópticas e a redução do ruído conferem ao Pro 7 uma ligeira vantagem sobre os outros programas de edição de imagem, à cabeça dos quais surge o Lightroom. Este tem, reconhecidamente, mais flexibilidade e oferece mais controlo ao utilizador (talvez seja preferível dizer que lhe confere mais autonomia, em oposição aos automatismos do Pro 7), mas convém ter em conta que o software da DxO é pensado como uma etapa prévia de correcção da imagem que, depois de processada, receberá mais algum trabalho de edição no Lightroom, tirando partido da maior flexibilidade deste último. Simplesmente, as ferramentas de edição do Pro 7, embora um pouco mais básicas, podem ser suficientes para obter resultados imensamente satisfatórios. E é um programa demasiado caro para funcionar como se fosse um mero plug-in do Lightroom.
O Pro 7 e o Lightroom não são mutuamente excludentes. Espero que as minhas apreciações não sejam lidas, como alguns tão frequentemente fazem, como uma tomada de partido numa guerra imaginária entre os dois programas, ou uma demonstração de «amor» pelo Pro 7 e de «ódio» pelo Lr. Ambos são incrivelmente poderosos, e o que fazem em benefício da qualidade da imagem é simplesmente inestimável. E não são incompatíveis: o ideal seria ter os dois, tirando partido da correcção óptica inigualável do Pro 7 e da flexibilidade do Lightroom. Aliás, existe um botão no Pro 7 que efectua a exportação automática das imagens para o Lr. (O manual refere que se deve começar sempre pelo Pro 7, e só depois empregar outros programas de edição, o que faz sentido, pois caso contrário incorrer-se-ia frequentemente num excesso de processamento que seria prejudicial para a qualidade da imagem.) O Pro 7 é, contudo, suficiente para as necessidades de edição de qualquer fotógrafo amador. Este software facilita a vida ao utilizador que não gosta de perder demasiado tempo a editar imagens, e as suas ferramentas são mais que suficientes para obter excelentes resultados. E com os benefícios suplementares de se poder obter uma imagem (pseudo-)HDR de forma instantânea, e de ter um software que sabe como as objectivas e a câmara se comportam quando usadas em conjunto. Este benefício é, porventura, a maior vantagem do DxO Optics Pro 7. Não tenho dúvidas em recomendar vivamente a aquisição deste software - quer se use isoladamente, quer em conjunção com outros programas de edição.
Pode descarregar uma versão de ensaio, utilizável durante 31 dias, aqui.

NOTA: estes textos são da minha exclusiva iniciativa; não tive qualquer apoio, publicitário ou de qualquer outra natureza, para os escrever. Não tenho qualquer relação comercial com os laboratórios DxO, e o software DxO Optics Pro 7.5 que emprego foi por mim adquirido pelo preço de venda ao público fixado pelo seu autor. Não devia ter de escrever esta nota, mas não estou a salvo de haver alguém que venha insinuar que fui pago para escrever estes textos. Já me aconteceu antes...)   

quinta-feira, 7 de junho de 2012

DxO Optics Pro, v7.5: o teste (3)

Parte 1
Parte 2

A caixa «Geometry», na qual os laboratórios DxO aplicam mais alguns dos ensinamentos resultantes do seu estudo e conhecimento de cada corpo e de cada objectiva, é aquela na qual são corrigidas as distorções ópticas da lente - embora, se o programa reconhecer esta última, o recurso a este comando seja desnecessário - e a imagem é nivelada e cortada.
Quanto à correcção das distorções ópticas da lente, convém ter em mente que este é um daqueles programas de desenvolvimento de ficheiros RAW que mostram a imagem sem a correcção que porventura seja feita pelo processador da câmara. No meu caso, usando a E-P1 com a pancake de 17mm, as distorções ópticas passam despercebidas quando fotografo em JPEG, porque a correcção é feita pela câmara, mas comparar o original com a imagem automaticamente processada mostra um nível de distorção a caminho daquele que é produzido pelas fish-eye. O que significa que a Olympus e a Panasonic têm produzido lentes de fraca qualidade óptica, apoiando-se na qualidade da correcção da câmara para disfarçar os defeitos das objectivas. A palavra batota vem-me à mente. Em qualquer caso, a correcção automática do Pro 7 resolve o problema de forma instantânea e satisfatória.
Muitas vezes a correcção da distorção de barril típica das grande-angulares leva a que as figuras presentes nas extremidades esquerda e direita da imagem fiquem distorcidas, com resultados absolutamente grotescos como cabeças de pessoas grosseiramente alongadas no sentido horizontal, ou bolas de futebol com forma de bolas de râguebi... O Pro 7 corrige esta distorção através de um comando que corrige a anamorfose de volume, recuperando formas esféricas e cilíndricas situadas nos extremos da imagem. Recomendo que se use esta correcção sempre que se usem distâncias focais de grande-angular, de maneira a repor o volume que se perde com a correcção da distorção: esta ferramenta é extremamente poderosa e inteligentemente concebida.
O nivelamento e o corte são muito semelhantes, nas suas funcionalidades, ao que o Lightroom oferece. Simplesmente, o Pro 7 tem uma abordagem mais inteligente ao corte de imagens que foram niveladas, já que, por defeito, mantém a relação de aspecto da imagem. E o corte é feito em função da informação obtida com o nivelamento da imagem. Isto significa que acabaram as imagens com cantos negros. E o mesmo acontece na correcção da distorção, em que a relação de aspecto também é preservada. Uma imagem com a distorção de barril corrigida no Lightroom pode aparecer com volumes elípticos a negro nos quatro lados da imagem - já me aconteceu! -, mas no Pro 7 é impossível que isto suceda. Em todos os demais comandos, o Pro 7 é mais ou menos idêntico aos outros programas de edição da imagem: esta pode ser corrigida na vertical ou na horizontal e podem forçar-se linhas paralelas.
Um lamento é que não seja possível transformar uma imagem horizontal em vertical mantendo a relação de aspecto. É muito frequente fotografar um objecto na horizontal e, quando abro a imagem, descobrir que aquele ficaria muito melhor se a fotografia fosse vertical. No humilde Olympus Viewer 2, basta-me especificar a relação de aspecto (por ex. 3:2) e carregar no centro da área de corte para ficar com uma fotografia 3:2 vertical. Depois é só arrastar a área de corte para a zona da imagem que quero transformar numa fotografia vertical. Claro que posso cortar a imagem no Pro 7 transformando-a numa vertical, mas perco a informação de relação de aspecto, tendo de confiar no olhómetro para manter as proporções correctas.  
Outra originalidade deste programa (que, como já referi pelo menos por duas vezes, se apoia nos dados coligidos com os testes DxOMark) é a possibilidade de definir a distância focal, nos casos em que esta não é assumida automaticamente, e também a distância de focagem, de algumas dezenas de centímetros até ao infinito. Isto torna-se necessário sempre que se usam lentes que não constam da base de dados DxOMark ou quando a distância focal empregue é equívoca (por ex. 17,5mm).
A última caixa das funções de correcção chama-se «Detail»; compreende, logo no início, um comando denominado «DxO lens softness». Com isto é recuperada a nitidez que a lente não é capaz de resolver por razões da sua própria concepção. Já mencionei que os laboratórios DxO conhecem as deficiências de cada objectiva analisada, e os parâmetros de correcção baseiam-se nesse conhecimento, pelo que este ajuste não é genérico, universal, mas adaptado a cada lente. Este comando corrige a perda de nitidez, mas não recupera fotografias desfocadas nem dá nitidez ao desfoque resultante da escolha de uma profundidade de campo reduzida (i. e. o bokeh). Há três ajustes: o global, o pormenor e o bokeh. Acresce que o controlo do bokeh - ao contrário do que me sucedia com frequência no Lightroom quando afinava a nitidez da imagem - não introduz aberrações nas áreas desfocadas.
Este comando é mais uma manifestação do enorme savoir-faire da DxO e da forma como a quantidade maciça de informação recolhida sobre cada objectiva e cada corpo é empregue para elaborar os parâmetros de correcção. Os resultados da aplicação desta correcção são de tal maneira satisfatórios que me levaram a repensar os meus conceitos acerca da edição de imagem. Nenhum dos programas que experimentei faz o que o Pro 7 consegue fazer - mas também é verdade que nenhum outro produtor de software de edição de imagem tem uma base de dados comparável à dos laboratórios DxO, nem a sua metodologia de testes. A genialidade do Pro 7 está, como mencionei, em tratar a imagem de acordo com o uso conjunto de uma dada objectiva com um certo corpo. Os módulos DxO compreendem praticamente todas as conjugações possíveis: Canon-Tamron, Nikon-Tokina, Canon-Sigma, Olympus-Panasonic, Panasonic-Voigtländer, etc. E a lista de módulos engrossa a cada actualização do programa.
Outros comandos deste menu são o unsharp mask, o ruído e as aberrações cromáticas. O primeiro é, de longe, o menos agressivo, e o que menos prejudica a qualidade da imagem, que já experimentei. Contudo, deve ser usado com cuidado, uma vez que o uso do contraste local ou do DxO lens sharpness em conjunto com o unsharp mask pode levar a exageros e, se não se tiver cuidado, ao surgimento de halos inestéticos à volta dos objectos, num oversharpening que pode ser visível em impressões de grande formato.
A correcção das aberrações cromáticas do Pro 7 é simplesmente brilhante. O mais interessante, neste comando, é que não é necessário usá-lo se o módulo que compreende a câmara e a lente estiver instalado, uma vez que as aberrações são corrigidas automaticamente mal se abre a imagem na área de trabalho. O resultado pode ser visto quase imediatamente, bastando clicar com o botão esquerdo do rato sobre a imagem para comparar a imagem original com a corrigida: as aberrações cromáticas desaparecem por completo. Já referi muitas vezes que a Pancake 17mm tem, entre os seus defeitos, o de produzir um volume apreciável de aberração cromática, mas ao ver uma imagem processada com o Pro 7 dificilmente se acredita que esta objectiva tenha esse problema de concepção. Claro que também é possível a correcção manual para as lentes não identificadas pelo software, assim como são corrigidos (também manualmente) outros tipos de aberrações, incluindo o purple fringing. (Continua)

Parte 4

quarta-feira, 6 de junho de 2012

DxO Optics Pro, v7.5: o teste (2)

Parte 1

Vimos, no texto anterior, o poder do DxO Pro 7 na recuperação dos pormenores escondidos debaixo das altas luzes. Segue-se, na ordem dos menus de edição do Pro 7 e ainda dentro da caixa «Light», o sub-menu «DxO Lighting - HDR». Se no menu «compensação de exposição» se corrigem as altas luzes, aqui controlam-se as sombras, através de diversos comandos. O primeiro destes é a correcção automática, que pode ser slight, medium ou strong. Este comando é praticamente desnecessário depois de se ter usado a compensação da exposição. Aliás, mesmo sem ter usado a compensação da exposição se pode aferir dos benefícios do Pro 7: a correcção que é feita mal se abre a imagem elimina todo o excesso de sombras, mostrando, com uma claridade equivalente ao uso de um flash de preenchimento (fill-in), todos os pormenores que haviam ficado ocultos sob as sombras. Este resultado, embora impressionante, pode não ser do gosto do utilizador ou não corresponder sua à intenção quando fez a fotografia, pelo que há uma enorme possibilidade de editar as sombras.
Neste menu podem ser ajustados: - a intensidade, que dá um maior realce aos médios tons, equivalendo ao comando da presença do Lightroom; aquilo a que os laboratórios DxO chamam ponto branco e ponto preto, que acentua ou reduz as altas luzes e as sombras; o brilho e o contraste. Este último tem uma utilização reminiscente do dodging dos tempos do filme analógico, subdividindo-se em contraste global e local. Ambos têm por efeito realçar os médios tons, mas o contraste global age apenas sobre algumas áreas da imagem. O efeito do contraste global é o mesmo que pode ser encontrado nas fotografias feitas com a técnica HDR, com um realce dos contornos dos objectos do qual, contudo, convém não abusar sob pena de se perder a verosimilhança da imagem. Aliás, se se usar o contraste local cumulativamente com o unsharp mask ou com o comando DxO lens softness (v. adiante), é forte a probabilidade de surgirem orlas à volta dos objectos. Quanto ao brilho, este compreende três comandos: gama, raio das sombras e preservação das sombras.
Deve dizer-se que os laboratórios DxO desaconselham o recurso a este menu de correcção, uma vez que os seus controlos são aplicados por defeito quando a imagem é automaticamente corrigida, pelo que os valores que se encontram ao abrir o menu não estão a zero, ou num ponto neutro, mas já modificados de acordo com a pré-definição. Por exemplo, o ponto branco e o ponto preto surgem já definidos de acordo com a informação transmitida quando se usou a compensação da exposição. Contudo, podemos sempre querer um pouco mais de contraste - sombras mais carregadas ou uma imagem com menos claridade. Especialmente quando usamos o preto-e-branco, caso em que a claridade quase clínica obtida com o preset automático, que de resto resulta muito bem na fotografia a cores, poderá ser inadequada. Nestes casos deve jogar-se com o brilho, recuando o comando para a esquerda, e com o raio das sombras, e não com o ponto preto nem com o contraste.
Aproveito a menção ao preto-e-branco para formular as primeiras críticas ao programa: seria porventura preferível que a transformação da imagem de cor para preto-e-branco estivesse no início dos menus, tal como acontece com o Lightroom. O mesmo se diga das opções de correcção da distorção e do corte da imagem, que no Lightroom surgem numa caixa anterior às demais ferramentas de edição da imagem. Se é para seguir a ordem - de cima para baixo - dos menus, é mais racional tratar uma imagem desde o início como uma fotografia a preto-e-branco do que convertê-la apenas depois de terem sido aplicadas ferramentas que modificam a exposição, e eu preferiria corrigir uma imagem já com a relação de aspecto definida a cortá-la perto do fim do processo de edição. É mais um problema de ergonomia do que uma deficiência substancial, e decerto os laboratórios DxO terão uma justificação válida para estabelecerem esta ordem.
Depois destes sub-menus, e ainda dentro da caixa «Light», surgem mais dois comandos: «vignetting» e as curvas de tons. O primeiro corrige a vinhetagem, uma aberração da imagem resultante de uma deficiência de iluminação dos cantos da imagem que ocorre sobretudo quando se usam lentes com distâncias focais curtas. A correcção é sempre manual; não há aqui um modo automático porque a correcção da vinhetagem já foi aplicada no momento em que se abriu a imagem a editar. Contudo, não deixa de ser bom que haja a possibilidade de corrigir este problema manualmente, em especial se forem usadas lentes que o programa não identifica.
Importa referir que as correcções automáticas funcionam com base naquilo a que os laboratórios DxO chamam «módulos». O programa interpreta a informação transmitida no ficheiro de imagem (EXIF) e adequa os parâmetros de correcção para uma determinada objectiva montada num dado corpo. Por exemplo, no meu caso, o programa descarregou um módulo para a Olympus E-P1 com a Pancake de 17mm e outro com a mesma câmara e o zoom 40-150mm. Quer isto dizer que o Pro 7 não analisa um corpo e uma lente em separado, mas os resultados do seu uso conjunto, interpretando o modo como uma lente se comporta montada num dado corpo e como este interage com a objectiva nele montada. Se for usada uma lente estranha à base de dados DxOMark, as correcções não deixam de ser possíveis, mas muitos parâmetros que de outra forma teriam sido aplicados automaticamente terão de ser introduzidos pelo utilizador. Diga-se, contudo, que mesmo com uma lente desconhecida, o programa identifica o corpo utilizado.
A curva de tons é, de acordo com o altamente doutrinário manual de instruções, só para fotógrafos experientes. Em princípio, se tudo tiver corrido bem nos passos anteriores - especialmente se a aplicação automática da pré-definição tiver dado resultados satisfatórios -, não haverá necessidade de ajustar a curva de tons, mas este ajuste pode ser útil nos casos em que se pretende ainda mais contraste, e podem também modificar-se os extremos da gama dinâmica - as sombras e as altas luzes - movendo as extremidades da linha ao longo das paredes verticais do diagrama. O ideal para obter uma imagem mais viva e dinâmica será obter uma linha em forma de S, curvando para baixo o segmento inferior da diagonal e para cima o superior.
Convém referir que, na sua maioria, os comandos são accionados à la Lightroom, através de botões que deslizam horizontalmente da esquerda para a direita. Em muitas ferramentas surge, do lado direito do comando, um botão quadrado com uma varinha mágica: carregando neste botão - o Pro 7 tinha de ter qualquer coisa pirosa e absurda para fazer concorrência aos floreados rococós dos menus do Lightroom - obtêm-se as pré-definições automáticas do Pro 7. Não se trata de um reset, mas de recuperar a pré-definição e o resultado obtido com o ajustamento das altas luzes.
O Pro 7 permite também o ajustamento da cor, o que se faz com os sub-menus incluídos na caixa «Color». Existem cinco opções, a começar pelo equilíbrio dos brancos. Este, que é de fundamental importância quando se processam ficheiros RAW, pode ser ajustado de acordo com as pré-definições da câmara, com as habituais definições automáticas de luz do dia, sombra, tungsténio, etc., ou manualmente, usando uma ferramenta (o color picker) que equivale a usar um cartão branco ou cinzento para definir o equilíbrio dos brancos na câmara; esta ferramenta não é tão sofisticada como a do Lightroom, que apresenta uma grelha quadriculada para facilitar a escolha da área cinzenta, mas a grelha torna-se redundante quando se pode ampliar a imagem até 400%. Existem ainda dois comandos accionados por botões para afinar a temperatura da cor e a tonalidade. Estes, tal como as pré-definições da câmara, não podem ser usados quando se processam JPEGs; neste caso, apenas estão disponíveis o color picker e uma barra que comanda a tonalidade, de «cooler» a «warmer».
As outras afinações de cor são a vibração e o HSL (*) - que nada têm de assinalável, faltando o ajustamento separado dos tons laranja e púrpura nesta última - e, sobretudo, os comandos color rendering e color mode. O primeiro permite afinar as definições de cor de acordo com as definições da câmara, e ainda dando à imagem o aspecto que teria se a fotografia tivesse sido feita com filme. Pode também escolher-se uma câmara e lente diferentes da usada - posso dar a uma das minhas fotografias as características cromáticas de uma Canon 1D com a lente de 50mm/f1.2! -, ou optar-se por um de diversos filmes a cor da Fujifilm e da Kodak. O número de opções aumenta para níveis astronómicos se estiver instalado o DxO Film Pack, que aproxima a imagem da obtida se tivesse sido utilizado um de entre muitas dezenas de filmes compreendidos na base de dados. Sem o plug-in, apenas estão acessíveis o Fujifilm Astia, Provia e Velvia (todos a ISO 100) e os Kodak Ektachrome 64 e 100. Aqui também se regula a intensidade das cores e existe um comando, denominado protect saturated colors, que permite variar os valores de saturação, preservando-os ou diminuindo-os em função da intensidade. O color mode, por seu turno, transforma a cor da imagem de acordo com cinco pré-definições: tal como fotografado, retrato, paisagem, preto-e-branco e sépia. Neste menu modificam-se também os valores de saturação e contraste para cada um dos modos escolhidos. É aqui que se deve aumentar o contraste na fotografia a preto-e-branco. (Continua)

Parte 3
Parte 4
__________________
(*) HSL = Hue, Saturation and Lightness